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Modelo experimental para restrição do crescimento fetal em ratos: efeito sobre o glicogênio hepático e morfometria intestinal e renal

Experimental rat model for fetal growth restriction: effects on liver glycogen and intestinal and renal morphometry

Resumos

OBJETIVO: avaliar a eficácia do modelo de RCIU por ligadura da artéria uterina simulando insuficiência placentária em ratos. MÉTODOS: fetos de ratas prenhes Sprague-Dawley foram divididos em três grupos: RCIU (restrição de crescimento intrauterino), com fetos submetidos à ligadura da artéria uterina com 18,5 dias de gestação (termo = 22 dias), C-RCIU (controle da restrição), com fetos do corno contralateral à ligadura, CE (Controle Externo), com fetos de ratas sem manipulação. Com 21,5 dias de gestação, foi realizada cesárea, os fetos foram pesados e dissecados para análise morfométrica e histológica do fígado, intestino e rins. RESULTADOS: os dados morfométricos avaliados mostraram o peso corpóreo (PC), hepático (PH) e intestinal (PI) dos fetos com RCIU menor que C-RCIU e CE (p<0,001). O peso placentário (PP), renal (PR) e as relações PH/PC, PI/PC e PR/PC não se alteraram. A espessura renal foi menor nos fetos com RCIU (p<0,001) e houve diminuição da camada mucosa e submucosa intestinal (p<0,05). A avaliação histológica mostrou diminuição do glicogênio hepático nos fetos com RCIU em relação aos grupos C-RCIU e CE. CONCLUSÕES: o modelo descrito foi eficiente e causou RCIU fetal simétrica com diminuição da maioria dos órgãos, especialmente do peso hepático, e alteração nos depósitos de glicogênio.

Retardo do crescimento fetal; Modelos animais de doenças; Desenvolvimento embrionário e fetal; Ratos


PURPOSE: to evaluate the effectiveness of the IUGR model by uterine artery ligation mimicking placental insufficiency in rats. METHODS: sprague-Dawley rat fetuses were divided into three groups: IUGR (intrauterine growth restriction), with fetuses in the right horn of pregnant rats subjected to right uterine artery ligation at 18.5 days of gestation (term = 22 days); C-IUGR (control of restriction), with control fetuses in the left horn, and EC (external control), with fetuses of intact rats. Animals were harvested by cesarean section at day 21.5 days of gestation. Fetuses were weighed and then sacrificed. The intestine, liver, kidney and placenta were weighed and dissected for morphometric and histological analysis. RESULTS: the morphometric data showed decreased body weight (BW), liver weight (LW) and intestinal weight (IW) of fetuses with IUGR compared to C-IUGR and EC (p<0.001). The placental weight (PW), renal weight (RW) and LW/BW, IW/BW, and RW/BW ratios did not change. IUGR fetuses had decreased kidney thickness (p<0.001) and decreased thickness of the intestinal mucosa and submucosa (p<0.05). Histological evaluation showed reduction of liver glycogen storage in fetuses with IUGR compared to C-IUGR and CE. CONCLUSIONS: the model described was efficient and caused symmetric fetal IUGR with decreased size of most organs, especially the liver, and changes in glycogen stores.

Fetal growth retardation; Disease models, animal; Embryonic and fetal development; Rats


ARTIGOS ORIGINAIS

Modelo experimental para restrição do crescimento fetal em ratos: efeito sobre o glicogênio hepático e morfometria intestinal e renal

Experimental rat model for fetal growth restriction: effects on liver glycogen and intestinal and renal morphometry

Márcia Pereira BuenoI; Ricardo Barini II; Frances Lilian Lanhellas GonçalvesIII; Rilde Plutarco VeríssimoIV; Lourenço SbragiaV

IDoutora; Professora de Tocoginecologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP - Campinas (SP), Brasil

IIProfessor Associado de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil

IIIBióloga; Pós-graduanda (Doutorado) do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil

IVMédica Patologista da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP - Campinas (SP), Brasil

VProfessor Associado de Cirurgia Pediátrica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Lourenço Sbragia Departamento de Cirurgia e Anatomia Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3.900 CEP 14049-900 - Ribeirão Preto (SP), Brasil E-mail: sbragia@fmrp.usp.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a eficácia do modelo de RCIU por ligadura da artéria uterina simulando insuficiência placentária em ratos.

