Open-access O Debate entre Keynes e os “Clássicos” sobre os Determinantes da Taxa de Juros: Uma Grande Perda de Tempo?

The Debate between Keynes and the “Classics” on Interest Rate Determinants: A Big Waste of Time?

RESUMO

Este artigo apresenta o debate entre Keynes e os Clássicos em relação aos determinantes da taxa de juros, com o objetivo de analisar se existe algum assunto teoricamente relevante em discussão. Demonstramos que, ao contrário do que foi dito por muitos estudiosos neoclássicos como Hicks, há uma importante questão teórica sendo discutida entre Keynes e os Clássicos, que é o mecanismo pelo qual os planos de poupança e investimento influenciam a taxa de interesse. Para os “Clássicos”, essas decisões têm influência imediata sobre a taxa de juros, ou seja, o impacto imediato das variações de poupança e investimento está sobre essa variável. Para Keynes, no entanto, o impacto imediato dessas variações será sobre o nível de renda e emprego. Como resultado desse efeito, haverá uma alteração no nível da taxa de juros. Essa mesma pergunta reaparece no debate entre Asimakopulos, Kregel e Davidson; mas em um contexto diferente, é a consideração da propensão a economizar como restrição financeira às decisões de investimento.

PALAVRAS-CHAVE: Determinação da taxa de juros; pós-keynesianismo

ABSTRACT

This article presents the debate between Keynes and the Classics relative to the determinants of the rate of interest, with the objective of analyze if there is any subject theoretically relevant under discussion. We demonstrate that, contrary to what has been said by many neoclassical scholars like Hicks, there is an important theoretical question being discussed between Keynes and the Classics, that is the mechanism according to which the plans of saving and investment have influence over the rate of interest. For the “Classics” these decisions have immediate influence over the rate of interest, i.e. the immediate impact of variations of saving and investment is over this variable. For Keynes, however, the immediate impact of these variations will be over the level of income and employment. As a result of this effect there will be a change in the level of interest rate. This same question reappears on the debate between Asimakopulos, Kregel and Davidson; but in a different context, that is the consideration of propensity to save as a financial restraint to investment decisions.

KEYWORDS: Interest rate determination; post-Keynesianism

INTRODUÇÃO

Existe um certo consenso na literatura econômica de que o debate entre Keynes e os “Clássicos” a respeito da determinação da taxa de juros foi teoricamente irrelevante. Tal posição foi defendida inicialmente por Hicks em seu livro Valor e Capital (1939). De acordo com Hicks, o debate entre Keynes e os “Clássicos” se concentrava na determinação de qual seria o mercado no qual a taxa de juros é determinada. Com base nessa interpretação, Keynes estaria defendendo a ideia de que a taxa de juros é determinada no mercado monetário, por meio da função de demanda e de oferta de moeda; ao passo que os “Clássicos” estariam defendendo a ideia de que a taxa de juros é determinada no mercado de fundos de empréstimo. Contudo, em decorrência da interdependência que existe entre todos os setores da economia, o preço de qualquer bem, serviço ou ativo deve ser determinado em conjunto com os preços dos demais bens, serviços ou ativos existentes na economia. Em outras palavras, nenhum mercado em particular é responsável pela determinação da taxa de juros: em equilíbrio geral ela é determinada pelas forças de oferta e demanda de todos os bens, serviços ou ativos existentes na economia. Segue-se, portanto, que, em equilíbrio geral, a taxa de juros é influenciada tanto pela demanda e oferta de moeda, como é afirmado por Keynes, quanto pela demanda e oferta de fundos de empréstimo, como declaram os economistas “Clássicos”. Nas palavras de Hicks:

“A taxa de juros é determinada pela oferta e procura de fundos de financiamento, ou é determinada pela oferta e procura do próprio dinheiro? (... ) Espero provar que não faz a menor diferença essa forma de apresentar a questão ou se seguirmos os autores que adotam no presente momento o ponto de vista contrário. Seguidas adequadamente as duas abordagens levam aos mesmos resultados.” (Hicks, 1987, p. 129)

A irrelevância do debate entre Keynes e os “Clássicos” ·a respeito dos determinantes da taxa de juros foi defendida também por Patinkin (1958). Para esse autor, a Teoria dos fundos de Empréstimo e a Teoria da Preferência pela Liquidez seriam apenas formas alternativas de apresentar a determinação da taxa de juros. A Teoria da Preferência pela Liquidez, de Keynes, apresentaria a taxa de juros sendo determinada pelos estoques demandados e ofertados de ativos líquidos; ao passo que a Teoria dos fundos de Empréstimo, defendida pelos economistas “Clássicos”, apresentaria a taxa de juros sendo determinada pelos fluxos de demanda e oferta dos referidos ativos. Como seria sempre possível demonstrar que o equilíbrio de estoques implica equilíbrio de fluxos e vice-versa, segue-se que não faz a menor diferença um ou outro método de determinação da taxa de juros.

