Resumos
O artigo propõe diálogos conceituais relacionando políticas de morte e homenagens mortuárias, acionando as noções de altares urbanos e religião implícita para refletir sobre monumentos e seus usos estratégicos em lutas por justiça memorial. A partir de um conjunto variado de casos, a análise se volta a (re)ações - de proteção, destruição, restauração - à presença física dessas homenagens no espaço público. A problematização da monumentalidade dos objetos corresponde ao dinamismo constitutivo do processo de produção de memórias por segmentos historicamente subalternizados e às mudanças nos regimes de valor histórico e cultural. Entendemos que a atenção a essas categorias pode resultar em novas formas de compreender a ação social de grupos subalternizados e seu trabalho de memória no espaço público.
Palavras-chave: Necropolítica; Monumento; Altares Urbanos; Memória mortuária; Justiça memorial.
The article proposes conceptual dialogues relating politics of death and mortuary homage, resorting to the notions of urban altars and implicit religion to reflect upon monuments and their strategic uses in struggles for memorial justice. From a diverse set of cases, the analysis turns to (re)actions - of protection, destruction, restoration - to the physical presence of such homages in public space. The problematisation of these objects’ monumentality corresponds to a constitutive dynamism in the process of memory making by historically subalternised segments and to shifting regimens of social and historical value. We postulate that attention to these categories may result in new forms of understanding the social action of subalternised groups and their memory work in public space.
Keywords: Necropolitics; Monument; Urban altars; Mortuary memory; Memorial Justice.
Introdução
A proposta deste artigo é pontuar alguns debates concernentes à tensão entre o que se entende por monumento e antimonumento, em sua interlocução com aspectos religiosos, implícitos ou explícitos.1 O foco central dessa análise é o lugar ocupado pela religião, em suas diferentes roupagens, institucionais ou não, compreendendo valores, rituais, edificações e imagens religiosas ou pararreligiosas, em face dos conceitos mencionados, e articulados a outras temáticas emergentes. Esses elementos são acionados tanto em experiências históricas de segmentos hegemônicos, como em movimentos insurgentes que reivindicam direitos e visibilidade no espaço público. O que é ou não monumento ou patrimônio, quem os nomeia e suas ressonâncias, são questões presentes na problematização em análise.
Conforme Pollak (1989:9), “o problema que se coloca a longo prazo para as memórias clandestinas e inaudíveis é o de sua transmissão intacta até o dia em que elas possam aproveitar uma ocasião para invadir o espaço público e passar do ‘não-dito’ à contestação e à reivindicação”. O sufocamento dessas memórias, silenciadas e invisibilizadas, está em constante reordenamento, enquanto também ocorrem reações de grupos subalternizados que resistem às estratégias de “apagamento” por meio da ocupação da cidade, por exemplo, com a feitura de murais, grafites, estátuas e performances. Com o intuito de refletir sobre “onde está a religião” nessas diversas manifestações materiais e imateriais no espaço urbano do Rio de Janeiro, experimentamos, nesse diálogo de pesquisa coletivo, a mobilização de duas categorias: religião implícita e altares urbanos. Neste sentido, passamos a apresentar o modo como elas orientam nossas discussões e como elas nos ajudam a problematizar alguns dos casos e situações investigadas em nossas pesquisas, que serão abordados mais adiante. O intuito é contribuir para debates que conjugam religião, monumento e antimonumento, em contextos de disputas de sentido, reivindicação por direitos e visibilização de memórias.
Algumas noções sobre formas (nem sempre) sutis do fenômeno religioso
“Onde está a religião?” é uma pergunta sempre presente em nossas questões de pesquisa2. Explícita ou implicitamente, como ela, em seus diversos formatos, se apresenta? Nosso olhar converge suas noções básicas, que se complementam nessa dinâmica: religião implícita e altares urbanos, e vale apresentá-las aqui.
A noção de religião implícita diz respeito a um conjunto amplo e internamente diverso de pesquisas dedicadas a buscar a religião justamente onde ela se vela, em certos domínios do social que, excedendo formas históricas ou institucionais do fenômeno religioso, por vezes até mesmo em roupagem laica ou anti-religiosa, articulam atitudes cósmicas e estruturantes equiparáveis (Duarte 2006:10; De Groot 2012:458). Foi em vista de uma tal amplitude de fenômenos pararreligiosos - e em despeito da dificuldade de tangê-los - que William James se dirigiu ao “divino” como elemento unificador das variedades da experiência religiosa (James 2002:32), assim como foi em vista deles que Thomas Luckmann propôs que as próprias condições sociais para o desenvolvimento da noção de pessoa (self) são fundamentalmente religiosas (Luckmann 1967:49). Com efeito, tanto James quanto Luckmann receberam maior atenção com relação às suas contribuições para a análise da formação social das noções modernas de pessoa e individualidade do que ao desenvolvimento das ciências sociais da religião - é precisamente este o sentido de nossa mirada sobre seus trabalhos. Ela não consiste tanto em um conceito, mas em um conjunto de objetos, de determinação em geral negativa, unificados vagamente pela valência cósmica que lhes atribuem os atores em campo, capaz de, em despeito dessas características, aportar uma diversidade de contribuições empíricas (Bailey 1990; Schnell 2012).
Talvez a expressão mais conhecida da vasta família dos estudos da religião implícita se encontre na obra de Robert Bellah e nos trabalhos que dela resultaram. Em texto seminal de 1967, retomando o problema clássico das religiões civis,3 o autor postulava a existência, nos Estados Unidos da América, de uma forma bastante específica e institucionalizada de religião civil, que não tinha em mente a divindade abraâmica ou qualquer outra, senão sob os traços mínimos necessários para defender “uma finalidade transcendente para o processo político” (Bellah 1991:172, tradução nossa). Em contraste com os esforços de colegas estrangeiros, pesquisadores brasileiros apenas se voltaram sobre o tema a partir de fins dos anos 1980, sob o ânimo da distensão do Regime Militar e da Assembleia Constituinte. A abordagem que empreendemos neste artigo segue uma série de referências que estão atentas ao caso específico de como as noções de religião civil, religião implícita, laicidade, entre outras, são refletidas na/pela sociedade brasileira. Vale lembrar que Thales de Azevedo (1980), ainda em plena vigência da ditadura militar, nos ofereceu uma perspectiva sobre a emergência da “religião civil” no processo histórico do país. Em um dos tópicos, o autor aborda o “novo ideário cívico” implementado deliberadamente pelo regime, por meio da Educação Moral e Cívica, que se tornou matéria obrigatória em todo o sistema escolar brasileiro (Decreto-Lei, no. 869, de 12/09/1969). O autor ressalta que se trata de uma construção “perfeita e bem delineada de religião civil”, envolta por uma filosofia e uma mística: “Esse programa e suas justificações filosófico-constitucionais e filosófico-pedagógicas são uma completa teodicéia teísta aconfessional” (Azevedo 1980:89). Posteriormente, emerge uma série de contribuições bastante originais, nas quais a busca de uma religião “cívica” descortinou uma religião propriamente civil, porque sedimentada no âmago da sociedade, e particularmente sensível às culturas de seus estratos subalternizados (Droogers 1987; Birman & Leite 2004; Leite 2009; Birman 2012).4
Já em relação aos altares urbanos, referimo-nos a um conjunto de objetos, grafismos e imagens, dispostos em diferentes locais públicos, que mobilizam pessoas e coletivos, e influenciam as dinâmicas e o desenvolvimento do tecido urbano nas regiões onde estão instalados. Podem ser compreendidos como “monumentos” locais, de acordo com a intencionalidade e a ressonância manifestada, implícita ou explicitamente, em cada caso. Interessam de modo especial, em nossas reflexões, aqueles que emergem a partir de ações insurgentes, em diferentes graus, provenientes de reivindicações por direitos, visibilidade, ocupação de espaços e denúncias contra violências cotidianas e políticas, particularmente, aquelas efetivadas por meio do aparato do Estado e de forças de controle como milícias, tráfico de drogas a varejo e outros operadores privados da violência física letal. Constituem-se como locais de recordação, de luto e trauma coletivo, “locais traumáticos sobre uma ferida que não quer cicatrizar” (Assmann 2011:359), mantidos de certa maneira protegidos pela dor da lembrança, embora sejam passíveis de destruição, pela degradação provocada pela exposição ao tempo ou por depredações que lhes são impingidas propositalmente. Em particular, damos atenção a homenagens mortuárias que utilizam o espaço público como marcador visual e eloquente da vida/morte de personagens anônimos ou públicos, que devem ser lembrados para além de seus contextos familiares, ressaltando as estratégias de materialização de traumas coletivos. Neste sentido, embora ocorram ou possam ocorrer práticas religiosas explícitas nesses “altares”, que possuem potencial e relevância para a compreensão do fenômeno religioso, interessa-nos as manifestações cívicas, não-confessionais ou laicas, mas que podem ser/conter traços, fundamentos e valores religiosos que estejam no âmbito do que estamos chamando de “religião implícita”.
