Resumos
Resumo: No artigo, propomos abordar os agenciamentos das festas religiosas em Salvador que acontecem durante o verão, chamando a atenção para visibilidade midiática e a diversidade da cultura afrocatólica. Para a compreensão desses processos, tomamos como principal referência as reportagens do jornal A Tarde ao longo do século XX e início deste século (o mais antigo periódico em circulação na cidade), cotejando com a literatura especializada sobre o tema e com nossa participação em edições recentes das festas. São apresentados disputas, articulações e acontecimentos transcorridos nessa extensão do tempo: as festas se expandiram e se encolheram, entretecendo consigo o espaço urbano, apresentando diferentes performances religiosas que estimulam as transformações festivas.
Palavras-chave: Festa de largo; religiões afro-brasileiras; religião e espaço público
Abstract: In the paper, we propose to address agencies of religious festivals in Salvador during the summer. Intensely present in these celebrations of great media visibility and popular participation, afro-catholic culture, however, is far from homogeneous. To understand these processes, we take as main reference the reports of the newspaper A Tarde throughout the 20th century and beginning of this century (the oldest periodical in circulation in the city), besides specialized literature on the subject and our participation in recent editions of the festivals. There are disputes, articulations and events occurring in this extension of time: the festivities have expanded and shrinking, intermingling the urban space with different religious performances that stimulate the festive transformations.
Keywords: open square festival; Afro-Brazilian religions; religion and public space
Neste artigo1, propomos abordar os agenciamentos afrocatólicos que imprimem configurações variadas às festas religiosas que têm lugar em Salvador durante o verão - festas de grande visibilidade midiática e participação popular -, tomando como principal referência as reportagens ao longo do século XX do jornal A Tarde, o mais antigo periódico em circulação na cidade2, cotejando essas informações com a literatura especializada sobre o tema e com nossa participação em edições recentes das festas.
Essa perspectiva nos leva a uma abordagem diacrônica, assentada fundamentalmente em notícias de jornal. Os limites dessa escolha precisam ser explicitados, já que se trata de perder em profundidade a compreensão da dinâmica de cada festa e de contextos específicos. Por outro lado, podemos visualizar as transformações mais expressivas pelas quais elas passaram, destacando transformações que a princípio estavam mais ou menos circunscritas, mas que desencadearam efeitos inesperados e duradouros nas dinâmicas festivas da cidade.
Para rastrearmos esses movimentos de controvérsias e pacificações, tensões e acordos entre os agentes envolvidos, precisamos sair do território da homogeneidade e indistinção evocado por conceitos como “devoção popular” ou “sincrética”, tão afeitos às manifestações massivas e de aguda intensidade emocional das festas soteropolitanas. Para isso, iniciaremos o texto apresentando o conceito de agenciamentos afrocatólicos, que possibilita outras pistas de investigação, passando por algumas considerações sobre nossa abordagem da festa, detalhando as festas de largo. Na conclusão, retomaremos algumas considerações sobre os agenciamentos religiosos afrocatólicos e seus desdobramentos no espaço público de Salvador.
Agenciamentos e sincretismos afrocatólicos
Segundo Latour (2012), um problema decorrente da concepção fenomenológica de experiência é o reconhecimento de que os processos de significação social são elaborados primordialmente nas relações face a face, suspeitando de toda e qualquer proeminência do contexto (considerado como a instância que constrange a ação), o que tornaria a ação mera repetição de estruturas que lhes são anteriores. Por outro lado, recusando também o contexto como uma instância hierarquicamente anterior e determinante ao curso da ação, o autor constrói uma linha de investigação em que as fontes da incerteza se encontram distribuídas por uma extensão muito mais ampla do que as relações presenciais entre humanos. É justamente essa extensibilidade que o conceito de agenciamento busca evidenciar: contornando a premissa das experiências intersubjetivas, espraia-se o campo de possibilidades das agências sem delimitar a priori quem seriam os sujeitos “de direito”.
A potencialidade desse conceito se faz articulado à questão dos mediadores - no nosso caso, os mediadores acionados na “cultura” afrocatólica que compreende as relações, sobreposições e criações de práticas religiosas e devocionais nos ambientes festivos que não são circunscritas às definições tradicionais de “sincretismo” ou “hibridismo”. Não se trata de “encontro” entre duas religiões em que elementos de uma se sobrepõem ao da outra; ou de estratégias - especialmente do candomblé ou da umbanda - para “disfarçar” práticas em meio a um contexto de perseguição do catolicismo3, como o batismo forçado de indígenas e de africanos escravizados. O reducionismo do conceito de sincretismo, utilizado especialmente pelo senso comum e plataformas de mídias como os jornais, fonte documental da pesquisa em que se baseia este artigo, foi um forte argumento mencionado pelos agentes para caracterizar a cultura festiva baiana. Alternativas ao conceito, como “hibridismo” ou bricolagem entre religiões mantêm a dificuldade de compreensão do que se passa nas festas de verão de Salvador. Ferretti (1998) chama a atenção para a extensão do conceito de sincretismo que acaba servindo de estigma para certas tradições apenas:
No Brasil, quando se fala em religiões afro-brasileiras pensa-se imediatamente em sincretismo, como “aglomerado indigesto” de ritos e mitos, ou como “bricolagem” no sentido de mosaico às vezes incoerente de elementos de origens diversas […]. Costuma-se atribuir também o termo sincretismo em nosso país, quase que exclusivamente ao catolicismo popular e às religiões afro-brasileiras. Mas o sincretismo está presente tanto na Umbanda e em outras tradições religiosas africanas, quanto no Catolicismo primitivo ou atual, popular ou erudito, como em qualquer religião. (Ferreti 1998:183).
De fato, se tudo é sincrético, o conceito é de pouca valia. Contornando o problema da mistura e sua contraface, a pureza, mais produtivo seria rastrear os mediadores que possibilitam as agências nos processos em curso. É o que aparece em festas como a de São Lázaro, um dos eventos abordados adiante, em que o banho de pipoca - uma marca do sincretismo da festa - não é considerado um rito de purificação tal como ocorre no espaço do terreiro. Ali, em meio à festa que desafia uma ortodoxia católica, essa prática também aponta uma “licença” em relação ao ritual do candomblé e da umbanda. Seguindo as sugestões de Meyer (2019), consideramos que a religião se faz por sua mediação, sendo concreta por meio de múltiplas formas materiais que coexistem e colidem umas com as outras em contextos plurais. Temos, assim, na festa de São Lázaro, um agenciamento que vai além do sincretismo religioso, situando-se na dinâmica midiatizada da festa: o banho de pipoca é a própria criação estética (corporificada) pública da festa.
Mas, claro, as festas não são apenas encruzilhadas de mediações devocionais: temos associações culturais que promovem as lavagens, blocos culturais, de percussão ou de samba que desfilam por esses eventos, as organizações religiosas que controlam com mais ou menos sucesso os procedimentos rituais. Enfim, considerando que as festas de verão em Salvador são de devoções a santos católicos (a exceção é a festa de Iemanjá), também temos enfrentamentos, tensão e conflito com a Igreja Católica, e eventualmente com algumas ortodoxias do candomblé na cidade.
Como aponta Couto (2012, 2015), tanto o catolicismo como o candomblé, que aparecem de forma mais visível nas festas religiosas, despem-se da ortodoxia quando ganham o largo das igrejas e a visibilidade pública. São hibridizações afrocatólicas que criam experiências festivas, sendo uma de suas características mais marcantes, como observou Sousa Júnior (2003) ao se referir aos encontros e desencontros entre orixás e santos católicos nas festas de Salvador. Santos (2006b) também aponta a importância da performance religiosa afro-brasileira nas festas de largo4, notadamente nas duas principais festas de verão: a Festa do Bonfim e a Festa do Rio Vermelho. Segundo a autora, a liminaridade característica desses eventos tem sua marca na espetacularização das religiões afro-brasileiras, com as festas públicas realizadas pelos terreiros do candomblé. As performances das festas de largo também compreendem experiências extáticas do transe transformando-se, de acordo com a definição de Santos (2006a), no “cenário” para o espetáculo ritual mediúnico.
