Resumos
OBJETIVO: construir curva de altura uterina em função da idade gestacional em gestantes de baixo risco e comparar os valores com os da curva adotada nacionalmente. MÉTODOS: estudo observacional e prospectivo. A amostra foi constituída por 227 gestantes atendidas no setor de pré-natal de dois serviços públicos de saúde de João Pessoa, PB. Foram incluídas mulheres com idade gestacional de certeza, feto único, vivo e sem malformações, sem condição patológica materno-fetal conhecida que pudesse afetar o crescimento fetal, com peso corporal normal e não-fumantes. As gestantes foram submetidas à medição padronizada da altura uterina entre a 13ª e a 39ª semana. A idade gestacional (foi confirmada por ultra-sonografia. O mesmo observador realizou 1206 medidas de altura uterina, com média de 5,3 medidas por gestante. Para análise estatística, adotou-se nível de significância de 5%. Foram construídas tabelas e curvas com os valores dos percentis 10, 50 e 90 da altura uterina em função da idade gestacional. RESULTADOS: os valores dos percentis 10, 50 e 90 da altura uterina em cada idade gestacional permitiram a construção de curva padrão de altura uterina por idade gestacional em gestações de baixo risco. A análise comparativa visual entre as curvas mostrou que elas são diferentes. A diferença entre os valores médios de altura uterina deste estudo e os valores da curva adotada pelo Ministério de Saúde foi significativa a partir da 19ª semana de gestação. CONCLUSÃO: as duas curvas de altura uterina podem ter desempenhos diferentes quando utilizadas na assistência pré-natal para rastrear desvios do crescimento fetal. A curva padrão de altura uterina por idade gestacional construída deverá ser validada posteriormente para uso como padrão de normalidade.
Cuidado pré-natal; Fatores de risco; Idade gestacional
PURPOSE: to build a curve of fundal height according to gestational age among low-risk pregnant women and to compare it with the official standards used in Brazil. METHODS: a prospective observational study was carried out. A sample of 227 low-risk pregnant women with gestational age from 13 to 39 weeks was followed-up in the prenatal care sector of two public health services from João Pessoa, PB. Women with a known gestational age, a single live fetus, without malformation, with no known maternal-fetal pathological condition that could possibly affect fetal growth, with a normal body weight, and non-smokers were included in the study. Their fundal height was measured in a standard way, after a previous ultrasound done to confirm the gestational age. The same investigator performed 1206 measurements and each woman had a mean of 5.3 measurements. Statistical tests were performed with a significance level of 5%. Tables and graphs of fundal height were built according to the gestational age with the 10th, 50th and 90th percentiles. RESULTS: the values of percentiles 10, 50 and 90 of fundal height in each gestational age allowed the construction of a pattern curve of fundal height by gestational age among low-risk pregnant women. A clear visual difference was observed between this new and the official fundal height curve. Statistical analyses showed significant differences between them from the 19th week on. CONCLUSION: the results suggest different normal fundal height and fetal growth patterns among low-risk pregnant women on prenatal assistance compared to the used standard curve, thus with different performances when used for diagnosing fetal growth deviations. Future studies should validate the current fundal height curve by gestational age in order to possibly use it as a reference pattern.
Prenatal care; Risk factors; Gestational age
ARTIGOS ORIGINAIS
Curva da altura uterina por idade gestacional em gestantes de baixo risco
Curve of fundal height measurements according to gestation age among low-risk pregnant women
Djacyr Magna Cabral FreireI; Cláudio Sérgio Medeiros PaivaII; Edméia de Almeida Cardoso CoelhoIII; José Guilherme CecattiIV
IProfessora Assistente da Escola Técnica em Saúde da Universidade Federal da Paraíba e aluna de Doutorado da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil
IIProfessor Adjunto do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade Federal da Paraíba - UFPB - João Pessoa (PB), Brasil
IIIProfessora Adjunta do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública e Psiquiatria da Universidade Federal da Paraíba - UFPB - João Pessoa (PB), Brasil
IVProfessor Associado de Obstetrícia do Departamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil
Correspondência Correspondência: José Guilherme Cecatti Rua Alexander Fleming, 101 13083-881 Campinas SP Fax: 019-37889304 e-mail: cecatti@unicamp.br
RESUMO
OBJETIVO: construir curva de altura uterina em função da idade gestacional em gestantes de baixo risco e comparar os valores com os da curva adotada nacionalmente.
