Resumos
OBJETIVOS: Descrever os resultados perinatais e os fatores associados à centralização fetal diagnosticado pelo exame doplervelocimétrico em gestantes com hipertensão arterial. MÉTODOS: Realizou-se um estudo de corte transversal, retrospectivo, incluindo 129 gestantes com hipertensão arterial submetidas à análise doplervelocimétrica, até quinze dias antes do parto. Mulheres com gravidez múltipla, malformações fetais, sangramento genital, descolamento prematuro de placenta, rotura prematura das membranas, tabagismo, uso ilícito de drogas e doenças crônicas foram excluídas. Foram analisadas as características biológicas, sociodemográficas, obstétricas e os resultados perinatais. Para determinar a associação entre as variáveis, foram utilizados os testes χ² exato de Fisher e t de Student. Realizou-se análise de regressão logística múltipla para determinar fatores associados com a centralização fetal. RESULTADOS: Pré-eclâmpsia grave foi a síndrome hipertensiva mais frequente (53,5%) e a centralização fetal foi observada em 24,0% dos fetos. Os fatores pré-natais associados com centralização fetal foram a persistência da incisura protodiastólica bilateral na artéria uterina (OR 3,6; IC95% 1,4 - 9,4; p=0,009) e a restrição de crescimento intrauterino (RCIU) (OR 3,3; IC95% 1,2 - 9,3; p=0,02). Os desfechos perinatais associados à centralização fetal foram idade gestacional <32ª semana, recém-nascido (RN) pequeno para a idade gestacional (PIG), peso do RN<2.500 g e morte perinatal. Não se encontrou associação com outras variáveis maternas e neonatais. CONCLUSÕES: Os fatores associados à centralização fetal foram persistência da incisura protodiastólica bilateral na artéria uterina, RCIU e aumento da frequência de desfechos perinatais adversos.
Ultrassonografia Doppler; Pré-eclâmpsia; Hipertensão induzida pela gravidez; Artéria cerebral média; Artérias umbilicais
PURPOSE: To determine perinatal outcomes and factors associated with fetal brain sparing effect diagnosed by Doppler flow velocimetry in patients with arterial hypertension. METHODS: We performed a cross-sectional retrospective study including 129 pregnant women with arterial hypertension and submitted to Doppler flow velocimetry, within fifteen days before delivery. Women with multiple pregnancies, fetal malformations, genital bleeding, placenta praevia, premature rupture of membranes, smoking, illicit drug use and chronic diseases were excluded. We analyzed the biological, socio-demographic and obstetric characteristics, as well the perinatal outcomes. To determine the association between variables, we used the χ² test, Fisher's exact test and Student's t-test. Multiple logistic regression analysis was performed to determine the factors associated with fetal centralization. RESULTS: Pre-eclampsia was the most frequent hypertensive disorder (53.5%) and fetal brain sparing effect was observed in 24.0% of fetuses. The prenatal factors associated with fetal brain sparing were the persistence of bilateral protodiastolic notches in uterine arteries (OR 3.6; 95%CI 1.4 - 9.4; p=0.009) and intrauterine growth restriction (IUGR) (OR 3.3; 95%CI 1.2 - 9.3; p=0.02). The perinatal outcomes associated with fetal brain sparing were gestational age <32 weeks, small for gestational age (SGA) infants, birth weight <2,500 g and perinatal death. There was no association with other maternal or neonatal variables. CONCLUSIONS: The main factors associated with fetal brain sparing were persistence of uterine arteries notches, IUGR, and increased frequency of adverse perinatal outcomes.
Ultrasonography; Doppler; Pre-eclampsia; Hypertension, pregnancy-induced; Middle cerebral artery; Umbilical arteries
ARTIGO ORIGINAL
Fatores associados com centralização fetal em pacientes com hipertensão arterial na gestação
Factors associated with fetal brain-sparing effect in patients with hypertension in pregnancy
Alex Sandro Rolland SouzaI; Melania Maria Ramos AmorimII; Mário José Vasconcelos-NetoIII; José Ricardo Bandeira de Oliveira-FilhoIII; Fernando Antonio de Sousa-JúniorIV
IInstituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira, Departamento Materno Infantil, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - Recife (PE), Brasil
IIInstituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira, Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Campina Grande (PB), Brasil
IIICurso de Medicina, Faculdade Pernambucana de Saúde - FPS - Recife (PE), Brasil
IVCurso de Medicina, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - Recife (PE), Brasil
Correspondência Correspondência: Alex Sandro Rolland de Souza Rua dos Coelhos, 300 - Boa Vista CEP: 50070-550 Recife (PE), Brasil
RESUMO
OBJETIVOS: Descrever os resultados perinatais e os fatores associados à centralização fetal diagnosticado pelo exame doplervelocimétrico em gestantes com hipertensão arterial.