MÉTODOS: fetos de ratas prenhes Sprague-Dawley foram divididos em três grupos: RCIU (restrição de crescimento intrauterino), com fetos submetidos à ligadura da artéria uterina com 18,5 dias de gestação (termo = 22 dias), C-RCIU (controle da restrição), com fetos do corno contralateral à ligadura, CE (Controle Externo), com fetos de ratas sem manipulação. Com 21,5 dias de gestação, foi realizada cesárea, os fetos foram pesados e dissecados para análise morfométrica e histológica do fígado, intestino e rins.

RESULTADOS: os dados morfométricos avaliados mostraram o peso corpóreo (PC), hepático (PH) e intestinal (PI) dos fetos com RCIU menor que C-RCIU e CE (p<0,001). O peso placentário (PP), renal (PR) e as relações PH/PC, PI/PC e PR/PC não se alteraram. A espessura renal foi menor nos fetos com RCIU (p<0,001) e houve diminuição da camada mucosa e submucosa intestinal (p<0,05). A avaliação histológica mostrou diminuição do glicogênio hepático nos fetos com RCIU em relação aos grupos C-RCIU e CE.

CONCLUSÕES: o modelo descrito foi eficiente e causou RCIU fetal simétrica com diminuição da maioria dos órgãos, especialmente do peso hepático, e alteração nos depósitos de glicogênio.

Palavras-chave: Retardo do crescimento fetal, Modelos animais de doenças, Desenvolvimento embrionário e fetal, Ratos.

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the effectiveness of the IUGR model by uterine artery ligation mimicking placental insufficiency in rats.

METHODS: sprague-Dawley rat fetuses were divided into three groups: IUGR (intrauterine growth restriction), with fetuses in the right horn of pregnant rats subjected to right uterine artery ligation at 18.5 days of gestation (term = 22 days); C-IUGR (control of restriction), with control fetuses in the left horn, and EC (external control), with fetuses of intact rats. Animals were harvested by cesarean section at day 21.5 days of gestation. Fetuses were weighed and then sacrificed. The intestine, liver, kidney and placenta were weighed and dissected for morphometric and histological analysis.

RESULTS: the morphometric data showed decreased body weight (BW), liver weight (LW) and intestinal weight (IW) of fetuses with IUGR compared to C-IUGR and EC (p<0.001). The placental weight (PW), renal weight (RW) and LW/BW, IW/BW, and RW/BW ratios did not change. IUGR fetuses had decreased kidney thickness (p<0.001) and decreased thickness of the intestinal mucosa and submucosa (p<0.05). Histological evaluation showed reduction of liver glycogen storage in fetuses with IUGR compared to C-IUGR and CE.

CONCLUSIONS: the model described was efficient and caused symmetric fetal IUGR with decreased size of most organs, especially the liver, and changes in glycogen stores.

Keywords: Fetal growth retardation; Disease models, animal; Embryonic and fetal development; Rats

Introdução

Restrição de crescimento intrauterino (RCIU) é uma importante causa de morbidade e mortalidade perinatal. Na população de mães saudáveis e nutridas, a incidência de fetos com RCIU varia de 1 a 3%1e pode chegar a 25% nas mães tabagistas, usuárias de droga e portadoras de doenças cardiovasculares, hematológicas e autoimunes2.