MÉTODOS: estudo observacional e prospectivo. A amostra foi constituída por 227 gestantes atendidas no setor de pré-natal de dois serviços públicos de saúde de João Pessoa, PB. Foram incluídas mulheres com idade gestacional de certeza, feto único, vivo e sem malformações, sem condição patológica materno-fetal conhecida que pudesse afetar o crescimento fetal, com peso corporal normal e não-fumantes. As gestantes foram submetidas à medição padronizada da altura uterina entre a 13ª e a 39ª semana. A idade gestacional (foi confirmada por ultra-sonografia. O mesmo observador realizou 1206 medidas de altura uterina, com média de 5,3 medidas por gestante. Para análise estatística, adotou-se nível de significância de 5%. Foram construídas tabelas e curvas com os valores dos percentis 10, 50 e 90 da altura uterina em função da idade gestacional.
RESULTADOS: os valores dos percentis 10, 50 e 90 da altura uterina em cada idade gestacional permitiram a construção de curva padrão de altura uterina por idade gestacional em gestações de baixo risco. A análise comparativa visual entre as curvas mostrou que elas são diferentes. A diferença entre os valores médios de altura uterina deste estudo e os valores da curva adotada pelo Ministério de Saúde foi significativa a partir da 19ª semana de gestação.
CONCLUSÃO: as duas curvas de altura uterina podem ter desempenhos diferentes quando utilizadas na assistência pré-natal para rastrear desvios do crescimento fetal. A curva padrão de altura uterina por idade gestacional construída deverá ser validada posteriormente para uso como padrão de normalidade.
Palavras-chave: Cuidado pré-natal; Fatores de risco; Idade gestacional
ABSTRACT
PURPOSE: to build a curve of fundal height according to gestational age among low-risk pregnant women and to compare it with the official standards used in Brazil.
METHODS: a prospective observational study was carried out. A sample of 227 low-risk pregnant women with gestational age from 13 to 39 weeks was followed-up in the prenatal care sector of two public health services from João Pessoa, PB. Women with a known gestational age, a single live fetus, without malformation, with no known maternal-fetal pathological condition that could possibly affect fetal growth, with a normal body weight, and non-smokers were included in the study. Their fundal height was measured in a standard way, after a previous ultrasound done to confirm the gestational age. The same investigator performed 1206 measurements and each woman had a mean of 5.3 measurements. Statistical tests were performed with a significance level of 5%. Tables and graphs of fundal height were built according to the gestational age with the 10th, 50th and 90th percentiles.
RESULTS: the values of percentiles 10, 50 and 90 of fundal height in each gestational age allowed the construction of a pattern curve of fundal height by gestational age among low-risk pregnant women. A clear visual difference was observed between this new and the official fundal height curve. Statistical analyses showed significant differences between them from the 19th week on.
CONCLUSION: the results suggest different normal fundal height and fetal growth patterns among low-risk pregnant women on prenatal assistance compared to the used standard curve, thus with different performances when used for diagnosing fetal growth deviations. Future studies should validate the current fundal height curve by gestational age in order to possibly use it as a reference pattern.
Keywords: Prenatal care; Risk factors; Gestational age
Introdução
A medida da altura uterina (AU) é técnica simples para avaliar o crescimento fetal durante as consultas do pré-natal e a utilização de uma curva padrão de crescimento da AU em função da idade gestacional é eficaz para diagnosticar restrição de crescimento intra-uterino1. A ultra-sonografia, se for utilizada com objetivos semelhantes, parece oferecer maior precisão. No entanto, é método mais sofisticado, de maior custo e que necessita de profissionais especializados para sua realização2.
Estudos de Villar e Belizan1 e de Engstrom e Sittler3 indicaram que a medida da AU é importante procedimento auxiliar no diagnóstico clínico, não somente para rastreamento da restrição de crescimento intra-uterino, mas também para identificar outras complicações na gravidez, tais como gestações múltiplas, alterações do volume do líquido amniótico e mola hidatiforme. As medidas da AU também podem ser usadas para identificação de erros na estimativa da idade da gestação, baseada na data da última menstruação (DUM). Com este procedimento, estima-se o baixo peso neonatal em um centro de atenção primária, com baixos custos, podendo-se referir as gestantes de risco para que sejam assistidas no nível de complexidade que o caso requeira3.