Em nossas análises, também temos experimentado a noção de grafismo para a compreensão de expressões de ideias, imagens e posicionamentos políticos, por meio de inscrições feitas no espaço público. Incluem-se aqui todas as expressões que possam ser consideradas como parte das culturas locais do grafite, bem como outras formas de arte de rua que, muitas vezes, as excedem, como outras técnicas de aplicação de pigmento, pôsteres, “lambes”, ladrilhamentos, abrasões seletivas etc. Nesse contexto, também são consideradas aquelas inscrições feitas com intenção não artística ou antiartística, além de expressões que, inicialmente realizadas com essa intenção, podem ter essa qualidade contestada ou rejeitada por artistas e/ou pesquisadores/críticos, em algum momento. A proposta é discutir o papel desses grafismos como entidades ativas, que povoam a cidade na forma de objetos, eventos, imagens e memórias da resistência política e cultural de grupos costumeiramente silenciados (Bizarria 2019; Bizarria & Gomes 2022; Paveau 2019).
A noção de altares urbanos está associada a elementos da religiosidade popular latino-americana presentes no espaço público, conforme assinala María Ana Portal (2009:60, tradução nossa), “que buscam povoar o espaço do anonimato urbano com rostos e nomes específicos, gerando lugares de significado e memória para os moradores locais. Assim, o espaço público torna-se uma espécie de palco onde se tornam visíveis os aspectos mais pessoais dos sujeitos e grupos”. Em nossa perspectiva, os altares abordados estão em constante diálogo com o espaço público, com a cidade, não como simples palco ou cenário, mas como agentes nos processos que ali se materializam e visibilizam manifestações de grupos insurgentes. Em compasso com Magnani entende-se que
[...] o cenário não é, nesta perspectiva, um conjunto de elementos físicos, nem deve sugerir a ideia de um “palco” que os atores encontram já montado para o desempenho de seus papéis. Aqui, é entendido como produto de práticas sociais anteriores e em constante diálogo com as atuais - favorecendo-as, dificultando-as e sendo continuamente transformado por elas. (Magnani 1996:17).
Assim, esses altares não emergem aleatoriamente como espaços de recordação, permanentes ou transitórios: há uma intencionalidade simbólica e ritual na escolha de determinados locais para implantar as homenagens mortuárias, como se nota nos casos analisados. Vale ressaltar que tais altares são elementos relevantes de memorialização, acionados em grande medida por grupos subalternizados e invisibilizados na América Latina, como forma de materializar sua presença no espaço público (Gutiérrez 2002). Por um lado, há um sentimento de proteção, com a presença de imagens reconhecíveis, que integram “estratégias culturais para recuperar porções específicas da cidade” (Portal 2009:66, tradução nossa). Por outro, dependendo do teor sociopolítico que manifestam, provocam reações de solidariedade e ações iconoclastas de diferentes tipos e graus de violência.
Os trabalhos de Christina Vital da Cunha (2014; 2017, entre outros) dialogam com o que entendemos por grafismos urbanos e sua dimensão religiosa, mais ou menos implícita ou explícita, que envolve diferentes expressões, cores, sentimentos e reivindicações. A autora identifica grafismos (grafites, estênceis, murais) que emitem explicitamente mensagens religiosas cristãs, seja um “cristianismo da batalha” ou um “cristianismo motivacional”, que embora sejam manifestações de uma arte efêmera, marcam a paisagem urbana e indicam um tipo de intervenção religiosa no espaço. Em sua análise sobre o “cristianismo da batalha” que se expressa no apagamento e substituição de imagens de referências afro-brasileiras e católicas por evangélicas nas favelas e periferias, observa o declínio da pluralidade religiosa naqueles espaços não somente no que se refere ao aspecto quantitativo, mas também qualitativo do fenômeno. Por outro lado, identifica também a emergência de “uma paisagem motivacional composta por textos, palavras e cores referidas à alegria, ao bem viver, de incentivo à fé, à paz e ao amor” (Vital da Cunha 2014:10). Expandindo o escopo de suas observações para outras partes da cidade do Rio de Janeiro, a autora explora as conexões entre grafite, “projeto de cidade” e religião no âmbito da construção do Rio de Janeiro como “cidade olímpica”. Gestores públicos, grafiteiros e religiosos cristãos interagindo para intervir na paisagem com imagens e palavras (amor, paz, alegria) que reafirmassem esse perfil “amorificado” do carioca, e que entoassem um sentido religioso, embora presente, implícito e convergente ao princípio plural da cidade. Nosso recorte reconhece essa produção e acrescenta, diante dessa imensa profusão de imagens/grafismos, um olhar sobre memória mortuária e homenagens que utilizam grafites, murais, lambes, estelas para reivindicar direitos, ocupar espaços e denunciar silenciamentos e apagamentos impingidos por outro perfil de cidade/sociedade, aquela excludente, violenta, racista.
Altares urbanos e religião implícita, assim, são duas noções que se validam mutuamente, em nossas análises. Juntas, elas nos auxiliam a compreender a diversidade e a profundidade estruturante de manifestações socioespaciais e políticas de diferentes grupos - que dispõem objetos, palimpsestos, murais, estátuas, entre outras formas de exposição de ideias e emoções, e por meio dos quais expressam suas reivindicações em homenagens mortuárias. Nesse sentido, os altares não dizem respeito necessariamente ao que se costuma convencionar por “religioso”: embora, em algumas situações, se relacionem à chamada religiosidade popular, encontramos a todo tempo atitudes cosmológicas e elementos pararreligiosos que apenas começamos a compreender, e a cuja atenção convidamos os praticantes da disciplina.