Não pretendemos tomar a cultura afrocatólica como dada, estável e essencializada no contexto do sincretismo e da baianidade, mas rastrear os processos diacrônicos que fazem emergir diferenças significativas na cultura religiosa festiva. Sem concepções apriorísticas entre ritual e cotidianidade, e prestando atenção aos “acontecimentos”, os agenciamentos oferecem boas trilhas (Tavares, F. 2012:121). Buscamos compreender como catolicismos e religiões afro-brasileiras, ambos plurais, se implicam em agenciamentos afrocatólicos mais ou menos instáveis, em visibilidades e vulnerabilidades que colaboram na tessitura do espaço público soteropolitano.
Festas de largo: questões e descrições
As festas marcam importantes momentos nas redes de sociabilidade: inflexão na rotina, mimetização de comportamentos, ritos de passagem e outras possibilidades não definem a festa, mas configuram o campo festivo. Efervescência coletiva (Durkheim 1996), fato social total (Mauss 2018), força subversiva (Duvignaud 1983) são algumas abordagens clássicas de conceituação do fenômeno na sua singularidade. Na direção contrária à captura dos sentidos totalizantes, temos as descrições dos eventos que, no entanto, acabam funcionando como ruídos, como argumenta Perez (2012:22) acerca da polissemia da festa. Para a antropologia contemporânea, as controvérsias em torno da conceituação da festa têm estabelecido a necessidade de investigar as potencialidades desses eventos para além da descrição etnográfica ou da discussão sobre uma abordagem funcionalista. Seria, assim, um bom desafio ir para mais do que a descrição de um evento festivo, problematizando a ideia de “festa-fato” e apontando na direção da “festa-questão” (Perez 2012). Mas, para isso, é preciso apreender o evento para além da essencialização, na descrição; significa considerar o campo de experimentações, experiências múltiplas e conexões que expandem o espaço e tempo festivos em novas direções “para tornar-se uma virtualidade antropológica”, como destaca a autora (2012:34)
O caminho pode começar por deslocar a pergunta sobre “o que é a festa?” para o “que a festa faz fazer?” (Tavares e Bassi 2015:258). Essa mudança nos sugere a investigação das festas religiosas não apenas como espaço ritual de sociabilidades, integração ou de controle social - o ritual como um domínio, conforme adverte Strathern (2006:163) -, mas explorar outras configurações das religiões e do espaço público sem esses referentes previamente demarcados. Também sugere que a festa não pode ser considerada como um epifenômeno de processos (econômicos, políticos, religiosos etc.) supostamente constitutivos do social. Ao invés disso, diríamos que a festa põe em relação outras configurações possíveis, mais ou menos instáveis, do social (Latour 2012).
A perspectiva que desloca a pergunta do que é a festa para o que é capaz de fazer acontecer propicia outra cartografia, tanto da festa como da cidade e das performances. A festa cria, recria, ocupa e redefine os espaços públicos, e ao mesmo tempo as suas contrapartes duais e complementares da esfera privada dos sujeitos, famílias, terreiros, irmandades e outras organizações religiosas. Emergem em Salvador resistências, continuidades, mas também mudanças para atrair novos públicos, para continuar refazendo a tradição.
Chamadas de “festas de largo” (Serra 2009), as festas religiosas apresentam uma espacialidade que conecta o ambiente das igrejas às áreas públicas do entorno, espraiando e imbricando manifestações religiosas e dinâmicas “profanas” em performances variadas5.
O termo “festa de largo” na capital baiana está profundamente ligado ao calendário, pois marca a chegada do verão em outra temporalidade - a comemoração que marca esse início é ora a de São Nicodemus, na última semana de novembro, ora a de Santa Bárbara, em 4 de dezembro. “Festa de largo” pode ser ainda sinônimo de “lavagem”, um rito que consiste, geralmente, na limpeza do adro das igrejas centrais, tendo como modelo a lavagem que ocorre na Festa do Bonfim.
As “festas de largo” talvez configurem uma das características centrais do que Perez (2011) aponta como imbricação entre festa e ocupação, reordenação e negociação com os espaços da cidade. Abordando a festa do Bonfim, Santana (2009) apresenta uma modificação espacial, inclusive com intervenções na infraestrutura, nos arredores da Igreja do Bonfim, um dos pontos mais importantes das “festas de largo” de Salvador. Nelas, a igreja é a referência da devoção e da forma ortodoxa da celebração. No entorno da festa do Bonfim, o largo é o lugar das intervenções de variados agentes: a baiana com sua água de cheiro que não necessariamente precisa participar do cortejo oficial; as carroças (do passado) da lavagem do Bonfim, agora substituídas pelos carros de som.
Intensamente visibilizada nas festas de largo de Salvador, a cultura afrocatólica, no entanto, está longe de ser homogênea. Conforme veremos, são diferenças ou processos de objetivação (Goldman 1994) que remontam a disputas, articulações e acontecimentos transcorridos ao longo do século XX (o jornal utilizado como referência neste artigo iniciou suas atividades em 1912). Na extensão do tempo, as festas de largo se expandiram e se encolheram, entretecendo consigo o espaço urbano, apresentando visibilidades e agenciamentos das performances religiosas que estimulam as transformações festivas.
As festas de verão em Salvador
A partir da metade dos anos de 1970, por estratégia do governo do estado, o turismo tornou-se uma opção para o desenvolvimento econômico de Salvador e essas festas ganharam centralidade. Santos (2005) aponta como certos bens simbólicos, notadamente os ligados à cultura afro-brasileira, passaram a ser utilizados para fomentar as políticas desenvolvimentistas nessa área, em associação com o discurso de valorização de cenários naturais. Entre esses bens, encontram-se as festas, que visibilizam como referentes da tradição baiana o patrimônio cultural afro-brasileiro presente na religião, capoeira e culinária6. Temos, assim, transformações acentuadas nas festas religiosas a partir das últimas décadas do século XX, constituindo importante capital simbólico e econômico para a cidade, sendo mobilizadas como atrativo turístico e complementar à indústria do entretenimento baseada em negócios cujo ápice é o carnaval7.
O calendário festivo é extenso, iniciando na última semana de novembro com a Festa de São Nicodemus. Realizada na última segunda-feira do mês, portanto, com data móvel, é organizada pelos trabalhadores do porto de Salvador. Em 4 de dezembro, acontece a Festa de Santa Bárbara. Governos estadual e municipal, mídia e indústria do entretenimento e do turismo costumam apresentar essa festa como a de “abertura do ciclo de verão”. Quatro dias depois, dia 8 de dezembro, festeja-se a padroeira da Bahia, Nossa Senhora da Conceição. A Festa de Santa Luzia acontece no dia 13 de dezembro, no bairro do Comércio, na Cidade Baixa. No primeiro dia de janeiro, ocorre a Festa do Bom Jesus dos Navegantes, a primeira, entre as festas de verão, com procissão marítima. Em seguida, a Festa de Reis, no dia 6 de janeiro, marcada pelos desfiles dos ternos, tem lugar no bairro da Lapinha. A seguir, a Festa do Bonfim, com destaque para a “Lavagem” do adro da igreja, que acontece na quinta-feira anterior à missa solene e à procissão, no segundo domingo subsequente à comemoração de Reis. Na segunda-feira seguinte à Lavagem do Bonfim acontece a Festa da Ribeira8. A última festa do mês de janeiro é a de São Lázaro, realizada no santuário em que ele é cultuado ao lado de São Roque. No dia 2 de fevereiro, o bairro do Rio Vermelho sedia a festa para Iemanjá. No mesmo dia, tem lugar a Festa da Pituba, bairro vizinho ao Rio Vermelho, em homenagem a Nossa Senhora da Luz9. Fechando o ciclo de verão, a Festa de Itapuã, antes do carnaval.