A importância do baixo peso ao nascer para a saúde pública deve-se não apenas aos riscos subseqüentes de morbidade e mortalidade, mas também à freqüência com que o mesmo ocorre. As taxas de baixo peso ao nascer nos países desenvolvidos estão em torno de 5 a 6%, ao passo que no Brasil a prevalência é 9,2%, ultrapassando 10% na zona rural4. Entre as mortes ocorridas até o sétimo dia de vida (período neonatal precoce) no Brasil, 70% ocorreram entre os neonatos com peso inferior a 2.500 g. Por isso, o baixo peso ao nascer tem sido alvo de vários estudos epidemiológicos com o objetivo de identificar os fatores de risco e na tentativa de elaborar estratégias de intervenções que possam reduzir estes fatores e/ou prevenir a ocorrência do mesmo4.
O Ministério da Saúde recomenda, no Manual de Assistência Pré-Natal, que esse método seja aplicado a todas as gestantes. O padrão de referência adotado é um gráfico de curvas de crescimento da altura uterina para a idade gestacional elaborado a partir de dados do Centro Latino-Americano de Perinatologia (CLAP), sendo considerados limites de normalidade para o crescimento uterino respectivamente o percentil 10, para o limite inferior, e o percentil 90, para o limite superior5. Essa curva tem origem de uma amostra de mulheres uruguaias, tendo sido construída a partir de gestantes com características próprias da população daquele país6.
Estudos de Pommier et al.7, Pedrosa de Freitas8, Jacobsen9, Ogunranti10, Margotto11, Hakansson et al.12, Buhmann et al.13 e Martinelli et al.14 têm demonstrado discrepância entre os valores de curvas de AU apresentadas na literatura quando aplicadas a populações diferentes das que forneceram os parâmetros para sua construção. Os resultados indicam que as curvas de AU sofrem influência de características étnicas, socioeconômicas e nutricionais das diferentes populações, bem como da técnica de medição da AU e do nível de risco dos grupos estudados, o que sugere que cada população deve ter sua própria curva de AU.
Diante das observações feitas na prática profissional e das informações registradas na literatura, formulou-se a hipótese de que a curva adotada pelo Ministério da Saúde pode não ser a mais adequada para avaliar o crescimento fetal das gestantes de todo o país. Com a finalidade de oferecer subsídios para reflexão sobre a adequação da curva utilizada pelo Ministério da Saúde para a população de gestantes brasileiras, o estudo proposto visou o objetivo de construir uma curva de crescimento de AU em função da idade gestacional com valores obtidos de uma população de gestantes de baixo risco da rede pública do Nordeste do Brasil (João Pessoa, PB) e comparar os valores obtidos com os da curva adotada pelo Ministério da Saúde5.
Métodos
Trata-se de estudo observacional, longitudinal e prospectivo. A escolha dos serviços para a realização do estudo deu-se por três critérios: ser referência na assistência pré-natal da rede pública do município, apresentar maior demanda e adesão das gestantes ao serviço. Portanto, foram escolhidos os serviços de pré-natal do Hospital Universitário da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e o do Instituto Cândida Vargas.
A população do estudo foi constituída pelas gestantes atendidas nos serviços de referência selecionados, no período de agosto de 2001 a março de 2002. O acesso às gestantes foi orientado pelos princípios éticos da pesquisa envolvendo seres humanos recomendados pela Resolução 196/98 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da UFPB. Foram consideradas no estudo as variáveis contínuas: idade gestacional (IG) como variável independente e AU como variável dependente. O processo de amostragem dos indivíduos da população foi do tipo casual simples. Os elementos amostrais foram alocados aleatoriamente de acordo com a livre demanda de cada serviço pré-natal.
Foram incluídas na amostra as gestantes que preencheram os seguintes critérios de inclusão: DUM conhecida com certeza; sem uso de contraceptivos orais nos três meses anteriores à gravidez; IG confirmada por uma ultra-sonografia realizada até a 20ª semana, não discordando em mais de uma semana com a IG clínica; feto único e vivo; sem condição patológica materno-fetal conhecida que pudesse afetar o crescimento fetal; com peso corporal normal, avaliado pelo gráfico de porcentagem de peso/altura adotado pelo Ministério da Saúde5; não-fumantes e assinatura do consentimento livre e esclarecido.