As complicações neonatais decorrentes das RCIU mais freqüentes são hipoglicemia, hipotermia, hipóxia, doenças pulmonares, alterações neurológicas e diminuição da estatura3,4. Durante a infância, indivíduos que tiveram RCIU apresentam mais dificuldade de aprendizado e piores desempenhos neuropsicomotores5 e, durante a fase adulta têm mais chance de desenvolverem doenças cardíacas e metabólicas (dislipidemias, intolerância a glicose e diabetes mellitus do tipo II)6,7.

Vários modelos experimentais de RCIU vêm sendo propostos para facilitar a compreensão da fisiopatologia da doença. O modelo que utiliza rato é o mais empregado, pois além de ter alta semelhança bioquímica e fisiológica com a biologia humana, traz as vantagens do curto período de gestação, baixo custo e fácil manipulação8,9.

Nos modelos experimentais, a RCIU pode ser induzida por meio da embolização ou ligadura da artéria uterina, por desnutrição crônica ou indução de hipertensão materna10,11. A vantagem do modelo da ligadura unilateral da artéria uterina é que permite obter fetos com RCIU e fetos controle na mesma gestação12.

O objetivo deste estudo foi avaliar se a ligadura da artéria uterina durante a fase final da gestação da rata seria eficiente para causar RCIU pela diminuição de circulação materno-placentária.

Métodos

Estudo experimental realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental Fetal Michael R. Harrison da Universidade Estadual de Campinas e aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da Universidade Estadual de Campinas (CEEA-UNICAMP), protocolo nº 1644-1.

Treze fêmeas de ratos Sprague-Dawley com peso ao redor de 250 g foram submetidas ao acasalamento. O casal foi mantido em conjunto durante uma noite. No dia seguinte, a região genital da fêmea foi examinada para verificação de mancha vaginal de esperma (vaginal smear). A presença da mancha vaginal configurou o acasalamento e foi considerado dia zero de gravidez (o tempo de gestação normal de ratas até o termo é de 22 dias).

Três grupos compostos por 20 fetos cada um foram divididos e nominados: Grupo RCIU - fetos de ratas grávidas localizados no corno esquerdo e submetidos à ligadura da artéria uterina com 18,5 dias, Grupo C-RCIU (controle da RCIU) - fetos de ratas grávidas localizados no corno direito sem ligadura da artéria uterina e Grupo CE (Controle Externo) - fetos de ratas não submetidas à intervenção.

Após aclimatação de 24 horas no laboratório, ratas Sprague-Dawley grávidas com 18,5 dias de gestação (termo=22 dias) foram submetidas à anestesia geral com injeção intramuscular de Ketamina base 50 mg/mL (Ketamina®, Pfizer do Brasil) associada com Xilazina 10 mg/mL (Rompum®, Bayer do Brasil) na dose de 0,6 mL por animal via intramuscular aplicado na lateral da coxa. Esta composição anestésica (175 mg/kg de Ketamina; 2,5 mg/kg de Xilazina) mantém o animal sob anestesia profunda durante um período de três horas e o pós-operatório é indolor durante 6 a 12 horas. O abdome foi submetido à raspagem dos pelos com tosquiadeira elétrica. Após assepsia e colocação de campos estéreis, o animal foi submetido à laparotomia mediana em dois planos (pele e aponeurose/peritoneo). A região uterina foi exposta com visualização dos cornos uterinos e sua circulação. A artéria uterina direita foi dissecada e ligada bem próxima ao corno uterino com fio de algodão 3.0, tomando o cuidado de não envolver os vasos do mesentério. Após a ligadura da artéria uterina, ocorre redução do fluxo sanguíneo placentário com instalação de recirculação proveniente da artéria ovariana.

Após a ligadura, o abdome da rata foi fechado em dois planos, com utilização de fio mononylon 4-0, sutura contínua. Após o término do procedimento, as ratas foram recuperadas com oxigênio a 100% inalado a 1 L por minuto em máscara adaptada, até estarem completamente acordadas e se movimentando sem problemas. O período pós-operatório ocorreu em gaiolas de acrílico, em baias individuais, com água e ração oferecidas ad libitum.