Uma análise mais atenta do debate entre Keynes e os “Clássicos”, contudo, mostra que a interpretação de Hicks e Patinkin não é correta. Para os primeiros, o que estava em jogo no debate em consideração não era o mercado no qual a taxa de juros é determinada, e muito menos a dicotomia fluxos-estoques, mas o papel que a produtividade do capital1 e a propensão a poupar tem sobre a determinação da taxa de juros. Para Keynes, as forças reais da produtividade do capital e da propensão a poupar não teriam nenhuma influência direta sobre a taxa de juros, ou seja, variações da produtividade do capital e da propensão a poupar teriam impacto inicial sobre o nível de renda e de emprego. Como resultado da variação do nível de renda e de emprego, haveria uma variação concomitante da demanda transacional por moeda, variação essa que, dada a oferta de moeda, produziria uma variação da taxa de juros. Para os “Clássicos”, as forças reais da produtividade do capital e da propensão a poupar teriam influência direta sobre a taxa de juros, isto é, o impacto inicial dos “choques” sobre as variáveis em questão se daria sobre a taxa de juros, e não sobre o nível de renda e de emprego. Como resultado da variação da taxa de juros, poderia haver mudanças na quantidade de moeda que os indivíduos desejam reter para fins especulativos, produzindo-se uma situação de desequilíbrio no mercado de bens, a qual produzirá uma mudança no nível de renda e de emprego.

Mais recentemente esse debate foi retomado por Asimakopulos, de um lado, e Davidson e Kregel, do outro, em vários artigos publicados no Journal of Post Keynesian Economics2 Nesse debate mais recente, contudo, houve uma mudança nos termos originais do debate entre Keynes e os “Clássicos”. Em primeiro lugar, os autores em questão estavam preocupados não com o nível da taxa de juros, que era o centro das discussões entre Keynes e os “Clássicos”, mas com a estrutura a termo das taxas de juros. Em outras palavras, se a economia considerada no debate entre Keynes e os “Clássicos” era uma economia na qual existia uma única taxa de juros3, a considerada no debate entre Asimakopulos, Davidson e Kregel é uma economia que possui ao menos duas taxas de juros: a taxa de juros de curto prazo e a de longo prazo. Em segundo lugar, a preocupação fundamental desses últimos autores não era com o mecanismo de transmissão das flutuações da produtividade do capital e da propensão a poupar sobre a taxa de juros, mas em saber se a poupança poderia impor uma restrição ao investimento, ou seja, estavam interessados em saber se um aumento da propensão a poupar poderia facilitar um eventual acréscimo do investimento.

Ao longo do presente artigo pretendemos demonstrar que havia, de fato, um ponto teórico importante sendo discutido entre Keynes e os economistas “Clássicos”, a saber: a definição do mecanismo de transmissão das flutuações da produtividade do capital e da propensão a poupar sobre a taxa de juros. Esse aspecto é particularmente evidente no debate entre Keynes e Robertson a respeito do motivo finanças de demanda por moeda. Iremos demonstrar ao longo deste artigo que Keynes incorporou o motivo finanças à sua Teoria da Preferência pela Liquidez como uma resposta às tentativas dos economistas “Clássicos” em demonstrar que o mecanismo indireto defendido por Keynes só seria válido num contexto em que não houvesse nenhuma relação entre os planos de compra e venda de ativos e os planos de poupança e investimento. Keynes admite a existência de uma relação entre o investimento ex ante e a demanda por moeda, mas afirma que tal relação não invalida a ideia de que as forças reais da produtividade e da abstinência só teriam influência indireta sobre a taxa de juros. Todas as críticas que Robertson fez à Teoria da Preferência pela Liquidez de Keynes após a incorporação do motivo finanças tiveram como objetivo demonstrar que, à parte do mecanismo indireto descrito por Keynes, as forças reais da produtividade e da abstinência teriam influência direta sobre a taxa de juros.

No que se refere ao debate mais recente entre Asimakopulos, Davidson e Kregel, procuraremos demonstrar que ele muda os termos originais nos quais o debate entre Keynes e os “Clássicos” foi realizado. A questão central levantada nesse debate mais recente se refere à influência que a propensão a poupar teria sobre a estrutura a termo das taxas de juros, em particular, sobre a taxa de juros de longo prazo. Asimakopulos defendeu a tese de que um aumento da propensão a poupar poderia estimular o investimento ao reduzir a taxa de juros de longo prazo. Isso porque um aumento da propensão a poupar facilitaria as operações de funding das dívidas de curto prazo das empresas em obrigações de longo prazo. Davidson e Kregel, por outro lado, argumentaram que as conclusões de Asimakopulos só seriam corretas em condições muito específicas e que, em geral, a propensão a poupar não teria nenhuma influência sobre a estrutura a termo das taxas de juros.

Apesar das diferenças existentes entre os dois debates, há grande similaridade entre os argumentos levantados por Robertson, na sua controvérsia com Keynes, e Asimakopulos, no seu debate com Davidson e Kregel. Tanto para o primeiro quanto para o último, a liquidez dos intermediários financeiros só seria restaurada após o término do processo do multiplicador. Isso porque só ao final desse processo é que as firmas (ou os especuladores) teriam condições de vender suas obrigações de longo prazo junto das famílias, obtendo, assim, os recursos necessários para saldar suas dívidas com os bancos comerciais.

Dados esses objetivos, o presente artigo está estruturado da seguinte forma: A primeira seção faz uma breve exposição da Teoria da Preferência pela Liquidez tal como ela está apresentada na Teoria Geral de Keynes. Será demonstrado então que a única forma pela qual as forças reais da produtividade e da abstinência podem influenciar a taxa de juros é pelo nível de renda e de emprego. Tal resultado é consequência da hipótese de Keynes de que a decisão de consumo-poupança pode ser analisada separadamente da decisão de composição de portfólio. Tal hipótese é uma condição necessária, embora não seja suficiente, para a obtenção do resultado em consideração.

