Resumo:
Otite externa (OE) é o termo utilizado para definir a inflamação do conduto auditivo externo; esta doença possui diversas etiologias, ocorre em várias espécies e é particularmente frequente em cães. Os microrganismos da microbiota residente comumente estão envolvidos na etiopatogenia da OE, sendo apontados como agentes perpetuadores da doença. O objetivo deste estudo foi investigar o perfil microbiológico de cães com conduto auditivo saudável e com otite na região metropolitana do Recife. Com o auxílio de suabes estéreis foram coletadas amostras das orelhas direita e esquerda de 41 cães, sendo 11 com OE e 30 sem OE. Foi realizado o isolamento bacteriano e fúngico das amostras cultivadas; observou-se positividade em 80% dos cães com orelhas saudáveis e presença de mais de um microrganismo em 38 amostras (63,3%); já nos cães com OE, a positividade foi 95,3%, com infecção polimicrobiana em 77,3% das amostras. No que se refere aos gêneros bacterianos, o perfil de isolamento microbiológico foi idêntico entre os cães otopatas e sadios. Os microrganismos isolados foram Staphylococcus sp., Micrococcus, Bacillus sp., Streptococcus sp. e Malassezia sp.
Termos de Indexação: Otite externa; isolamento microbiológico; caninos
Abstract:
Otitis externa (OE) is the term used to describe inflammation of the external ear canal. This disease has many etiologies, occurs in several species and is particularly common in dogs. The resident microbiota microorganisms are commonly involved in the OE etiopathogenesis, being frequently appointed as perpetuator agents. The aim of this study was to investigate the microbiological profile of dogs with healthy ears and of others with otitis in the metropolitan region of Recife, Pernambuco, Brazil. With the aid of sterile swabs, samples of right and left ear of 41 dogs, 11 with and 30 without OE, were collected. Bacterial and fungal isolation was performed with cultured samples; positivity was observed in 80% of animals with healthy ears, with the presence of more than one microrganism in 38 samples (63.3%), whereas in dogs with OE, the positivity was 95.3% with polymicrobial infection in 77.3% samples. With regard to the genus, the microbiological profile was identical between healthy and diseased dogs. The microrganisms isolated were Staphylococcus sp., Micrococcus, Bacillus sp., Streptococcus sp. and Malassezia sp.
Index Terms: Otitis externa; microbiological isolation; dogs
Introdução
A otite externa (OE) é uma doença de etiologia multifatorial, acomete diversas espécies e é caracterizada pela inflamação do epitélio que reveste o conduto auditivo. A OE canina é uma das doenças mais frequentes e problemáticas da clínica médica (Rycroft & Saben 1977, Gaag 1986, Nobre et al. 2001, Kumar et al. 2002, Nascente et al. 2010).
As infecções bacterianas e fúngicas, especialmente por espécies de Malassezia são apontadas como perpetuadoras da OE em cães. Esses agentes comumente fazem parte da microbiota residente do conduto auditivo, tornando-se patógenos oportunistas quando há desequilíbrio no microambiente auricular (Merchant 2007). Os microrganismos mais isolados em casos de OE canina são Staphylococcus spp. e Malassezia pachydermatis (Masuda et al. 2001, Nobre et al. 2001, Oliveira et al. 2006a, 2008, Sánchez et al. 2011, Scartezzini et al. 2011, Bugden 2013).
Apesar de todos os dados já disponíveis sobre a microbiota e a inflamação do canal auricular dos cães, há ainda uma carência de estudos locais. Assim sendo, o objetivo deste estudo foi delinear o perfil microbiológico de cães com orelhas saudáveis e com otite na região metropolitana de Recife.
Material e Métodos
Foram coletadas 82 amostras de suabes otológicos de 41 cães de ambos os sexos, com de um mês a nove anos de idade, de diversas raças, sendo 11 animais com otite externa bilateral e 30 sem sinais clínicos de otite. Do total, 21 cães pertenciam a um canil da raça Rottweiler localizado em Pau Amarelo, no município de Olinda - PE, quatro vieram de uma clínica veterinária particular do bairro de Jardim São Paulo, Recife/PE e as demais (16) de cães atendidos no Hospital Veterinário da UFRPE.
Foi realizada a anamnese e posteriormente o exame clínico, com auxílio de otoscópio. Os dados de identificação, histórico e sinais clínicos observados em cada animal foram anotados em uma ficha clínica. Para o isolamento de Mollicutes as amostras foram coletadas com suabes estéreis, os quais foram acondicionados em tubos falcon identificados e contendo PBS estéril (pH 7,2); estes foram transportados em caixa isotérmica contendo gelo reciclável. Uma segunda coleta foi realizada utilizando suabes encaminhados nas mesmas condições de transporte para isolamento bacteriano e leveduras do gênero Malassezia.