No dia 21,5 de gestação, as ratas dos grupos RCIU, C-RCIU e CE foram novamente anestesiadas (mesma dose previamente descrita) e submetidas à operação cesariana por laparotomia mediana. Os fetos foram removidos do útero e a rata foi sacrificada por exsanguinação sob anestesia. Após remoção do útero, os fetos foram pesados em balança de precisão modelo Ohaus 360 (Denver Instruments, Denver, Co) e o peso corporal (PC) foi aferido em mg. Em seguida, os fetos foram submetidos à punção occipital e o abdome fetal foi aberto por incisão mediana e dissecado sob foco de luz, com auxílio de microscopia óptica, expondo-se as alças. As alças intestinais foram removidas desde o piloro até a região do reto superior, na reflexão peritoneal. O intestino, o fígado, os rins e a placenta de todos os grupos foram removidos, pesados (mg) e fixados em solução de paraformaldeído 4% fresco, sendo respectivamente denominados peso intestinal (PI), hepático (PH), renal (PR) e placentário (PP). As relações corporais PH/PC, PI/PC, PR/PC, PP/PC foram criadas com o objetivo de verificar a proporção relativa entre os órgãos. Todos os tecidos foram corados com Hematoxilina / Eosina (H&E), e o tecido hepático foi corado pela técnica de Schiff (PAS) para avaliação do acúmulo de glicogênio.

Para a morfometria do intestino, foram analisados os segmentos intestinais intermediários (jejuno-ileal). Os cortes histológicos intestinais transversais foram fotografados utilizando o fotomicroscópio Nikon Eclipse E800, com ampliação de 20 vezes para a avaliação do diâmetro intestinal vertical externo (VE) (medida externa vertical desde a serosa), diâmetro intestinal vertical interno (VI) (medida interna vertical desde a mucosa), diâmetro intestinal horizontal externo (HE) (medida externa horizontal desde a serosa) e diâmetro intestinal horizontal interno (HI) (medida interna horizontal desde a mucosa), 100 vezes para a medida da altura dos vilos e 200 vezes para a medida das camadas da parede intestinal. Para avaliação estatística, foi utilizada a média entre VE e VI, entre HE e HI. As imagens foram digitalizadas, possibilitando a medida dos diâmetros intestinais, da altura dos vilos desde o topo até a junção da cripta, da espessura total da parede, das camadas mucosa e submucosa, muscular circular, muscular longitudinal e serosa por meio do programa Image Pro Plus®. As medidas, em µm, foram realizadas em orientação radial, nos quatro quadrantes de cinco cortes sequenciais, de cada variável para cada feto13,14 (Figura 1).


Para a morfometria renal, foi analisado um dos dois rins dos animais, sem distinção entre lado direito e esquerdo. Os cortes histológicos renais longitudinais foram fotografados utilizando o foto microscópio Nikon Eclipse E800, com ampliação de 40 vezes. As imagens foram digitalizadas, por meio do programa Image Pro Plus®, em cinco cortes sequenciais, aferidas em µm, de cada variável para cada feto. As medidas renais realizadas foram: altura, aferida entre o polo superior e inferior; largura, aferida entre a pelve e o lado contralateral; e tamanho da medula e do córtex renal (Figura 2).


Para a análise estatística, foi empregado teste t de Student para amostras pareadas para a comparação dos pesos e das relações corporais, apresentados como média e desvio padrão. Os grupos foram comparados segundo ANOVA seguido do teste de Tukey. Foram considerados valores estatisticamente significativos quando o p<0,05.

Resultado

Treze ratas grávidas compuseram o estudo. A ligadura da artéria uterina foi realizada em dez ratas e três foram utilizadas como controle externo (CE). O peso médio das ratas submetidas à cirurgia aos 18,5 dias foi de 324 g (±67), e o peso médio final aos 21,5 dias de gestação foi de 340 g (±83) com aumento de peso de 16 g (±65). As 3 ratas CE apresentaram peso médio inicial de 320g (±65) e final de 348 g (± 25), com aumento de 60 g (±20). Embora as ratas CE ganhassem mais peso médio do que as ratas operadas, não houve diferença no peso médio final entre as ratas operadas e o grupo CE (p>0,05).

