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Predição da restrição do crescimento fetal pela medida da altura uterina

Prediction of fetal growth restriction by measurement of uterine height

Resumos

OBJETIVO: avaliar o emprego da medida da altura uterina para o diagnóstico da restrição do crescimento fetal (RCF), empregando como padrão curvas conhecidas de evolução da altura uterina do próprio serviço. MÉTODOS: entre julho de 2000 e fevereiro de 2003, 238 gestantes de alto risco foram submetidas a medidas de altura uterina, da 20ª à 42ª semana de gestação. Todas possuíam idade gestacional confirmada por ultra-sonografia precoce. Cinqüenta (21,0%) gestantes tiveram recém-nascidos pequenos para a idade gestacional. O mesmo observador realizou 1617 medidas de altura uterina, com fita métrica, da borda superior da sínfise púbica ao fundo uterino. A confirmação do diagnóstico de RCF foi dada após o nascimento pela curva de Ramos. Para a análise estatística, as gestantes foram comparadas segundo o peso dos recém-nascidos, por meio do teste exato de Fisher ou teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, quando aplicável. Foram calculados: sensibilidade (S), especificidade (E), valor preditivo positivo (VPP) e negativo (VPN) para o diagnóstico de RCF. Para a análise dos valores contínuos foi utilizado o teste para duas proporções com aproximação normal. RESULTADOS: para a ocorrência de RCF, considerando-se uma medida de altura uterina abaixo do percentil 10 para a idade gestacional, S foi de 78%, E de 77,1%, VPP de 47,6% e VPN de 92,9%. Utilizando como limite o percentil 5, foram obtidos S = 64%, E = 89,9%, VPP = 62,7% e VPN = 90,4%, para o diagnóstico da RCF. CONCLUSÃO: medida de altura uterina abaixo do percentil 10 para a idade gestacional, pela curva local, mostra-se como bom teste para o rastreamento da RCF.

Gravidez de alto risco; Diagnóstico pré-natal; Desenvolvimento fetal; Restrição do crescimento fetal


OBJECTIVE: to evaluate the measurement of uterine height in order to predict fetal growth restriction (FGR), according to a local curve. METHODS: from July 2000 to February 2003, 238 high-risk pregnant women were submitted to uterine height measurements between the 20th and the 42nd week of gestation. The gestational age of all the women was well known, confirmed by early ultrasound. Fifty (21%) women gave birth to infants considered small for their gestational age. The measures were performed by a single observer, who took 1617 uterine height measurements, from the upper border of the symphysis pubis to the fundus uteri, using tape measurement. The diagnosis of FGR was confirmed after birth according to the Ramos's curve. The women were divided into two groups according to their infant's birth weight and the data were statistically analyzed by the Fisher's exact test or Kruskal-Wallis's test. The sensitivity (SE), specificity (SP), positive predictive value (PPV), and negative predictive value (NPV) were calculated. The test for two proportions with normal approximation was performed to analyze the continuous variables. RESULTS: one measurement below the 10th percentile, according to gestational age, resulted in SE = 78.0%, SP = 77.1%, PPV = 47.6%, and NPV = 88.8% for the identification of FGR. If one measurement was below the 5th percentile, the SE, SP, PPV, and NPV were 64.0, 89.9, 62.7 and 90.4%, respectively. CONCLUSIONS: one measurement below the 10th percentile for the gestational age, according to the local curve, proved to be a good predictor of FGR.

High-risk pregnancy; Prenatal diagnosis; Fetal development; Fetal growth restriction


TRABALHOS ORIGINAIS

Predição da restrição do crescimento fetal pela medida da altura uterina

Prediction of fetal growth restriction by measurement of uterine height

Silvio Martinelli; Roberto Eduardo Bittar; Marcelo Zugaib

Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Silvio Martinelli Rua Primeiro de Janeiro 20 apto. 44 – Vila Clementino 04044-060 - São Paulo - SP email: martinellisilvio@aol.com

RESUMO

OBJETIVO: avaliar o emprego da medida da altura uterina para o diagnóstico da restrição do crescimento fetal (RCF), empregando como padrão curvas conhecidas de evolução da altura uterina do próprio serviço.