O material e o intangível nas produções (anti)monumentais: os altares como monumentos ao não esquecimento
Reunindo esses aspectos, analisamos, em produções recentes (Bizarria & Gomes 2022; Gomes, Bizarria & Baptista 2022, 2023), homenagens mortuárias caracterizadas como altares urbanos, que geram reações que extrapolam os limites locais, familiares ou de vizinhança. Esses altares estão sujeitos a processos de destruição e depredação, mas também podem receber ações de proteção e restauração pelos agentes envolvidos em sua feitura, assim como serem afirmados como locais de consagração, de recordação coletiva contínua. Enfocamos, principalmente, grafismos, estelas e estátuas como meios de memória, a exemplo dos grafites que homenageiam Marielle Franco, e a estela e as estátuas erguidas para lembrar, respectivamente, as chacinas do Jacarezinho e de Realengo, ambos bairros localizados em regiões subalternizadas da cidade do Rio de Janeiro. Finalmente, acompanhamos a instalação dos murais do projeto Negro Muro (Gomes 2022), que homenageiam personalidades negras.
Explorar as possibilidades de analisar determinados objetos/imagens da memória mortuária por meio da noção de altares urbanos tem permitido discutir um conjunto de sensibilidades e valores religiosos implícitos e explícitos, que evocam sentidos sociais complexos, bem como relações de poder, marcadas agudamente por políticas de morte. Nota-se que o controle biopolítico da população subalternizada, acoplado a uma crescente letalidade da violência do Estado, faz com que essa violência passe a caracterizar a própria subjetividade subalternizada em termos da possibilidade continuada de seu extermínio, configurando um regime de violência necropolítica (Mbembe 2011). Em um tal regime, os contornos da biopolítica conforme descritos por Michel Foucault (1999) são ultrapassados em direção a um governo marcial de fato, produtor rotineiro de situações liminares que, argumentamos, não poderiam ser adequadamente compreendidos sem atenção a seus aspectos religiosos implícitos. A violência memorial perpetrada contra as homenagens a Marielle Franco e aos mortos na chacina do Jacarezinho, por exemplo, realizada por diferentes agentes (desconhecidos ou identificados ao poder do Estado), ilustram o princípio necropolítico de extermínio de determinados grupos e agendas políticas, marcadamente dirigido às populações negra e periférica.
Existem outros casos de vandalização, como o que ocorreu em 20 de julho de 2021 no “Memorial Nossos Passos Vêm de Longe” (Figura 1), inaugurado em 19 de junho do mesmo ano. Localizado em Duque de Caxias, município do Rio de Janeiro, a obra foi concebida e produzida pela Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR),5 junto com os artistas Rodrigo MaisAlto e Kleber Black, e retrata nove mulheres negras marcantes para as lutas antirracistas e pelos direitos humanos.6 A notícia recebeu atenção da mídia, repercutindo as falas de integrantes da IDMJR que conectaram a ação iconoclasta ao racismo. O ato de borrar com tinta os rostos de personalidades retratadas é recorrente e indica o exercício estrutural do silenciamento e apagamento dessas memórias; nos casos comentados aqui as mulheres negras são os alvos da violência. A escolha do pigmento branco pelos vândalos, nesse e em outros episódios, sugere a dinâmica transnacional de atores ligados ao racismo e à supremacia branca, que buscam projetar a prática e os significados do whiteface para outros tempos e contextos. Interseccionando o debate, acrescentando o pertencimento às religiões afro-brasileiras, tal direcionamento não foge aos dados sobre violência, a exemplo daqueles produzidos e divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) por meio da série de relatórios anuais Atlas da Violência (Cerqueira & Bueno 2023).
Cartaz "Não vão nos calar" divulgado pelo IDMJR sobre o atentado contra a obra. Fonte: Instagram IDMJR, 2021.
Do mesmo modo, proliferam as homenagens e memoriais desse tipo que recebem maior grau de proteção coletiva, sendo preservadas e asseguradas por agentes públicos, privados e pelos próprios grupos responsáveis por sua realização. No entanto, essas obras também podem sofrer degradação ao longo de suas trajetórias, seja pelo tempo ou por ações/intervenções depredatórias. Este cenário evoca a imagem descrita por Halbwachs (1990:157) acerca do apagamento da memória dos grupos, com a derrubada dos altares dos antigos deuses no processo de dominação de territórios. A emergência de altares insurgentes possui essa tensão pulsante entre exposição e desaparecimento, entre ser monumento e/ou antimonumento, dependendo das linhas de força atuando em sua preservação. Nesse âmbito, também se insere a discussão sobre a restauração como reação imediata à tentativa de destruição, tal como nos casos dos grafites do Memorial Nossos Passos Vêm de Longe e daqueles que homenageiam Marielle Franco, realizados por Panmela Castro e Simone Siss (Bizarria 2019; Bizarria e Gomes 2022; Gomes & Lânes 2022).7
Os casos analisados retratam experiências coletivas que se utilizam de estratégias sensoriais e meios de memória como transmissores de sentido. Os grafismos (como entendemos as expressões da arte urbana insurgente, como murais, grafites, pixos), estelas e estátuas - nossos altares - fazem parte do conjunto de estruturas materiais coletivas que Manuel De Landa (1997:27) chama de “exoesqueleto urbano”. De certa forma, os artigos em discussão atuam como reação à passividade e à “privação sensorial que parece amaldiçoar o edifício mais moderno; o tédio, a monotonia, e a esterilidade tátil que aflige o ambiente urbano” (Sennet 1996:15, tradução nossa). Trata-se de uma “linguagem que comunica na ausência de palavras, destacando o poder do silêncio”, que integra e qualifica as relações sociais nas cidades polifônicas (Canevacci 2008:107) em uma sociedade que produz, constantemente, silenciamentos.
Ainda que os casos tratados aqui estejam ligados a processos de memória no Rio de Janeiro, é possível encontrar alguns paralelismos com pesquisas em outras cidades. Soneira (2017), ao analisar murais em contextos metropolitanos na Argentina, observa que há uma combinação recorrente nos murais feitos em memória de jovens mortos em situações violentas. Essas combinações também são encontradas em alguns casos apresentados, são elas: (1) o retrato, (2) o uso de palavras e/ou marcas que sinalizam a identidade de cada pessoa retratada, e (3) a questão espacial. No caso dos jovens argentinos, por muitas vezes são escolhidos lugares onde eles costumavam se reunir com amigos. Em cada homenagem mortuária a relação com o espaço também se faz presente, não somente como aspecto secundário, mas como um elemento definidor dos processos de ocupação das cidades. O mesmo autor nos dá pistas para conectar essas homenagens em seu aspecto religioso, sacralizado. Os murais de jovens mortos por violência - muitas vezes policial - nas periferias de Buenos Aires convergem em alguns aspectos, e se conformam como “espaço sagrado ou mágico, no qual se demanda um tipo de comunicação transcendente, uma tumba fictícia” (Soneira 2017:39, tradução nossa).
Casos em análise: quem é passível de receber homenagem pública e quem pode materializá-la?
Localizamos nossas contribuições sobre os entrelaçamentos e a complexidade dos temas abordados no espaço polifônico, desigual e excludente do Rio de Janeiro, em atenção a eventos, atores, ritos e objetos que cercaram os diversos casos de materialização de homenagens insurgentes. Nosso olhar e nossas trajetórias, igualmente, estão situados social e espacialmente, lançados desde a Baixada Fluminense e da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Somos duas pesquisadoras de São João de Meriti, um pesquisador de Bangu e outra de Realengo, o que consideramos pertinente para as discussões que realizamos. Nossos pertencimentos e deslocamentos na/pela cidade e entre cidades da região metropolitana “treinaram” nossos corpos e sentidos, considerando que “a experiência urbana fica inscrita, em diversas escalas de temporalidade, no próprio corpo daquele que a experimenta, e dessa forma também o define, mesmo que involuntariamente” (Jacques 2008:130).