Assim, com exceção da Festa da Ribeira (em que não há missa e nem procissão, configurando uma “extensão” da Festa do Bonfim) e da Festa do Rio Vermelho (única no país homenageando um orixá do candomblé, Iemanjá, como centro da celebração), as demais festas são de devoção a santos católicos.
Nas festas do ciclo de verão, emergem agenciamentos vários entre catolicismos e religiões afro-brasileiras. Entre as que visibilizam os símbolos afrorreligiosos, temos as grandes festas de Santa Bárbara, com o culto a Iansã, a Lavagem do Bonfim, relacionado a Oxalá; e as festas locais, de São Lázaro, de devoção a Obaluaê e as Lavagens de São Nicodemus e de Itapuã.
Contrastando com os agenciamentos afrocatólicos das festas acima mencionadas, as festas de Iemanjá e de Nossa Senhora de Conceição da Praia evidenciam processos muito distintos. A primeira, inicialmente uma devoção à Nossa Senhora de Sant’Ana, atualmente é exclusivamente centrada em Iemanjá; a segunda, que já foi uma das festas mais populares da cidade, encontra-se hoje restrita à ritualística católica.
Considerando os limites deste artigo, apresentaremos as festas religiosas de maior visibilidade na cidade: Santa Barbara, Conceição da Praia, Bonfim e Iemanjá; a Festa de São Lázaro e as Festas de São Nicodemus e de Itapuã serão abordadas de forma pontual numa seção específica.
Santa Barbara e a patrimonialização da cultura festiva afrocatólica
A Festa de Santa Bárbara constituiu-se numa devoção organizada por comerciantes do Mercado que leva seu nome, no Centro Histórico de Salvador, diferenciando-se das festas do Bonfim e da Conceição da Praia, organizadas por irmandades. Como destaca Couto (2015:132): “A festa de Santa Bárbara é um bom exemplo de homenagem que se expandiu independentemente do clero”. Mais recentemente, sua revitalização envolveu diálogo entre estes segmentos e o poder público.
A primeira referência à Festa de Santa Bárbara na coleção de A Tarde é de 1918: uma pequena nota na edição de 3 de dezembro, em meio a informes variados, noticiando a realização da missa ainda na Igreja do Paço10. Posteriormente a essa menção de 1918, a festa fica ausente das reportagens do jornal A Tarde, só reaparecendo em 1930, com menções à decadência da festa (“Tradições que desapparecem”, A Tarde, 04/12/1930, p. 2). Nos anos seguintes, notícias do jornal retratam a festa como uma tradição que tenta resistir. Mas em 1935, a reportagem descreve uma festa grandiosa (“Louvor a Santa Bárbara”, A Tarde, 04/12/1935, p. 10).
No início da década de 1950, observa-se uma ausência de notícias, mas as referências sobre a festa são retomadas em 1957, abordando detalhes da programação, com a primeira menção sobre a associação entre a santa católica e a orixá do candomblé, Iansã: “À noite nos principais ‘terreiros’, inclusive o de Maximiano, no Engenho Velho e no de Emilinha, no Gantois, serão realizadas ‘funções’ do chamado culto afro-brasileiro.” (“Festa de Santa Bárbara”, A Tarde, 04/12/1957, p. 3)11. A partir desse período, a Festa de Santa Bárbara é citada regularmente nas páginas do jornal. No final da década de 1960, a alusão a Iansã se torna frequente, inclusive nos títulos das reportagens que anunciavam a proximidade da festa: “Festa de Iansã poderá ocorrer com trovoadas” (A Tarde, 02/12/1968, p. 3), “Tem festa hoje na Bahia: é Santa Bárbara ou Iansã?” (A Tarde, 04/12/1969, p. 2), e “Caruru, rezas e samba: Iansã reina” (A Tarde, 05/12/1973, p. 3).
A partir da década de 1960 e na década seguinte, comerciantes e o poder público fazem da festa uma vitrine para o incentivo do turismo festivo na Bahia, como aponta Couto (2012:123). A datar desse período, a festa já era considerada como o evento de abertura do ciclo de verão de Salvador, mobilizando novas disputas em torno do campo afrorreligioso. Assim é que, no final dos anos de 1970, o jornal noticia conflitos entre o candomblé e a umbanda12. Segundo matéria de 5 de dezembro de 1979, membros do candomblé impediram integrantes do Centro Ogum Estrela de se aproximar da Igreja do Carmo onde a missa foi realizada. A disputa teria iniciado na edição anterior da festa, com a líder umbandista identificada como Mãe Léa mencionando ter sido esfaqueada no mercado quando tentava se aproximar do andor da Santa (“Umbanda e candomblé brigam na Sta. Bárbara”, A Tarde, 05/12/1979, p. 3).
A Festa de Santa Bárbara constituiu-se, assim, numa arena de visibilização de controvérsias envolvendo as duas religiões. De acordo com Santos (2005), no Rio de Janeiro, o deputado Átila Nunes (MDB), vice-presidente da Assembleia Legislativa, criou um projeto de lei que obrigava escolas públicas a ensinarem espiritismo e umbandismo a crianças que viessem de famílias que professassem essas religiões. Para lideranças do candomblé baiano, a movimentação dos umbandistas ameaçava sua hegemonia. A Federação do Culto Afro-Brasileiro, que desde 197613 vinha tentando se estabelecer como uma instituição reguladora das controvérsias religiosas, entrou em campo para frear o avanço da umbanda na Bahia. Nas reportagens sobre a Festa de Santa Bárbara, aparecem, embora não de forma direta, indicadores de acirramento da disputa pela atenção do poder público. É o que sugere uma das reportagens sobre a festa, em 1979, ao se referir à ausência do governador Antônio Carlos Magalhães, deixando os membros do Centro Ogum Estrela à sua espera para uma homenagem que haviam preparado para ele. A decepção de Mãe Léa, inclusive, foi o título da matéria complementar (“Mãe Léa ficou frustrada”, A Tarde, 05/12/1979, p. 3)14.
Mesmo atualmente, a visibilidade da umbanda - do ponto de vista do jornalismo, que foi a fonte documental para esta pesquisa - é mínima e, podemos afirmar, praticamente nula. Isso com base nas narrativas públicas sobre a festa. O candomblé tem maior proeminência como protagonista, ao lado da Igreja Católica, pois a anfitriã da celebração é a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos às Portas do Carmo, uma organização de leigos fundada no final do século XVII e que dialoga de forma muito próxima com os terreiros da cidade. É na Igreja do Rosário que terreiros como o Bogum, Casa Branca e Pilão de Prata celebram as missas relacionadas a seus calendários de celebrações para suas divindades. No local também acontece a missa com ritos afro-brasileiros, ou seja, “inculturada”, seguindo uma determinação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) após a Conferência Episcopal Latino-Americana de Santo Domingo, realizada em 1992, quando se definiu que as celebrações deveriam respeitar as manifestações tradicionais de cada localidade15.