MÉTODOS: Realizou-se um estudo de corte transversal, retrospectivo, incluindo 129 gestantes com hipertensão arterial submetidas à análise doplervelocimétrica, até quinze dias antes do parto. Mulheres com gravidez múltipla, malformações fetais, sangramento genital, descolamento prematuro de placenta, rotura prematura das membranas, tabagismo, uso ilícito de drogas e doenças crônicas foram excluídas. Foram analisadas as características biológicas, sociodemográficas, obstétricas e os resultados perinatais. Para determinar a associação entre as variáveis, foram utilizados os testes χ2 exato de Fisher e t de Student. Realizou-se análise de regressão logística múltipla para determinar fatores associados com a centralização fetal.
RESULTADOS: Pré-eclâmpsia grave foi a síndrome hipertensiva mais frequente (53,5%) e a centralização fetal foi observada em 24,0% dos fetos. Os fatores pré-natais associados com centralização fetal foram a persistência da incisura protodiastólica bilateral na artéria uterina (OR 3,6; IC95% 1,4 - 9,4; p=0,009) e a restrição de crescimento intrauterino (RCIU) (OR 3,3; IC95% 1,2 - 9,3; p=0,02). Os desfechos perinatais associados à centralização fetal foram idade gestacional <32ª semana, recém-nascido (RN) pequeno para a idade gestacional (PIG), peso do RN<2.500 g e morte perinatal. Não se encontrou associação com outras variáveis maternas e neonatais.
CONCLUSÕES: Os fatores associados à centralização fetal foram persistência da incisura protodiastólica bilateral na artéria uterina, RCIU e aumento da frequência de desfechos perinatais adversos.
Palavras-chave: Ultrassonografia Doppler, Pré-eclâmpsia, Hipertensão induzida pela gravidez, Artéria cerebral média, Artérias umbilicais
ABSTRACT
PURPOSE: To determine perinatal outcomes and factors associated with fetal brain sparing effect diagnosed by Doppler flow velocimetry in patients with arterial hypertension.
METHODS: We performed a cross-sectional retrospective study including 129 pregnant women with arterial hypertension and submitted to Doppler flow velocimetry, within fifteen days before delivery. Women with multiple pregnancies, fetal malformations, genital bleeding, placenta praevia, premature rupture of membranes, smoking, illicit drug use and chronic diseases were excluded. We analyzed the biological, socio-demographic and obstetric characteristics, as well the perinatal outcomes. To determine the association between variables, we used the χ2 test, Fisher's exact test and Student's t-test. Multiple logistic regression analysis was performed to determine the factors associated with fetal centralization.
RESULTS: Pre-eclampsia was the most frequent hypertensive disorder (53.5%) and fetal brain sparing effect was observed in 24.0% of fetuses. The prenatal factors associated with fetal brain sparing were the persistence of bilateral protodiastolic notches in uterine arteries (OR 3.6; 95%CI 1.4 - 9.4; p=0.009) and intrauterine growth restriction (IUGR) (OR 3.3; 95%CI 1.2 - 9.3; p=0.02). The perinatal outcomes associated with fetal brain sparing were gestational age <32 weeks, small for gestational age (SGA) infants, birth weight <2,500 g and perinatal death. There was no association with other maternal or neonatal variables.
CONCLUSIONS: The main factors associated with fetal brain sparing were persistence of uterine arteries notches, IUGR, and increased frequency of adverse perinatal outcomes.
Keywords: Ultrasonography, Doppler, Pre-eclampsia, Hypertension, pregnancy-induced, Middle cerebral artery, Umbilical arteries
Introdução
A hipertensão complica cerca de 10% das gestações, podendo se manifestar sob diversas formas clínicas, observando-se tendência à redução de sua incidência nos últimos anos1-4. Tanto no Brasil como no mundo, representa uma das principais causas de óbito materno, associando-se com elevadas taxas de morbidade e mortalidade perinatal5,6.