MÉTODOS: entre julho de 2000 e fevereiro de 2003, 238 gestantes de alto risco foram submetidas a medidas de altura uterina, da 20a à 42a semana de gestação. Todas possuíam idade gestacional confirmada por ultra-sonografia precoce. Cinqüenta (21,0%) gestantes tiveram recém-nascidos pequenos para a idade gestacional. O mesmo observador realizou 1617 medidas de altura uterina, com fita métrica, da borda superior da sínfise púbica ao fundo uterino. A confirmação do diagnóstico de RCF foi dada após o nascimento pela curva de Ramos. Para a análise estatística, as gestantes foram comparadas segundo o peso dos recém-nascidos, por meio do teste exato de Fisher ou teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, quando aplicável. Foram calculados: sensibilidade (S), especificidade (E), valor preditivo positivo (VPP) e negativo (VPN) para o diagnóstico de RCF. Para a análise dos valores contínuos foi utilizado o teste para duas proporções com aproximação normal.

RESULTADOS: para a ocorrência de RCF, considerando-se uma medida de altura uterina abaixo do percentil 10 para a idade gestacional, S foi de 78%, E de 77,1%, VPP de 47,6% e VPN de 92,9%. Utilizando como limite o percentil 5, foram obtidos S = 64%, E = 89,9%, VPP = 62,7% e VPN = 90,4%, para o diagnóstico da RCF.

CONCLUSÃO: medida de altura uterina abaixo do percentil 10 para a idade gestacional, pela curva local, mostra-se como bom teste para o rastreamento da RCF.

Palavras-chave: Gravidez de alto risco. Diagnóstico pré-natal. Desenvolvimento fetal. Restrição do crescimento fetal.

ABSTRACT

OBJECTIVE: to evaluate the measurement of uterine height in order to predict fetal growth restriction (FGR), according to a local curve.

METHODS: from July 2000 to February 2003, 238 high-risk pregnant women were submitted to uterine height measurements between the 20th and the 42nd week of gestation. The gestational age of all the women was well known, confirmed by early ultrasound. Fifty (21%) women gave birth to infants considered small for their gestational age. The measures were performed by a single observer, who took 1617 uterine height measurements, from the upper border of the symphysis pubis to the fundus uteri, using tape measurement. The diagnosis of FGR was confirmed after birth according to the Ramos's curve. The women were divided into two groups according to their infant's birth weight and the data were statistically analyzed by the Fisher's exact test or Kruskal-Wallis's test. The sensitivity (SE), specificity (SP), positive predictive value (PPV), and negative predictive value (NPV) were calculated. The test for two proportions with normal approximation was performed to analyze the continuous variables.

RESULTS: one measurement below the 10th percentile, according to gestational age, resulted in SE = 78.0%, SP = 77.1%, PPV = 47.6%, and NPV = 88.8% for the identification of FGR. If one measurement was below the 5th percentile, the SE, SP, PPV, and NPV were 64.0, 89.9, 62.7 and 90.4%, respectively.

CONCLUSIONS: one measurement below the 10th percentile for the gestational age, according to the local curve, proved to be a good predictor of FGR.

Keywords: High-risk pregnancy. Prenatal diagnosis. Fetal development. Fetal growth restriction.

Introdução

A restrição do crescimento fetal (RCF), por ser a segunda causa de morbidade e mortalidade perinatal, tem despertado enorme interesse na Obstetrícia moderna, constituindo um dos maiores desafios aos que lidam com gestações de alto risco. Sua importância decorre também da incidência, etiologia (múltiplos fatores envolvidos) e dificuldades de diagnóstico e tratamento.

Entre os casos complicados com RCF a mortalidade perinatal é seis a dez vezes maior em relação à de recém-nascidos (RN) adequados para a idade gestacional1. A morbidade perinatal é cerca de cinco vezes maior para os RN com RCF, em conseqüência da maior freqüência de hipoxia, aspiração de mecônio, hipoglicemia, hipocalcemia, policitemia, hipotermia, hemorragia pulmonar e prejuízo no desenvolvimento neuropsicomotor1. Além das repercussões no período perinatal, o crescimento fetal diminuído pode repercutir posteriormente. Barker2, por meio de estudos epidemiológicos, demonstrou a associação entre baixo peso ao nascimento e presença de fatores de risco cardiovasculares na vida adulta, tais como: hipertensão arterial, níveis séricos elevados de triglicérides e baixas concentrações séricas de HDL colesterol, além de diabete melito não insulino-dependente.

