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Polioencefalomalacia em ruminantes

Polioencephalomalacia in ruminants

Resumos

Polioencefalomalacia (PEM) de ruminantes é uma doença complexa. O termo indica um diagnóstico morfológico em que necrose neuronal grave resulta em amolecimento da substância cinzenta do cérebro. Interpretada no início como uma doença única, causada por deficiência de tiamina, acredita-se hoje que várias causas e diferentes mecanismos patogênicos, ou um único mecanismo patogênico disparado por diferentes agentes, sejam responsáveis pelo aparecimento da doença. Neste artigo, as possíveis causas e a patogênese de PEM em ruminantes são criticamente revisadas e discutidas. Também são revisadas a epidemiologia, os sinais clínicos, os achados macro e microscópicos e os métodos de diagnóstico, tratamento e controle.

Doenças de bovinos; neuropatologia; polioencefalomalacia


Polioencephalomalacia (PEM) of ruminants is a complex disease. The term indicates a morphological diagnosis where severe neuronal necrosis results in softening of cerebral grey matter. Initially though as a single disease caused by thiamine deficiency, PEM is currently believe to have several causes and different pathogenic mechanisms or a single pathogenic organism triggered by different agents are responsible for the disease. In this paper the possible causes and pathogenesis of PEM in ruminants are critically reviewed and discussed. Also are reviewed the epidemiology, clinical signs, gross and histological findings, methods of diagnosis, treatment and control.

Diseases of cattle; neuropathology; polioencephalomalacia


ARTIGO DE REVISÃO

Polioencefalomalacia em ruminantes

Polioencephalomalacia in ruminants

Fabiano J.F. de Sant'AnaI; Ricardo A.A. LemosII; Ana Paula A. NogueiraIII; Monique TogniIV; Bianca TesseleIV e Claudio S.L. BarrosV

IPrograma de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, área de concentração em Patologia Veterinária, Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS 97105-900, Brasil. Bolsista do CNPq

IIDepartamento de Medicina Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), UFMS, Av. Filinto Müller s/n, Cidade Universitária, Campo Grande, MS 79070-900, Brasil

IIIPrograma de Pós-Graduação em Ciência Animal, FMVZ, UFMS, Campo Grande, MS

IVLaboratório de Patologia Veterinária (LPV), Departamento de Patologia (DP), UFSM, Santa Maria, RS. Bolsista PIBIC/CNPq

VLPV/DP, UFSM, Santa Maria, RS. Pesquisador 1-A do CNPq (Proc. 307876/2006-3), E-mail: claudioslbarros@uol.com.br

RESUMO

Polioencefalomalacia (PEM) de ruminantes é uma doença complexa. O termo indica um diagnóstico morfológico em que necrose neuronal grave resulta em amolecimento da substância cinzenta do cérebro. Interpretada no início como uma doença única, causada por deficiência de tiamina, acredita-se hoje que várias causas e diferentes mecanismos patogênicos, ou um único mecanismo patogênico disparado por diferentes agentes, sejam responsáveis pelo aparecimento da doença. Neste artigo, as possíveis causas e a patogênese de PEM em ruminantes são criticamente revisadas e discutidas. Também são revisadas a epidemiologia, os sinais clínicos, os achados macro e microscópicos e os métodos de diagnóstico, tratamento e controle.

TERMOS DE INDEXAÇÃO: Doenças de bovinos; neuropatologia; polioencefalomalacia

ABSTRACT

Polioencephalomalacia (PEM) of ruminants is a complex disease. The term indicates a morphological diagnosis where severe neuronal necrosis results in softening of cerebral grey matter. Initially though as a single disease caused by thiamine deficiency, PEM is currently believe to have several causes and different pathogenic mechanisms or a single pathogenic organism triggered by different agents are responsible for the disease. In this paper the possible causes and pathogenesis of PEM in ruminants are critically reviewed and discussed. Also are reviewed the epidemiology, clinical signs, gross and histological findings, methods of diagnosis, treatment and control.

INDEX TERMS: Diseases of cattle; neuropathology; polioencephalomalacia

I. INTRODUÇÃO

Polioencefalomalacia (PEM) é um termo descritivo que designa o diagnóstico morfológico para necrose com amolecimento (malacia) da substância cinzenta (pólio) do encéfalo. A denominação necrose cerebrocortical é usada para designar a mesma condição na Europa (Markson et al. 1972, Edwin et al. 1979, Jeffrey et al. 1994). O uso do termo "polioencefalomalacia" tem gerado alguma controvérsia. Em 1956, no Estado do Colorado, EUA, ele foi empregado para designar não somente uma lesão, mas uma doença específica de ruminantes, presumivelmente causada por deficiência de tiamina e caracterizada por necrose do córtex telencefálico (Jensen et al. 1956). Desde então, o termo polioencefalomalacia tem sido usado como sinônimo dessa condição em ruminantes. No entanto, sabe-se hoje que nem todos os casos de polioencefalomalacia em ruminantes estão associados a distúrbios da tiamina e várias outras etiologias também são implicadas na patogênese dessa lesão (Quadro 1). No Brasil, o termo polioencefalomalacia tem sido empregado para definir doenças específicas sem que, na maioria dos casos, a etiologia tenha sido investigada, e não há certeza de que se trate da mesma doença ou de várias doenças com a mesma lesão (Barros et al. 2006, Lemos & Riet-Correa 2007).


PEM é descrita como uma doença nervosa e não-infecciosa que afeta bovinos (Barros et al. 2006, Radostits et al. 2007), ovinos (Lima et al. 2005, Radostits et al. 2007), caprinos (Colodel et al. 1998, Lima et al. 2005, Radostits et al. 2007) e bubalinos (Guimarães et al. 2008). Apresenta distribuição mundial e é responsável por perdas econômicas substanciais em vários países. Durante muito tempo a PEM foi considerada como causada por deficiência de tiamina (vitamina B1), que poderia ocorrer associada a determinadas condições alimentares, como altas quantidades de grãos ou forragem inadequada (Haven et al. 1983, Radostits et al. 2007) e transferência de lotes de pastagens pobres para pastos jovens e tenros (Jensen et al. 1956). Embora essa patogênese possa ainda ser válida em algumas dessas situações, a participação da tiamina na patogênese da PEM foi questionada, uma vez que não havia alterações nas concentrações dessa substância no fluido ruminal, nos tecidos ou no sangue de bovinos e ovinos afetados pela doença (Loew 1975, Mella et al. 1976, Sager et al. 1990, Gould et al. 1991, Rousseaux et al. 1991). Um exemplo disso foi observado na indução de deficiência severa de tiamina em ovinos que não desenvolveram PEM (Mueller & Asplund 1981). Além disso, a deficiência de tiamina, quando ocorre, não é específica de PEM, pois as atividades da transcetolase eritrocitária (dependente de tiamina) e tiaminases gastrintestinais podem estar alteradas em outras condições de ruminantes (Loew 1975, Linklater et al. 1977).