A interrupção da gravidez está habitualmente indicada a termo nas síndromes hipertensivas, sendo uma das mais frequentes indicações médicas para indução do trabalho de parto7. A conduta conservadora, porém, é proposta em gestações antes do termo desde que esteja preservado o bem-estar materno e fetal8. Como a proposta da conduta conservadora é aguardar a maturidade pulmonar e melhorar as chances de sobrevida neonatal8, é importante monitorar a vitalidade fetal, visando reduzir o risco de morte perinatal.
A doplervelocimetria da vascularização uterina, placentária e fetal, é um método não invasivo, com boa reprodutibilidade e de aplicação prática9,10. Nos dias de hoje, encontra-se consagrada na literatura como teste de excelência para avaliação da vitalidade do concepto em gestações complicadas por má adaptação placentária e vasculopatia9.
O fenômeno de centralização fetal, descrito desde a década de 1960, representa um estado de hipoxemia fetal associado à redistribuição do fluxo sanguíneo, com perfusão preferencial para órgãos nobres (cérebro, coração e glândulas adrenais) em detrimento dos pulmões, rins, baço e esqueleto11. Esse fenômeno pode ser diagnosticado utilizando a doplervelocimetria das artérias umbilicais (AUm) e artéria cerebral média fetal (ACM)10,12,13.
Em fetos normais, a doplervelocimetria da artéria umbilical evidencia um fluxo sanguíneo de baixa resistência, enquanto na artéria cerebral média fetal esse fluxo assume um padrão de alta resistência10,12,13. A inversão dessa resistência ao fluxo sanguíneo, demonstrada pela relação AUm/ACM, quando maior que um (se o estudo Dopplervelocimétrico da artéria umbilical tem resultado alterado) ou o aumento da resistência na artéria umbilical isoladamente, acima do percentil 95, sugerem o diagnóstico de centralização fetal10-13.
Esses fetos com redistribuição circulatória, ou seja, com centralização fetal, apresentam elevada frequência de escores de Apgar, no 1º e no 5º minuto, menores que sete, necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva (UTI) mais frequente e taxas mais elevadas de óbitos perinatais14-17.
Na literatura, encontram-se vários estudos associando a centralização fetal com desfechos perinatais desfavoráveis14-17. No entanto, os fatores potenciais que podem levar à redistribuição do fluxo sanguíneo fetal e consequente morte do concepto, particularmente nas gestantes com síndromes hipertensivas, ainda são pouco estudados, particularmente nas gestantes com síndromes hipertensivas. Um estudo sugere que o índice doplervelocimétrico da artéria uterina acima do percentil 90 aumenta o risco em sete vezes de morte perinatal18.
Desta forma, o presente estudo foi realizado com o objetivo de determinar os fatores associados à centralização fetal e os desfechos perinatais.
Métodos
Realizou-se uma análise secundária de um estudo observacional, retrospectivo, tipo corte transversal de base hospitalar, em gestantes com hipertensão arterial internadas na enfermaria de alto risco do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP), no período de janeiro de 2008 a janeiro de 2009. O projeto de pesquisa original foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do IMIP (CEP n. 1.062 de 11/10/2007), tendo sido iniciado apenas após sua aprovação.
Foram incluídas gestantes com síndromes hipertensivas submetidas a estudo doplervelocimétrico para avaliação da vitalidade fetal até 15 dias antes do parto. Foram excluídos os casos de gestação múltipla, malformações fetais, doenças maternas associadas e conhecidas, sangramento genital, descolamento prematuro de placenta, ruptura prematura das membranas, tabagismo, uso de drogas ilícitas e ausência de registros médicos dos recém-nascidos.
As síndromes hipertensivas foram classificadas segundo os critérios do National High Blood Pressure Education Program. Considerou-se pré-eclâmpsia a presença de hipertensão e proteinúria (acima de uma cruz) após a 20ª semana de gravidez, sendo grave quando a pressão arterial diastólica for maior ou igual a 110 mmHg e/ou sistólica maior ou igual a 160 mmHg e/ou proteinúria de fita de duas cruzes ou mais, e leve quando não eram preenchidos os critérios de pré-eclâmpsia grave2.