O acompanhamento pré-natal adequado permite ao obstetra a detecção mais precoce de um déficit de crescimento fetal. Uma vez sob suspeita de RCF, a gestante poderá ser melhor avaliada e medidas serão tomadas com o objetivo de reduzir a morbidade e mortalidade perinatais. Apesar de aproximadamente 20% dos fetos com RCF não serem detectados até o nascimento3, a combinação de métodos clínicos e ultra-sonográficos aumenta a possibilidade de se estabelecer este diagnóstico.

O método clínico mais importante para se avaliar o crescimento fetal durante o pré-natal é a medida da altura uterina. Utiliza-se, para este fim, fita métrica, medindo-se a distância, em centímetros, da sínfise púbica ao fundo uterino. Entre a 20a e a 34a semana, a medida da altura uterina, em centímetros, equivale à idade gestacional, em semanas4,5. Alguns cuidados devem ser tomados para a realização da medida, como a posição adequada da gestante (em decúbito dorsal horizontal com os membros em extensão) e a bexiga vazia6,7 .

Foram construídas curvas de normalidade relacionando a medida da altura uterina com a idade gestacional. Valores de altura uterina abaixo de determinado limite (10o percentil ou um ou dois desvios-padrão) são utilizados como método de triagem para o diagnóstico de RCF. Alguns autores encontraram boa sensibilidade na predição da RCF pela medida da altura uterina4,5,8-13, ao passo que outros não confirmaram estes resultados14-16.

Apesar de a ultra-sonografia ser considerada o exame mais importante para diagnosticar anormalidades do crescimento fetal17, esta não é recomendável como método de triagem para a RCF3, sendo a medida da altura uterina a principal ferramenta de que o obstetra dispõe para identificar o crescimento fetal anormal18.

Em nosso meio, apenas dois estudos se preocuparam em avaliar a medida da altura uterina na detecção da RCF, utilizando curvas próprias de normalidade10,12. Entretanto, ambos os estudos foram realizados de forma retrospectiva (levantamento de prontuários), com múltiplos examinadores e com a idade gestacional baseada na data da última menstruação.

Em estudo anterior, construímos uma curva de normalidade para a altura uterina de forma prospectiva, com idade gestacional obtida pela ultra-sonografia precoce e com medidas realizadas por um único observador19. Em vista da ausência de estudos nacionais que empreguem metodologia semelhante, resolvemos dar continuidade ao trabalho anterior, com o objetivo de avaliar a acurácia de nossa curva para o diagnóstico da RCF.

Pacientes e Métodos

Durante o período compreendido entre julho de 2000 e fevereiro de 2003, realizou-se, no Ambulatório de Alto Risco (Setor de Hipertensão Arterial) da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), estudo prospectivo envolvendo 238 gestantes.

O critério para o cálculo da idade gestacional foi baseado na data da última menstruação, confirmado por exame ultra-sonográfico, realizado até a 12a semana de gestação ou por, pelo menos, dois exames ultra-sonográficos concordantes, realizados entre a 12a e a 20a semana de gravidez. Os seguintes critérios de inclusão foram utilizados: gestação com feto único e vivo, medidas de altura uterina obtidas entre a 20a e a 41a semana de gestação e todas as medidas realizadas pelo mesmo observador. Foram excluídas do estudo as gestantes com situação transversa, malformações fetais e polidrâmnio.

A responsabilidade do pré-natal, assim como as condutas de cada caso, ficavam a cargo dos obstetras integrantes do Setor de Hipertensão Arterial da Clínica Obstétrica da FMUSP. As gestantes foram informadas a respeito do estudo e, caso aceitassem participar, assinavam o termo de consentimento segundo as normas da Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas da FMUSP, que aprovou o estudo.