Em 6 de maio de 2021, o Rio de Janeiro retornava à imprensa mundial por sua capacidade de produzir violência. A ação letal da polícia fluminense, movida por um imperativo de sempre exceder a si própria, em uma monumentalização do genocídio das populações subalternizadas da cidade, havia concretizado uma das maiores chacinas do Estado, na Favela do Jacarezinho, com pelo menos 28 mortos (Gomes, Bizarria & Baptista 2022, 2023). Outrora a maior favela da cidade, certamente ainda entre as mais importantes estrategicamente, o Jacarezinho recebeu as primeiras intervenções do programa “Cidade Integrada”, uma proposta semelhante à das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), de, a pretexto de suprir iniquidades de acesso a equipamento urbano e serviços públicos (e não apenas segurança pública), avançar na militarização do espaço da favela. As imagens dos corpos e das casas reviradas, muitas feitas pelos próprios moradores, não deixavam dúvidas sobre o caráter disciplinador da ação.
Um ano depois da chacina, em 6 de maio de 2022, surge um gesto espontâneo de justiça memorial: uma pequena estela mortuária com os nomes dos mortos foi erigida, em uma parceria entre moradores, familiares das vítimas e organizações independentes. O memorial, construído sobre um dos rios que cortam a região, foi inaugurado em uma celebração que contou com a participação dos integrantes do Observatório Cidade Integrada, além de representantes de organizações civis, religiosos e parlamentares. O gesto talvez passasse despercebido, como registro local do luto, se não fosse a sua demolição cinco dias depois (Casa Fluminense 2022). Fazendo uso do veículo blindado de guerra, o “Caveirão”, policiais civis amarraram uma corrente ao monumento e o destruíram, a pretexto de remover uma “construção irregular” e reprimir a “apologia ao crime”. A violência do ato da retirada, filmado pelos próprios policiais que vibraram quando a estela veio ao chão, testemunha o paroxismo da celebração da morte por parte dos agentes da repressão, assim como o sentido pararreligioso de sua atuação. Em texto recente, observa-se que o “Caveirão”, oficia e sacraliza o ato e o instrumento de destruição para “arrasar o monumento da forma mais impetuosa, ritualizada, exemplar e solene possível” (Gomes, Bizarria & Baptista 2022).
Inauguração da Estela do Jacarezinho. Fonte: Selma Souza, coletivo Voz das Comunidades, 2022.
Como contraponto, temos a homenagem mortuária de Realengo, na qual o aspecto memorial estabelecido difere de outros casos estudados, principalmente pela sua legitimidade perante o Estado. A tragédia ocorrida no dia 07 de abril de 2011, conhecida como “Massacre de Realengo”, quando um atirador de apenas 23 anos atingiu vários estudantes, matando doze, na Escola Municipal Tasso da Silveira de Realengo, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, gerou comoção nacional e internacional.8 O atirador, que depois descobriu-se realizar frequentes buscas na internet a conteúdos relacionados a grupos religiosos fundamentalistas, terroristas e misóginos, entrou na escola e disparou diversos tiros contra alunos e professores. Karine, Laryssa Martins, Milena, Géssica, Bianca, Mariana, Luiza, Laryssa Atanázio, Ana Carolina, Rafael, Igor e Samir, perderam a vida e outros jovens ficaram gravemente feridos. Em homenagem à memória dos mortos foi erigido, quatro anos depois, um monumento em que se pode ver onze estátuas e um mural. A Praça Anjos da Paz se tornou um espaço de recordação para as famílias das vítimas que anualmente realizam cerimônias nesse local na data da tragédia. A homenagem às vítimas até hoje não sofreu depredação, apesar de sua instalação ter sido realizada em meio a grande controvérsia, na qual a voz dos moradores da região e familiares das vítimas foi, em geral, vencida (Baptista 2023). Questões como “quem pode lembrar?” e “quem tem o poder de erigir monumentos?”, emergem em nossa discussão, já que determinadas homenagens não apenas são legitimadas pelo Estado, como são financiadas por ele.
Como vimos no caso das vítimas da chacina do Jacarezinho, mesmo em contextos periféricos semelhantes, em que as vítimas se encontram em situação de vulnerabilidade similar, o aspecto fortemente emotivo que rondou o caso do “Massacre de Realengo” corrobora a legitimidade da ocupação do espaço pelo suporte de memória escolhido como lembrança. A relação que viemos observando no texto sobre o aspecto sagrado desses altares urbanos, no caso dessa homenagem, se apresenta principalmente na ritualística de levar flores às estátuas como fazem frequentemente os familiares e amigos das vítimas. O espaço ganha então a similaridade das lápides funerárias, que também frequentemente recebem flores como forma de manter em evidência, através de um elemento da natureza, a lembrança da brevidade e da beleza da vida. A presença de flores sempre frescas indica que aquele espaço não está esquecido, que aquele palco segue encenando a vida daqueles que se foram e que aparecem representados ali através das estátuas.
Flores colocadas aos pés de uma das estátuas. Fonte: Juliana Baptista, Rio de Janeiro, 2022.
Essa prática ilustra algumas das controvérsias mencionadas anteriormente sobre a instalação do monumento. Na época, moradores das proximidades da Praça Anjos da Paz resistiram à instalação das estátuas, sob a alegação que “veriam mortos de sua janela” (Fantti 2015), expressando seu desagravo diante da instalação ao lado de uma escola em um bairro residencial, de uma peça de arte escultórica mortuária, frequente em espaços cemiteriais. Por outro lado, não é possível prever a biografia cultural desses monumentos: eles são reatualizados sempre, a partir dos seus usos. Apesar da forma de homenagem mais permanente receber cuidados do Estado, as flores são a representação memorial provisória e constante da lembrança coletiva. Elas encarnam o movimento contramemorial, em oposição à fixidez do bronze das estátuas. Um altar urbano, erigido na Zona Oeste do Rio de Janeiro, por aqueles que desejam que seus mortos ainda tenham voz, mesmo depois de dez anos.
Considerando tais questões, temos um amplo conjunto de homenagens mortuárias à Marielle Franco, então vereadora do Rio de Janeiro, que foi emboscada e assassinada junto com Anderson França, seu motorista, no dia 14 de março de 2018. Em recente levantamento realizado pelo Observatório de Censura à Arte (Seganfredo 2023), ao menos catorze trabalhos dedicados a Marielle e Anderson Gomes foram vandalizados e/ou apagados em vários estados do país. Os casos que analisamos integram esse conjunto, considerando concepção, preservação/vandalização e possíveis restaurações.
Sobre as homenagens a Marielle Franco, foi possível aprofundar três casos. A primeira obra é um retrato policromado de Marielle, feito pela artista plástica Panmela Castro em solidariedade à vereadora e sua viúva, Mônica Benício, localizado no Museu de Arte Nami, na Favela Tavares Bastos, no bairro do Catete. A segunda homenagem é um díptico com os rostos de Marielle Franco e Maria da Penha (símbolo de luta no combate à violência doméstica contra a mulher),9 realizado como um estêncil de três estágios elaborado por Simone Siss e inscrito por Malala Yousafzai, durante visita à Rede Nami, ao lado de seu próprio retrato, na entrada do Ateliê de Panmela Castro, a alguns metros do retrato policromado. As inscrições feitas no local onde ocorreu o assassinato de Marielle e Anderson, no cruzamento das ruas Joaquim Palhares e João Paulo I, no bairro do Estácio, também emergem nesse contexto de reflexões. Em especial, nos debruçamos sobre inscrições espontâneas, de caráter antiartístico, sem autoria explícita, que se estendem sobre a longa meia-parede, na margem esquerda da rua, irradiando, a partir do ponto exato onde Marielle e Anderson foram alvejados, uma interdição tácita sobre trabalhos mais elaborados.