Na presença de sintomas, como cefaléia, epigastralgia e escotomas, considerou-se o diagnóstico de iminência de eclâmpsia. A hipertensão gestacional foi definida como elevação dos níveis pressóricos após a 20ª semana de gravidez na ausência de proteinúria e hipertensão crônica foi diagnosticada na presença de hipertensão prévia à gravidez, sendo considerada agravada pela gestação ou pré-eclâmpsia superposta na presença de aumento súbito dos níveis pressóricos e/ou da proteinúria2.
A centralização fetal foi definida quando o índice de resistência obtido pela relação entre a artéria umbilical (AUm) e artéria cerebral média (ACM) se encontrava acima de um em fetos com aumento da resistência da artéria umbilical10. Na ausência da inversão do fluxo umbilical/cerebral (maior que um), também foi considerado como centralização fetal a alteração isolada das artérias umbilicais, quando o índice de resistência se encontrava acima do percentil 95 para a idade gestacional10,19.
O cálculo do tamanho da amostra foi realizado com o uso do programa Statcalc do Epi-Info versão 3.5.1. Em estudo anterior, observou-se uma frequência de centralização fetal alterada em gestantes com pré-eclâmpsia grave de 42%20, porém optamos por adotar uma frequência menor, de 20%, baseada na média das frequências de centralização fetal em gestações de alto risco12,16. Para um poder de 80% e um nível de confiança de 95%, com uma precisão relativa de 30%, obteve-se um número de 120 gestantes, que foi aumentado para 129, prevendo-se eventuais perdas.
As variáveis estudadas foram: idade materna (anos); profissão (com e sem renda); pré-eclâmpsia grave (sim/não); proteinúria de fita (negativa, traços, uma a quatro cruzes); antecedentes obstétricos (paridade, número de gestações e abortos anteriores); parâmetros ultrassonográficos (índice de líquido amniótico, restrição de crescimento fetal e localização da placenta). Os parâmetros clínicos maternos analisados foram: pressão arterial sistólica, diastólica e média e frequência cardíaca. As variáveis doplervelocimétricas e os desfechos perinatais analisadas foram: índice de resistência das artérias uterinas, umbilical e cerebral média fetal; persistência da incisura protodiastólica na artéria uterina; diagnóstico de centralização e de alteração isolada da artéria umbilical e cerebral média fetal; índice de Apgar; peso fetal; idade gestacional no parto; via de parto; sexo e peso do recém-nascido; necessidade de internamento em unidade neonatal e berçário; necessidade de reanimação, de oxigênio, de ambu/CPAP e de ventilação assistida; tempo de internamento hospitalar e condições de alta hospitalar.
A mensuração ultrassonográfica do índice de líquido amniótico foi utilizada para determinar alterações em seu volume, sendo considerado oligo-hidrâmnio quando o valor encontrado foi menor que 5,021. Os dados foram coletados pelos pesquisadores a partir dos prontuários maternos e neonatais.
A ultrassonografia e a doplervelocimetria fetal foram realizadas com aparelho da marca Toshiba, modelo SSA-350A (Corevision), com sistema triplex acoplado ao transdutor convexo de 3,75 MHz. Os índices de resistência nas artérias uterinas, umbilical e cerebral média fetal foram calculados automaticamente pelo equipamento a partir da relação entre a velocidade de fluxo sistólico e diastólico, após ajuste adequado do ângulo entre o cursor e o vaso. Os exames foram realizados com a paciente em posição semi-Fowler, obtendo-se sonogramas dos vasos durante inatividade fetal, em períodos de apneia e ausência de contrações uterinas. Utilizaram-se filtros com frequência de 100 Hertz, sendo os sonogramas analisados com no mínimo seis ondas uniformes.
A análise estatística foi realizada no programa de domínio público Epi-Info 3.5.3. Para descrever características da amostra, foram utilizadas medidas de tendência central e dispersão, além de distribuições de frequências. Para determinar a associação entre variáveis preditoras (independentes) e presença de centralização (variável dependente), utilizou-se o teste χ2, bem como o teste exato de Fisher, quando pertinente, a um nível de significância de 5%. Esses mesmos testes foram utilizados para determinar a associação da centralização (agora variável independente) com os desfechos neonatais (variáveis dependentes). A razão de prevalência (RP) e o intervalo de confiança (IC) a 95% foram calculados. Todos os valores p foram bicaudados.