A coleta de dados foi feita por meio de um formulário padronizado, cujo preenchimento iniciou-se no momento da admissão da gestante no estudo, ou seja, a partir da 20a, semana e continuou até o parto. Durante o acompanhamento pré-natal, as consultas foram mensais até a 28a semana, quinzenais até a 36a semana e semanais até o parto, e seguiram padronização descrita no protocolo de condutas da Clínica Obstétrica20. Na primeira consulta de pré-natal, registraram-se a estatura e o peso da gestante. O peso foi aferido em cada consulta subseqüente e, pelo gráfico de Rosso21, as gestantes foram classificadas em baixo peso, peso normal e sobrepeso. Os dados referentes ao estudo foram posteriormente transferidos para uma planilha eletrônica (Excel Microsoft Office 2000).

Foram constituídos dois grupos de gestantes, segundo o peso dos RN, para a realização da análise estatística: grupo de RN PIG (pequenos para a idade gestacional) e grupo de RN não PIG (adequados ou grandes para a idade gestacional).

A medida da altura uterina foi realizada pelo próprio pesquisador (S.M.) em todas as gestantes, de acordo com a periodicidade das consultas. Para este fim, foi utilizada fita métrica, graduada em centímetros. As gestantes foram orientadas para esvaziamento vesical completo, menos de 30 minutos antes do exame. Colocava-se a paciente em decúbito dorsal horizontal, com os membros inferiores em extensão, posicionando-se a fita métrica sobre o eixo longitudinal do útero. As medidas foram realizadas da borda superior da sínfise púbica ao fundo uterino, utilizando-se a face cubital da mão para sustentar a fita, segundo a técnica descrita por Belizán et al8.

Os dados de altura uterina coletados foram transferidos para a curva construída no próprio serviço19 e a gestante foi considerada de risco para RCF quando pelo menos um valor da medida de altura uterina era inferior ao percentil 10 para a idade gestacional da referida curva.

Como critério para o diagnóstico da RCF, utilizamos o peso de nascimento inferior ao percentil 10 para a idade gestacional, segundo a curva de Hadlock et al.22, até a 31a semana, e a curva de Ramos23, a partir da 31a semana de gestação.

Para a análise estatística, os valores categóricos foram expressos em freqüência absoluta (n) e freqüência relativa (%) e comparados com o desfecho de peso do RN abaixo do percentil 10 (grupo de RN PIG) ou acima do percentil 10 (grupo de RN não PIG), por meio do teste exato de Fisher ou teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, quando aplicável. Foram calculados: sensibilidade (S), especificidade (E), valor preditivo positivo(VPP) e negativo (VPN). Para a comparação dos valores contínuos com o desfecho de peso do RN abaixo ou acima do percentil 10, foi utilizado o teste para duas proporções com aproximação normal. Foram considerados risco alfa menor ou igual a 5% e intervalo de confiança de 95%.

Resultados

Entre as 238 gestantes que participaram do estudo, 50 tiveram RN PIG (21%). A idade materna variou de 18 a 44 anos, com média e desvio-padrão de 27,6 e ±5,6 anos, respectivamente. Não houve diferença significante entre os grupos de RN PIG e não PIG em relação à idade (p=0,45).

Vinte e sete gestantes (11,3%) eram tabagistas. Destas, o número de cigarros consumidos em média por dia foi de 6,1 (±4,4), variando de 2 a 20. Não houve diferença significante entre os grupos PIG e não PIG em relação ao hábito de fumar (p=0,13).

Constatamos que nove mulheres (3,8%) haviam apresentado RCF em gravidez anterior. Apesar do pequeno número de casos, houve diferença significante entre os grupos de RN PIG e não PIG em relação ao antecedente de RCF (p<0,001).

Segundo o gráfico de Rosso21, 37 gestantes (15,5%) foram classificadas como de peso baixo, na primeira consulta de pré-natal. Houve diferença significante entre os grupos de RN PIG e não PIG em relação à classificação das gestantes quanto ao peso (p<0,001).

Quanto ao tipo de parto, o parto vaginal foi o mais freqüente (59,3%), tendo sido o fórcipe indicado em 12,3% dos casos e o parto normal em 47%. No grupo de RN PIG, realizou-se a operação cesariana em 34 gestantes, e destas, 14 casos tiveram por indicação sofrimento fetal. Houve diferença significante entre os grupos RN PIG e não PIG quanto ao tipo de parto (p<0,001).