A segunda seção apresenta as críticas que a Teoria da Preferência pela Liquidez de Keynes recebeu de Hawtrey e Ohlin. Iremos demonstrar que as críticas desses autores à teoria do juro de Keynes tinham como objetivo provar que esse último estava errado ao afirmar que as forças reais da produtividade e da abstinência só teriam influência indireta sobre a taxa de juros. Em função das críticas que recebeu, Keynes foi obrigado a introduzir o motivo finanças de demanda por moeda no processo de determinação da taxa de juros.

A terceira seção apresenta o debate entre Keynes e Robertson a respeito do motivo finanças de demanda por moeda. Ao longo desse debate, Keynes tenta demonstrar que a incorporação do motivo finanças de demanda por moeda em nada altera as conclusões a que ele havia chegado na Teoria Geral; em particular, continuaria sendo verdade que as flutuações da produtividade do capital e da propensão a poupar teriam apenas influência indireta sobre a taxa de juros. Robertson, por outro lado, tenta argumentar que a incorporação do motivo finanças ao arcabouço da Teoria da Preferência pela Liquidez faria com que as flutuações das variáveis em consideração tivessem influência direta sobre a taxa de juros.

A quarta seção apresenta o debate entre Asimakopulos, Davidson e Kregel publicado no Journal of Post-Keynesian Economics. Nesse debate, os autores em questão se concentram na análise da existência ou não de uma restrição de poupança à decisão de investimento. Nesse contexto, Asimakopulos argumenta que um aumento da propensão a poupar poderia estimular o investimento por parte das firmas na medida em que produziria uma redução da taxa de juros de longo prazo. Tal redução seria consequência do fato de que um aumento da propensão a poupar reduz o comprometimento financeiro das empresas especializadas na realização das operações de funding das dívidas de curto prazo em obrigações de longo prazo. Tal redução pode evitar que as firmas em consideração sejam forçadas a vender um volume maior de obrigações do que o que poderia ser absorvido pela poupança disponível do período; o que certamente produziria uma elevação da taxa de juros de longo prazo, desestimulando, assim, novas decisões de investimento. Davidson e Kregel, por sua vez, argumentam que esse resultado só seria válido se o intervalo de tempo necessário para a ocorrência de uma nova “rodada” de decisões de investimento for superior ao intervalo de tempo envolvido até a plena operação do efeito multiplicador. Se esses intervalos de tempo coincidirem, então, a propensão a poupar não terá nenhuma influência sobre a taxa de juros.

A quinta seção apresenta as conclusões obtidas ao longo do presente artigo.

1. A TEORIA DA PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ: A TAXA DE JUROS COMO UM FENôMENO ESTRITAMENTE MONETÁRIO

No capítulo 13 da Teoria Geral, Keynes faz uma distinção entre a decisão de consumo-poupança e a decisão de composição de portfólio. A primeira de tais decisões seria governada pela propensão a consumir, ou seja, o conjunto de fatores objetivos e subjetivos que determinam a parcela da renda corrente que os indivíduos alocam para o gasto com bens de consumo. A segunda decisão seria governada pela preferência pela liquidez, isto é, pelo desejo dos indivíduos em manter sua riqueza sob a forma de ativos líquidos (Keynes, 1936, p. 166). A princípio não haveria nenhum motivo pelo qual as decisões a respeito do ritmo de acumulação de riqueza devam ter alguma influência sobre as decisões a respeito da forma pela qual a riqueza é mantida ao longo do tempo; em outras palavras, um aumento/redução da propensão a consumir não irá impor um aumento/redução da preferência pela liquidez. Sendo assim, pode -se afirmar que tais decisões podem ser analisadas separadamente uma da outra4.

Tendo feito a separação entre as decisões de consumo-poupança e de composição de portfólio, Keynes afirma que a taxa de juros está relacionada com a última decisão, e não com a primeira (Keynes, 1973a, p. 166). A taxa de juros não poderia estar relacionada com a primeira decisão porque os indivíduos podem armazenar suas poupanças em ativos que não rendem juros, como, por exemplo, a moeda. Nesse caso, o “sacrifício” envolvido na troca de consumo presente por consumo futuro não teria nenhuma recompensa, ou seja, a taxa de juros não poderia ser vista como um prêmio pela renúncia ao consumo presente5. Sendo assim, ele deve estar relacionado com a decisão de composição de portfólio6.

Numa economia sujeita à incerteza não-redutível ao cálculo de probabilidades, os indivíduos valorizam a posse de ativos líquidos em seus portfólios (Keynes, 1937b, p. 116). Dessa forma, eles só estarão dispostos a reter ativos ilíquidos em seus portfólios se lhes for oferecida uma recompensa explícita pela renúncia à posse de ativos líquidos. Essa recompensa é precisamente a taxa de juros (Keynes, 1936, p. 167). A Teoria da Preferência pela Liquidez afirma, portanto, que ativos com diferentes graus de liquidez devem proporcionar aos indivíduos que os retêm recompensas monetárias inversamente proporcionais ao seu grau de liquidez (Carvalho, 1992, p. 98).