Variáveis independentes (características maternas e ultrassonográficas) que apresentaram associação significativa com a centralização ao nível de 20% foram selecionadas para análise multivariada. Assim, foi realizada análise de regressão logística múltipla stepwise, incluindo-se no modelo final apenas as variáveis que persistiram associadas com o desfecho, a um nível de significância de 5%.
Resultados
Foram incluídas 129 gestantes com diagnóstico de hipertensão arterial, sendo que 31 fetos encontravam-se centralizados (24,0%). Entre estas, 16 (12,4%) apresentavam-se com alteração isolada da artéria umbilical e um com diástole reversa (0,8%). Observou-se que a pré-eclâmpsia grave foi o diagnóstico mais frequente (n=69; 53,5%), seguido por hipertensão gestacional (n=25; 19,4%), hipertensão crônica (n=12; 9,3%), hipertensão agravada pela gestação e pré-eclâmpsia leve (n=9; 7,0%).
No momento da admissão, não se encontraram diferenças significativas entre os fetos com diagnóstico de centralização e os normais quanto às médias da idade materna, índice de líquido amniótico, frequência cardíaca materna, pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica e pressão arterial média. De forma semelhante, na última avaliação antes do parto, não foram observadas diferenças significativas quanto às médias da frequência cardíaca materna, pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica e pressão arterial média (Tabela 1).
No entanto, observou-se que as médias da idade gestacional do parto e do peso do recém-nascido foram menores nos fetos com centralização fetal em relação ao grupo de fetos normais (33,6±4,1 versus 35,7±2,6 semanas; p=0,001 e 1.754,2±676,2 versus 2.585,6±760,6 g; p<0,0001). Observou-se ainda, no grupo de gestantes com fetos centralizados comparados aos normais, uma maior média do índice de resistência (IR) na artéria uterina direita (0,65±0,11 versus 0,59±0,12; p=0,02), artéria uterina esquerda (0,65±0,11 versus 0,60±0,11; p=0,02), média das duas artérias uterinas (0,65±0,10 versus 0,59±0,10; p=0,01), artéria umbilical (0,73±0,09 versus 0,59±0,07; p<0,0001) e relação umbilical/cerebral (1,03±0,14 versus 0,75±0,09; p<0,0001). A média do IR da artéria cerebral média foi menor nos fetos centralizados (0,71±0,07 versus 0,78±0,06; p<0,0001).
Quanto aos desfechos maternos e ultrassonográficos, observou-se associação significativa de centralização fetal com restrição de crescimento fetal (RP 3,4; IC95% 1,9 - 5,9; p<0,0001) e presença de incisura protodiastólica bilateral (RP 3,4; IC95% 1,7 - 6,7; p=0,0001). Não se encontrou associação significativa entre centralização fetal e outras características, como idade materna, profissão, número de gestações, abortos e partos anteriores, proteinúria de fita, pressões arteriais sistólica, diastólica e média na admissão, pré-eclâmpsia grave, localização da placenta e oligo-hidrâmnio (Tabela 2).
Após análise multivariada, ambos os fatores pré-natais permaneceram associados à centralização fetal, tanto a restrição de crescimento (OR 3,3; IC95% 1,2 - 9,3; p=0,02) como a persistência da incisura protodiastólica bilateral (OR 3,6; IC95% 1,4 - 9,4; p=0,009).
Em relação aos desfechos perinatais, a centralização fetal foi significativamente associada com idade gestacional menor que 32 semanas, recém-nascidos pequenos para a idade gestacional (RNPIG) (RP 3,1; IC95% 1,5 - 6,4; p=0,01), peso do recém-nascido menor que 2.500 g (RP 3,4; IC95% 1,4 - 8,0; p=0,003) e morte após o parto (RP 3,6; IC95% 2,1 - 6,2; p=0,002). Todos os 129 fetos nasceram vivos. Não houve associação significativa com o sexo do recém-nascido, escores de Apgar no 1º e 5º minutos menores que sete e necessidade de internação em unidade de terapia intensiva neonatal, ventilação por máscara, CPAP, oxigenioterapia, intubação orotraqueal, reanimação cardiorrespiratória e ventilação assistida (Tabela 3).