Foram excluídas da amostra, durante o período de coleta de dados, aquelas gestantes que: não compareceram a pelo menos quatro consultas de pré-natal com intervalo mínimo de duas semanas entre as consultas; evoluíram para abortamento; apresentaram intercorrências clínicas e/ou obstétricas que podem afetar o crescimento fetal, tais como: hipertensão arterial crônica, pré-eclâmpsia, diabete melito, malformações fetais, oligoâmnio, polidrâmnio, cardiopatias, doença pulmonar obstrutiva crônica. Foram excluídas também as que apresentaram déficit nutricional expressado por ganho de peso corporal menor ou com déficit maior que o esperado pelo gráfico de percentagem de peso/altura em relação à IG adotado pelo Ministério da Saúde5.
Para o cálculo do tamanho da amostra foi assumido que: a distribuição das médias amostrais da altura uterina é normal; o desvio-padrão da altura uterina na população não é conhecido, porém foi estimado a partir dos dados de Martinelli et al.14 como s=1,1 cm; a amplitude máxima da diferença entre o valor da AU estimado pela média amostral e o verdadeiro valor populacional foi 0,5 cm. Para cada semana de IG da 13ª à 39ª semana foi necessária uma subamostra de tamanho n1>19 medidas, o que corresponderia a um número mínimo de 513 medidas no total. Como cada gestante deveria ter pelo menos três consultas de pré-natal, com intervalo mínimo de duas semanas entre as consultas, seriam necessárias, para a obtenção de 513 medidas de AU, 171 gestantes. Como se previu perda potencial de 10% das gestantes, estimou-se que a amostra deveria ter no mínimo 190 gestantes. Foram realizadas 1206 medidas em 227 gestantes.
A IG foi calculada em semanas em cada consulta de pré-natal na ocasião da aferição da medida da altura uterina. Considerando-se que a variabilidade da medida da AU pode ser alterada pelo grau de repleção vesical, foi solicitado a todas as gestantes o esvaziamento da bexiga antes do procedimento da medida da AU. A medida da AU foi realizada segundo a técnica recomenda pelo CLAP, descrita no Manual de Assistência Pré-Natal do Ministério da Saúde5. A AU foi medida por um único observador com o uso de fita métrica flexível e inelástica, com uma das faces em branco e a outra face com escala em centímetros e milímetros. Para diminuir a variabilidade intra-observador, a medida da AU foi realizada por três vezes consecutivas e, posteriormente, adotada a média aritmética destas três medidas como o valor representativo da AU. A precisão da leitura das medidas na escala foi 0,1 cm.
Os dados obtidos foram sumarizados e apresentados em tabelas e gráficos em escala intervalar. Foram calculados, para cada semana de gestação, no intervalo entre a 13ª e a 39ª semana, a média e o desvio padrão dos valores das medidas da AU. Foram utilizados a análise de regressão e o método de mínimos quadrados para definir o modelo matemático de melhor ajuste da curva de regressão. O gráfico da AU em função da IG foi construído com curvas representativas para os percentis 10, 50 e 90, utilizando-se o software SPSS for Windows® (Versão 8.0).
Para a comparação dos dados desta amostra com a curva do Ministério da Saúde/CLAP foi realizada, para cada semana de gestação, a comparação entre as médias de duas populações não correlacionadas, considerando-se os desvios-padrão desconhecidos, porém supostamente iguais. Adotou-se o nível de significância de 5%.
Resultados
A pesquisa foi realizada inicialmente com 274 gestantes, porém foram excluídas 47 gestantes por apresentarem um ou mais critérios de exclusão, resultando numa amostra de 227 gestantes. Desse grupo, foram obtidas 1206 medidas de AU, com uma média de 5,3 medidas por gestante. A Figura 1 mostra a dispersão dos 1206 valores da AU agrupados por IG entre a 13ª e a 39ª semana. A análise de correlação entre as variáveis IG e AU mostrou-se altamente significativa (coeficiente de correlação de Pearson (R) = 0,96).
A taxa média de crescimento da AU foi de 0,9 cm/semana entre a 13ª e a 39ª semana. Na Figura 2 estão representados três períodos com taxas distintas de crescimento semanal da AU. A maior taxa ocorreu entre a 13ª e a 21ª semana (1,1 cm/semana), diminuindo para 0,8 cm/semana entre a 22ª e a 30ª semana e 0,7 cm/semana entre a 31ª e a 39ª semana. Foram calculados os valores dos percentis 5, 10, 25, 50, 75, 90 e 95 da medida da AU para cada semana de IG entre a 13ª e a 39ª semana (Tabela 1) e foi construída a curva de AU em função da IG com os percentis 10, 50 e 90 (Figura 3).