Atualmente acredita-se que muitos dos casos de blind staggers descritos anteriormente como intoxicação por selênio, são na realidade casos de PEM associados a excesso de enxofre (O'Toole et al. 1996, Gould 1998). Entre 1956 e os dias de hoje, muitos pesquisadores observaram que a PEM em ruminantes pode ter várias causas, incluindo intoxicação por enxofre (Gould 1998, Loneragan et al. 1998, Gould 2000, Kul et al. 2006), intoxicação por sal associada à privação de água (Lindley 1977, Trueman & Clague 1978, Scarratt et al. 1985), intoxicação por chumbo (Christian & Tryphonas 1971, Priester & Hayes 1974, Lemos et al. 2004, Traverso et al. 2004, Krametter-Froetscher et al. 2007), administração de determinados anti-helmínticos, como levamisole e tiabendazole (Linklater et al. 1977), administração de análogos da tiamina, como o amprólio (Loew & Dunlop 1972, Markson et al. 1974, Morgan 1974), ingestão de cadáveres (Purisco 1982), ingestão de melaço - provavelmente associada à intoxicação por enxofre (Mella et al. 1976), mudança brusca de pastos ruins para outros de ótima qualidade (Moro et al. 1994), ingestão de plantas ricas em tiaminases (Pritchard & Eggleston 1978, Ramos et al. 2005), forma aguda da intoxicação por Phalaris spp. (Anderton et al. 1994) e infecção por herpesvírus bovino (Carrillo et al. 1983a,b). É relatado que intoxicações por cianeto ou por ácido monofluoracético (ou por plantas que incluam essas substâncias) também podem causar necrose laminar do córtex cerebral (Lemos & Riet-Correa 2007).

II. ETIOLOGIA E PATOGÊNESE

Deficiência de tiamina

A tiamina é um composto importante para várias vias metabólicas e sua deficiência resulta em alterações no metabolismo dos carboidratos (Radostits et al. 2007). A deficiência de tiamina interfere no metabolismo da glicose no sistema nervoso central (SNC), alterando a função dos sistemas enzimáticos intracelulares dependentes de pirofosfato de tiamina. A maioria do ATP é gerada por glicólise pela via pentose fosfato e a transcetolase, uma enzima encontrada em células gliais e eritrócitos, limita essa via. Como a tiamina atua como cofator para essa enzima, sua carência resulta em comprometimento da glicólise e da produção de ATP. Uma vez que o cérebro é dependente de glicose, a transcetolase das células gliais desenvolve papel importante no metabolismo encefálico. A tiamina atua também como cofatora para várias enzimas do Ciclo de Krebs (Cebra & Cebra 2004). A conversão de piruvato e lactato em acetato e do alfa-cetoglutarato em succinato também são bloqueadas pela ausência de pirofosfato de tiamina (Kaneko et al. 1997). Adicionalmente, com essa redução da síntese de ATP, ocorre diminuição da eficiência da bomba de sódio e potássio, resultando em retenção de sódio, aumento da pressão osmótica no interior da célula e consequentemente alteração no volume celular devido à maior atração de água. Esses distúrbios são responsáveis pelas alterações morfológicas iniciais observadas no SNC acometido por PEM. Essas lesões geralmente ocorrem quando as concentrações de transcetolase eritrocitária reduzem cerca de 50% no cérebro e as concentrações de tiamina no cérebro estão abaixo de 20% do normal (Dreyfus 1965).

Ruminantes adultos sintetizam quantidades suficientes dessa vitamina (Gooneratne et al. 1989b). A deficiência de tiamina primária afeta principalmente ruminantes jovens, que não são capazes de sintetizar a vitamina e ingerem baixas quantidades desse elemento na dieta; a deficiência secundária ocorre pela produção de substâncias que inativam a tiamina ou competem com ela no rúmen ou no intestino (Ferreira et al. 1986, Radostits et al. 2007). Dietas ricas em carboidratos e pobres em fibra e mudanças bruscas na alimentação, principalmente na transferência de pastos pobres para pastagem de boa qualidade (Jensen et al. 1956, Moro et al. 1994) favorecem a ocorrência da PEM. Dietas ricas em carboidratos são facilmente fermentáveis reduzindo o pH ruminal, levando a acidose láctica, o que inibe o desenvolvimento dos microorganismos produtores de tiamina e favorece a multiplicação de algumas bactérias que sintetizam tiaminase, como Clostridium sporogenes e Bacillus thiaminollyticus (Morgan & Lawson 1974, Shreeve & Edwin 1974, Haven et al. 1983). As reservas hepáticas de tiamina são exauridas, desencadeando deficiência sistêmica, inclusive no tecido nervoso, ocasionando as manifestações clínicas características da doença. Atividades altas (em comparação com controles) de tiaminases dos tipo-1 e 2 foram encontradas no líquido ruminal de ovinos e bovinos e apontadas como causa de PEM (Edwin et al. 1968). Bovinos e ovinos afetados por PEM apresentavam também baixas concentrações de tiamina no encéfalo e fígado (Edwin & Jackman 1973). Análogos da tiamina com atividade biológica comprometida podem ser produzidos no rúmen por tiaminase tipo-1 (Edwin & Jackman 1981/1982). Apesar de não ter sido demonstrado aumento do número de bactérias totais no rúmen de bovinos afetados por PEM, houve marcada diferença qualitativa entre as populações de bactérias em relação a bovinos normais (Haven et al. 1983), resultando em maior quantidade de microorganismos degradantes de tiamina. Microorganismos produtores de tiaminases foram demonstrados em amostras de feno, silagem, concentrados e forrageiras (Edwin & Jackman 1973). Assim, a proliferação desses agentes no rúmen pode ocorrer após a ingestão desses compostos ou condições como deficiência de cobalto, administração de anti-helmínticos ou antibióticos orais (Riet-Correa et al. 2007) e acidose ruminal (Lemos 2005).

Tiaminases também ocorrem em plantas, como Amaranthus blitoides, Malva parviflora, Pteridium aquilinum, Marsilea drummondii, Cheilanthes sieberi e Equisetum arvense (Pritchard & Eggleston 1978, Meyer 1989, Ramos et al. 2005). Entretanto, essas plantas ocasionalmente ou raramente estão envolvidas em surtos espontâneos de PEM (Radostits et al. 2007) e experimentos com P. aquilinum em eqüinos não resultaram em doença clínica (Gava 1988, comunicação pessoal). Dessas, apenas a M. drummondii parece ser uma causa importante de PEM na Austrália (Pritchard & Eggleston 1978).

Outras condições que podem conduzir à deficiência de tiamina incluem a administração de substâncias antimetabólicas da vitamina B1, como piritiamina, oxitiamina e amprólio (Loew & Dunlop 1972, Markson et al. 1972, Morgan 1974, Sant'Ana et al. 2009b) e o uso de alguns anti-helmínticos, como levamisole e tiabendazole (Linklater et al. 1977). A doença já foi produzida experimentalmente em ovinos de uma semana de idade pela administração de leite isento de tiamina, com alguns animais sendo tratados adicionalmente com amprólio (Thornber et al. 1979). Ruminantes criados intensivamente apresentam maiores fatores de risco para desenvolvimento de PEM, pois apresentam alterações no metabolismo ruminal em função de dietas altamente energéticas e acidificadoras do rúmen ou por serem tratados frequentemente com antibióticos orais. Surtos de PEM atribuídos à deficiência de tiamina podem ocorrer em ovinos e caprinos manejados intensivamente e alimentados por garrafa com substitutos de leite (Cebra & Cebra 2004). Um surto de PEM é descrito em caprinos que consumiram "uva-do-Japão" (Hovenia dulcis) durante cinco dias (Colodel et al. 1998). O fruto de H. dulcis contém altas concentrações de sacarídeos (Hussain et al. 1990), e é possível que esses caprinos tenham desenvolvido acidose ruminal e consequente deficiência de tiamina.

O motivo que por muito tempo sustentou a afirmação de que a deficiência de tiamina era a única causa de PEM, foi a constante recuperação de bovinos afetados pela doença após o tratamento com a vitamina (Barros et al. 2006, Radostits et al. 2007). Entretanto, tentativas de reprodução experimental da doença pela indução de deficiência de tiamina nem sempre têm sucesso (Radostits et al. 2007), baixas concentrações de tiamina não são detectadas em todos os casos naturais de PEM em ruminantes (McAllister et al. 1997) e tiaminases ocorrem nas fezes de ovinos clinicamente normais (Linklater et al. 1977), demonstrando que a deficiência de tiamina não pode ser confirmada por esse método.