Ao longo da maior parte da Teoria Geral, no entanto, Keynes considera uma economia na qual existem apenas dois únicos ativos: moeda e obrigações (Carvalho, 1992, p. 97). O ativo moeda se constitui num agregado de ativos com alto grau de liquidez, ou seja, ativos cujo prazo de realização tem pouca ou nenhuma influência sobre seu preço de mercado7. O ativo obrigações, por seu turno, seria um agregado de ativos com baixo grau de liquidez. Nesse contexto, a preferência pela liquidez se identifica com a demanda por moeda: aqueles indivíduos que desejarem reter ativos líquidos não terão outra opção a não ser a retenção do ativo moeda; em outras palavras, os motivos pelos quais os indivíduos preferem ativos líquidos aos ativos ilíquidos podem ser explicados em termos dos motivos pelos quais os indivíduos demandam moeda.

De acordo com Keynes, os indivíduos demandam moeda para atender os seguintes motivos básicos:

  • i - motivo transação, ou seja, a demanda por moeda que se origina da divergência entre as datas de pagamento e de recebimento, no caso das famílias (income motive), e da falta de sincronização entre as datas de obtenção de receitas e da efetivação de pagamentos, no caso das firmas (business motive). A retenção de moeda em portfólio, em vez de obrigações, evita os custos referentes a constante conversão destas em meios de pagamento.

  • ii - motivo precaução, ou seja, a demanda por moeda que se origina da incerteza a respeito do comportamento futuro da taxa de juros. Tal incerteza será particularmente relevante na eventualidade de que os agentes se defrontem com a necessidade de possuir recursos líquidos para enfrentar contingências futuras desfavoráveis ou para explorar oportunidades não-antecipadas de lucro. A retenção de obrigações em portfólio implica que, se os agentes se virem forçados a vendê-las para fazer frente a tais contingências, eles estarão sujeitos a uma perda de capital no momento em que elas forem convertidas em meio de pagamento.

  • iii - motivo especulação, ou seja, a demanda por moeda que se origina da divergência de opinião entre os indivíduos a respeito do comportamento futuro da taxa de juros. Os indivíduos que acreditarem que a taxa de juros no futuro será maior do que a taxa de juros corrente estarão antecipando em redução futura nos preços das obrigações. Sendo assim, eles esperam realizar lucros com a venda de obrigações no presente e sua recompra no futuro. Durante esse período, eles estarão retendo moeda em seus portfólios.

Segundo Keynes, a demanda por moeda para atender aos motivos transação e precaução pode ser apresentada como uma função do nível de renda (Keynes, 1 973a, p. 196), ao passo que a demanda por moeda para atender ao motivo especulação seria uma função inversa do nível de taxa de juros. Segue-se, portanto, que a função de demanda por moeda pode ser expressa pela seguinte equação8:

M d = L Y , r L / Y > 0 ; L / r < 0 (1)

onde Md corresponde à demanda real por moeda, Y ao nível de renda, e r ao nível de taxa de juros.

Keynes considera que a oferta de moeda é uma variável que está totalmente sob controle das autoridades monetárias, ou seja, a oferta de moeda é exógena. Supondo que a oferta de moeda (Ms) é constante e igual a M, temos a seguinte condição de equilíbrio no mercado monetário:

M = L Y , r (2)

Supondo que Y pode ser previamente determinado à equação (2), então a taxa de juros será univocamente determinada pela referida equação9. A função da taxa de juros é, portanto, compatibilizar a demanda de moeda com a quantidade disponível dela no sistema econômico. Dada a suposta separação entre as decisões de consumo-poupança e de composição de portfólio, segue-se que a função L(.) não guarda nenhuma relação direta com a produtividade do capital ou com a propensão a poupar. Sendo assim, a taxa de juros é um fenômeno estritamente monetário: ela está relacionada unicamente à demanda e à oferta de moeda.

Sabemos que, com base no Princípio da Demanda Efetiva, o nível de renda é a variável de ajuste entre as decisões de poupança e de investimento (Amadeo, 1989, p. 1). Sendo assim, a Teoria da Preferência pela Liquidez define um mecanismo indireto pelo qual a produtividade do capital e a propensão a poupar podem influenciar a taxa de juros, a saber: por meio do nível de renda. As variações na produtividade do capital e na propensão a poupar terão um impacto inicial sobre o nível de renda e de emprego. À medida que o nível de renda e de emprego se ajustarem aos novos valores das variáveis em consideração, então os indivíduos irão ajustar a quantidade de moeda que retêm para atender aos motivos transação e precaução. Se a oferta de moeda não se alterar durante esse processo, então a taxa de juros deverá variar na magnitude necessária para restabelecer o equilíbrio entre a demanda e a oferta de moeda.