Em meados dos anos de 1980, a festa foi perdendo prestígio16. Por três anos seguidos - 1983, 1984 e 1985 -, A Tarde chegou a noticiar que a distribuição do caruru seria a última porque os comerciantes já não conseguiam angariar recursos suficientes. Mas a festa resistiu, ganhando importância à medida que o Centro Histórico ia sendo requalificado pelo governo do estado, mesmo em meio à polêmica sobre a retirada de moradores do Pelourinho e investimento em equipamentos exclusivamente voltados para o turismo17. Em 2008, a festa foi reconhecida pelo IPAC como patrimônio imaterial da Bahia, tornando-se a primeira a receber esse título no estado (Bahia 2010).
Lavagem do Bonfim: festa como cultura da cidade
A Devoção ao Senhor do Bonfim é uma associação de leigos que organiza a festa no âmbito do ritual católico18. Já a face mais conhecida da festa, a Lavagem, é estruturada pelo poder público municipal e estadual. Sendo uma devoção iniciada no século XVIII, o século seguinte foi o período de maior crescimento da festa, de acordo com Santana (2009:128). Para a autora, é neste contexto que o ritual da Lavagem, uma herança portuguesa, se consolida, mas ainda na área interna da igreja.
Ao longo do século XIX, a presença negra nos eventos da Colina Sagrada se tornou mais visível, sobretudo nas performances musicais e de dança no espaço externo da igreja, além do culto a Oxalá e sua associação ao Senhor do Bonfim, simbolizado nas vestes brancas usadas por quem vai à Lavagem (num imbricamento de devoção e “curtição” especialmente presente nessa festa e na do Rio Vermelho).
Em dezembro de 1889, o bispo Dom Luiz Antonio dos Santos proibiu a Lavagem nas igrejas baianas, em sintonia com a política de romanização da Igreja Católica do final do século XIX, de cerceamento do poder leigo (Oliveira 1985). Já no século XX, durante a década de 1930, a organização da Festa do Bonfim ficou a cargo dos Redentoristas, acirrando os conflitos entre estes e a Devoção ao Senhor do Bonfim, com consequências importantes no retorno da Lavagem, que havia sido proibida (Santana 2012). Como esclarece Santana: “Embora nutrindo pouca simpatia para com as expressões religiosas populares, os Redentoristas colaboraram de algum modo para a manutenção dos rituais para a festa do Bonfim” (2009:158-159). Ainda de acordo com a autora, as primeiras referências sobre a formação e organização de um cortejo são de 1934, quando a festa ganhou o apoio da prefeitura de Salvador, ocasião em que a lavagem do templo chegou a acontecer com a permissão da igreja.
A partir dos anos de 1950, a Festa do Bonfim começou a ser noticiada como atração turística nas reportagens de A Tarde. No início da década, o tom predominante era de estímulo à participação popular, como nas carroças enfeitadas para a participação no cortejo da Lavagem. Nos anos de 1960, a festa se torna pauta constante de reportagens especiais e no caderno de turismo do jornal. No entanto, o crescimento e visibilização da festa não impediram as restrições da Igreja Católica à Lavagem que, proibida no interior do templo, já havia migrado para a área externa da igreja. Em edição de 1949, o jornal destaca a persistência da manifestação, mesmo com a proibição da igreja (“Lavagem pagã transformada em romaria”, A Tarde, 13/01/1949, p. 2).
Se, para o jornal, a Lavagem é respeito à tradição, o posicionamento do arcebispado a caracteriza de outra forma: folclore e fomento do turismo, como destacou em nota oficial a Arquidiocese de Salvador para refutar notícia sobre a abertura do templo durante o ritual (“Igreja do Bomfim continuará fechada no dia de sua lavagem”, A Tarde, 13/01/1970, p. 3).
Na edição da festa de 1978, ano da entrada dos trios elétricos na Lavagem, a preocupação do então arcebispo Dom Avelar Brandão Vilella era com o agravamento do barulho no decorrer da festa. Mesmo sem reconhecer a Lavagem como um ritual católico, mantendo as portas da igreja fechadas, o clero continuava a reivindicar algum tipo de participação na festa, evidenciando as ambiguidades da igreja nos agenciamentos da festividade (“D. Avelar não quer barulho na hora da missa do Bonfim”, A Tarde, 11/01/1978).
Em 1989, na edição de 11 de janeiro, o então Cardeal-Arcebispo de Salvador, Lucas Moreira Neves, voltou a criticar, em artigo publicado no jornal, o que chamava de “excessos” na Lavagem que descaracterizariam a “cultura baiana”, acrescentando, ainda, que: “É visível que também as representações dos cultos afro presentes na ‘lavagem’ sentem-se pouco à vontade com o ‘excesso’, retirando-se rapidamente após os ritos de ablução” (“A fé, a festa, o excesso”, A Tarde, 11/01/1989, p. 6)19.
Já na segunda metade dos anos 2000, o movimento da administração do Santuário do Bonfim, por meio do seu reitor, padre Edson Menezes, tenta, ao que parece, “catolicizar” a Lavagem. Em 2009, o padre se tornou protagonista de reportagem na edição de 14 de janeiro, ao afirmar que, pela primeira vez em 254 anos, a Igreja Católica iria participar da Lavagem em razão da bênção que seria oferecida aos participantes pelo sacerdote. Na edição do dia seguinte (15 de janeiro), o gesto do sacerdote é confirmado no relato feito pela reportagem (“Cortejo uniu as diferenças”, A Tarde, 16/01/2009, p. A6).
A iniciativa foi ampliada nos anos seguintes. Para a edição da festa de 2014, Padre Edson organizou um polêmico cortejo denominado “Lavagem do Corpo e da Alma”, alternativo ao oficial, sem a presença das baianas, horas antes do cortejo oficial. Em longa matéria sobre a festa, antropólogos e outros pesquisadores de Salvador criticaram a iniciativa do reitor da basílica. O padre justificou o evento como uma tentativa de oferecer espaço para os que se recusam a participar da diversão que cerca a Lavagem do Bonfim (“Ação católica para lavagem rende polêmica”, A Tarde, 13/01/2014, p. A4).
Participando da festa no ano seguinte, pudemos observar a ampliação do controle realizado pelo sacerdote sobre ela. Mais uma vez, o cortejo católico saiu à frente do oficial no ponto de partida da festa, a Igreja da Conceição da Praia. As baianas situavam-se cada vez mais distantes de um cortejo compacto e agora dividido em alas ligadas aos grupos de políticos da situação, oposição, aliados ou independentes e, ao chegar ao adro da Igreja do Bonfim, foram recepcionadas por uma celebração católica. Liderados pelo Padre Edson, os participantes foram convidados a rezar a oração do Pai-Nosso, além de ouvir seu discurso sobre aspectos da doutrina e devoção católica, até que, finalmente, as vassouras foram oferecidas às baianas para realizar a lavagem do adro. Em 2017, foi noticiado (A Tarde, 11/01/2017) um projeto de intervenção urbanística no entorno da Igreja do Bonfim unindo prefeitura e arquidiocese, concluído em 2020. Denominado “Corredor da Fé”, a intervenção realizou obras de acessibilidade para incentivar o turismo religioso, integrando ainda o bairro de Roma, onde fica o memorial de Santa Dulce dos Pobres e o Abrigo Dom Pedro II, local do martírio de Irmã Lindalva Justo, que foi beatificada em 2007.
As controvérsias sobre a Lavagem evidenciavam sua forte associação com o candomblé, com as baianas vestidas de branco em homenagem a Oxalá. Proibições e polêmicas à parte, as imagens do cortejo e das baianas predominam nas coleções do jornal das décadas de 1980 e 1990. Sua performance despejando as águas perfumadas das quartinhas é obrigatória em qualquer registro da festa, sendo comumente a imagem escolhida para o destaque na capa ou no alto das páginas20. A festa, que teve o registro do IPHAN em 2013, visibiliza a face pública da religiosidade afro-brasileira na lavagem e que se mimetiza com a identidade festiva da cidade de Salvador.