Com o propósito de comparar as duas curvas, foi construído gráfico composto pela curva de Fescina et al.6 e a curva do presente estudo (Figura 4). A análise comparativa visual das curvas mostrou que elas são diferentes. Pode-se observar que os valores da presente curva são maiores do que os da curva padrão, e que esta diferença aumenta com a evolução da gravidez. Para cada semana de IG, a comparação das duas amostras independentes por meio do teste t de Student mostrou, na Tabela 2, que entre a 13ª e a 18ª semana as diferenças nos valores das médias da AU das duas curvas não foram significativas. No entanto, a partir da 19ª até a 39ª semana, estas diferenças foram significativas.
Discussão
Neste estudo, o critério utilizado para o cálculo da IG foi a DUM confirmada por ultra-sonografia no primeiro trimestre ou realizada até no máximo a 20ª semana de gravidez, o que foi essencial para determinar a IG com maior precisão. Poucos estudos internacionais utilizaram a ultra-sonografia para confirmação da IG15,16, ao passo que apenas um estudo na literatura nacional utilizou esse recurso14.
Na construção da curva de AU, cada semana de IG foi considerada uma subpopulação de valores da AU. A dispersão dos valores das medidas da AU foi minimizada pelos seguintes procedimentos metodológicos: todas as medidas foram realizadas por um mesmo pesquisador; as medidas foram feitas inicialmente com a face não marcada da fita, e só após a marcação do limite superior do útero a leitura era feita na face numerada da fita; todas as mulheres foram sistematicamente solicitadas a esvaziar a bexiga antes do procedimento da medida. Além disto, foi padronizada uma única técnica para todas as medidas de AU e os critérios de inclusão e de exclusão foram rigorosamente obedecidos.
De acordo com relatos da literatura revisada, os trabalhos que se propuseram à construção de uma curva-padrão de AU incluíram apenas as gestantes sem intercorrências clínicas e com peso e estatura adequados. Alguns autores não fizeram correções quanto à obesidade, situação fetal e volume amniótico15,17.
As medidas da AU realizada pelos clínicos são tendenciosas quando se usa a fita marcada para obter suas medidas de AU3. Neste estudo se verificou que a média das diferenças observadas entre as medidas feitas com fita marcada (0,61 cm) foram menores que a média das diferenças entre as medidas feitas com fita não marcada (0,97 cm). A conclusão é que os profissionais de saúde (médicos e enfermeiras) tendem a manipular o processo de medição da AU e, desse modo, ajustar as medidas verificadas na fita marcada até obterem um valor dentro de suas expectativas. Fescina et al.6 demonstraram esta preocupação apenas nas 100 primeiras medidas, podendo ter havido tendenciosidade no restante de suas medidas, visto que a casuística foi de 1070 medidas. Por estes motivos, no presente estudo, as medidas foram obtidas com fita não marcada.
Para diminuir a variação intra-observador, cada medida foi realizada por três vezes consecutivas e, então, adotada a média aritmética destas três medidas como representativa da AU. Este procedimento foi baseado nas observações de vários estudos da literatura que relatam diferenças nas medidas de AU realizadas pelo mesmo observador6,14,18,19.
Deve-se considerar que várias técnicas de medidas mostram diferentes resultados3, sendo importante a padronização de uma única técnica para diminuir a variabilidade da medida da AU14. A técnica para medir a AU utilizada em nosso estudo foi a descrita por Fescina et al.6, que é a mesma técnica adotada pelo Ministério da Saúde nos manuais de pré-natal de baixo risco.
A análise comparativa entre as duas curvas mostrou que elas apresentam diferenças significativas, como previsto na hipótese inicial deste estudo. Verificou-se que os valores desta curva são maiores do que os valores da curva de Fescina et al.6 e que esta diferença aumenta com a evolução da gravidez. Pode-se observar que da 13ª a 18ª semana estas diferenças não foram consideradas significativas, ao passo que no intervalo da 19ª à 39ª semana as duas curvas diferiram significativamente. As diferenças entre as curvas podem ser explicadas, provavelmente, pelas diferenças metodológicas utilizadas na construção das duas curvas, como também pela diversidade étnica entre as respectivas populações, além das condições socioeconômicas e nutricionais próprias de cada região.