2. O DEBATE ENTRE KEYNES E OS “CLÁSSICOS” SOBRE OS DETERMINANTES DA TAXA DE JUROS

Logo após a publicação da Teoria Geral de Keynes, formou-se um debate entre esse autor, de um lado, e Hawtrey, Robertson e Ohlin, de outro. O ponto central do debate em questão se referia à influência que as forças reais da produtividade e da abstinência têm sobre a taxa de juros. Keynes afirmava que a influência dos planos de investimento e de poupança sobre a taxa de juros é apenas indireta: uma redução da propensão a poupar ou um aumento do incentivo a investir - devido a um aumento da produtividade marginal do capital - irão produzir um aumento da taxa de juros somente à medida que produzirem um nível mais elevado de renda e de emprego. Em carta endereçada a Robertson em 13/02/1936, Keynes diz que:

“I have many pages on the theme that increasing investment envolves increasing output and that this hicks back on the rate of interest by draining away more money into active circulation, so that (... ) a high level of activity carries the seeds of its own destruction by raising interest too high.” (CWJMK, vol. XIV, p. 91)

Tal posição não foi aceita pelos autores “clássicos”. De acordo com os autores anteriormente citados, a taxa de juros seria determinada pela demanda e pela oferta de fundos de empréstimo. A produtividade do capital e a propensão a poupar seriam alguns dos fatores que deter minariam a oferta e a demanda de fundos de empréstimo, uma vez que as decisões de poupança e de investimento seriam determinadas por tais variáveis. Sendo assim, embora tais autores não negassem a existência de um mecanismo indireto, as forças reais da produtividade e da abstinência teriam influência direta sobre a taxa de juros, ou seja, as flutuações de tais variáveis teriam um impacto imediato sobre a taxa de juros. Como consequência da variação da taxa de juros, poderia ocorrer um aumento/redução da quantidade de moeda que os indivíduos retêm como saldos especulativos, o que por sua vez poderia levar a um desequilíbrio no mercado de bens, resultando num aumento/redução do nível de produção e de emprego. De fato, Robertson afirma que:

“ Here I will only say that it seems to me a most misleading way of expressing the casual train of events to say, as it is sometimes done, that the act of trift lowers the rate of interest through lowering total incomes. I should say that it lowers the rate of interest quite directly through swelling the money stream of securities; that this fall in the rate of interest increases the proportion of resources over which people wish to keep command in monetary form and that this increase in turn is a cause of these being a net decline in total money incomes.” ( Robertson, 1940, p. 30)

Contudo, os autores “clássicos” não acreditavam que a Teoria da Preferência pela Liquidez de Keynes fosse, em si mesma, incompatível com a Teoria dos Fundos de Empréstimo. Em particular, tais autores acreditavam que Keynes havia apresentado simplesmente uma forma alternativa de explicar o processo pelo qual a taxa de juros é determinada, sem, contudo, mudar a natureza do referido processo. Em outras palavras, os referidos autores acreditavam que as teorias em consideração fossem formas equivalentes de determinação da taxa de juros. Nesse contexto, a Teoria da Preferência pela Liquidez apresentaria a determinação da taxa de juros por meio da demanda e da oferta de ativos como um estoque, ao passo que a Teoria dos Fundos de Empréstimo apresentaria o processo de determinação da taxa de juros por meio da demanda e da oferta de ativos como um fluxo. Dado que seria sempre possível definir a condição de equilíbrio no mercado de ativos tanto em termos de fluxos quanto de estoques (Patinkin, 1958, pp. 303-304), segue-se que não haveria nenhuma diferença de caráter fundamental entre as teorias em questão. Nas palavras de Ohlin:

“What governs the demand and supply of credit. Two ways of reasoning are possible. One is net and deals only with new credit, and the other is gross and includes the outstanding old credits. The willingness of certain individuals during a given period to increase their holdings of various claims and other kinds of assets minus the willingness of others to reduce their corresponding holdings gives the supply curve for the different kinds of new credit during the period (... )

A similar kind of reasoning can, of course, be applied gross, i.e. including the old claims which were outstanding when the period began. People’s willingness to hold different claims and other kinds of assets every day governs the supply of credit (... ) It is quite obvious that this reasoning in gross terms leads to the same result as the net analysis above.” (Ohlin, 1937a, p. 225)

De acordo com essa linha de raciocínio, Keynes só teria negado a existência de um mecanismo direto pelo qual as forças reais da produtividade e da abstinência podem influenciar a taxa de juros por apoiar sua teoria do juro em hipóteses muito restritivas a respeito da forma pela qual as expectativas sobre a taxa de juros futura (safe rate of interest) são formadas, ou por não levar em conta as relações existentes entre as decisões de poupança e de investimento, de um lado, e a demanda por moeda, de outro.

Para Hawtrey, a função de demanda especulativa por moeda de Keynes teria sido construída sob a hipótese de que as expectativas dos agentes a respeito do nível futuro de taxa de juros são regressivas10. Nesse caso, seria possível demonstrar que a produtividade do capital e a propensão a poupar não têm nenhum efeito de longo prazo sobre a taxa de juros.

Essa afirmação de Hawtrey pode ser compreendida por meio do seguinte raciocínio. Consideremos uma economia que se encontra em equilíbrio de longo prazo, com o nível de preços e de produção constantes ao longo do tempo. Tal situação impõe que o mercado de bens esteja em equilíbrio, ou seja, que exista igualdade entre a poupança e o investimento planejados. Tal condição pode ser expressa pela equação abaixo:

I r , Θ = S r , Y f (3)

onde I (.) é o investimento planejado, S(.) é a poupança planejada, r é a taxa de juros, Θ é a produtividade marginal do capital e Yf é o nível de renda de pleno-emprego. Essa posição inicial de equilíbrio é perturbada por um choque sobre a produtividade marginal do capital, tal que à taxa inicial de juros se produz um excesso de poupança sobre o investimento. No mercado de fundos de empréstimo produz se uma situação de excesso de demanda de obrigações, o que gera um aumento no preço desses ativos, ou seja, uma redução da taxa de juros.