Lute como Marielle Franco. Retrato policromado (estado restaurado) de autoria de Panmela Castro (2018).
Maria da Penha e Marielle Franco. Estêncil (díptico, estado restaurado) feito por Simone Siss e Malala Yousafzai (2018-2019).
Essas homenagens mortuárias apontam tensões entre biografia e antibiografia, monumentalidade e antimonumentalidade, permanência e destruição, que decorrem das linhas de força que interagem nos processos de (in)justiça memorial e ódio biopolítico (Kopytoff 2008; Schirmer & Dalmolin 2018), efervescentes ao menos desde os anos 2010. Vale referir as reações às vandalizações, exemplificadas pelo caso da denúncia feita por Panmela Castro à polícia e à imprensa local, bem como pelas restaurações por ela realizadas. A artista e ativista observa em entrevista: “Refiz com muita tranquilidade esse retrato. Estou aprendendo a lidar com esse tipo de coisa porque são vários trabalhos que já fiz usando a imagem de Marielle que foram censurados” (Lacerda 2018). Lembramos que duas ações antimemoriais violentas ocorreram na mesma semana contra esses altares, sendo que o foco dos ataques eram os rostos, em especial olhos e boca, expressão da censura mencionada pela autora das obras. Ação semelhante foi mencionada anteriormente, no caso do Memorial Nossos Passos Vêm de Longe, em Duque de Caxias. A semelhança também está no vigor das reações imediatas, com a realização de rituais de restauração como expressão da existência/resistência permanente dessas memórias.
Ainda no contexto dos altares urbanos, identificamos como significativa a iniciativa dos murais realizados no âmbito do Projeto Negro Muro que desde 2018 têm ocupado os espaços da cidade com grafismos que retratam personalidades negras em diferentes regiões do Rio de Janeiro. Atualmente, o Projeto Negro Muro já realizou mais de quarenta murais, sendo o 48º em homenagem à Chiquinha Gonzaga, na Rua do Riachuelo, no bairro do Centro.
À esquerda, o muro da casa onde Chiquinha Gonzaga residiu, na Rua do Riachuelo; no centro da imagem, o artista Cazé, do Projeto Negro Muro, no processo do mural; à direita, o mural pronto.
Até 2021, todas as obras tinham sido feitas na cidade do Rio de Janeiro, mas o décimo quinto muro foi pintado no município de São João de Meriti, retratando João Cândido, líder do movimento de marinheiros conhecido como “Revolta da Chibata”. As homenagens realizadas pelo projeto não se caracterizam como “mortuárias”, como as que refletimos aqui, embora muitas das personalidades já tenham falecido. O intuito é expor e visibilizar, no espaço público, mulheres e homens negros que são referências em diferentes contextos. Na análise da obra que retrata João Cândido, fica entendido que a pintura mural é uma importante ferramenta para a construção de memória política. Os muros, estelas, estátuas dispostos e entendidos como altares urbanos se constituem como meios de memória, existindo neles uma “vontade de transmissão”, de compartilhamento de histórias e experiências que extrapolam os limites afetivo-espaciais dos grupos responsáveis por sua elaboração, podendo ser acessadas por um público diverso. Assim como em outros casos de escolha, ocupação, sacralização e instalação desses altares urbanos, a localização não é aleatória. O mural de João Cândido está no endereço em que viveu e ainda hoje moram seus familiares; o conjunto de estátuas dos estudantes da Escola Tasso da Silveira está na praça em frente à escola. Semelhantemente, as inscrições sobre Marielle Franco estão em relação estreita com a trajetória da vereadora, seja sobre a meia parede no local onde foi assassinada, no Estácio, seja no caso da estátua em sua homenagem, no Buraco no Lume, no Centro da cidade, referência à prática de Marielle de expor sua agenda e prestar contas de suas atividades como vereadora no local.
Candinho, filho de João Cândido, diante do mural em homenagem a seu pai. Fonte: Instagram do Projeto Negro Muro. Disponível em: https://www.instagram.com/negromuro. Acesso em 06/02/2021.
Quando abordamos a memória dos locais, como nos sugere Aleida Assmann (2011:317), há uma “possibilidade de que os locais possam tornar-se sujeitos, portadores da recordação e possivelmente dotados de uma memória que ultrapassa amplamente a memória dos seres humanos”. É exatamente por esta característica - tornar-se sujeitos - que os espaços/objetos/imagens de recordação, em seus diferentes formatos, são disputados, conservados, protegidos, depredados ou destruídos: são ações que envolvem assimetrias nas relações de poder que caracterizam a disputa. “Tornar-se sujeitos” é o grande mote nesse processo, não somente em relação ao local em si, mas especificamente em relação às pessoas que estão ali representadas e que a partir dele se identificam. Vale referir que a possível efemeridade de determinadas homenagens inscritas no espaço urbano, como grafites e estênceis, não significa o desaparecimento da mensagem/significado que disseminam, tampouco estas ficam restritas aos muros, chãos, postes, entre outros suportes. A própria efemeridade desses grafismos pode ser problematizada, como observa Alberto Goyena (2013). Esse autor analisa as repercussões e controvérsias de um grafite realizado em um palácio medieval, acionando debates sobre autenticidade, preservação, duração etc. Ele observa que
[...] nada parece sugerir que o grafite seja menos perene - ou mais difícil de conservar - do que os pigmentos vegetais originais do século III. A verdade é que seria mesmo preciso estudar o grafite e sua duração, sua capacidade de se manter agarrado a uma dada superfície, sob específicas condições atmosféricas. Em um extremo, para os profissionais mais afeitos à “conservação”, o esforço seria no sentido de evitar que a marca se apagasse. No outro, para os mais “restauradores”, caberia, sim, determinar um original e (re)colori-lo periodicamente (Goyena 2013:210).
Os próprios altares urbanos possuem essa tensão perenidade-efemeridade, ressaltando que não estão no mesmo registro conceitual convencional dos monumentos, no sentido de informarem/transmitirem em particular a história hegemônica, oficial, como “suportes da memória, sinal do passado, que perpetua a memória” (Choay 2006:114), uma memória entendida como única e que suplanta as demais. Estes estão inicialmente relacionados aos anônimos, à localidade. No entanto, como locais de recordação podem repercutir para além da experiência de suas materialidades, em alguns casos podem mesmo se tornar locais de peregrinação, consolidados, em outros, podem desaparecer com o decorrer do tempo. Lefebvre (1999) observou que a monumentalidade é o atributo não material do monumento, sua capacidade de transpor os limites do material, o que indica seu aspecto simbólico, não necessariamente vinculado à sua dimensão física. Diferentes formas e meios de transmissão, mesmo com potenciais apagamentos, permitem essa disseminação em outros meios, como em cartazes, livros, peças teatrais, rodas de conversa. Exemplo paradigmático são os estênceis que sustentam as frases “Marielle vive!”, “Marielle presente!” e “Marielle floresce!”, junto à meia-parede da emboscada. Além disso, há aqueles em que o desaparecimento integra sua realização. Alguns murais e grafites possuem um caráter de efemeridade como uma de suas características intencionadas pelas pessoas que os produziram. São apagados sem que seja por um ato danoso ao local ou ao seu significado. Exemplos disto foi o apagamento de dois murais do projeto Negro Muro, sendo eles o primeiro mural feito em janeiro de 2018, no bairro do Grajaú, do músico Nigeriano Fela Kuti, e o segundo mural de Clementina de Jesus, que havia sido feito em fevereiro de 2018 na rua onde ela viveu. No caso do segundo mural, foi feito um novo no bairro do Engenho Novo. Em Buenos Aires, há uma homenagem a Marielle realizada sobre o muro de uma casa que recebe diversas intervenções artísticas e, de tempos em tempos, ocorre uma mudança intencional do seu mural.