A idade gestacional média na ocasião do parto foi de 37,5 (±2,8) semanas para o grupo de RN PIG e 39,2 (±1,5) semanas para o grupo não PIG. O número de partos prematuros foi de 14 (28,0%) para o grupo de RN PIG e de 15 (7,9%) para o grupo de RN não PIG. Houve diferença significante entre os grupos de RN PIG e não PIG quanto à idade gestacional no parto (p<0,001) e também quanto à freqüência de prematuridade (p=0,002).

O peso médio de nascimento foi de 2125 (±567) gramas para o grupo de RN PIG e 3311 (±505) gramas para o grupo não PIG. Houve diferença significante entre os grupos de RN PIG e não PIG quanto ao peso de nascimento (p<0,001).

Quanto ao sexo, houve predomínio de RN do sexo masculino (55%), em relação ao sexo feminino (45%). O índice de Apgar de 1o minuto mostrou diferença significante entre os grupos de RN PIG e não PIG para valores menores que 7 e maiores ou iguais a 7 (p=0,02). Para o índice de Apgar de 5o minuto, não houve diferença significante entre os grupos de RN PIG e não PIG (p=0,50).

O tempo de internação no berçário variou de 2 a 84 dias, sendo que o grupo de RN PIG apresentou média e desvio-padrão de 13,5 e 18,9 dias e o grupo não PIG, de 3,4 e 3,9 dias, respectivamente. Houve diferença significante entre os grupos de RN PIG e não PIG quanto ao tempo de internação no berçário (p<0,001).

No grupo de RN PIG houve necessidade de UTI neonatal em 14 casos (5,9%), e em apenas 3 casos (1,3%) para o grupo de RN não PIG. Houve um óbito neonatal no grupo de RN PIG. Houve diferença significante entre os grupos de RN PIG e RN não PIG, quanto à necessidade de UTI neonatal (p<0,001).

Em todos os casos analisados, não houve diferença maior de 14 dias entre a idade gestacional calculada e a estimada pelo método de Capurro et al.24.

Dados da medida de altura uterina

Houve um total de 1617 medidas de altura uterina, com média de 6,8 medidas por paciente. As gestantes foram acompanhadas a partir da 20a semana até o parto.

Uma medida de altura uterina localizada abaixo do percentil 10 para a idade gestacional na curva de Martinelli et al.19 teve S de 78%, E de 77,1%, VPP e VPN de 47,6 e 92,9%, respectivamente, (p<0,001; OR=11,96) para a ocorrência de RCF. Utilizando-se como limite uma medida abaixo do percentil 5 para a idade gestacional, foram constatados os seguintes resultados: S=64%; E=89,9%; VPP=62,7% e VPN=90,4% (p<0,001; OR=15,81).

Para avaliar a acurácia da curva de altura uterina de Martinelli et al.19 como padrão para o diagnóstico de RCF ao longo da gestação, foram selecionados os seguintes períodos: 20a à 23a semana, 24a à 27a semana, 28a à 31a semana, 32a à 36a semana e a partir da 36a semana. Em cada período foi considerado o total de medidas de altura uterina e calculados S, E, VPP e VPN. Na Tabela 1 apresentamos o resultado das medidas de acordo com o período gestacional. De acordo com estes dados, verificamos que a S é inferior a 30% entre a 20a e a 23a semana, eleva-se e atinge o maior valor no período entre a 28a e a 31a semana (42,3%), para depois manter-se estável um pouco acima de 40%. O VPP encontra-se baixo entre a 24a e a 27a semana (39,4%), atingindo um pico entre a 28ª e 31ª semana (71%), para depois decair até 54,4% após a 36a semana. Os outros dois valores, E e VPN, mantêm-se relativamente estáveis ao longo dos períodos.

O período gestacional no qual as medidas de altura uterina apresentaram maior precisão para o diagnóstico de RCF correspondeu ao período entre a 28a e a 31a semana, apesar de não se constatar diferença significante entre os demais períodos da gestação, como pode ser observado na Tabela 1.