Com a redução da taxa de juros entra em operação o motivo especulação de Keynes. Produz-se uma divergência entre a taxa de juros de mercado e a taxa de juros segura, o que induz os indivíduos a deslocar uma parte de suas poupanças para a “compra” de saldos monetários. No mercado de fundos de empréstimo, temos agora que:

D = I r , Θ = S r , Y f + Δ H = O (4)

onde D é a demanda de fundos de empréstimo, O é a oferta de fundos de empréstimo e ∆H é o entesouramento.

Pela equação (4) observamos que o mercado de fundos de empréstimos está em equilíbrio, uma vez que o excesso inicial de demanda de obrigações (oferta de fundos de empréstimo) é eliminado pelo aumento do entesouramento. Sendo assim, o mercado de fundos de empréstimos se reequilibra. Por sua vez, o mercado de bens está fora do equilíbrio, ou seja, as firmas não estão conseguindo vender toda a produção que desejam aos preços de mercado. Nesse contexto, elas deverão reduzir o nível de produção e de emprego. Tal redução irá continuar até que seja restabelecido o equilíbrio entre poupança e investimento.

O que irá acontecer com a taxa de juros ao longo desse processo de declínio da atividade econômica? Consideremos que ΔH=Lr-r"·, onde r*· é a taxa de juro segura. Se o mercado de bens está em equilíbrio, então Ir,Θ=Sr,Y, o que implica que L(.) será igual a zero, ou seja, r = r*. Se r*· for constante ao longo de todo o processo de ajuste no mercado de bens, então a taxa de juros que prevalece na posição final de equilíbrio será igual à taxa de juros que prevalece na posição inicial. Nesse caso, comparando-se a posição de equilíbrio final com a posição de equilíbrio inicial, o “choque” sobre a produtividade marginal do capital não teve nenhuma influência sobre a taxa de juros11. A taxa de juros é, nesse caso, um fenômeno estritamente monetário.

Para Hawtrey, no entanto, a hipótese de expectativas regressivas não era relevante para se entender a forma pela qual os investidores formavam suas previsões a respeito do nível futuro de taxa de juros. Em concreto, Hawtrey não acre ditava que as oscilações da taxa de juros de merca do não tivessem nenhum a influência sobre as previsões dos agentes a respeito do nível futuro de taxa de juros (CWJMK, vol. XIV, p. 4). Para ele, uma hipótese mais realista a respeito da formação das expectativas sobre o nível futuro de taxa de juros corresponderia ao que hoje em dia é conhecido como padrão adaptativo de formação de expectativas. Em outras palavras, Hawtrey acreditava que r* deveria acompanhar os movimentos observados na taxa de juros de mercado. Nesse caso, na posição de equilíbrio final a taxa de juros de mercado será menor do que a prevalecente na posição inicial de equilíbrio.

Deve-se observar que, com base na argumentação de Hawtrey, mesmo no caso em que as expectativas são regressivas, as forças reais da produtividade e da abstinência têm efeito direto sobre a taxa de juros de mercado, ainda que temporário. Tal argumentação não corresponde ao mecanismo indireto pelo qual Keynes acreditava que as forças em consideração poderiam influenciar a taxa de juros. Para Keynes, o impacto imediato de uma variação da poupança ou do investimento seria sobre o nível de renda, e não sobre a taxa de juros. Isso porque, como foi visto na seção anterior, Keynes achava que as decisões a respeito do ritmo de acumulação de capital poderiam ser analisadas separadamente das decisões referentes à forma pela qual essa riqueza seria acumulada. Nesse contexto, não haveria nenhum motivo pelo qual uma variação na poupança e/ou no investimento planejado tivesse alguma influência direta sobre a demanda por moeda ou sobre a demanda de obrigações. Dito de outra forma, a Teoria da Preferência pela Liquidez não necessita da hipótese de que as expectativas a respeito do nível futuro da taxa de juros sejam regressivas; basta apenas que as decisões de consumo-poupança e de composição de portfólio sejam separáveis entre si.

Esse ponto foi notado por Ohlin (1937a). Para ele, qualquer análise que abstraísse das relações existentes entre as decisões de compra e venda de ativos e os planos de poupança e de investimento estaria incompleta. De acordo com Ohlin, a demanda por obrigações e demais ativos financeiros seria, em parte, determinada pelas decisões de poupança dos agentes econômicos (Ohlin, 1937a, p. 226). Dessa forma, a separação entre as decisões de consumo-poupança e de composição de portfólio proposta por Keynes seria um absurdo. No mundo real, tais decisões estariam relacionadas entre si. Nas palavras de Ohlin:

“Consumers buy consumption goods, business men buy capital goods, i.e. invest in a real sense, but there is a third kind of purchases to be explained - namely ‘ financial investment s’, i. e purchases of bonds, shares and bank deposits (... ) It is noteworthy that Keynes, who has presented so interesting an analysis of the desire to vary cash holdings and the psychology of financial investment (... ) pays so little attention to the connection between changes in production, income and savings on the one hand and the ability to make financial investment on the other, without a consideration of this later circumstance, the analysis of the markets for claims of different maturity, where the rates of interest are determined, is incomplete [grifo nosso].” (Ohlin, 1937a, p. 226)

3. A RÉPLICA DE KEYNES A OHLIN E O MOTIVO FINANÇAS DE DEMANDA POR MOEDA

Esta última observação de Ohlin parece ter forçado Keynes a rever sua posição a respeito da determinação da taxa de juros. Na réplica a Ohlin publicada no Economic Journal, em junho de 1937, Keynes afirma que havia uma oposição radical entre a sua teoria da taxa de juros e a teoria dos fundos de empréstimo (Keynes, 1937b, p. 202). Contudo, ele aceita que a análise apresentada na Teoria Geral era incompleta. Isso porque ela nada dizia a respeito da forma pela qual os empresários financiam a compra de bens de capital12.