O caminho metodológico do presente estudo teve trajetória que se diferenciou, em parte, do estudo de Fescina et al.6. Baseado na revisão da literatura, considerou-se importante controlar rigorosamente alguns fatores que influenciam na confiabilidade das medidas, incluindo ultra-sonografia para confirmar a IG. Estes fatores são: observador único, fita não marcada e esvaziamento vesical. Enquanto neste estudo a IG sempre foi confirmada pela ultra-sonografia até a 20ª semana, Fescina et al.6 calcularam a IG apenas pela DUM informada pela mulher. Sabe-se, no entanto, que o cálculo da IG baseado apenas na DUM tem baixa confiabilidade, principalmente em pacientes de baixo nível sociocultural.
Existem diversos estudos na literatura que indicam variabilidade no procedimento das medidas quando realizadas por observadores diferentes. Para obtenção das medidas, neste estudo utilizou-se um único observador, fato que determinou menor variabilidade, ao passo que o referido autor da curva comparada utilizou vários observadores. Adicionalmente, Fescina et al.6 não relataram em seu estudo atenção ao esvaziamento vesical antes da realização das medidas.
Os resultados do presente estudo são concordantes com os resultados de outros publicados, que também indicam haver diferenças entre as medidas da AU da população estudada quando comparadas com as curvas de diferentes países, e até mesmo entre diferentes regiões dentro de um mesmo país12,13,20-23. Considera-se que as características étnicas, socioeconômicas e nutricionais diferem de uma população para outra e, portanto, se recomenda que os serviços de atenção básica responsáveis pela assistência pré-natal tenham uma curva padronizada com características próprias de sua região para se obterem melhores resultados.
Assim, a demonstração de que existe diferença significativa entre as duas curvas permite supor que também haja desempenho diferente na identificação do crescimento fetal normal e na detecção dos seus desvios. O ponto de corte mais baixo na curva de Fescina et al.6 melhora a sua especificidade, porém à custa de diminuição da sua sensibilidade. No entanto, característica desejável para um bom método de rastreamento é exatamente ter alta sensibilidade24.
Portanto, como uma das principais aplicações práticas da medida da AU na assistência pré-natal é justamente como método de rastreamento dos desvios do crescimento fetal5, a sua eficiência pode não estar maximizada, uma vez que alguns casos de restrição do crescimento fetal podem não estar sendo adequadamente rastreados.
Concluímos que o presente estudo permite mostrar que a curva de AU de gestantes de baixo risco da rede pública de João Pessoa difere significativamente da curva de Fescina et al.6, adotada pelo Ministério da Saúde como padrão de normalidade para a população brasileira5. Com base nas evidências da literatura e nos resultados do presente estudo, é lícito supor, então, que aquela curva pode não ser a mais adequada para o acompanhamento pré-natal das gestantes desta população.
Os resultados atuais demonstraram que, a partir da 19ª semana de gestação, os valores do 10° percentil (limite inferior de normalidade) foram significativamente mais elevados que os valores da curva adotada no país. Assim, no rastreamento pré-natal do crescimento fetal restrito algumas gestantes com medidas de AU abaixo do 10° percentil na presente curva poderiam ser consideradas de alto risco, ao passo na curva de Fescina et al.6 elas poderiam ser consideradas de baixo risco. Do mesmo modo, os valores do 90° percentil (limite superior de normalidade) da presente curva também foram significativamente maiores que os valores da curva de Fescina et al.6. Dessa forma, fetos supostamente grandes para a idade gestacional pela curva padronizada no país podem estar sendo desnecessariamente rastreados e referenciados para as redes de assistência secundária e terciária, consumindo recursos em procedimentos propedêuticos mais sofisticados e onerosos.
Recebido em: 3/1/2006
Aceito com modificações em: 24/1/2006
Estudo realizado no Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) - João Pessoa (PB), Brasil; Instituto Maternidade Cândida Vargas, João Pessoa (PB), Brasil.
- 1. Villar J, Belizan JM. The evolution of the methods used in the diagnosis of intrauterine growth retardation. Obstet Gynecol Surv. 1986;41(4):187-99.
- 2. Kennedy I. The symphysis-fundus height graph and fetal growth retardation: gimmick or useful clinical tool? J Trop Pediatr. 1990;36(1):4-9.
- 3. Engstrom JL, Sittler CP. Fundal height measurement. Part 1- Techniques for measuring fundal height. J Nurse Midwifery. 1993;38(1):5-16.