Intoxicação por enxofre

Nas últimas décadas, numerosos pesquisadores têm demonstrado que a intoxicação por enxofre é uma causa extremamente importante e comum de PEM em ruminantes (Raisbeck 1982, Harries 1987, Gooneratne et al. 1989a, Gould et al. 1991, Rousseaux et al. 1991, McAllister et al. 1992, Hamlem et al. 1993, Jeffrey et al. 1994, Bulgin et al. 1996, Low et al. 1996, Hill & Ebbett 1997, McAllister et al. 1997, Olkowsky 1997, Gould 1998, Loneragan et al. 1998, Gould 2000, Gould et al. 2002, Niles et al. 2000, Traverso et al. 2001, Niles et al. 2002, Haydock 2003, Kul et al. 2006, Mckenzie et al. 2009). Esse tipo de PEM associada à intoxicação por enxofre parece ser uma forma epidemiologicamente distinta da doença (Gould 1998). Surtos de PEM ocorrem associados a altos níveis de enxofre (sulfatos, sulfitos ou sulfetos) na alimentação (Mella et al. 1976, Raisbeck 1982, Jeffrey et al. 1994, Bulgin et al. 1996, Low et al. 1996, Hill & Ebbett 1997, Niles et al. 2000, Traverso et al. 2001) ou na água (Harries 1987, Gooneratne et al. 1989b, Hamlem et al. 1993, Gould 2000) ingerida pelos ruminantes e no conteúdo ruminal desses animais (McAllister et al. 1997). As fontes desses compostos são variáveis e incluem aditivos no concentrado, como o gipso (sulfato de cálcio) ou acidificadores de urina (sais de sulfato inorgânico ou sulfato de amônia), pastagens (por absorção do elemento no solo ou por contaminação com subprodutos industriais ou animais e fertilizantes), fontes de água com altos teores de enxofre e, mais raramente, erros na formulação de rações (Jeffrey et al. 1994, McAllister et al. 1997, Olkowsky 1997, Radostits et al. 2007). A água é considerada o principal componente envolvido na veiculação de altas concentrações de enxofre na dieta de bovinos (Olkowsky 1997).

Ingestão excessiva de enxofre associada à baixa ingestão de microelementos, como zinco, molibdênio e principalmente cobre, tem sido implicada na patogênese da PEM (Gooneratne et al. 1989b). Os sulfatos ingeridos são reduzidos a sulfetos pela microbiota ruminal e se ligam a cátions divalentes (minerais). Os sulfetos parecem ser a forma tóxica (Gould 1998) e são encontrados em maior quantidade na camada gasosa do rúmen em comparação com o fluido ruminal (Gould et al. 1997). Têm sido observados casos de PEM associados à deficiência de cobre em regiões onde as águas são ricas em sulfatos (Gould 1998), mas essa forma da doença foi reproduzida experimentalmente, com a comprovação de que a capacidade da dieta em induzir PEM não era devida à deficiência de cobre (Sager et al. 1990). Em outro estudo, intoxicação crônica por cobre foi associada à PEM (Sargison et al. 1994). Nesse caso, a toxicidade por cobre pode ter causado diminuição da função hepática resultando em concentrações plasmáticas aumentadas de enxofre contendo aminoácidos que teriam predisposto a PEM relacionada ao enxofre (Sargison et al. 1994).

A microbiota ruminal adaptada a dietas ricas em sulfatos produz grandes concentrações de sulfeto de hidrogênio parte das quais é detoxificada pela produção bacteriana de aminoácidos sulfurados; outra parte é absorvida pelas mucosas ruminal e intestinal ou ainda pode ser eructada (Cebra & Cebra 2004, Radostits et al. 2007). Ânions tóxicos derivados desse gás inibem a enzima citocromo-oxidase, baixando a produção de ATP (McAllister et al. 1997). Esse mecanismo interrompe a respiração celular e causa hipóxia, com consequente necrose neuronal (McAllister et al. 1992, Radostits et al. 2007). Como o SNC depende de níveis altos e ininterruptos de energia, esse é o principal sistema afetado. Contudo, outros mecanismos de ação também podem estar envolvidos. O enxofre pode se ligar a hemoglobina formando a sulfemoglobina, que, por sua vez, reduz a capacidade de condução de oxigênio no sangue (Bulgin et al. 1996). Adicionalmente, o H2S endógeno pode funcionar como neuromodulador no cérebro (Abe & Kimura 1996), ou ainda, exercer um efeito paralítico direto no corpo carotídeo inibindo a respiração (Durand & Komisarczuk 1988). Embora se reconheçam todas essas ações, os efeitos tóxicos dos sulfetos não são totalmente conhecidos (Cebra & Cebra 2004). Sulfitos são responsáveis pela clivagem da tiamina. Entretanto, essa redução da tiamina não foi comprovada em ovinos alimentados com uma dieta semissintética livre de tiamina e rica em sulfatos (Oliveira et al. 1996).

A produção de concentrações patológicas de H2S no rúmen depende fundamentalmente de alguns fatores. Os principais são a quantidade de enxofre fornecida ao animal e a capacidade das bactérias ruminais de degradá-lo. A concentração recomendada de enxofre dietético para ruminantes é de no máximo 3% e o limite tolerável é de 4 % (National Research Council 1996). A avaliação do fornecimento de enxofre total em termos de porcentagem do mineral em matéria seca é recomendada para avaliar o potencial de produção ruminal patológica de H2S. É necessário saber a quantidade de enxofre em matéria seca contido em cada fonte alimentar (volumoso, ração, água, etc.) para se chegar ao valor final. Em algumas regiões dos Estados Unidos, sulfatos na água podem representar uma quantidade significativa do enxofre consumido pelos animais e alcançar até 2.000 ppm (Gould 1998, Gould et al. 2002). Quando as temperaturas e as concentrações de enxofre na água são elevadas, o risco de desenvolvimento de PEM aumenta consideravelmente (McAllister et al. 1997, Gould 1998). As bactérias que degradam sulfatos pode ser dissimilatórias e assimilatórias. As dissimilatórias usam enxofre como um receptor de elétrons e produzem sulfetos como um produto metabólico final necessário, enquanto as assimilatórias reduzem enxofre, mas o utilizam para sintetizar aminoácidos contendo enxofre. Produção e acúmulo excessivos de sulfeto no rúmen poderiam ser causados pela predominância de bactérias dissimilatórias ou por capacidade assimilatória insuficiente (Gould 2000). Duas bactérias dissimilatórias isoladas do fluido ruminal de ovinos e bovinos, Desulfovibrio spp. e Desulfotomaculum spp., são os principais microorganismos produtores de sulfeto no rúmen (Cummings et al. 1995). A produção de H2S ruminal também pode ser afetada pelo tipo de carboidrato ingerido e pelo pH do fluido ruminal. O tipo e a disponibilidade do carboidrato pode afetar o número e o metabolismo de bactérias redutoras de sulfato (Gould 2000). Condições ácidas favorecem uma concentração aumentada de H2S na camada gasosa do rúmen e a inalação desse gás eructado poderia servir como rota de absorção sistêmica de sulfetos. Embora não se conheça a principal via de absorção de sulfetos, há evidências que o sistema respiratório sirva de via de entrada primária (Gould 1998). Os surtos de PEM associados ao consumo de melaço por bovinos (Mella et al. 1976) podem ter sido causados por intoxicação por enxofre, uma vez que o melaço pode ser rico em enxofre (Gould 1998),