Utilizando-se a curva de Belizán et al.8 como padrão e com os dados de altura uterina obtidos neste estudo e considerando uma medida de altura uterina abaixo do percentil 10 para a idade gestacional, obtivemos S=54%, E=97,3%, VPP=84,4% e VPN=88,8% para a identificação da RCF.

A Figura 1 mostra a variação da S e do VPP no decorrer da gestação quando se emprega a curva de altura uterina de Martinelli et al.19 e da curva de Belizán et al.8. Para o diagnóstico de RCF, quando se emprega a curva de Martinelli et al.19, a sensibilidade foi significantemente maior (p=0,009), ocorrendo o mesmo para o VPP da curva de Belizán et al.8 (p<0,001). A mesma demonstrou maior E (p<0,001). Obteve-se maior VPN utilizando-se a curva de Martinelli et al.19, embora a diferença não tenha sido significante para a detecção da RCF em comparação com a outra curva8 (Figura 2).



Discussão

Desde 1977, vários estudos publicados avaliando a medida seqüencial da altura uterina para a detecção da RCF tiveram resultados divergentes. A S para este diagnóstico variou de 26,4 a 86,0%, e a E de 64,0 a 97,6%4,8,25,26. Estas diferenças entre os estudos podem ser devidas a: tipo de população incluída (alto ou baixo risco), forma de avaliação da idade gestacional, diferentes critérios para a definição de RCF e para valores anormais de altura uterina, curva de normalidade utilizada e técnica da medida.

Em nosso meio, as síndromes hipertensivas constituem a principal causa de comprometimento do crescimento fetal. Kahhale et al.27 verificaram estar a RCF presente em 20,3% dos casos de hipertensão arterial. Nosso estudo, por ter sido também realizado com gestantes hipertensas, mostrou incidência de 21% de RCF.

Além do encontro da RCF em gestação anterior, considerado o principal fator de risco, outros podem ser citados, como: gravidez nos extremos da vida reprodutiva, o tabagismo e o baixo peso materno. Concordando com os relatos de Visser et al.28, apesar do pequeno número de casos, observamos haver diferença significante entre os grupos de RN PIG e não PIG quanto ao antecedente materno de RCF.

Ao compararmos o grupo de RN PIG com o grupo não PIG, em relação à faixa etária materna, não encontramos diferença significante entre eles. Uma possível razão seria a ausência de gestantes com idade inferior a 18 anos e apenas sete gestantes com 40 anos ou mais em nossa casuística.

Em relação ao hábito de fumar, também não houve diferença significante entre os grupos. Apesar de esta associação estar bem estabelecida na literatura29, pode ser aventado que isto não ocorreu dado o pequeno número de gestantes tabagistas (11,3% do total) e o número de cigarros consumidos, seis em média.

A exemplo dos relatos de Lawton et al.30, encontramos diferença significante entre os grupos de RN PIG e não PIG quanto ao baixo peso materno na primeira consulta de pré-natal, segundo o critério de Rosso21.

A definição de RCF por nós utilizada, ou seja, peso do RN abaixo do percentil 10 para a idade gestacional, ainda é a mais aceita3,17. Outro ponto de discussão entre os autores, a definição para baixos valores de altura uterina, também obedece a critérios distintos5,8,11. Optamos pela definição de Belizán et al.8, também por ser a mais utilizada nos estudos pesquisados.

Em 2001, a partir de uma população de gestantes normais atendida no nosso serviço, construímos uma curva-padrão para a altura uterina, entre a 20a e a 42a semana, por meio de estudo prospectivo, incluindo pacientes com idade gestacional confirmada por ultra-sonografia precoce e com todas as mensurações realizadas pelo mesmo examinador19. Para o presente estudo, utilizamos esta curva como padrão de normalidade, para a nossa população de gestantes.

Para a interpretação dos valores obtidos de altura uterina, além dos fatores relatados, devemos também considerar a técnica utilizada para a realização da medida. A maioria dos trabalhos utiliza a técnica descrita por Belizán et al.8, que propõe que a medida seja realizada da sínfise púbica ao fundo uterino, fixando-se a fita métrica com a face cubital da mão. Esta também é a técnica que adotamos em nosso estudo.