O total de fetos do corno direito, submetidos ao regime de hipofluxo cirúrgico, foi de 55 e destes 20 sobreviveram. Dos 35 fetos mortos, a maioria estava mais próxima à ligadura arterial, principalmente o primeiro e o segundo fetos sequenciais à ligadura.

O peso corporal, o peso hepático e o intestinal dos fetos RCIU foi significativamente menor que os seus respectivos C-RCIU e o grupo CE (p<0,001). O peso renal, o peso placentário e as relações entre o peso corporal, hepático, intestinal, renal e placentário não mostraram diferença significativa (Tabela 1). Com a diminuição de peso de alguns órgãos e a manutenção das relações entre o peso corporal/órgão, demonstra-se que os fetos com RCIU tiveram uma diminuição proporcional do seu tamanho (Figura 3).


A análise morfométrica intestinal mostrou no grupo de RCIU, em relação ao grupo CE, uma diminuição significativa da luz intestinal (camada interna) e da largura da alça intestinal (diâmetro externo). A diminuição das camadas intestinais concentra-se especificamente na serosa, mucosa e submucosa no grupo de RCIU em relação ao grupo do C-RCIU e CE (Tabela 2).

Não houve diferença morfométrica entre o comprimento e largura renal nos grupos RCIU, C-RCIU e CE. No entanto, a espessura da camada cortical renal foi menor em relação à espessura da camada medular no grupo de RCIU quando comparada as espessuras cortical e medular dos grupos C-RCIU e CE (p<0,01).

A descrição geral histológica dos fígados corados com ácido periódico de Schiff (PAS) demonstrou, respectivamente: a) depósito de glicogênio de aspecto homogêneo nos hepatócitos em cerca de 80% dos fragmentos examinados no grupo CE; b) depósito de glicogênio de distribuição heterogênea (irregular) no grupo C-RCIU; e c) irregularidade acentuada no depósito de glicogênio, alternando zonas claras (sem depósito) com zonas coradas (com depósito) em mais de 50% dos fragmentos no grupo RCIU (Figura 4).


Discussão

Fetos que apresentam RCIU tiveram resposta adaptativa à suplementação de oxigênio e/ou nutrientes inadequada. Modelos animais para determinar os eventos moleculares, genéticos ou celulares são utilizados para compreender melhor a relação entre nutrição fetal na RCIU e as doenças na idade adulta15.

Vários animais têm sido utilizados em modelos experimentais de RCIU. A maioria dos estudos emprega animais de pequeno porte, como os ratos (60%) e camundongos (10%), pela facilidade de manipulação e similaridade dos seus sistemas embriológico, anatômico e fisiológico com o dos seres humanos9. O modo de indução da RCIU nestes animais pode ser realizado por restrição da oferta de alimento; por hipóxia, restringindo-se a oferta de oxigênio; modelo químico, quando se utiliza drogas que afetam a prole; e cirúrgico15.

Nos modelos nutricionais, empregam-se o jejum prolongado, a diminuição nutricional16 ou a diminuição específica de proteínas17. Nos modelos que induzem hipóxia materna, empregam-se a diminuição de diferentes níveis de oxigênio, o uso do nitrogênio endotraqueal e a indução de anemia materna18. No modelo induzido químico, as substâncias, como glicocorticoides e deidroergotaminas, são as mais comumente utilizadas19.

Nos modelos cirúrgicos, utilizam-se animais de pequeno e grande porte. Nos de grande porte, especialmente ovelhas e porcos, a RCIU é induzida de duas maneiras: ou pela embolização de microesferas de 15 a 30 µm de diâmetro na circulação útero-placentária ou pela retirada de cotilédones na implantação da placenta. No modelo cirúrgico de animais de pequeno porte, a RCIU pode ser feita ligando-se a artéria uterina de um ou de ambos os lados20.