Discussão
No presente estudo evidenciou-se centralização fetal em 24% das pacientes com síndromes hipertensivas na gravidez, sendo a pré-eclâmpsia grave a forma clínica mais frequente. Os fatores fortemente associados à centralização fetal foram a restrição de crescimento fetal e a persistência da incisura protodiastólica bilateral. O peso do recém-nascido menor que 2.500 g, recém-nascidos pequenos para a idade gestacional, idade gestacional abaixo da 32ª semana e mortalidade perinatal foram os desfechos perinatais associados à centralização fetal.
A utilização da doplervelocimetria na prática obstétrica possibilita a avaliação da circulação materna, placentária e fetal, particularmente nas gestantes com insuficiência placentária, bem como nas síndromes hipertensivas da gravidez9,10,12-19,22. O diagnóstico de centralização fetal é relativamente frequente9,10,20 nessas gestações e encontra-se associado com resultados perinatais adversos9,15-18. No nosso estudo, encontrou-se uma frequência de centralização fetal de 24,0%. Essa frequência foi semelhante à de outro estudo, que descreveu 26,5% de centralização fetal em casos de restrição do crescimento intrauterino12. Outros estudos com diferentes metodologias encontraram uma frequência que variou de 21,9 a 28,4%16,22. Todavia, a literatura já descreveu uma elevada frequência de 42,5%, em um subgrupo específico de mulheres com pré-eclâmpsia grave20.
Atualmente, os autores consideram que a alteração de fluxo da artéria umbilical acima do percentil 95% isolada é suficiente para o diagnóstico de centralização fetal, por se encontrar associada com efeitos adversos perinatais15,17,22. No nosso estudo, definimos a centralização fetal como sendo a inversão da relação artéria umbilical/cerebral ou a alteração isolada das artérias umbilicais. Ambas as alterações encontram-se associadas com o prognóstico perinatal adverso10,14,16.
Já se descreveu, anteriormente, que a alteração isolada da artéria cerebral média fetal, abaixo do percentil 5, também encontra-se associada ao prognóstico perinatal adverso, porém, na atualidade, não se recomenda que essa artéria seja utilizada isoladamente com essa finalidade10,23.
Não foram encontradas diferenças significativas entre fetos com e sem centralização em relação aos fatores de gravidade das síndromes hipertensivas, como níveis pressóricos, proteinúria e pré-eclâmpsia grave. Isso pode ter ocorrido porque nossa amostra foi bastante homogênea, com a maioria das pacientes com pré-eclâmpsia grave estável e internadas, apresentando controle pressórico adequado e em uso de medicações anti-hipertensivas, sendo indicada a interrupção da gestação tão logo se evidenciasse alguma alteração dos parâmetros maternos e/ou fetais20.
Destacamos ainda que a época ideal da interrupção da gestação nos fetos com centralização ainda permanece incerta24. No entanto, em nosso serviço, por vezes a interrupção da gestação na centralização fetal é indicada mais precocemente, tanto é que encontramos uma idade gestacional na interrupção da gravidez em torno de duas semanas menor nos fetos com diagnóstico de centralização. A combinação com o estudo doplervelocimétrico do ducto venoso nos casos de centralização em idade gestacional precoce pode permitir conduta conservadora em alguns casos, postergando-se a resolução da gravidez, porém, em nosso estudo apenas uma paciente apresentou diástole reversa13,24.
De forma semelhante, não se observou associação significativa da doplervelocimetria alterada com outros desfechos maternos. Outros autores têm confirmado uma ausência de associação da centralização fetal com idade materna, paridade e pré-eclâmpsia grave16.
Na literatura, é descrito um modelo evolutivo para representar o estado de hipoxemia fetal. A sequência de eventos que ocorrem em um feto submetido à hipoxia se inicia com uma redução na velocidade de crescimento até a mortalidade perinatal9,25.