Portanto, utilizando metodologia apropriada, este estudo avaliou a predição da RCF por medidas seriadas da altura uterina. Na literatura não há estudo nacional que tenha utilizado esta metodologia. Se levarmos em conta apenas os estudos que utilizaram a mesma definição para RCF, o mesmo critério para definir baixos valores para a medida da altura uterina e igual técnica de medida, a S nestes estudos variou de 39,1 a 89,0% (média: 66,9%) e o VPN apresentou variação de 93 a 95,8% (média: 94,8%). A E variou de 79 a 97,6% (média: 86,8%) e o VPP, de 25,7 a 80% (média: 48,1%)4,8,12,15,25,26.

Na nossa avaliação, a S e VPN encontrados, de 78,0 e 92,9%, respectivamente, para a detecção da RCF pela medida da altura uterina, sugerem ser este bom método para o rastreamento da RCF, por apresentar maior S em comparação aos estudos selecionados, assim como VPN semelhante. Neste estudo, o VPP para o achado de RCF, pela medida da altura uterina, foi de 47,5%, o que também corresponde à média deste valor nos trabalhos publicados.

Ao apontarmos um outro ponto de corte, o percentil 5 da curva de altura uterina, observamos diminuição da taxa de falso-positivos para a predição da RCF (de 22,9% para 10,1%), mas às custas de queda da S do método para 64,0%. Apesar de este ponto de corte possibilitar a redução do número de intervenções necessárias a estas gestantes, por outro lado exclui do grupo de risco um número maior de casos de RCF, diminuindo, assim, a capacidade de rastreamento do teste.

Encontramos, em nosso estudo, pela medida da altura uterina, maior precisão no diagnóstico da RCF entre 28 e 31 semanas de gestação. Ao identificarmos as gestantes de risco para a RCF ainda neste período, medidas poderão ser tomadas em tempo hábil, melhorando o prognóstico perinatal destes fetos.

O percentil 10 da curva de Martinelli et al.19 mostra-se superior ao da curva de Belizán et al.8 ao longo de toda a gestação, sendo a maior diferença observada na 20a semana (2,8 cm), diminuindo progressivamente até a 36a semana (0,6 cm), para novamente aumentar até a 41a semana (1,8 cm). O percentil 10 da curva de Martinelli et al.19 chega a ser 0,3 cm maior que o percentil 50 da curva de Belizán et al.8, na 20a semana de gestação.

Esta diferença entre as curvas faz com que um número maior de fetos com crescimento diminuído esteja abaixo do percentil 10 na curva de Martinelli et al.19, levando a maior S, assim como menor E (e também a um número maior de falso-positivos). Nesta curva, nas gestantes com valores de altura uterina acima do percentil 10, a possibilidade de RCF também é menor (maior VPN). Conseqüentemente, nossos resultados demonstraram maior S (78,0 vs 54,0%) e VPN (92,9 vs 88,8%) para a curva de Martinelli et al.19.

Por outro lado, quando a medida da altura uterina encontra-se abaixo do percentil 10 da curva de Belizán et al.8, espera-se que o déficit de crescimento seja mais importante, sendo o diagnóstico da RCF mais provável (maior VPP). Gestantes com fetos adequados para a idade gestacional apresentarão pequena possibilidade de resultado falso-positivo (maior especificidade). Por este fato, os achados de E (97,3 vs 77,1%) e VPP (84,4 vs 47,6%) foram maiores para a curva de Belizán et al.8.

Apesar do encontro de índice de falso-positivos muito baixo para a curva de Belizán et al.8 (2,7%), em contrapartida, seus resultados falso-negativos foram inaceitavelmente altos para um método de rastreamento (46,0%). Em face destas considerações, a curva de Martinelli et al.19, quando comparada à curva de Belizán et al.8, mostrou-se mais adequada como método de triagem para a RCF.

Temos a convicção da necessidade de novos métodos diagnósticos para a identificação mais precoce da RCF. Entretanto, nos dias atuais a medida da altura uterina com fita métrica ainda é de grande valor na avaliação inicial do déficit de crescimento fetal.

Recebido em: 16/1/2004

Aceito com modificações em: 31/5/2004

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Aceito
      31 Maio 2004
    • Recebido
      16 Jan 2004
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