No Brasil, há dois surtos de PEM descritos em ovinos (Lima et al. 2005) e bovinos (Traverso et al. 2001) ingerindo ração com níveis altos de enxofre. Em outros países, a doença tem sido também descrita em bovinos pastejando plantas acumuladoras, como Kochia scoparia (Dickie & Berryman, 1979), Chenopodium spp. (Gould 2000) brotos de cevada (Hordeum vulgare) (Kul et al. 2006), Descurainia pinnata (Afip 2005-2006), Brassica oleracea (Hill & Ebbett 1997), B. rapa e B. napus (Gould 2000). Nessa última, as maiores concentrações de enxofre são encontradas nas inflorescências e nas cápsulas das sementes (Booth et al. 1991). Recentemente, dois surtos de PEM associados à intoxicação por enxofre foram relatados em bovinos na Austrália que tiveram acesso a várias plantas crucíferas (Brassicaceae) acumuladoras de enxofre, como Sisybrium irio, Capsella bursapastoris e Raphanus raphanistrum (McKenzie et al. 2009). Essas plantas produzem glucosinolatos com dois átomos de enxofre por molécula. Nenhuma dessas plantas acumuladoras de enxofre (citadas acima) tem sido associada a surtos de PEM em ruminantes no Brasil. Algumas forragens que são ricas em proteínas, como a alfafa, podem servir de fonte de enxofre para os animais, provavelmente em função do conteúdo de aminoácidos sulfurados da proteína. Tem sido mostrado que bactérias ruminais incubadas in vitro podem produzir H2S após adição de cisteína e metionina (Cummings et al. 1995). Adicionalmente, PEM tem sido reproduzida em bezerros alimentados com dieta a base de glúten de milho com concentrações de enxofre variando de 3.860 a 7.010ppm (Niles et al. 2002).

Intoxicação por sal associada à privação de água

Intoxicação por sal direta resulta da ingestão direta e imediata de altas quantidades de cloreto de sódio enquanto a intoxicação indireta (mais comum) resulta da ingestão contínua de sal associada à privação de água (Maxie & Youssef 2007). Intoxicação direta ocorre especialmente em bovinos sedentos que têm acesso a uma fonte de água salobra ou à suplementação com cloreto de sódio após período de restrição desse mineral (Maxie & Youssef 2007), mas essa condição é pouco comum (Summers et al. 1995). A intoxicação indireta é quase exclusivamente uma doença de suínos e raramente ocorre em ruminantes (Trueman & Clague 1978, Summers et al. 1995, Maxie & Youssef 2007). Em situações de temperatura ambiente elevada, os animais podem ingerir água avidamente após período de restrição hídrica, o que pode agravar o quadro de intoxicação indireta por sal (Lindley 1977). A patogênese da intoxicação não foi totalmente esclarecida, porém o influxo de eosinófilos para o espaço perivascular está relacionado com o aumento de íons sódio (Summers et al. 1995). Sabe-se que o sódio é o principal determinante da osmolaridade extracelular e passa lentamente pela barreira hematoencefálica. Quando as concentrações de sódio sanguíneo estão elevadas no sangue (145-185mE/L), o encéfalo também possui altas concentrações desse mineral, o que inibe a glicólise anaeróbica. Com o acesso a água, as concentrações de sódio no sangue voltam ao normal, mas no encéfalo permanecem altas. Como a glicólise anaeróbica está comprometida, não há transporte ativo para fora do sistema nervoso. Assim, cria-se um gradiente osmótico e a água passa do sangue para o encéfalo, levando ao edema cerebral (Cebra & Cebra 2004). Na reidratação rápida, o fluxo de água para os eritrócitos frequentemente causa hemólise intravascular, que pode deixar o soro e a urina vermelhos ou marrons (Cebra & Cebra 2004).

A quantidade de sal tolerada na dieta depende fundamentalmente da quantidade de água fornecida e da quantidade de sal presente na água. Ruminantes podem tolerar pelo menos 13% de sal com acesso livre a água limpa, mas recomenda-se não ultrapassar 4% na alimentação e 0,3% na água. Concentrações inferiores podem ser tóxicas se há restrição de água ou se a água contém 7.000ppm (0,7%) de sal ou mais. Toxicose crônica pode ser causada por quantidades inferiores de sal que as doses tóxicas agudas de aproximadamente 2,2mg/kg para bovinos e 6mg/kg para ovinos (Cebra & Cebra 2004).

O efeito da restrição de água pode ser exacerbado pelo consumo de sal mineral ou suplementos protéico-energéticos. No Brasil, acredita-se que o uso frequente, por alguns pecuaristas, de suplementos protéico-energéticos contendo minerais (também conhecido com sal proteinado ou misturas múltiplas) pode estar envolvido no fornecimento inadequado e exagerado de sódio, especialmente para bovinos, e ter participação na patogênese de surtos de PEM (Riet-Correa et al. 2007).

Intoxicação por chumbo

A intoxicação por chumbo é descrita em várias espécies animais (Priester & Hayes 1974) e é uma importante causa de necrose da substância cinzenta encefálica em bovinos. Nessa espécie, a intoxicação ocorre pela ingestão acidental de produtos que contêm chumbo ou pela ingestão de pastagens contaminadas (Driemeier & Barros 2007). No Canadá, o chumbo é uma das causas tóxicas mais comuns de doenças neurológicas em ruminantes (Hoff et al. 1998). A doença foi descrita no Brasil, em bovinos, nos estados de Santa Catarina, Paraná (Driemeier & Barros 2007), Rio Grande do Sul (Traverso et al. 2004) e Mato Grosso do Sul (Lemos et al. 2004). Casos de intoxicação por chumbo também foram descritos em eqüinos no estado de São Paulo (Driemeier & Barros 2007). Animais que ingerem doses elevadas, moderadas e baixas de chumbo desenvolvem doença nervosa, digestiva e de nervos periféricos, respectivamente (Radostits et al. 2007). Entre os animais domésticos, os bovinos são a espécie mais afetada e bezerros são mais suscetíveis em relação aos adultos (Blakley 1984). Isso se deve à maior curiosidade e menor seletividade nos hábitos alimentares dessa espécie (Traverso et al. 2004, Radostits et al. 2007). Casos de intoxicação são frequentemente associados à exposição de rebanhos a resíduos de baterias, tintas, lubrificantes, óleos de motor, fumaça de indústrias, herbicidas, inseticidas e pastagens contaminadas por lixo industrial (Cebra & Cebra 2004, Lemos et al. 2004, Traverso et al. 2004). A intoxicação pode ser aguda, subaguda (Christian & Tryphonas 1971) ou crônica (Donawick 1966) e alguns autores relatam maior número de casos no verão, época em que há maior movimentação de maquinários agrícolas no campo, expondo o rebanho aos produtos contaminados (Blakley 1984, Radostits et al. 2007).

As alterações nervosas são consequentes do edema devido ao depósito de chumbo no endotélio capilar, enquanto que lesões digestivas ocorrem pela ação cáustica dos sais de chumbo na mucosa. Alguns animais desenvolvem anemia normocítica normocrômica em intoxicações crônicas devido às reduções da vida do eritrócito e da síntese da porção heme da hemoglobina. Este mecanismo ocorre por aumento da protoporfirina, por meio da inibição da enzima hemessintetase, o que impossibilita a ligação do ferro com a protoporfirina (Radostits et al. 2007). Em experimento realizado com bovinos foi demonstrado que a anemia se desenvolve tardiamente (após aproximadamente 100 dias de ingestão contínua de chumbo). Outros achados incluem aumento da fragilidade osmótica e aumento na concentração de porfirina sanguínea (Christian & Tryphonas 1971). O chumbo também pode causar desmielinização em nervos periféricos, embora ocorra infrequentemente em ruminantes (Cebra & Cebra 2004).