Wigglesworth12 demonstrou a importância da circulação uterina para o crescimento fetal com a criação do modelo cirúrgico de RCIU em fetos de rato por meio da ligadura unilateral completa da artéria uterina. Neste modelo, a incidência de fetos mortos ou reabsorvidos após a oclusão arterial varia de 30 a 60%. Nós obtivemos 32% de fetos vivos, resultados similares aos obtidos com a técnica proposta pelo autor.

A incidência de mortalidade fetal pode ser reduzida com oclusão parcial da artéria uterina20 ou com a oclusão em intervalos de minutos a horas21. Nesses estudos, as respostas fetais variaram em relação à quantidade de fluxo sanguíneo mantido para o feto. Esta alteração de aporte sanguíneo não-controlado poderia influenciar o grau de RCIU fetal, o que dificultaria a comparação com o modelo de oclusão arterial completa.

A RCIU pode ser didaticamente classificada em simétrica e assimétrica. Na RCIU simétrica, os fetos têm diminuição de nutrientes ou disfunção placentária durante o primeiro trimestre ou início do segundo trimestre da gestação. Nessa situação, há um crescimento proporcional diminuído. Em nosso estudo, embora a ligadura tenha sido realizada com 18,5 dias, que corresponde ao final do segundo trimestre da gestação em humanos, as relações dos pesos entre os diferentes órgãos (PH/PC, PI/PC, PR/PC e PP/PC) demonstraram que os fetos tiveram RCIU simétrica.

A insuficiência útero placentária pode promover alterações na parede intestinal e reflete o impacto da RCIU sobre o trato gastrintestinal. Foi verificado que a espessura intestinal foi menor nas camadas da mucosa e submucosa e serosa, mas outros estudos relatam diminuição do peso intestinal e um aumento do apoptose intestinal no mesmo modelo22.

Fetos com RCIU tiveram diminuição da relação córtico-medular renal atribuída à diminuição do número e da função dos glomérulos, que reflete a situação adaptativa ao regime de hipofluxo sanguíneo fetal. Nossos resultados confirmam estes achados com diminuição na espessura do córtex, semelhante aos de outros autores23.

Não ocorreu diminuição do peso placentário e este resultado é semelhante ao de Wigglesworth12 com obstrução completa da artéria uterina. Segundo estudos com obstrução parcial da artéria uterina e nos modelos de RCIU nutricional, o peso placentário é menor em fetos com RCIU20,8. A placenta, na metade da gestação, tem seu crescimento mais rápido que o fetal, e uma deficiência nutricional neste período pode diminuir ou manter o peso placentário24.

A capacidade do feto de se adaptar à restrição de nutrientes regulariza todo o metabolismo, e essa nova situação pode ser responsável por algumas doenças na vida adulta25.

Finalmente, concluímos que o modelo de RCIU por meio da ligadura unilateral da artéria uterina foi eficaz e pode ser útil para avaliar a restrição de crescimento fetal de causa materna, assim como as possíveis repercussões neonatais.

Agradecimentos

Este trabalho foi realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental Fetal "Michael R. Harrison" - UNICAMP - com auxílio pesquisa da FAPESP-08/51497-9.

Recebido19/1/10

Aceito com modificações25/3/10

Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP; Divisão de Patologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP - Campinas (SP), Brasil; Divisão de Cirurgia Pediátrica do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil; Laboratório de Cirurgia Experimental Fetal "Michael R. Harrison" - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil.

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  • Correspondência:

    Lourenço Sbragia
    Departamento de Cirurgia e Anatomia Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo
    Av. Bandeirantes, 3.900
    CEP 14049-900 - Ribeirão Preto (SP), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Recebido
      19 Jan 2010
    • Aceito
      25 Mar 2010
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