De santa a orixá: a Festa do Rio Vermelho
A Festa de Iemanjá foi a que passou por transformações mais intensas ao longo do século XX. Originalmente uma homenagem a Sant’Ana, na segunda metade da década de 1970 a festa católica saiu da cena pública deixando o espaço aberto para a celebração da Orixá, sendo homenageada em um importante e longevo culto dos pescadores, de quem é considerada protetora por excelência21.
Atualmente marcada pela religiosidade afro-brasileira, os rituais da festa iniciam-se ainda durante a madrugada. Nas primeiras horas do dia, no Dique do Tororó (outra região da cidade), é colocado um “Presente” para Oxum, numa cerimônia silenciosa, pontuada apenas pelos fogos para anunciar a partida e a chegada da comitiva. Por volta das 5 horas da manhã, já no Rio Vermelho, chega o Presente para Iemanjá para ficar exposto no caramanchão erguido na parte externa da Casa do Peso. Ali, durante todo o dia, os devotos podem colocar seus presentes nas dezenas de balaios disponibilizados pelos pescadores. Às 16 horas, o barco “Rio Vermelho” zarpa levando o Presente, seguido pelas embarcações que transportam os balaios com as ofertas dos devotos e outras com pessoas que desejam ver de perto o rito de entrega da oferta nas águas do mar.
Mas a festa nem sempre foi para Iemanjá. Uma aparição atribuída a Sant’Ana deu início ao culto local. A santa teria avisado aos moradores que os portugueses estavam prestes a chegar no local durante a guerra pela Independência, em 1823 (Couto 2010:120-121). Até então, como aponta Couto (2010), a festa de Sant’Ana, depois apropriada pela elite de veranistas, era uma devoção de pescadores chamada, inclusive, de “Romaria dos Jangadeiros”, que incluía uma procissão marítima. Posteriormente, a romaria foi substituída por uma corrida de jangadas.
A primeira referência à festa na coleção de reportagens é de 1915, homenageando a padroeira do bairro, Sant’Ana. A programação, além das missas e novenas, incluía os desfiles de ranchos e ternos e contava com uma “Segunda-feira Gorda”, similarmente à Festa do Bonfim. Datam do início do século as primeiras tensões, principalmente entre os pescadores e a paróquia, que posteriormente iriam transformar a festa. Em 1919, os pescadores se recusaram a pagar um dízimo à administração paroquial. Foi durante um período de escassez, em 1924, que eles resolveram oferecer um presente à Mãe D’Água (Couto 2010:156). Para garantir sua eficácia, os pescadores recorreram aos serviços de Júlia Bugã, líder de um terreiro ijexá22. A partir da intervenção dessa liderança, o Presente dos pescadores passou da condição de uma “simpatia” para um rito realizado por uma especialista religiosa.
A festa de Iemanjá, inicialmente coadjuvante na celebração para Sant’Ana, estava restrita aos pescadores23. Em edição de 1930, o jornal apresenta uma descrição jocosa da festa. O texto faz referência ao histórico dos cultos às divindades das águas para, em seguida, classificar sua persistência na Bahia como algo “primitivo”: “Aqui predomina o sentimento cultual sob processos genuinamente selvagens, visto como acaba sempre por grandes bailados africanos ‘ditos candomblés’” (“Dona Janaína, princeza do mar”, A Tarde, 06/02/1930, capa)24. A mudança no discurso de A Tarde se tornou visível na década de 1940, com destaque para o Presente, com descrições detalhadas do trajeto da procissão marítima e outras informações sobre a festa. A década de 1950 marca o início do protagonismo da Orixá, não mais designada por Janaína ou Mãe D’Água (“A Festa de Yemanjá”, A Tarde, 03/02/1950, p. 2).
A partir da década de 1960, à medida que a homenagem à Iemanjá foi se consolidando, o Bando Anunciador25 (o ápice das festas na localidade) passa a dividir as atenções com a padroeira dos pescadores26. Nos anos de 1970, a programação, que era diversificada (Bando Anunciador, banho à fantasia, desfile de ternos e ranchos), se tornou restrita à Iemanjá, em 2 de fevereiro. Desta forma, os preparativos e a saída do presente para o mar tornaram-se o centro da festa27.
Em 1971, o então pároco da igreja, Monsenhor Antônio da Rocha Vieira, resolveu transferir a festa da padroeira Sant’Ana para julho (mês de sua devoção no calendário litúrgico católico) por considerar que o bairro havia perdido a condição de localidade de veraneio28. Em 1977, houve uma tentativa por parte de organizações leigas de recuperar a participação católica no âmbito da Festa de Iemanjá. No entanto, o pároco, padre Raimundo Rocha Filho, não permitiu (“Padre não quer lavagem”, A Tarde, 24/01/1977, p. 2). Após essa tentativa frustrada de visibilizar a devoção católica, a festa se consolidou na homenagem a Oxum e Iemanjá.
A hegemonia católica na Festa da Conceição da Praia
A festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia, padroeira da Bahia, celebrada em 8 de dezembro, expressa uma das primeiras devoções religiosas difundidas por colonizadores portugueses no Brasil. Tomé de Souza trouxe uma imagem dessa invocação a Maria na expedição que comandou para fundar a cidade. A primeira igreja construída em homenagem à Santa ficava à beira mar e, por isso, o complemento “da praia” foi anexado à denominação da invocação mais geral (Couto 2010:108).
O primeiro registro da festa no jornal em 1912 (7 de dezembro), assim como reportagens nos anos subsequentes, salienta os ofícios religiosos (missa, procissão). O estilo das notícias se altera a partir dos anos de 1920, quando as comemorações no largo da igreja começam a ganhar destaque na cobertura do jornal, sobretudo o que acontece nas barracas da festa. A datar dos anos de 1930, várias reportagens mencionam a prática dos jogos de azar nas barracas. Em 1950, por exemplo, afirma-se que nelas há mais jogo que comida. Décadas depois, segundo o jornal, o problema persiste: em 1988, uma reportagem compara a festa a um cassino (“Barracas de jogos de azar são verdadeiros cassinos”, A Tarde, 09/12/1988, p. 3).
Na segunda metade da década de 1970, começam a ser discutidas normas cada vez mais rígidas para o comércio durante as festas populares. Em 1976 (edição de 26 de novembro), uma reportagem anunciava que um grupo de trabalho disciplinaria a festa, com medidas como a retirada dos trios elétricos e proibição de alto falantes nas barracas. A justificativa era a preservação do modelo tradicional das festas, além de preocupações higienizadoras, constituindo um argumento frequentemente utilizado para a padronização desses equipamentos e que acabou por modificar o seu formato a partir dos anos 2000.
As notícias sobre a festa de 1978 mencionavam o esvaziamento da celebração religiosa no largo da igreja. A procissão, pela primeira vez, aconteceu pela manhã, e, a pedido do Cardeal-Arcebispo de Salvador, Dom Avelar Brandão Vilela, foi proibido o consumo de cerveja durante o cortejo (“Cortejo da Conceição ficou melhor sem a venda de bebidas”, A Tarde, 09/12/1978, p. 3). A continuidade do controle da comercialização de cerveja deu-se com sua proibição nas barracas situadas em frente à igreja (reportagem de 24/11/1979, p. 3). Acirrando as tensões, naquele mesmo ano Dom Avelar ameaçou mudar a data da festa, ameaça que não se concretizou (A Tarde, 09/12/1979, p. 3).