- 4. Maranhão AGK, Joaquim MMC, Siu C, Kaluma P, Castilho O, Leal MC. Mortalidade perinatal e neonatal no Brasil. Tema Radis. 1999;(17):6-17.
-
55. Ministério da Saúde. Assistência Pré-Natal. Manual técnico. 3a ed. Brasília; 2000.
- 6. Fescina RH, Quevedo C, Martell M, Nieto F, Schwarcz R. Uterine height as a method of predicting fetal growth. Bol Of Sanit Panam. 1984;96(5):377-86.
- 7. Pommier M, Escobedo F, Lowenberg E. Estudio de la altura uterina del fondo uterino para la detección del crecimiento intrauterino retardado. Ginecol Obstet Mex. 1979;46(276):253-9.
- 8. Pedrosa de Freitas CB. Evaluación de la altura uterina durante la gravidez. Rev Latinoam Perinatol. 1986;6(4):128-32.
- 9. Jacobsen G. Prediction of fetal growth deviations by use of symphysis-fundus height and ultrasonic measurements. Int J Technol Assess Health Care. 1992;8 Suppl 1:152-9.
- 10. Ogunranti JO. Fundal height in normal pregnant Nigerian women: anthropometric gravidogram. Int J Gynaecol Obstet. 1990;33(4):299-305.
- 11. Margotto PR. Intrauterine growth curves: study of 4413 single live births of normal pregnancies. J Pediatr (Rio J). 1995;71(1):11-21.
- 12. Hakansson A, Aberg A, Nyberg P, Schersten B. A new symphysis-fundus height growth chart based on a well defined female population with ultrasound-dated singleton pregnancies. Acta Obstet Gynecol Scand. 1995;74(9):682-6.
- 13. Buhmann L, Elder WG, Hendricks B, Rahn K. A comparison of Caucasian and Southeast Asian Hmong uterine fundal height. Acta Obstet Gynecol Scand. 1998;77(5):521-6.
- 14. Martinelli S, Bittar RE, Zugaib M. Proposta de nova curva de altura uterina para gestações entre a 20Ş e a 42Ş semana. Rev Bras Ginecol Obstet. 2001;23(4):235-41.
- 15. Azziz R, Smith S, Fabro S. The development and use of a standard symphysial-fundal height growth curve in the prediction of small for gestational age neonates. Int J Gynaecol Obstet. 1988;26(1):81-7.
- 16. Steingrimsdottir T, Cnattingius S, Lindmark G. Symphysis-fundus height: construction of a new Swedish reference curve, based on ultrasonically dated pregnancies. Acta Obstet Gynecol Scand. 1995;74(5):346-51.
- 17. Quaranta P, Currel R, Redman CW, Robinson JS. Prediction of small-for-dates infants by measurement of symphysial-fundal-height. Br J Obstet Gynaecol. 1981;88(2):115-9.
- 18. Calvert JP, Crean EE, Newcombe RG, Pearson JF. Antenatal screening by measurement of symphysis-fundus height. Br Med J (Clin Res Ed). 1982;285(6345):846-9.
- 19. Bagger PV, Sindberg Eriksen P, Secher NJ, Thisted J, Westergaard L. The precision and accuracy of symphysis-fundus distance measurements during pregnancy. Acta Obstet Gynecol Scand. 1985;64(5):371-4.
- 20. Depares JC, Thornton JG, Clayden AD. Symphysis-fundus measurements in Asian and Caucasian women in Bradford. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 1989;31(3):201-6.
- 21. Grover V, Usha R, Kalra S, Sachdeva S. Altered fetal growth: antenatal diagnosis by symphysis-fundal height in India and comparison with western charts. Int J Gynaecol Obstet. 1991; 35(3):231-4.
- 22. Walraven GE, Mkanje RJ, van Dongen PW, van Roosmalen J, Dolmans WM. The development of a local symphysis-fundal height chart in a rural area of Tanzania. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 1995;60(2):149-52.
- 23. Andersson R, Bergstrom S. Use of fundal height as a proxy for length of gestation in rural Africa. J Trop Med Hyg. 1995;98(3):169-72.
- 24. Fletcher RH, Fletcher SW, Wagner EH. Epidemiologia clínica: elementos essenciais. 3Ş ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1996.
Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Jun 2006 -
Data do Fascículo
Jan 2006
Histórico
-
Recebido
03 Jan 2006 -
Aceito
24 Jan 2006