Para o isolamento dos gêneros bacterianos do conduto auditivo, as amostras de suabes otológicos foram semeadas em ágar base enriquecido com 5% de sangue ovino desfibrinado (Ágar sangue) e incubadas em estufa bacteriológica a 37°C. As leituras foram realizadas após 24, 48 e 72h e os gêneros foram identificados com base na morfologia das colônias e nas características microscópicas observadas após coloração pelo método de Gram (Tuleski 2007).
O isolamento de Malassezia foi realizado de acordo com o protocolo adaptado de Tuleski (2007). Para cada amostra foi realizado, respectivamente, o exame direto em lâmina de vidro e semeadura em ágar fungobiótico enriquecido com azeite a 2%. Para a realização do exame direto o material coletado pelo suabe foi delicadamente depositado com movimentos rotacionais diretamente numa lâmina de vidro. Depois da fixação em chama, o material foi corado pela técnica de Gram e observado ao microscópio. Posteriormente, o mesmo suabe foi utilizado para a semeadura em placa. Após semeadas, as placas foram incubadas em temperatura ambiente. Foram realizadas observações a cada 48h para avaliar o crescimento, sendo o material dado como negativo quando não houve aparecimento de colônias após 15 dias. No caso das amostras positivas, as características microscópicas foram avaliadas após a coloração de Gram.
Para a análise estatística foi utilizado o teste do Qui-quadrado com um valor de P (probabilidade) < ou = a 0,05 para estudar a associação entre os gêneros bacterianos e fúngicos encontrados e a ocorrência de OE.
Resultados
Os 41 cães foram examinados quanto à presença ou ausência de sinais clínicos de OE. Desse total, 11 apresentaram sinais clínicos compatíveis com otite externa. Presente em todos os otopatas, o prurido foi o sinal clínico mais observado/reportado, seguido pelo excesso de cerúmen (90,9%), mau cheiro do conduto auditivo (81,8%) e eritema (81,8%). Sete dos 11 cães (63,3%) apresentaram sinais de dor durante a manipulação das orelhas. Também foram observados meneios de cabeça (45,45%), oto-hematomas (27,3%), exsudato purulento (27,3%), exsudato enegrecido (18,2%), ulceração (9,1%), hiperqueratose (9,1%) e estenose do canal auditivo (9,1%).
Oito dos 11 cães com OE possuíam orelha do tipo pendular, um tinha orelha semi-ereta e dois apresentavam orelhas eretas. Entre os cães sem doença clínica, vinte e um possuíam orelha do tipo pendular, seis orelhas semi-eretas caídas lateralmente e três orelhas eretas. Dezesseis fêmeas e quatorze machos formaram o grupo de animais sem otopatia e oito machos e três fêmeas, o grupo de otopatas e nestes, a doença era recidivante em 81,8% (9/11) dos cães.
Das 82 amostras cultivadas, 22 pertencem aos cães com otite bilateral e 60 aos sem otite. Das amostras cultivadas dos animais sem OE, 80% (48/60) foram positivas, com mais de um microrganismo em 63,3% (38/60) das amostras. Foram identificados Bacillus sp., Malassezia sp., Micrococcus sp., Staphylococcus sp., Streptococcus sp. Nos cães com OE, a positividade foi de 95,3% (21/22), com infecção polimicrobiana em 77,3% (17/22) das amostras. Os gêneros isolados foram os mesmos observados nos animais com OE. Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre a ocorrência de otite externa e os microrganismos isolados no conduto auditivo dos cães. Os dados relativos ao isolamento microbiológico estão agrupados no Quadro 1.
Em relação ao exame direto e a cultura de Malassezia sp. observou-se que, nos animais com OE, a positividade foi de 81,81% (18/22) no exame direto e 86,36% (19/22) na cultura. Já os animais sem otopatia apresentaram 31,6% (19/60) positivos no exame direto e 53,3% (32/60) na cultura.
Discussão
A otite externa é uma das principais afecções que levam cães ao consultório veterinário. Essa doença causa uma série de desconfortos para o animal, podendo evoluir e ter consequências graves, como manifestações clínicas neurológicas e perda da audição. Muitos casos de otite não respondem bem ao tratamento primariamente instituído, sendo então, de suma importância que o diagnóstico das causas primárias e das infecções que perpetuam a doença sejam corretamente identificados (Tuleski 2007). Em ambos os grupos foram isoladas bactérias Gram positivas e leveduras do gênero Malassezia, porém a presença de Malassezia sp. e Staphyloloccus sp. foi mais evidente nos cães com otopatia. Não houve diferença estatisticamente significativa entre a ocorrência de OE e os microrganismos isolados.