Nos primeiros anos da década de 1980, as barracas resistiam, mas seu protagonismo entrava em declínio (“Padroeira recebe as homenagens da Bahia”, A Tarde, 09/12/1982, p. 3). Na década seguinte, os barraqueiros foram proibidos de comercializar cerveja em garrafa, alegando-se questões de segurança. Participando da festa em 2015, observamos que esta se restringia aos rituais católicos, com um público majoritariamente idoso. A cobertura midiática foi praticamente encerrada assim que a procissão deixou o largo logo à frente da igreja, onde foi rezada a missa campal. Duas horas após o fim da procissão, no começo da tarde, o largo estava esvaziado. O público não somava duzentas pessoas, e as barracas, agora padronizadas em estrutura metálica, não chegavam a vinte unidades.
A festa, que durava duas semanas (com grande público também à noite caminhando pelas ruas do bairro do Comércio), atualmente se restringe à procissão e à missa campal. A homenagem à padroeira da Bahia destoa fortemente das demais festas do ciclo de verão.
As Festas locais de São Nicodemus, São Lázaro e Itapuã
A festa de São Nicodemus é realizada pelos trabalhadores da Companhia da Docas da Bahia (Codeba). Surgida em 1943 por iniciativa dos trabalhadores de baixo poder aquisitivo, principalmente estivadores, nos anos de 1970 a missa para São Nicodemus era realizada na Igreja do Pilar (bairro do Comércio), sendo posteriormente transferida para o cais, onde foi construída uma capela para o padroeiro.
Com missa, procissão e caruru, a festa acontece atualmente nas dependências da administração portuária com a presença apenas de funcionários e seus convidados: são mudanças que decorrem das novas regras de segurança adotadas após os atentados de 11 de setembro de 2001, ocorridos nos Estados Unidos.
A festa de São Lázaro acontece no último domingo de janeiro. Situado no bairro da Federação, o Santuário de São Lázaro e São Roque29 é uma das igrejas mais antigas da cidade, onde, nas imediações do local, havia um lazareto que abrigava doentes abandonados, principalmente os que sofriam de doenças contagiosas como a varíola. Os agenciamentos afrocatólicos são visíveis e bem delimitados espacialmente: o povo de santo é presença marcante nas escadarias e arredores da igreja.
A primeira referência à Festa de São Lázaro na coleção de reportagens de A Tarde é de 12 de dezembro de 1919 (p. 2) e destaca o ritual católico da missa. Nesse período inicial, há alguns hiatos na cobertura jornalística, de 1920 a 1933, e deste último ano até 1960, com o anúncio da programação da festa numa coluna intitulada “Vida Católica” (A Tarde, 02/02/1960). Data dos anos de 1970 o início das referências ao candomblé nas reportagens do jornal sobre a festa: “São Lázaro venerado pela igreja e pelo candomblé” (A Tarde, 29/01/1974, p. 10), “Homenagem a Omolu” (A Tarde, 30/01/1978, p. 3). Desde então, o candomblé marca presença nas reportagens, evidenciando tensões com a igreja, mas também inovações, como a introdução da lavagem, em 1985.
A festa de São Lázaro é intensamente povoada por pais e mães de santo que oferecem serviços religiosos, especialmente o banho de pipoca, conforme mencionado no início do artigo. Dificilmente encontraremos em outras festas de largo práticas públicas do candomblé como as do entorno dessa igreja, já que a ortodoxia dessa religião não preconiza rituais de purificação em festas públicas. Na devoção a São Lázaro, as ortodoxias do candomblé e do catolicismo são ressignificadas de forma intensa nas mediações das práticas populares de celebração.
Fechando o ciclo de festas de largo do verão, a Festa de Itapuã, realizada no bairro homônimo que tem Nossa Senhora da Conceição como padroeira, acontece em data móvel, sempre na quinta-feira anterior ao início do carnaval. Tradicionalmente realizada em fevereiro (aproveitando o período de veraneio na localidade), a festa ganhou novo impulso nos anos de 1970, com o reconhecimento do poder público, passando a integrar o calendário oficial das festas de verão. Nesse período de maior visibilidade, houve mudanças significativas, como a chegada dos trios elétricos.
Polêmicas acerca da descaracterização da festa começaram a surgir em matérias do jornal (“Lavagem sem encanto de antes”, A Tarde, 08/12/1974), apontando a baixa frequência de participantes e a “quebra” de alguns rituais envolvendo as baianas. As controvérsias se intensificaram nos anos de 1980, desencadeando a “saída” da Igreja Católica das comemorações. Assim, em Itapuã, a festa da padroeira, Nossa Senhora da Conceição, passou para a data litúrgica (8 de dezembro).
Atualmente, a festa de Itapuã tem saída do Bando Anunciador nas primeiras horas da madrugada, e são feitas duas “lavagens” das escadarias da igreja de Nossa Senhora da Conceição: a primeira, ainda de madrugada, pelos moradores do bairro, e outra, pelas baianas. A “saída” da Igreja Católica ressignificou a festa como evento pré-carnavalesco centrado na lavagem das escadarias da igreja, como acontece até hoje.
Notas finais sobre agenciamentos afrocatólicos
Os agenciamentos afrocatólicos propiciam diferenças importantes nas festas de largo ao longo do século XX. Uma primeira observação a considerar é que sua emergência como “devoção popular”, quase sempre subverte os movimentos da ortodoxia católica, como nas festas de Santa Barbara, Lavagem do Bonfim e São Lázaro. Foram esses agenciamentos afrocatólicos, por vezes transmutados em “cultura baiana”, que possibilitaram a revitalização da festa, no caso de Santa Bárbara: a participação expressiva das baianas, a tradição do caruru e a missa com a musicalidade afro-brasileira (inclusive com atabaques) legitimaram essa formação estética, no caso, afroestética (Meyer 2019). Movimento similar também se passa com a Lavagem do Bonfim e a Festa de São Lázaro.
As tensões entre catolicismo e agenciamentos afrocatólicos tiveram consequências muito distintas nas festas de Santa Bárbara, do Bonfim, de Iemanjá, de Itapuã e da Conceição da Praia. Na primeira, a estabilização das características da Festa de Santa Bárbara para que se mantenha como patrimônio imaterial do estado implica uma certa “acomodação” dos agenciamentos na forma de “cultura” afrocatólica (contrastando com os episódios descritos envolvendo a mãe de santo umbandista e os candomblés na década de 1970). Na Lavagem do Bonfim, os agenciamentos são mais instáveis, observando-se momentos de tensão desde o século XIX, com várias iniciativas de ordenamento do espaço e dos corpos por parte da Igreja Católica, e que se estendem às iniciativas recentes, como o contraponto da “Lavagem de corpo e alma” à intensidade festiva do cortejo e a associação entre a reitoria da igreja e a prefeitura para transformações no entorno da igreja para incentivo ao turismo religioso.
Na Festa de Iemanjá, houve uma reconfiguração da devoção ao longo do século XX: uma Orixá do candomblé emerge como razão da Festa do Rio Vermelho que anteriormente homenageava Sant’Ana. A saída da Igreja Católica da Lavagem de Itapuã e da Festa de Iemanjá constituiu um desfecho radical entre as outras modalidades de agenciamentos entre catolicismos (leigo e clerical) e religiões afro-brasileiras, como observadas nas festas de Santa Bárbara e do Bonfim.
Por outro lado, a Festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia é o mais visível exemplo do triunfo do ideal de romanização entre as festas de largo em Salvador. A partir do final da década de 1970, a articulação entre a Arquidiocese e o poder público contribuiu para o enfraquecimento da festa da padroeira da Bahia, em que a comemoração de largo foi esvaziada em uma das muitas tensões entre a ortodoxia católica e os eventos de verão.