A toxicidade do chumbo varia conforme a espécie e a composição química em que está veiculado. As formas metálicas e sulfíticas são pouco absorvidas, enquanto que os sais de acetato, fosfato, carbonato e hidróxidos são prontamente assimilados (Cebra & Cebra 2004). Em bovinos as doses tóxicas variam de 600-800mg/kg para bovinos adultos e de 220-600mg/kg para bezerros e para caprinos são de 400mg/kg; doses diárias de 6-7mg/kg podem causar intoxicação crônica (Radostits et al. 2007). Após a ingestão, somente uma fração do chumbo é absorvida no trato gastrointestinal; dessa parte, uma quantidade é excretada na bile, urina e no leite e outra é depositada nos rins, fígado e medula espinhal na intoxicação aguda, e ossos na intoxicação crônica (Radostits et al. 2007). A maior parte do chumbo ingerido forma complexos insolúveis e é excretado nas fezes (Cebra & Cebra 2004).

Quase todo chumbo absorvido é ligado irreversivelmente a proteínas de eritrócitos. Por isso, as concentrações do mineral são muito maiores no sangue total em comparação ao soro ou plasma. Quando os eritrócitos senis são removidos pelo baço, a maior parte do chumbo é depositada nos ossos sob a forma de sais trifosfatos e uma pequena quantidade é colocada em órgãos, como rim e fígado como sais difosfatos. Abortos e malformações espinhais têm sido descritas em ovinos expostos ao chumbo, uma vez que o mineral atravessa a placenta e se deposita em tecidos fetais (Cebra & Cebra 2004).

Meningoencefalite por herpesvírus bovino (BoHV)

A meningoencefalite por BoHV é uma doença infecto-contagiosa, aguda ou subaguda, geralmente fatal e que afeta principalmente bovinos jovens submetidos a situações de estresse (Riet-Correa et al. 1989, Colodel et al. 2002, Elias et al. 2004, Riet-Correa et al. 2006, Rissi et al. 2006). A maioria dos bovinos que desenvolvem doença neurológica morre em decorrência de meningoencefalite, porém alguns podem desenvolver infecção subclínica e, após recuperação, permanecerem portadores da infecção latente. A doença pode ocorrer na forma de surtos ou em casos isolados, com coeficientes de morbidade que podem variar de 0,05% a 5%; a letalidade é quase sempre de 100%. Os sinais clínicos e as lesões são semelhantes às observadas na PEM tradicional. Os achados de necropsia podem estar ausentes, mas normalmente se observa tumefação das porções rostrais do córtex telencefálico e achatamento das circunvoluções, com segmentos amarelados e amolecidos (malacia). Com a evolução da doença, essas áreas se tornam gelatinosas e acinzentadas, e em casos avançados ocorre o desaparecimento segmentar do córtex telencefálico frontal (lesão residual). Em muitos casos podem ser observados focos de malacia na substância cinzenta dos núcleos basais e do tálamo. Essas lesões tornam difíceis a separação dos casos de infecção por BoHV dos outros casos de PEM, mas infiltrado inflamatório intenso no exame histológico ajuda na diferenciação. No entanto BoHV-5 e BoHV-1 têm sido isolados de casos onde não se observam lesões inflamatórias significativas (Rissi et al. 2008). Para complicar mais ainda a diferenciação entre essas doenças, uma teoria que une casos de polioencefalomalacia e infecção por BoHV-5 foi proposta (David et al. 2007). Segundo ela, no Mato Grosso do Sul, surtos de meningoencefalite por BoHV-5 e PEM apresentam características epidemiológicas semelhantes, o que sugere, segundo os autores, que a meningoencefalite está associada à reativação de uma infecção latente por BoHV-5 em animais com PEM.

III. EPIDEMIOLOGIA

No Brasil, PEM foi descrita em bovinos no Rio Grande do Sul (Santos et al. 1983, Riet-Correa et al. 1998, Motta et al. 1999, Sanches et al. 2000, Traverso et al. 2001, Schild et al. 2005, Sant'Ana et al. 2009a), Minas Gerais (Ferreira et al. 1986, Moro et al. 1994), Pernambuco (Vieira et al. 2007), Mato Grosso do Sul, São Paulo (Purisco 1982, Nakazato et al. 2000, Gonçalves et al. 2001, Lemos 2005, David et al. 2007, Sant'Ana et al. 2009a), Paraíba, Pará (Lemos & Riet-Correa 2007), Mato Grosso e Goiás (Grecco et al. 2001, Lemos 2005, Miguel et al. 2005, Sant'Ana et al. 2009a). Em ovinos são relatados surtos da doença nos estados de Pernambuco (Nascimento et al. 2003, Vieira et al. 2007) e Paraíba (Lima et al. 2005) e no Distrito Federal (Moscardini et al. 2003). Surtos de PEM em caprinos são descritos na Paraíba (Lima et al. 2005) e no Rio Grande do Sul (Colodel et al. 1998). Há uma descrição de PEM em bubalinos jovens no Estado do Mato Grosso do Sul (Guimarães et al. 2008). No Brasil, não são conhecidos fatores epidemiológicos ou ambientais que expliquem a ocorrência da doença em determinadas regiões geográficas, como já foi determinado em outros estudos nos Estados Unidos (Bulgin et al. 1996, Gould et al. 2002), na Nova Zelândia (Hill & Ebbett 1997) e na Austrália (McKenzie et al. 2009). PEM representa 0,1% e 4,4% de todos diagnósticos realizados em bovinos no Rio Grande do Sul (Sanches et al. 2000) e no Mato Grosso do Sul (Nogueira et al. 2008), respectivamente. Estima-se que aproximadamente 19% de todas as mortes em ovinos confinados sejam decorrentes de PEM (Radostits et al. 2007).

A doença pode ocorrer na forma de surtos (Moro et al. 1994, Nakazato et al. 2000, Kul et al. 2006) ou como casos isolados (Ferreira et al. 1986, Lemos 2005) e, na maioria das vezes, não apresenta sazonalidade (Gabbedy & Richards 1977, Nakazato et al. 2000, Lemos 2005, Lima et al. 2005, Vieira et al. 2007, Sant'Ana et al. 2009a). No entanto, são descritos surtos de PEM em Mato Grosso do Sul (Purisco 1982) especialmente no período de seca da região (junho a setembro), e a ocorrência dos casos é associada à ingestão de cadáveres e carência de pastagens. Na Turquia, 256 casos de PEM associada à ingestão de brotos de cevada, ricos em enxofre, foram observados em bovinos de corte e de leite nos meses de agosto, outubro e dezembro (Kul et al. 2006). Em 111 casos da doença descritos nos EUA (Jensen et al. 1956), dois tipos de sazonalidade foram descritos: bovinos criados intensivamente, eram afetados no inverno (janeiro) e bovinos criados extensivamente eram afetados no verão (julho). No Uruguai, PEM geralmente afeta bovinos criados em pastos nativos ou cultivados na primavera (Riet-Correa et al. 2007). Nesse mesmo país, surtos da doença associados à intoxicação por sal e privação de água ocorreram no outono em bovinos que ficaram dias sem acesso à água e, quando tiveram, beberam avidamente, morrendo em 1-2 dias (Riet-Correa et al. 2007).

Os coeficientes de morbidade e mortalidade são de 0,04-14 % e de letalidade de 43-100% (Lemos 2005, Riet-Correa et al. 2007, Sant'Ana et al. 2009a). Quando os animais são tratados no início da doença, a letalidade pode ser menor. Não há preferência por raça ou sexo (Radostits et al. 2007, Sant'Ana et al. 2009a), embora ovinos da raça Merino pareçam ser mais resistentes que outras raças ovinas ao desenvolvimento da doença (Maxie & Youssef 2007). Quando a PEM é associada à intoxicação por enxofre (Dickie et al. 1979, Hamlem et al. 1993, Jeffrey et al. 1994, Hill & Ebbett 1997) ou por sal com privação de água (Lindley 1977, Trueman & Clague 1978), o índice de morbidade pode ser alto, demonstrando que a causa específica interfere na epidemiologia da doença.