Espécies do gênero Staphylococccus são os agentes bacterianos mais isolados de cães otopatas (Megid et al. 1990, Lilenbaum et al. 2000, Oliveira et al. 2006a, Oliveira et al. 2008, Sanchez et al. 2011, Scartezzini et al. 2011). Embora bactérias desse gênero sejam frequentemente encontradas em diversas partes do corpo de cães saudáveis, comumente estão envolvidos no desenvolvimento de inúmeras infecções oportunistas, como abcessos cutâneos, furúnculos, conjuntivite, pneumonia, mas, principalmente, piodermites e otites externas (Sasaki et al. 2005, Morris et al. 2006). Apesar das bactérias Gram-positivas serem associadas às infecções piogênicas (Bier 1965), apenas três cães apresentaram exsudato purulento no exame clínico da orelha. Neste estudo isolaram-se somente bactérias Gram-positivas, porém, em alguns estudos, já foi observada predominância de bactérias Gram-negativas, com Gram-positivas em menor número, especialmente Proteus sp. e Pseudomonas sp(Rycroft & Saben 1977, Bugden 2013).
Leveduras do gênero Malassezia foram encontradas tanto no exame direto e cultura dos condutos auditivos saudáveis quanto nos que apresentavam otite, porém sua presença foi consideravelmente maior nos cães otopatas. Nestes a positividade para o agente foi 2,5 vezes maior no exame direto e 1,6 vezes na cultura. No trabalho conduzido por Nascimento (2007) foi feita a análise quantitativa da presença de M. pachydermatis, demonstrando que este agente se encontra em maior quantidade nas orelhas com otite, o que foi igualmente observado neste estudo. Essa informação confirma o papel oportunista de Malassezia, apontando-a como importante fator perpetuador da doença.
Em humanos sabe-se que as espécies de Malassezia mais isoladas são dependentes de lipídios para seu crescimento (Mayser et al. 1998, Juntachai et al. 2009) e que estas espécies já foram isoladas de cães com OE (Crespo et al. 2000). Além disso, existem evidências que M. pachydermatis, principal espécie isolada do conduto auditivo de cães, possua a mesma exigência (Masuda et al. 2000). Além de apresentarem um papel importante nos níveis de crescimento dessa levedura, os lipídios presentes no cerúmen ainda atuam em sua aderência às células epiteliais do conduto auditivo, fator essencial para o desenvolvimento das infecções auriculares por M. pachydermatis. Assim sendo, nota-se grande afinidade entre este agente e o conteúdo lipídico do canal auricular, a qual se mostra essencial para a nutrição, a aderência e a consequente multiplicação exacerbada, favorecendo a perpetuação dos quadros de Malasseziose nos cães com OE (Masuda et al. 2001). Ademais, sabe-se que altos níveis de ácidos graxos no cerúmen são considerados fator de risco para o desenvolvimento da infecção por M. pachydermatis nos casos de otite (Girão et al. 2006).
Sabe-se que cães de raças com orelhas pendulares, hipertricose e excesso de umidade possuem predisposição para desenvolverem otite externa (Scott et al. 1996, Gotthelf 2007). Ainda que a maioria dos otopatas deste estudo apresente orelha do tipo pendular, é possível que, isoladamente, este fator não seja determinante para o aparecimento da doença. Yoshida et al. (2002) estudaram a retenção de calor e a taxa de umidade no canal auditivo de cães otopatas e em cães sem otite. Os autores observaram que os Pastores Alemães possuem temperatura significantemente menor no canal do que as raças de orelhas pendulares, porém, a umidade é maior. Entre as raças saudáveis e otopatas não houve diferença significativa entre os dois fatores e, além disso, apesar do tipo de orelha ter sido reportada como um importante determinante das condições microclimáticas auditivas, foi concluído pelos autores que a orelha do tipo pendular não influenciou tanto quanto se esperava na retenção de calor e umidade do canal auditivo. Os sinais observados nos animais otopatas são compatíveis com os relatados na literatura (Harvey & McKeever 2004, Oliveira et al. 2006a, Oliveira et al. 2006b, 2008).
Conclusão
Os perfis de isolamento de gêneros microbianos entre cães otopatas e os com orelhas saudáveis se mostraram idênticos, porém observou-se presença marcante de Malassezia sp. e Staphyloloccus spnos cães com otopatia.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão de bolsa de mestrado e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan 2016
Histórico
-
Recebido
12 Out 2015 -
Aceito
26 Nov 2015