Como evidenciam as reportagens do jornal, que, ao lado de fotografias, foram a fonte principal para a narrativa sobre essas festas, numa etnografia construída com base nessas documentações (daí a pouca referência às observações do trabalho de campo), as manifestações “profanas” (não necessariamente das religiões afro-brasileiras, mas da “cultura popular”, como a bebida e o jogo) foram combatidas durante o período em que Dom Avelar Brandão Vilella esteve à frente da Arquidiocese, de 1971 a 1986. O poder público interveio na organização e padronização da festa com o discurso de higienização e diminuição das barracas, restringindo um espaço público tido como “desordenado”. Embora devotos e foliões mencionem uma associação entre Nossa Senhora da Conceição e as orixás Oxum e Iemanjá, no ambiente festivo essa relação não tem a mesma visibilidade das festas de Santa Bárbara e do Bonfim, com Iansã e Oxalá, respectivamente. Talvez contribua para o forte controle eclesiástico da festa o reconhecimento da Santa como padroeira da Bahia, sendo um culto tradicionalmente ligado à fundação da cidade30.
A atuação institucional do arcebispo na Festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia pode ser identificada baseando-se na análise das reportagens que deixam emergir as informações - num trabalho artesanal mais próximo a “catar folha”31 do que uma abordagem historiográfica - do microcotidiano desses eventos, uma característica da memória feita nesse tipo de mídia.
As décadas de 1970 e 1980 dão início à emergência de importantes movimentos para a cultura afro-brasileira na Bahia. O estado começa a utilizar esses símbolos em suas campanhas para incentivar o turismo com a criação da Bahiatursa e a participação do governador Antônio Carlos Magalhães em seus mandatos biônicos (1971-1975 e 1979-1983) nessas festas. Data também dessa época a emergência dos movimentos negros que sempre tiveram o carnaval como um espaço para as suas demandas de combate ao racismo caracterizado pelo impedimento em desfilar ou por invisibilizar suas manifestações - o Ilê Aiyê surgiu em 1974, quatro anos antes do Movimento Negro Unificado (MNU), com o lema “Negro é lindo”.
Por fim, é sempre bom lembrar que nem o catolicismo, nem as religiões afro-brasileiras constituem um movimento homogêneo, mas suas tensões internas imprimem transformações importantes na configuração das festas populares. As tensões entre umbanda e candomblé, noticiadas durante a Festa de Santa Bárbara em 1979, não parecem ser exceção no universo plural de nações do candomblé e terreiros de umbanda da cidade de Salvador. Do lado do catolicismo, como vimos anteriormente, disputas entre a Devoção e os Redentoristas desencadearam a reabilitação da Lavagem do Bonfim. Por outro lado, tensões entre leigos e clérigos impossibilitaram a restituição da lavagem da igreja de Sant’Ana, selando definitivamente a saída da Igreja Católica da Festa de Iemanjá.
Essas indicações nos levam de volta à velha questão do sincretismo afrocatólico, cuja utilização não configura apenas um problema semântico em relação ao conceito de agenciamento. As derivações e consequências do sincretismo são várias (e demandariam outro trabalho), mas podemos evocar os desdobramentos políticos ao longo da história de sua “aplicação” como conceito genérico de “mistura” para classificar tipos, traços, substâncias de religiões com maior ou menor “fraqueza” doutrinária. Se é certo, como sustenta Ranger (1993:68), a propósito da invenção colonial do século XX, que “construção começa com classificação”, no contexto brasileiro os usos e abusos do sincretismo já foram repassados, gerando críticas e reabilitações para sua manutenção (Ferretti 1995; Sanchis 1994, 2001; Mariz 2005).
Precisamos seguir esse caminho nas festas religiosas da terra brasilis? O que é puro por contraste ao misturado, sincrético; o que é religioso por contraste ao profano, à festa, não cabe no campo de possibilidades das transformações que ora apresentamos. Seguindo Sansi (2007), ao invés de perguntamos se a cultura do candomblé em Salvador é autêntica ou se trata de uma “invenção” que mascararia os processos de dominação de segmentos subalternizados, pode-se rastrear essa história que fez do candomblé uma cultura objetificada nos agenciamentos afrocatólicos das festas de largo. Contornando essas classificações e dualismos, as festas são capazes de produzir conexões entre heterogêneos, performances compósitas, mas sem cair no sincretismo (na mistura de “tipos” diferentes), nem no holismo festivo (na coletivização da festa por contraste à individuação da cotidianidade).
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- A TARDE. (2014), “Ação católica para lavagem rende polêmica”. A Tarde , Salvador, 13 jan. 2014, p. A4.
- A TARDE. (2017), A Tarde , Salvador, 11 jan. 2017.
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PARÓQUIA DE SANT’ANA. “A Padroeira”. Paróquia de Sant’Ana do Rio Vermelho Disponível em: Disponível em: http://www.igrejadesantana.org.br/quem_somos/a-padroeira Acesso em: 19/12/2020.
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Este artigo desenvolve algumas questões apresentadas na tese de doutorado de Cleidiana Ramos. Cf. Ramos (2017).
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O jornal A Tarde é o mais antigo dentre os jornais que estão em atividade na capital baiana, tendo sido líder de mercado até a segunda metade da década passada. Nesta posição por quase cem anos, o jornal foi um dos palcos para que segmentos diversos da cidade dialogassem, além de ter registrado as dinâmicas dessas festas. O CEDOC, centro de documentação do jornal, apresenta uma coleção sobre as festas de verão composta de 2.670 registros imagéticos e 6.992 reportagens publicadas no período de 1912 a 2016.
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Membros da Companhia de Jesus vieram na frota de Tomé de Souza para fundar Salvador em 1549, o projeto de empreendimento da colonização portuguesa de forma mais contundente. Salvador foi escolhida pela localização para servir de entreposto na navegação entre Portugal e suas colônias, especialmente as da África. Não à toa a cidade foi capital do reino português nas Américas até 1763, quando perdeu o posto para o Rio de Janeiro e foi também considerada a sede do maior porto das Américas. Sobre essa questão conferir, sobretudo, Tavares (2001) e Azevedo (2009). Dessa forma, desde o início da colonização, a Igreja Católica, que sempre esteve atrelada ao Estado, marcou indelevelmente a cidade de Salvador.
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Trataremos das festas de largo na próxima seção do texto.
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Santos (2006a) e Serra (2009) detalham como as ruas, durante as comemorações de largo em Salvador incorporam elementos de caráter religioso, sobretudo os que têm base nas práticas do candomblé e da umbanda.
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A partir dos anos 2000, começaram a surgir ações de patrimonialização de manifestações culturais como o acarajé, o samba e a capoeira. Nesta categoria, duas festas do ciclo de verão possuem salvaguarda como patrimônio imaterial: a Festa de Santa Bárbara, reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) em 2008, e a Festa do Bonfim, oficializada como patrimônio em 2013 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
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O segmento ligado à folia carnavalesca tornou-se lucrativo para a cidade principalmente na estreita relação que mantém com o turismo e eventos culturais. O carnaval é a principal aposta em eventos culturais de Salvador mobilizando uma rede de serviços e infraestrutura. Sobre a economia da festa, ver Miguez (2009, 2012).
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Com perda de visibilidade em relação às décadas anteriores, a comemoração ainda acontece e consiste atualmente na concentração em barracas que margeiam a orla do bairro para comer cozido.
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A festa “perdeu” a lavagem das escadarias da igreja, e hoje a maior ênfase é para os ritos católicos: missa (ao amanhecer, na praia, com a participação dos pescadores da colônia local) e procissão marítima no final da tarde.