Embora a literatura internacional mencione que casos de PEM ocorram principalmente em bovinos jovens confinados, especialmente na América do Norte, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia (Jensen et al. 1956, Harries 1987, Gooneratne et al. 1989b, Niles et al. 2000, Radostits et al. 2007), no Brasil e no Uruguai os casos frequentemente são descritos em bovinos adultos criados extensivamente (Purisco 1982, Ferreira et al. 1986, Moro et al. 1994, Motta et al. 1999, Nakazato et al. 2000, Grecco et al. 2001, Miguel et al. 2005, Riet-Correa et al. 2007, Vieira et al., 2007, Sant'Ana et al. 2009a), indicando que algum fator ou fatores diferentes participam da patogênese da doença nesses locais. Em ovinos, surtos de PEM são descritos principalmente em animais criados de forma intensiva (Lima et al. 2005, Vieira et al. 2007), mas também em criações de regime extensivo (Lima et al. 2005).

IV. SINAIS CLÍNICOS

Os sinais clínicos observados na PEM são associados às lesões primárias do telencéfalo, e também, as secundárias no cerebelo e no tronco encefálico. Essas últimas ocorrem em função da compressão exercida pelos telencéfalos tumefeitos com edema (Riet-Correa et al. 2002). Os principais sinais são cegueira de origem central, torneio, andar sem rumo, movimentos involuntários, pressão da cabeça contra obstáculos, depressão, incoordenação, tremores musculares, ataxia, bruxismo, sialorréia, opistótono, nistagmo, estrabismo, afastamento do rebanho, decúbito, convulsões, diminuição do tônus da língua e movimentos de pedalagem. Cegueira, que é associada à lesão no telencéfalo occipital, é um dos principais sinais descritos; em um estudo no Estado de São Paulo todos os bovinos afetados apresentaram esse sinal (Gonçalves et al. 2001) No início da doença, os animais podem apresentar excitação e agressividade (Riet-Correa et al. 2007). O curso clínico varia, em média, de dois a quatro dias (Sant'Ana et al. 2009a), porém são descritos quadros agudos de evolução de 12 horas (Nakazato et al. 2000, Sant'Ana et al. 2009a) ou crônicos de 22 dias em ovinos (Vieira et al. 2007) ou 25 dias em bovinos (Gonçalves et al. 2001).

Na PEM associada à toxicose por enxofre, ocorrem duas formas clínicas: uma aguda caracterizada por cegueira, convulsões, opistótono, pressão da cabeça contra obstáculos, decúbito e, frequentemente, morte; uma outra forma subaguda é usualmente seguida de recuperação com déficits neurológicos leves. Em alguns casos, a forma subaguda pode progredir para uma forma mais grave com decúbito e convulsões (Gould 2000). Usualmente, os sinais clínicos ocorrem entre a terceira e oitava semana de exposição ao enxofre (Gooneratne et al. 1989a, Olkowski et al. 1992, Hill & Ebbett 1997). Adicionalmente, outro achado clínico importante é o odor significativo de ovo em putrefação exalado pelos animais intoxicados, que também pode ser verificado na avaliação macroscópica do rúmen (Bulgin et al. 1996, Radostits et al. 2007). Isso ocorre em função da produção excessiva de H2S no rúmen (Gould 2000).

Bovinos intoxicados por sal desenvolvem sinais clínicos geralmente após período prolongado de jejum hídrico ou restrição de água, seguido de acesso a água sem restrições. Muitos animais podem ser afetados. Os sinais são semelhantes aos descritos para PEM causada por outras causas (Summers et al. 1995), porém também podem apresentar vômito, atonia ruminal, diarréia e dor abdominal, com evolução clínica de aproximadamente um dia (Cebra & Cebra 2004). Os sinais digestivos são observados principalmente na intoxicação direta por cloreto de sódio (Maxie & Youssef 2007). O soro e a urina com tonalidade marrom ou vermelha são úteis na suspeita de intoxicação por sal (Cebra & Cebra 2004). Em bovinos intoxicados por sal associado à privação de água no Uruguai, o quadro clínico incluiu sinais nervosos, cegueira, depressão e enoftalmia (Riet-Correa et al. 2007).

Os sinais clínicos de distúrbios nervosos em bovinos intoxicados por chumbo são semelhantes aos descritos na PEM por outras causas e a evolução é de aproximadamente 2-7 dias (Lemos et al. 2004, Traverso et al. 2004). Raramente, bovinos afetados podem sobreviver por mais tempo (Lemos et al. 2004). Na forma aguda os bovinos podem apresentar morte súbita e normalmente não são observados sinais clínicos; a forma subaguda cursa com ataxia, fasciculações musculares, hiperestesia, depressão, cegueira central, salivação, pressão da cabeça contra objetos e andar sem rumo (Summers et al. 1995, Cebra & Cebra 2004). Alguns animais apresentam torneio, atonia ruminal, cólica e diarréia fétida. Bovinos intoxicados cronicamente apresentam anemia, melena e dor abdominal (Donawick 1966), mas essa forma não é frequente em bovinos (Summers et al. 1995).

V. ACHADOS DE NECROPSIA E DE HISTOPATOLOGIA

As alterações de necropsia variam de acordo com a severidade e a duração do quadro clínico. Quando a evolução for rápida, os achados podem estar ausentes (Motta et al. 1999, Nakazato et al. 2000, Schild et al. 2005) ou, pode ocorrer apenas tumefação do encéfalo, determinada pelo edema. Esses achados iniciais podem não ser facilmente perceptíveis. Outra evidência clara de edema no encéfalo é o deslocamento caudal (herniação) do bulbo e do cerebelo no sentido do forame magno. O telencéfalo occipital também pode estar insinuado caudalmente no tentório do cerebelo. Nos casos mais avançados, pode ser visualizado achatamento das circunvoluções cerebrais, áreas amareladas, amolecidas, gelatinosas e deprimidas, hemorragias meníngeas e subcorticais, ou até mesmo, cavitações preenchidas por líquido amarelo (Moro et al. 1994, Maxie & Youssef 2007). Essas alterações ocorrem especificamente na substância cinzenta do encéfalo, que é mais bem observada na superfície de corte. As áreas mais afetadas geralmente correspondem aos giros corticais dorsais e estão localizadas principalmente nos sulcos das circunvoluções (Nakazato et al. 2000, Lemos 2005). Essas lesões apresentam fluorescência quando observadas sob lâmpada ultravioleta de 365 nm (Jackman & Edwin 1983). Acredita-se que a fluorescência seja devida a metabólitos lipídicos em macrófagos ou de material semelhante a colágeno de alto peso molecular (Maxie & Youssef 2007). Nos casos crônicos pode haver estreitamento acentuado e até desaparecimento da substância cinzenta. Na PEM associada ao enxofre, bovinos podem apresentar o fluido ruminal espesso e escuro (McAllister et al. 1997).