A avaliação do volume de líquido amniótico é de fundamental importância nas gestações de alto risco, uma vez que sua diminuição progressiva permite identificar fetos que apresentem maior risco de sofrimento crônico16,26. Em desacordo com outros estudos16,26, não observamos associação significativa do líquido diminuído/oligo-hidrâmnio com a centralização fetal, porém 35,3% dos fetos com oligo-hidrâmnio apresentavam centralização. Isso pode ser justificado pela baixa frequência de oligo-hidrâmnio observado em nosso estudo. Ressalta-se que a interrupção precoce da gestação nos fetos centralizados pode ter ocorrido antes de instalado o oligo-hidrâmnio.
Em gestantes com síndromes hipertensivas, a dopplervelocimetria permite a detecção do aumento da resistência das artérias uterinas e da persistência da incisura protodiastólica. Esse baixo fluxo sanguíneo está associado com redistribuição do fluxo sanguíneo e hipoxia crônica do feto, ocasionando restrição de crescimento intrauterino, recém-nascidos pequenos para a idade gestacional, baixo peso ao nascer e óbito perinatal9,12,14-16,20,22,26. Assim, em consonância com a literatura, observamos uma maior média do índice de resistência de ambas as artérias uterinas, das artérias umbilicais e da relação umbilical/cerebral nos fetos centralizados. A média do IR da artéria cerebral média foi menor nesses fetos.
Destaca-se que apesar de utilizarmos como valores de referência os dados de um estudo internacional19, pois não encontramos na literatura estudos nacionais para o índice de resistência, recentemente foi publicado em revista brasileira os valores de referência do índice de pulsatilidade, os quais foram semelhantes aos valores internacionais27.
No nosso estudo, foi encontrada associação significativa da centralização fetal com a persistência de incisura protodiastólica bilateral e o diagnóstico ultrassonográfico de restrição de crescimento intrauterino. Ressalta-se que foi encontrada uma constante significativa, sugerindo que outros fatores não avaliados podem estar envolvidos.
Na literatura, vários autores descrevem uma maior frequência de fetos centralizados na restrição de crescimento intrauterino, sendo indicado o acompanhamento do bem estar fetal pela doplervelocimetria9,10,14,22,26. Um estudo identificou que em pacientes com hipertensão na gravidez a relação artéria umbilical/cerebral média e artéria umbilical isoladamente alteradas foram um bom preditor do recém-nascido PIG10.
Outros estudos sugerem que a incisura protodiastólica bilateral representa um fator de risco para a insuficiência placentária e consequente hipertensão na gravidez, associando a maior incidência de centralização fetal28. Alterações na doplervelocimetria da artéria uterina são associadas também com resultados perinatais desfavoráveis10,18,22. No entanto, não há evidências suficientes para sua utilização em gestantes de baixo risco29. Já foi descrito que nas gestações de risco para recém-nascidos PIG, o aumento da resistência vascular na doplervelocimetria da artéria uterina é mais precoce que aquele observado na artéria umbilical30. Na atualidade, a relação ACM/artéria uterina, quando menor que 1,05, vem sendo utilizada para predizer os fetos PIG e suas complicações10.
Em relação aos desfechos perinatais associados à centralização, encontrou-se associação com idade gestacional do parto (<32ª semana), baixo peso ao nascer (<2.500 g), PIG e mortalidade perinatal, refletindo as repercussões da redução do fluxo sanguíneo e da insuficiência uteroplacentária. Este achado está de acordo com diversos estudos que demonstram as repercussões neonatais do diagnóstico de centralização fetal9,10,14-17,22,26. Estudos destacam que durante o acompanhamento de gestantes com síndromes hipertensivas, o achado de centralização fetal se associa com um risco maior de nascimento de PIG e de baixo peso ao nascer, importantes fatores prognósticos que devem ser levados em consideração durante o manejo obstétrico.
Em relação à mortalidade perinatal, vários estudos sugerem maior frequência em fetos com centralização, particularmente na presença de diástole zero e reversa na artéria umbilical com fluxo sanguíneo venoso alterado13,16. Em nosso estudo, não avaliamos o ducto venoso ou a veia umbilical, mas observamos um aumento da mortalidade perinatal nos fetos com centralização do fluxo.
Agradecimentos
Ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira/ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Recebido 20/06/2013
Aceito com modificações 05/07/2013
Trabalho realizado no Setor de Medicina Fetal do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP - Recife (PE), Brasil.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Set 2013 -
Data do Fascículo
Jul 2013
Histórico
-
Recebido
20 Jun 2013 -
Aceito
05 Jul 2013