Keynes afirma que uma decisão de investimento em capital fixo pode produzir um aumento temporário da demanda por moeda, em virtude do fato de que os empresários necessitam de cash para cobrir o intervalo de tempo entre a tomada e a implementação da decisão de investimento. Em outras palavras, os empresários precisam possuir moeda anteriormente à realização dos gastos de investimento. De fato, Keynes diz que:

“Planned investment - i.e investment ex ante - may have to secure its financial provision before (grifo nosso) the investment takes place (...) There has, therefore, to be a technique to bridge this gap between the time when the decision to invest is made and the time when the correlative investment and saving actually occur.” (Keynes, 1937b, pp. 207-208).

Esse é o chamado motivo finanças de demanda por moeda. A introdução do motivo finanças levaria naturalmente à conclusão de que a produtividade do capital seria um dos determinantes da demanda por moeda. Isso porque, dado o investimento ex ante, é um dos determinantes da referida demanda, então as flutuações da produtividade do capital deveriam ter efeito direto sobre a mesma. Nesse contexto, a produtividade do capital passaria a ter efeito direto sobre a taxa de juros13 • No entanto, Keynes rejeita veementemente esse tipo de conclusão. Ele afirma que a pressão adicional sobre a demanda por moeda, em decorrência das necessidades impostas pelo motivo finanças, pode produzir um aumento da taxa de juros. Entretanto, diz Keynes, isso só irá ocorrer no caso em que o investimento estiver aumentando ao longo do tempo. Em estado estacionário, o finance que é exigido pelos planos correntes de investimento é fornecido pelo finance que foi liberado pela realização dos gastos de investimento que foram planejados no período anterior. Nas palavras de Keynes:

“If investment is proceeding at a steady-state, the finance (or the commitment to finance) required can be supplied from a revolving fund of more or less constant amount, one entrepreneur having his finance replenished for the purpose of a projected investment as another exausts his on paying for his completed investment.” (Keynes, 19376, p. 209)

Uma possível interpretação para essa afirmação de Keynes é fornecida por Bibow (1995).14 De acordo com esse autor, se a economia se acha em estado estacionário, ou seja, se o investimento é constante ao longo do tempo, então a demanda por moeda para atender o motivo finanças é indistinguível da demanda por moeda para atender o motivo transação. Nesse caso, pode-se apresentar tanto uma quanto a outra como determinadas pelo nível de renda corrente, mantendo-se inalterada a análise apresentada por Keynes na Teoria Geral. Nas palavras de Bibow:

“For a given level of economic activity, each expenditure (or transactions in general) has to be planned and before it can be executed finance has to be secured. Seen from this perspective, the need to finance a particular volume of planned investment at a particular level of general economic activity is part of the continuous circular flow of transactions, and, hence, is one of the factors that is covered by the transactions motive.” (Bibow, 1995, p. 650)

Keynes reforça essa argumentação no artigo The “Ex Ante” Theory of the Rate of Interest, publicado em dezembro de 1937 no Economic Journal. Segundo Keynes, o empresário quando decide implementar um projeto de investimento precisa estar satisfeito com relação a dois pontos. Em primeiro lugar, ele precisa obter financiamento de curto prazo em volume suficiente durante o período compreendido entre a concepção e a implementação de um determinado projeto de investimento. Trata-se da demanda de moeda devida ao motivo finanças. Em geral, esse financiamento é obtido junto aos bancos comerciais. Sendo assim, os prazos de maturação desses empréstimos são muito curtos, ao passo que os prazos de maturação de seus projetos de investimento são longos.15 A estrutura de passivo das firmas investidoras estará assim claramente em desequilíbrio, dado que estas se endividam a curto prazo para financiar aquisições de ativos a longo prazo. Em algum momento, afirma Keynes, as firmas devem ser capazes de transformar as dívidas de curto prazo em obrigações de longo prazo para se manterem solventes (Keynes, 1937c, p. 217).

A poupança só seria relevante nesta segunda etapa do financiamento da decisão de investimento, ou seja, na etapa de funding das dívidas de curto prazo em obrigações de longo prazo.16 No primeiro estágio, ou seja, o de finance, a demanda adicional de moeda necessária para cobrir o intervalo de tempo entre a tomada e a implementação da decisão de investimento seria fornecida por um fundo rotativo (“revolving fund”), no qual o finance demandado pelo investimento ex ante seria fornecido pelo finance liberado pela implementação do investimento planejado no período anterior, desde que a economia se encontre em estado estacionário. Se o investimento estiver crescendo ao longo do tempo, então o finance liberado pela realização dos investimentos planejados no período anterior não será suficiente para atender à demanda de finance devida ao investimento planejado para o período corrente. Nesse caso, se os bancos mantiverem inalterada sua política de empréstimos, haverá um aumento da taxa de juros, independentemente da ocorrência de qualquer variação na demanda transacional de moeda. Trata-se de uma importante qualificação da Teoria da Preferência pela Liquidez, qualificação essa reconhecida pelo próprio Keynes nos seguintes termos17:

“I return to the point that finance is a revolving fund. In the main the flow of new finance required by current ex ante investment is provided by the finance released by current ex post investment. When the flow of investment is at a steady rate, so that the flow of ex ante investment is equal to the flow of ex post investment, the whole of it can be provided in this way without any change in the liquidity position. But when the rate of investment is changing in the sense that current rate of ex ante investment is not equal to the current rate of ex post investment, the question needs further consideration.” (Keynes, 1937c, pp. 219-220, grifos meus).