Notas sobre monumento e antimonumento
A potência de imagens e objetos reside no alcance de seu conteúdo para além de seu território e contexto original, circulando como memórias e (re)ações sociais de seus observadores. Nos casos analisados, em grande medida, são eloquentes e provocativos, transmitem mensagens de reivindicação e geram incômodos em diferentes níveis. O poder de ressonância pode ser medido pelas reações quando dispostos em determinados territórios, sendo constantemente desafiados pelos ataques sofridos e pela exposição ao tempo. Outro desafio para os próprios grupos que os edificam é a identificação dos impactos dessa ressonância, para dentro e para fora.
Algumas das homenagens que foram identificadas em nossas pesquisas receberam maior atenção nas análises produzidas, em especial, porque geraram grande repercussão pública e evidenciaram fortemente as linhas de força atuantes em seu processo de conformação como altares urbanos: os grafites em homenagem a Marielle Franco e Maria da Penha, que foram vandalizados e restaurados; as inscrições no muro localizado onde a vereadora Marielle Franco foi emboscada e assassinada; o monumento erguido em homenagem às pessoas assassinadas na chacina do Jacarezinho; o conjunto de estátuas em homenagem aos estudantes mortos, no que ficou conhecido como “Massacre de Realengo”; os murais do projeto Negro Muro, cuja relação dos locais às pessoas que são homenageadas em suas pinturas é um critério essencial. A noção de “monumento” aparece nas falas dos agentes envolvidos nos casos-situações observados e nas notícias disseminadas sobre eles por diferentes organizações, como jornais e ONGs. Tal escolha nos parece evocar a questão central sobre o poder historicamente inscrito nos monumentos. Como exemplo, podem ser citadas algumas notas divulgadas na internet:
NegroMuro, projeto que ergue monumentos da memória negra em forma de pinturas em muros públicos no Rio de Janeiro e faz da arte urbana uma política pública de patrimônio e memória (Rajão 2020). O Memorial aos mortos na Chacina do Jacarezinho foi um monumento erguido no dia em que completou-se um ano da maior chacina da história do Estado do Rio de Janeiro. Foi construído pela sociedade civil e derrubado poucos dias depois pela Polícia Civil. A ação de destruição do memorial foi fortemente criticada pelas entidades ligadas à defesa dos direitos humanos, compreendida como uma violência simbólica aos mortos e suas famílias. (WikiFavelas 2022). O monumento fez parte da programação de atividades promovidas pelo Observatório na última semana, que contou ainda com mutirão de grafite e lambes, rodas de conversa para pensar o Jacarezinho que queremos - Agenda 2030, e intervenções urbanas. Tudo isso foi realizado com o objetivo de mostrar que a violência não pode ser o único caminho do Estado se fazer presente nas favelas (Casa Fluminense 2022). Campanha mobiliza construção de monumento para Marielle Franco: O Instituto Marielle Franco está arrecadando recursos para construir um monumento para eternizar a memória da vereadora que, junto com seu motorista Anderson, foram mortos em 2018 (Messias 2021).
Existem algumas definições de monumento que podem ser acionadas, como: “uma obra criada pela mão do homem e elaborada com o objetivo determinante de manter sempre presente na consciência das gerações futuras algumas ações humanas ou destinos (ou combinação de ambos)” (Riegl 2014:31), ou ainda “tudo aquilo que for edificado por um grupo social em prol da rememoração de fatos e por sua atuação sobre a memória” (Choay 2006:18). Le Goff (1990:535) é referência sobre os materiais da história e da memória; para ele, os documentos e monumentos que sobrevivem são frutos de escolhas, “das forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade”. Outra possibilidade é compreender o monumento como “uma obra artística e/ou arquitetônica erigida em homenagem a uma pessoa, fato ou ideia a ser preservada pela e para a posteridade” (Soares 1999:135). Ao definir esse conceito, Lefebvre assinala o caráter ilusório da durabilidade monumental: “O durável? Não é senão a vontade de durar: a imperecibilidade monumental carrega uma marca: a da vontade de poder” (Lefebvre 2006:175). No mesmo sentido, Halbwachs (1990), no seminal A Memória Coletiva, publicado em 1950, observa que a sensação de estabilidade e imutabilidade dos lugares de memória (monumentalizados ou não) é uma ilusão, embora sejam atributos que conformam o sentimento de pertencimento dos grupos sociais.
Também nos ajuda a refletir sobre esses processos a introdução no debate da noção de antimonumento. Seligmann-Silva (2016) contextualiza seu surgimento no período após a Segunda Guerra, com o conjunto de ações de memorialização sobre os campos de concentração, em particular, de Auschwitz. Segundo o autor, há um processo no qual a tradição do monumento se funde à da comemoração fúnebre, ocorrendo um deslocamento do sentido forjado desde a Antiguidade, associado ao caráter heroico das vitórias nas guerras, para um local de lembrança da violência e de homenagem aos mortos. Trauma e elaboração do luto são questões constantes na conformação dessa noção, em especial, quando se lida com a violência de Estado. Assim, “o antimonumento, que normalmente nasce do desejo de lembrar situações-limite, leva em si um duplo mandamento: ele quer recordar, mas sabe que é impossível uma memória total do fato e quanto é dolorosa essa recordação” (Seligmann-Silva 2016:51). Nesse sentido, é possível aproximar os casos analisados dessa perspectiva conceitual, embora, no cotidiano, “monumento” pareça ser o termo usual e legitimado.
O uso político da noção de “monumento” e a própria feitura e implantação desses objetos/imagens no espaço público expressam a associação entre reivindicação e reconhecimento de grupos historicamente destituídos de representação material. Esta prática, antes restrita às camadas dominantes, define o que/quem deve ou não ser passível de lembrança e homenagens, e também de luto, como nos lembra Judith Butler (2015). Conforme assinala Achille Mbembe:
Sabe-se que, para ser duradoura, toda dominação deve se inscrever não somente sobre os corpos dos sujeitos, mas também deixar marcas sobre o espaço que habitam, bem como traços indeléveis no seu imaginário. A dominação deve envolver o assujeitado e mantê-lo em um estado mais ou menos permanente de transe, de intoxicação e de convulsão - incapaz de refletir por si com toda a clareza. (Mbembe 2020).
Monumentalizar a lembrança de “assujeitados” emerge como resistência, que inclui o uso da palavra como linguagem ativa dos movimentos sociais. Em particular, o acionamento do monumento como estratégia política, em situações críticas que levam a homenagens mortuárias e, posteriormente aos altares-monumentos, envolve o rompimento desse estado de transe, com a visibilização material/simbólica da dor coletiva. Esse movimento desequilibra o embotamento dos sentidos da população em geral, produzido pela cidade segregada e desigual, que em grande parte legitima reações violentas do Estado e de indivíduos e grupos radicais. Em particular, esse movimento desafia instâncias de poder que reagem e acionam dispositivos de controle, oficiais ou subterrâneos. Ocupar locais centrais com a monumentalidade dos silenciados emerge de forma exemplar nos casos aqui reunidos.