Histologicamente, nos casos agudos há necrose laminar e segmentar dos neurônios corticais do telencéfalo, caracterizada por encarquilhamento e eosinofilia citoplasmática, cromatólise e picnose nuclear (neurônios vermelhos). Os neurônios necróticos não devem ser confundidos com os chamados "neurônios escuros" pretos ou azul-escuros, que são artefatos pós-mortais que são formados comumente por manipulação excessiva do encéfalo na retirada do crânio (Cammermeyer 1960, Jortner 2006). Edema também é uma alteração comum e consiste de aumento dos espaços perineuronais e perivasculares e formação de numerosos vacúolos no neurópilo (espongiose). A progressão dessa lesão pode, em alguns casos, formar fendas entre as camadas de neurônios corticais ou entre as substâncias cinzenta e branca (Barros et al. 2006, Sant'Ana et al. 2009a). Estudo ultra-estrutural demonstrou que a espongiose e os aumentos dos espaços perineuronais e perivasculares são atribuídos a edema de astrócitos (Morgan 1974). Na toxicose por enxofre, a espongiose pode afetar as camadas profundas de neurônios corticias e se estender para a substância branca adjacente (Gould 2000). A necrose neuronal ocorre principalmente nas camadas mais profundas de neurônios (Maxie & Youssef 2007), embora em um estudo de casos naturais da doença em bovinos, os neurônios vermelhos e o edema predominaram nas camadas granular externa e interna (Sant'Ana et al. 2009a). Os vasos podem apresentar hipertrofia dos núcleos das células endoteliais, principalmente próximo às áreas afetadas. Infiltração leve de células inflamatórias mononucleares ou, ocasionalmente, polimorfonucleares, pode ser observado (Nakazato et al. 2000, Sant'Ana et al. 2009a). Em casos subagudos ou crônicos há necrose do componente neuroectodérmico e infiltração de macrófagos grandes e com citoplasma espumoso (células gitter) e pode haver perda do córtex telencefálico (Moro et al. 1994), com formação de uma área cística entre a substância branca e as leptomeninges (lesão residual), semelhante ao que ocorre em casos avançados de meningoencefalite por BoHV (Rissi et al. 2006).

Em alguns casos de PEM, além das lesões corticais descritas anteriormente, podem ocorrer alterações de malacia e edema em estruturas profundas do encéfalo, como mesencéfalo, tálamo, núcleos basais e hipocampo (Sant'Ana et al. 2009a). Essas alterações têm sido descritas na PEM associada à intoxicação por enxofre (McAllister et al. 1992, Hamlem et al. 1993, Jeffrey et al. 1994, Low et al. 1996, Loneragan et al. 1998). Em bovinos intoxicados naturalmente por enxofre, hemorragias focais no tálamo e mesencéfalo ocorrem secundariamente a degeneração de veias e vênulas (Loneragan et al. 1998) e necrose fibrinóide de pequenas arteríolas (Hamlem et al. 1993, Hill & Ebbett 1997). Esse quadro é considerado uma forma mais grave da doença associada ao consumo excessivo de enxofre (Gould 2000). Alguns autores sugerem que nos casos de PEM em que há necrose neuronal cortical associada a lesões em estruturas mais ventrais do encéfalo, o quadro é sugestivo de toxicose por enxofre, permitindo a diferenciação da PEM relacionada à deficiência de tiamina (Jeffrey et al. 1994, Low et al. 1996). Quadro semelhante é descrito na PEM em ovinos intoxicados por amprólio (Sant'Ana et al. 2009b). Nesses casos de intoxicação por amprólio, há maior intensidade de hemorragia nas lesões de malacia nas regiões afetadas do encéfalo (Sant'Ana et al. 2009b). Lesões de malacia no cerebelo, às vezes afetando as três camadas de neurônios corticais, provavelmente ocorrem em consequência à compressão sofrida pela estrutura na herniação no forame magno (Lima et al. 2005, Maxie & Youssef 2007). Recentemente foi descrito, em casos naturais de PEM, a presença de astrócitos Alzheimer tipo II na substância cinzenta do telencéfalo associados à necrose neuronal e espongiose do neurópilo (Sant'Ana et al. 2009a). Embora essas células sejam classicamente encontradas no encéfalo em casos de encefalopatia hepática ou renal (Summers et al. 1995) em resposta à ação da amônia e de outras toxinas ao SNC (Norenberg 1987), na PEM nenhuma patogênese foi ainda proposta, até o momento, para sua formação.

Na intoxicação por sal, os achados de necropsia são caracterizados por hemorragia subdural (Scarratt et al. 1985), congestão dos vasos meníngeos ou diminuição de consistência da porção caudal do cérebro. Além das alterações corticais descritas na polioencefalomalacia (necrose neuronal laminar do córtex telencefálico), alguns casos de intoxicação por sal apresentam acúmulos de eosinófilos nos espaços de Virchow-Robin, nas regiões submeníngeas e, menos comumente, no neurópilo (Lemos et al. 1997).

Lesões no SNC de bovinos intoxicados por chumbo são descritas nas formas aguda, subaguda e crônica da intoxicação (Maxie & Youssef 2007). Os achados de necropsia no encéfalo desses bovinos podem estar ausentes (Lemos et al. 2004) ou serem semelhantes aos descritos na PEM causada por outras causas (Lemos et al. 2004, Traverso et al. 2004). Vários autores têm relatado que as áreas de malacia ocorrem preferencialmente no topo dos giros cerebrais (Christian & Tryphonas 1971, Seimiya et al. 1991, Lemos et al. 2005, Krametter-Froetscher et al. 2007). Alguns autores relatam lesões mais acentuadas nos lobos telencefálicos occipitais em bovinos com evolução clínica curta e lesões no tronco encefálico, além do córtex, em bovinos com evolução longa (Christian & Tryphonas 1971). Um achado frequente em bovinos intoxicados é a degeneração epitelial dos túbulos renais associada a corpúsculos de inclusão eosinofílicos intranucleares alcoolácidos resistentes (Seimiya et al. 1991, Traverso et al. 2004). Histologicamente, além das lesões típicas de PEM, observa-se vasculite (Cebra & Cebra 2004).

VI. DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de polioencefalomalacia é realizado com base nos dados epidemiológicos, clínicos, de necropsia e histopatológicos. Uma ferramenta importante no diagnóstico da doença consiste em visualização de fluorescência das áreas afetadas do encéfalo (principalmente córtex telencefálico) quando expostas à luz ultravioleta (Jackman & Edwin 1983, Gonçalves et al. 2001). Também pode ser realizado diagnóstico terapêutico, a partir da recuperação dos bovinos em resposta ao tratamento com tiamina e corticóides (Nakazato et al. 2000). Entretanto, vale ressaltar que a tiamina é eficiente no tratamento de outras neuropatias centrais de bovinos (Coppock et al. 1991).

Avaliações hematológicas e bioquímicas séricas não apresentam resultados consistentes e contribuem pouco para o diagnóstico da enfermidade (Olkowski 1997). Entretanto, aumentos de piruvato, lactato, oxiglutarato e da atividade do pirofosfato de tiamina (TPP) e diminuição da atividade da trancetolase eritrocitária são descritas na PEM associada e deficiência de tiamina (Rammell & Hill 1986, Radostits et al. 2007). A atividade de TPP que, em bovinos e ovinos saudáveis, varia de 30 a 50%, nos casos de PEM pode atingir de 70 a 80% (Radostits et al. 2007). Concentrações séricas de uréia e creatinina podem estar moderadamente aumentadas em alguns casos e as atividades da aspartato aminotransferase e da creatinino fosfoquinase estão substancialmente aumentados em animais severamente afetados (Olkowski 1997). A análise do líquor pode revelar leve aumento de conteúdo protéico e de células mononucleares, que podem estar vacuolizadas. Essas alterações no líquido cefalorraquidiano também ocorrem nos casos de PEM causadas por intoxicação por chumbo (Cebra & Cebra 2004).