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Como aponta Couto (2010:100), houve vários locais na cidade de realização da festa.
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Essa reportagem apresenta algumas referências equivocadas. Tomando-se as etnografias clássicas sobre o candomblé, não constam líder religioso denominado Maximiano ou sacerdotisa chamada Emilinha. Provavelmente, se tratava de Martiniano do Bonfim e Mãe Menininha do Gantois, personagens de notoriedade em textos de intelectuais como Ruth Landes e Édison Carneiro. É provável o autor do texto ainda não dominasse as informações e cometesse erros sobre os personagens importantes e suas vinculações com as casas de santo.
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Detalhes sobre essa disputa também são apresentadas por Couto (2012).
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Ano em que o decreto do governador da Bahia, Roberto Santos, retirou a exigência de autorização da Delegacia de Jogos e Costumes para a realização das festas de candomblé.
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A edição da festa em 1979 teve ainda outro incidente: um princípio de incêndio quando a procissão chegou ao Quartel do Corpo de Bombeiros e tumulto em torno do andor, inclusive com a discussão de quem eram pessoas realmente em transe e outras que estariam fingindo. Segundo reportagem veiculada pelo jornal, não faltou quem enxergasse em tantos incidentes uma amostra de que Santa Bárbara e, por extensão, Iansã, estaria zangada com as disputas evidenciadas durante a festa.
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O ritual das celebrações na Igreja do Rosário foi criado por dom Gílio Felício. Doutor em Liturgia e membro da Pastoral Afro da Igreja Católica, ele foi considerado o primeiro bispo negro nomeado para a Arquidiocese de Salvador, onde ficou de 1998 a 2002, quando foi promovido a bispo da Diocese de Bagé, no Rio Grande do Sul. Hoje, é bispo emérito dessa diocese.
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A situação de abandono do Centro Histórico de Salvador, especialmente do Pelourinho, e o deslocamento crescente de setores da economia e população para a região norte, onde se localizava o maior shopping da cidade no período, provavelmente contribuiu para o enfraquecimento da festa.
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O projeto de revitalização do Pelourinho começou no governo de Antônio Carlos Magalhães do período 1991-1994 e foi continuado por outras gestões do mesmo grupo político: Paulo Souto (1995-1998), César Borges (1999-2002) e Paulo Souto (2003-2006). Desde o começo, houve muitas críticas, principalmente devido à retirada de moradores que foram levados para conjuntos habitacionais distantes da região. Até o momento, a questão continua em debate, pois os comerciantes do Pelourinho vivem reclamando da crise de esvaziamento do local, fenômeno que, para alguns especialistas, é resultado da alteração do cotidiano de bairro.
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A devoção começou em meados do século XVIII em torno de uma capela erguida a partir de 1745 como pagamento de uma promessa. Após escapar de um naufrágio, salvação que atribuiu aos poderes do Senhor do Bonfim, o capitão Teodósio Rodrigues Faria, português, trouxe para a capital baiana uma imagem e adquiriu o terreno para a construção da igreja. Logo ela se transformou em local de romaria e um dos principais pontos turísticos de Salvador, além de sediar a maior festa pública da cidade. Após acontecer em datas variadas, o dia da festa foi oficializado como o segundo domingo depois da Epifania, celebrada em 6 de janeiro (Santana 2009).
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Coincidentemente, foi durante a gestão de Dom Lucas na Arquidiocese que os trios elétricos foram retirados da festa.
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Nas narrativas do jornal, a presença das baianas passou, desde a década de 1970, a ser um indicador do sucesso da festa. Assim, na edição de 16 de janeiro de 1986, o jornal anunciava em chamada de capa que o cortejo poderia contar com quase mil baianas. Já na edição de 14 de janeiro de 1998, esse número teria caído pela metade. Até policial militar “disfarçada de baiana” o evento já registrou em um episódio cercado de polêmica. Segundo a reportagem assinada pelo repórter José Bomfim, o objetivo era a oferta de proteção para o senador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007) e para o governador César Borges (“Falsas ‘baianas’ protegem senador”, A Tarde, 12/01/2001, p. 3).
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Até meados dos anos de 1960, o bairro do Rio Vermelho era uma localidade de veraneio e propiciava uma agenda intensa de eventos que se prolongavam até o carnaval. Nas reportagens do jornal, eram frequentes as referências ao ciclo festivo do bairro, chamado, portanto, de Festas do Rio Vermelho.
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Detalhes sobre Júlia Bugã nos foram contados pela ebomi Cidália Soledade (1930-2012), consagrada ao orixá Iroko por Mãe Menininha dos Gantois. Ela era conhecida por sua boa memória sobre o candomblé baiano.
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Segundo Porto Filho (2009:18), a primeira edição da Festa de Iemanjá foi em 2 de fevereiro de 1924, sob a organização dos pescadores que integram a colônia de pesca Z-1, localizada à beira da praia do bairro Rio Vermelho.
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Mantivemos a grafia original de todos os documentos que seguem a ortografia da época.
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Bando Anunciador é um cortejo que anuncia o início da celebração solene, geralmente da santa ou santo padroeiro. O cortejo é acompanhado por um grupo musical, comumente de sopro e percussão. À frente, vai um estandarte relacionado ao evento, levado em geral por mulheres. O Bando Anunciador da festa do Rio Vermelho chegou a misturar em sua estrutura características dos “corsos”, pois automóveis eram utilizados e as pessoas usavam fantasias elaboradas. Atualmente, das festas do calendário de verão, apenas a Festa de Itapuã tem um Bando Anunciador que sai por volta das 2 horas da madrugada para convocar os moradores a realizarem a primeira lavagem das escadarias da igreja local.
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Em edição de 19 de janeiro de 1972, a homenagem foi tema do desfile, “substituindo” a anunciação da festa de Sant’Ana.
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A procissão inicialmente seguia até Monte Serrat, localidade situada na Cidade Baixa, próxima ao Bonfim. Em 21 de janeiro de 1916, na capa, o jornal publicou uma matéria com ataques a essa prática de culto. Intitulada “O culto da Mãe D’Água na Bahia”, a reportagem narra o depósito de um bandolim, um carneiro e cartas de súplica (inclusive pedindo para acertar no jogo) deixadas como oferenda para a Mãe D’Água. Após considerar o culto como parte de “praticcas condemnaveis”, o texto indica ser Monte Serrat um local para buscar os favores da divindade. Monte Serrat também aparece no romance Mar Morto, de Jorge Amado (2008), enquanto local de culto a Iemanjá na cidade.
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Segundo o site da Paróquia de Sant’Ana, a festa foi iniciativa de veranistas e por isso era celebrada em fevereiro. Em 5 de abril 1913, foi criada a Paróquia Sant’Ana, até então vinculada à Paróquia da Vitória. As festas eram realizadas na igreja do século XIX, até que, em 1959, começou a construção da atual matriz, no Rio Vermelho, localizada ao lado da Casa do Peso. Disponível em: http://www.igrejadesantana.org.br/quem_somos/a-padroeira. Acesso em: 19/12/2020.
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A Festa de São Roque é celebrada em 16 de agosto, também com intensa participação do povo de santo.
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Das festas de largo do verão, por exemplo, é a única em que a missa principal sempre é celebrada pelo arcebispo que estiver no governo da Arquidiocese.
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Expressão do candomblé que indica aprendizado longo e assistemático, num processo contínuo de ir reunindo as informações. Goldman (2003) faz menção a essa expressão para qualificar as técnicas do trabalho de campo.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
20 Jan 2021 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2020
Histórico
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Recebido
17 Maio 2019 -
Aceito
21 Out 2020