Assim, há uma complexa relação entre “altares” e “monumentos”, em especial, no que se refere à disposição espacial no espaço público e aos significados que lhes são atribuídos. Proteção e sacralidade são acionadas no altar que se encontra dentro dos templos e no ambiente doméstico, espaços sagrados protegidos institucionalmente, pela congregação religiosa ou familiar. No caso brasileiro, a referência histórica do catolicismo vincula esse lugar à “mesa da Ceia” e como centro de celebração da missa, local cercado de sacralidade, dedicado aos símbolos e referências centrais, e onde os santos venerados ficam dispostos/expostos ao olhar e à adoração.
Ao passo em que monumentos civis ocupam o espaço público, oficialmente edificados pelo poder público, evidenciando pedagogicamente a história a ser contada e os homenageados a serem lembrados, os monumentos referidos ao “religioso” nesse contexto público emergem no século XX, sendo o Cristo Redentor, edificado na então capital da República, o Rio de Janeiro, um caso exemplar. Discutido por Giumbelli (2007, 2011), trata-se de um monumento erguido sob o manto da Igreja Católica, inaugurado em 1931, inevitavelmente incorporado à paisagem e ao imaginário nacional, em uma trajetória que carrega em si o debate sobre laicidade, nação/nacionalidade e religião no espaço público. Um altar para o qual católicos ou não são impelidos a lembrar cotidianamente o poder, religioso e secular, da Igreja Católica.
No entanto, não é para esse tipo de monumento que nossos olhares estão voltados, mas sim para os altares urbanos, aqueles dedicados a homenagens mortuárias ou a personalidades representativas que emergem em murais e grafites, e atuam como imagens insurgentes, forças motoras de reivindicação, denúncia, (res)existência. Neste sentido, está relacionado ao que se convenciona denominar contramonumento, atuando como feridas abertas exibidas no espaço público. Assim, incendiar monumentos de personalidades que representam a opressão, erguer estelas com nomes de pessoas assassinadas pelas forças do Estado (mesmo que depois sejam destruídas), transformar paredes em murais, instalar estátuas de bronze, entre outras iniciativas, são estratégias emergentes - embora não inéditas - de ocupação do espaço público. Monumentos como o Cristo Redentor possuem a perenidade como princípio, já nascem com a intenção de permanência, não somente no sentido de sua materialidade, mas também pressupondo sua supremacia. Em contraponto, os altares, em sua diversidade de sentidos e possibilidades de expressão, alcance, ressonância e recepção, desafiam o poder instituído ao ocuparem o espaço público, em busca de visibilização das mais diversas dores, rompendo a hegemonia histórica e notabilizando personalidades, como no caso do projeto Negro Muro.
Notam-se algumas nuances nesse processo de qualificação do monumento ou contramonumento em sua materialidade, que requerem aprofundamentos. A fragilidade e a efemeridade de determinados materiais utilizados na confecção desses “lugares de memória”, que não se restringem às intempéries do desgaste, justamente por estarem expostos “ao tempo” (chuva, poluição) e à transitoriedade e velocidade da vida urbana. As mensagens que transmitem provocam reações, seja de veneração, seja de destruição. A ideia de permanência aqui está justamente nessa tensão, evidenciada em nossa pesquisa pelo ato de restaurar o que foi vandalizado, ação geralmente não muito considerada quando se trata de homenagens que utilizam materialidades e artes consideradas efêmeras. Quando a restauração atua como estratégia de luta? Em outro artigo, Bizarria e Gomes (2022) discutiram esse processo no caso das vandalizações impingidas aos grafites que homenageiam Marielle Franco, em particular, às obras de Panmela Castro, que passaram por restauração. Nas palavras da artista: “Não vou parar meu trabalho. Eles serão refeitos nem que seja mil vezes, nem que eu durma aqui na frente igual a uma coruja” (Revista Fórum 2018). Restaurar significa permanência associada à resistência/existência.
Considerações finais
Proteger, conservar e restaurar são ações que dependem de um processo de qualificação do “monumento”, e sobre a quem ele se associa, e de onde emana a dinâmica lembrar/esquecer. Assim, costumamos perguntar, em nossas pesquisas, junto com Bruno Latour: por que as imagens/objetos atraem tanto ódio, desprezo ou mesmo indiferença? “Por que os martelos dos iconoclastas sempre parecem bater obliquamente, destruindo algo além, que parece, a posteriori, importar imensamente? Como é possível ir além desse ciclo de fascinação, repulsa, destruição, reconciliação, que é gerado pelo culto à imagem proibida?” (Latour 2008:115). Nos casos apresentados neste artigo, o direcionamento de martelos, pincéis, ou sprays, se relaciona com o rechaço às personalidades homenageadas, que evidenciam questões e assimetrias políticas, raciais, de gênero, de classe social, geralmente associadas.
As reações (empáticas ou violentas) à existência desses monumentos marcam suas biografias, que podem ser mais ou menos interrompidas dependendo de alguns fatores. O suporte utilizado oferece pistas sobre esse processo: estátuas de ferro e bronze são mais resistentes às intempéries do que murais grafitados e lambes no espaço público, embora a durabilidade de materiais não signifique diretamente sua permanência ou esquecimento. O local onde estão instalados também importa para sua ressonância e proteção. As personalidades ou grupos sociais homenageados são elementos cruciais nessa composição de quesitos. Considerando os casos mencionados, podem ocorrer tanto situações de depredação e restauração de grafites em homenagem à Marielle Franco e outras personalidades negras, quanto ações (nem sempre institucionalizadas) de proteção. Notamos que não houve registro ou não repercutiram até o momento, por exemplo, ataques aos murais do projeto Negro Muro e à estátua de Marielle localizada no Buraco do Lume, que foi inaugurada em 2022. A instalação da estátua, criada pelo artista Edgard Duvivier, foi uma iniciativa do Instituto Marielle Franco, cujo objetivo é “defender sua memória, espalhar seu legado, regar suas sementes e lutar por justiça” (Instituto s/d).
Sabemos que contextos políticos e históricos alteram biografias, de pessoas e objetos, que de toda maneira não são lineares. O silenciamento e a invisibilização de determinados atores sociais evidenciam-se em um simples inventário dos monumentos distribuídos pelas cidades. As diferentes práticas de memória realizadas por populações subalternizadas, materializadas em suportes espalhados pela cidade, têm como uma de suas principais temáticas sua luta constante contra a violência e o esquecimento. Nota-se que parte das homenagens mortuárias estão nesse registro, seja para lembrar de mortes coletivas, em chacinas produzidas por representantes do Estado, em assassinatos/execuções de indivíduos específicos, em crimes considerados políticos, ou em situações críticas como os variados tipos de violência urbana. Para além da deterioração inerente às produções de arte de rua, como os grafismos e estátuas, ocorrem processos de vandalização e/ou destruição proposital de algumas delas. Importa, para o momento, seguir problematizando como esses processos incluem sacralização e dessacralização de lugares que exemplificam a tensão entre lembrar/materializar/visibilizar e esquecer/destruir/invisibilizar, dependendo dos agentes sociais em disputa. Geralmente, apesar da dolorosa recordação, erguer altares é sinal de transformar "luto em luta", inflexão associada especialmente ao movimento de mães de vítimas de violência do Estado, mas disseminada pelos movimentos sociais.10 Nota-se que o processo de insurgência de histórias/memórias subterrâneas, "que prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de maneira quase imperceptível afloram em momentos de crise, em sobressaltos bruscos e exacerbados” (Pollak, 1989:4), rompe com esse silêncio e se coloca em exposição pública, desafiando as regras estabelecidas pela “colonialidade no poder” (Quijano 2005).