Nos casos suspeitos de intoxicação por enxofre, deve-se pesquisar o elemento na água, ração, volumoso ou suplemento mineral ou protéico-energético e mineral que os animais tiveram acesso (Riet-Correa et al. 2007). A concentração máxima tolerada de enxofre na dieta é 0,4% com base de matéria seca (National Research Council 1996). Outro dado importante para a confirmação do diagnóstico é a detecção de concentrações elevadas de sulfeto de hidrogênio na camada gasosa do rúmen de animais doentes (Gould et al. 1997). Como as concentrações de H2S diminuem acentuadamente em animais com anorexia, os bovinos do mesmo lote que não adoeceram também devem ser examinados (Gould 1998). Concentrações de enxofre na água, dieta e de sulfeto de hidrogênio na camada gasosa do rúmen superiores a 1.000ppm, 4.000ppm e 1.000ppm, respectivamente, são sugestivas de toxicose (Cebra & Cebra 2004). Valores de 2.000ppm de H2S ruminal podem preceder o desenvolvimento de PEM em bovinos (Gould et al. 1997). Pode-se ainda pesquisar a presença de sulfemoglobina no sangue, que pode servir para estimar a absorção ruminal de sulfeto, embora essa substância não seja detectada em algumas situações de excesso dietético de enxofre (Gould et al. 1997).

Na PEM associada à intoxicação por sal/ privação de água, é necessária a determinação das concentrações de sódio no líquor. Valores acima de 160mEq/L de sódio no líquido cefalorraquidiano são sugestivos de intoxicação por sal em bovinos (Loneragan & Gould 2002) e ovinos (Kaneko et al. 1997). As concentrações sanguíneas de sódio podem variar dependendo da contribuição do excesso de sal na gênese da doença. O histórico de consumo excessivo de sal mineral ou, principalmente, restrição hídrica por vários dias é crucial para o diagnóstico. Adicionalmente, a presença de hemólise e hemoglobinúria ajuda a distinguir essa condição de outras desordens do SNC. A determinação das concentrações de sódio no conteúdo ruminal, dieta e na água fornecida pode ajudar no estabelecimento do diagnóstico.

Nos casos de intoxicação por chumbo, as concentrações sanguíneas do mineral são bons indicadores no diagnóstico clínico (Dwivedi et al. 2001, Radostits et al. 2007). Concentrações normais são de 0,05-0,25ppm; 0,35ppm já são considerados tóxicos e concentrações acima de 1ppm causam a morte do animal (Radostits et al. 2007). Apesar disso, alguns autores não recomendam esse teste como único meio de diagnóstico clínico, principalmente em casos isolados, pois as concentrações de chumbo podem variar conforme a evolução da doença (Summers et al. 1995). Outros achados hematológicos incluem anemia regenerativa, presença de pontilhado basofílico eritrocítico (Summers et al. 1995) e, em alguns casos, aumento na concentração de porfirina eritrocitária sanguínea (Christian & Tryphonas 1971). Nesse experimento foram constatados níveis de 6,4ppm de porfirina nos bovinos afetados em comparação com 0,6ppm nos bovinos controle. Chumbo também pode ser detectado na urina e nas fezes (Summers et al. 1995). Morfologicamente, há alguns aspectos que diferem a intoxicação por chumbo das outras causas de PEM. Nos casos de PEM causada por toxicose por chumbo, dificilmente ocorre herniação do cerebelo e, histologicamente, o edema é menos acentuado e as lesões crônicas são menos acentuadas com pouca necrose neuronal e moderada presença de macrófagos espumosos. Em algumas descrições, a necrose neuronal causada por essa intoxicação ocorre preferencialmente no topo das circunvoluções cerebrais (Christian & Tryphonas 1971, Seimiya et al. 1991, Lemos et al. 2004, Krametter-Froetscher et al. 2007). Para a confirmação do diagnóstico é fundamental detectar a fonte de contaminação por chumbo e quantificar resíduos do mineral em amostras de sangue, fígado e rim. Valores de 10 ppm de chumbo no fígado ou rim confirmam o diagnóstico (Riet-Correa et al. 2007). Vale ressaltar que o chumbo tem efeito acumulativo no organismo e pode ser detectado no sangue após meses da ingestão (Galey et al. 1990).

O diagnóstico diferencial de PEM deve ser realizado com outras doenças neurológicas de ruminantes e, no caso dos bovinos, principalmente com a meningoencefalite por herpesvírus bovino (BoHV) (Rissi et al. 2006, 2008). Na infecção pelo BoHV, as lesões macroscópicas de malacia ocorrem principalmente no telencéfalo frontal e as lesões histológicas compreendem manguitos perivasculares mononucleares em vários regiões do encéfalo e corpúsculos de inclusão intranucleares basofílicos característicos em astrócitos e neurônios (Rissi et al. 2006, 2008).

VII. TRATAMENTO E CONTROLE

O tratamento pode ser eficaz quando os animais são tratados no início da doença. Recomenda-se a administração intramuscular ou endovenosa lenta de 10-20mg de tiamina/kg e 0,2mg de dexametasona/kg de peso do animal. Esse tratamento deve ser realizado a cada 4-6 horas por três dias consecutivos (Lemos & Riet-Correa 2007). Esse tratamento não foi eficaz em alguns casos de PEM associados às intoxicações por melaço (Mella et al. 1976) ou por enxofre (Bulgin et al. 1996). Retorno da atitude e controle muscular pode ser visto dentro de 12 horas de tratamento, bem como melhora da acuidade visual que pode estar completa em 48 horas (Cebra & Cebra 2004). Em animais severamente afetados e recuperados, é comum a permanência da cegueira e de outros déficits de nervos cranianos.

Na PEM associada à toxicose por enxofre, não há tratamento específico e deve-se procurar a provável fonte do mineral e eliminá-la da alimentação dos animais. Em seguida, recomenda-se fornecer alimentos sabidamente baixos em enxofre. Não se sabe se a adição de tiamina a dieta pode prevenir PEM relacionada ao enxofre (Olkowski et al. 1992). De forma geral, quando há recuperação dentro de poucas horas após o tratamento com tiamina, o quadro é sugestivo de PEM relacionada à deficiência de tiamina; falha nesse tratamento é indicativa de toxicose por enxofre (Radostits et al. 2007).

No caso da intoxicação por sal/ privação de água, deve-se restituir a água lentamente aos animais. Inicialmente, é recomendado administrar 7 ou 10% do peso corporal em água, para animais adultos e neonatos, respectivamente, quatro a seis vezes por dia e, a partir do quarto dia, fornecer água livremente. Nos animais com sinais clínicos, a água pode ser administrada por sonda nasogástrica. Em animais severamente afetados, o edema cerebral pode ser reduzido com administração intravenosa de manitol (0,5-2mg/kg) em uma solução de 20% ou glicerina oral (1mL/kg) diluída a 50% em água (Angelos et al. 1999). Corticosteróides podem ser utilizados, porém podem promover retenção de sódio e hiperglicemia (Cebra & Cebra 2004). Não se sabe se a tiamina é eficiente nos casos de PEM relacionada à intoxicação por sal (Riet-Correa et al. 2007).

Na intoxicação por chumbo, o tratamento geralmente não é realizado, porém pode ser instituído nos casos menos graves. Além da retirada da fonte de chumbo dos animais, recomenda-se remoção do material contaminado por ruminotomia nos casos agudos, uso de catárticos, como sais de magnésio, para diminuir a absorção e aumentar a excreção intestinal e administração de hidroclorido de tiamina para reduzir os sinais clínicos neurológicos (Coppock et al. 1991, Cebra & Cebra 2004).

Recebido em 10 de junho de 2009.

Aceito para publicação em 18 de junho 2009.

Parte da tese de doutorado do primeiro autor.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2009
  • Data do Fascículo
    Set 2009

Histórico

  • Aceito
    18 Jun 2009
  • Recebido
    10 Jun 2009
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