Como experimento analítico, nos desafiamos a relacionar “religião implícita” com “altares urbanos”, no sentido de verificar o alcance heurístico desse entrelaçamento em situações que poderiam também serem analisadas pela via de noções como “religião civil”, “valores religiosos não-confessionais”, entre outras. Assim, as categorias e conceitos experimentados atuam juntos e nós os utilizamos numa proposta/desafio teórico-metodológico, com base em algumas perguntas: é possível pensar em religião implícita articulada a altares urbanos não confessionais, aparentemente "laicos" e implementados como reações e reivindicações por direitos e memória por grupos sociais subalternizados? Podemos chamar de monumentos "altares" (memoriais, homenagens) alocados no espaço público, sem a proteção do Estado, e diante de sua materialidade transitória, efêmera etc.? Um dos desafios é refletir também sobre os limites de noções como monumento e contramonumento. A memória materializada pelos grupos insurgentes está em constante risco. Estes acionam diversos meios e recursos de transmissão de memória, que na ótica do opressor, são considerados, como eles, elimináveis ou sequer passíveis de luto e homenagens e preservação. Nessa luta pela existência, o reconhecimento dos monumentos é, por si só, uma forma de resistência, visto que seria impensável no fluxo dos processos de subalternização. Neste sentido, vale explorar essas dinâmicas, notadamente as ações que evidenciam as estratégias que investem na permanência, no movimento de tornar esses “altares” mais duráveis e protegidos, como as práticas de restauração e o uso de materiais mais resistentes que vimos em alguns dos casos mencionados.
Longe de encerrar as complexas questões tensionadas por tais controvérsias, observamos que acompanhar suas trajetórias pode fornecer pistas importantes sobre as estratégias encontradas pelos movimentos sociais para produzir novos regimes valorativos de representação e no exercício do Direito à Memória. Ao contrário de simples elementos incorporados ou camuflados na paisagem urbana, os (anti)monumentos - altares ou não - seguem sendo disputados, preservados ou destruídos, propositalmente ou não. Em casos de monumentos nascidos ou transformados em altares da memória coletiva de um grupo historicamente subalternizado, em contextos traumáticos de violência de Estado (ou paraestatal), como os grafites/estênceis de Marielle e a estela do Jacarezinho, por exemplo, a tensão permanece como uma ferida exposta, pois a materialidade dos objetos violados torna visível o esgarçamento das relações sociais inscritas no projeto de reprodução de desigualdades (racial, social, de gênero) e da perpetuação das situações-limite que levaram à sua inserção no espaço público.
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As discussões apresentadas se inserem em um conjunto de pesquisas desenvolvidas a partir de temas compartilhados pelos pesquisadores em sua atuação no Observatório do Patrimônio Religioso no Rio de Janeiro, instituído junto ao Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro em 2011, com o objetivo de mapear edificações, eventos, manifestações, paisagens e imagens que acionam de alguma maneira sentidos e representações do “religioso”, e que podem definir ou tangenciar aspectos materiais e imateriais. Os autores deste artigo foram incorporados no decorrer desse período, cada um trazendo contribuições com seus respectivos objetos de pesquisa.
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2
Desde o início de sua criação, o Observatório do Patrimônio Religioso adota uma noção ampliada de “patrimônio”, reunindo diversos interesses de pesquisa, buscando identificar, entrecruzar e analisar discursos, objetos, imagens e usos desses meios de expressão (materiais e imateriais) por grupos historicamente silenciados. Nesse sentido, associamo-nos aos debates consolidados por Gonçalves (2005) e Gonçalves, Guimarães & Bitar (2013), nos quais se indica uma relação imprescindível entre patrimônio e grupo de referência, conforme a definição formulada por Stephen Greenblatt (1991:42-56), registrando decisivamente a existência de um poder, no objeto, de “atingir um universo mais amplo, para além de suas fronteiras formais, o poder de evocar no expectador as forças culturais complexas e dinâmicas das quais ele emergiu e das quais ele é, para o expectador, o representante”
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3
A formulação original do problema se encontra em um capítulo de Rousseau, quando o autor buscava um amálgama secular capaz de conciliar moral e política, “uma profissão de fé puramente civil, [...] sentimentos de sociabilidade sem os quais é impossível ser bom cidadão ou súdito fiel” (Rousseau 1796:316, tradução nossa). O fervor transcendente dos revolucionários - tanto nos EUA quanto na França - também não escapou à atenção de Alexis de Tocqueville (2012) ou Gustave Le Bon (2001), desenvolvendo-se, na América do Norte, pela palavra pública de determinados atores políticos; ou na adoção da própria laicidade da república como religião civil, no caso da França contemporânea (Roman 1991).
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Em Montero (2018) pode-se encontrar uma problematização do debate sobre três noções que têm sido exploradas pela literatura que discute religião e política, que colabora com o refinamento de nossas questões de pesquisa, mas que neste artigo não foram aprofundadas: “religião cívica”, “religião civil” e “religião pública”.
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5
A IDMJR se define como “uma organização que atua com ações de enfrentamento à violência de Estado. Buscamos debater Segurança Pública na Baixada Fluminense a partir da centralidade do racismo e o enfrentamento aos privilégios da branquitude” (IDMJR, 2020).
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O painel foi pintado por Rodrigo MaisAlto e Kléber Black, contendo desenhos dos rostos de Rose Cipriano, Mãe Beata de Yemanjá, Silvia Mendonça, Ana Leone, Maria Conga, Dona Leonor, Nivia Raposo, Fátima Monteiro e Marielle Franco. A notícia sobre a vandalização foi veiculada por inúmeras mídias e sites de jornais e movimentos sociais, como no texto de Luana Alves (2021) para o jornal O Globo.
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7
Por fora das formas religiosas institucionais, a decisão da IDMJR de publicar, em suas mídias sociais, um cartaz com o estado vandalizado do Memorial Nossos Passos Vêm de Longe ecoa uma gama de rituais e dramas sociais (Turner 1980), centrados na exibição pública do corpo ofendido, sempre como meio de amplificar clamores por justiça política e memorial (Bizarria 2015, 2019; Bizarria & Gomes 2023; Harold & De Luca 2005).
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8
Naquela época, assassinatos em massa em escolas não eram comuns no Brasil, o que levou em parte à grande comoção do caso. A tragédia foi massivamente veiculada na imprensa e durante anos fez com que o bairro de Realengo fosse sinônimo de tragédia.
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A Lei 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006, ficou conhecida como Lei Maria da Penha, e se refere à proteção da mulher em caso de violência doméstica e familiar. Maria da Penha é personagem central no processo que culmina nessa Lei por sua luta por reparação e justiça diante da negligência e descaso do Estado em casos de violência doméstica.
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Cabe lembrar o "Mural da Dor" que foi uma atividade realizada no evento Basta! Eu quero Paz, ocorrido em julho de 2000, no Largo da Carioca, Rio de Janeiro. Tratou-se de um movimento cívico-religioso reivindicando justiça, paz, direitos, em reação às várias chacinas ocorridas nos anos 1990 (Chacina de Acari, Chacina da Candelária e Chacina de Vigário Geral). Painéis foram dispostos na praça para que fotografias, cartazes, imagens e outros registros fossem alocados, com o intuito de visibilizar as dores de mães e familiares das vítimas, as transformando em uma "dor coletiva" (Birman & Leite 2004). A chacina ocorrida no Jacarezinho, o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, entre outros eventos, e a recorrente depredação de suas homenagens, nos mostram o quanto essas vozes e memórias são constantemente violentadas.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Fev 2024 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2023
Histórico
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Recebido
16 Jul 2023 -
Aceito
28 Nov 2023