Para Robertson, entretanto, o motivo finanças de demanda por moeda não era uma simples qualificação da Teoria da Preferência pela Liquidez, mas se constituía no reconhecimento implícito da parte de Keynes de que as forças reais da produtividade e da abstinência têm influência direta sobre a taxa de juros. Nas palavras de Robertson:

“Thus he (Keynes) has not only remedied the inconsistency pointed out above, but also (... ) made a far longer stride back than he yet realizes towards the orthodox view of the status of the schedule of marginal productivity of loanable funds as a principal determinant of the rate of interest.” (Robertson, 1940, p. 23)

No entanto, argumenta Robertson, Keynes não teria chegado explicitamente a essa conclusão por considerar que o multiplicador de investimento opera de forma instantânea. Robertson considera que o finance necessário para a realização dos gastos de investimento é fornecido pelos bancos comerciais. Toda vez que eles concedem empréstimos para atender a demanda por finance por parte das firmas, o seu grau de liquidez, medido pela relação reservas/depósitos à vista, se reduz. Consequentemente, eles serão forçados a aumentar a taxa de juros sobre os empréstimos em consideração. A liquidez dos bancos só será restaurada se e quando os empréstimos forem pagos. Nesse contexto, a taxa de juros só não será influenciada pela demanda por finance se os investimentos realizados no período anterior tiverem produzido uma poupança voluntária na magnitude suficiente para que os empréstimos contraídos naquela data sejam pagos. Nesse caso, e apenas nesse caso, é que pode se afirmar que a liquidez dos bancos é reposta com a realização dos gastos de investimento. Nas palavras de Robertson:

“The model can be set as follows. In period 1 entrepreneur A plan capital outlays of value C1, and in preparation therefore borrow C1 from the banks. In period 2 entrepreneur B perform capital outlays C2 and borrow C2 from the banks. Simultaneously, the public buy new issues N2 (=Cl) from the entrepreneur A, thus enabling to repay C1 to the banks at the same time entrepreneur B borrow C2. If C2=Cl, the volume of bank loans and the rate of interest will remain constant; but if C2 exceeds Cl (...) the rate of interest will rise.” (Robertson, 1938, p. 316)

Para que os empréstimos sejam pagos, contudo, é necessário o término do processo do multiplicador. Ao final dele, terá sido produzida uma poupança desejada em magnitude suficiente para fazer o funding das dívidas de curto prazo em obrigações de longo prazo. Em outras palavras, a poupança planejada pelas famílias terá aumentado exatamente na magnitude necessária para que elas possam adquirir as obrigações de longo prazo, que são emitidas pelas firmas com o objetivo de obter recursos suficientes para pagar os empréstimos contraídos junto aos bancos comerciais.

Se o multiplicador for instantâneo, então a simples realização dos gastos de investimento irá produzir o volume de poupança necessária para a execução das operações de funding e a consequente restauração do estado de liquidez dos bancos comerciais. Caso contrário, pergunta Robertson:

“How is any revolving fund automatically released, any willingness to illiquidity set free for further employment, by the mere act of the entrepreneur in spending his loan? The bank has simply become a debtor to other persons instead of its borrowing entrepreneur, the borrowing entrepreneur remains a debtor to the bank; and the bank assets remain unchanged in amount and liquidity.” (Robertson, 1938, p. 315)

A réplica de Keynes a Robertson foi dada no artigo Mr. Keynes and Finance, publicado no Economic Journal, em junho de 1938. Nesse artigo, Keynes reafirma sua posição de que a liquidez é restaurada não pelo pagamento dos empréstimos bancários, mas pela efetivação dos gastos de investimento (Keynes, 1938, p. 230). A resposta de Keynes a Robertson se baseia em dois argumentos principais. Em primeiro lugar, argumenta Keynes, a Teoria da Preferência pela Liquidez não afirma que a taxa de juros é determinada exclusivamente pelo estado de liquidez dos bancos. A taxa de juros depende, isso sim, do estado de liquidez do sistema econômico como um todo, o qual depende apenas em parte do estado de liquidez dos bancos comerciais. Por outro lado, a demanda por finance pode ser atendida por outros meios que não através dos bancos. Em particular, a demanda por finance pode ser atendida diretamente através da venda de obrigações e títulos financeiros nos mercados secundários dos ativos em consideração. Em outras palavras, a argumentação de Robertson estaria errada ao identificar a demanda por finance com demanda por crédito bancário. A demanda por finance é, antes de mais nada, demanda por moeda, demanda essa que pode ou não ser atendida por crédito bancário.18 Nas palavras de Keynes:

“A large part of the outstanding confusion is due, I think, to Mr. Robertson’s thinking of ‘finance’ as consisting in bank loan; whereas (... ) I introduced this term to mean the cash temporarily held by entrepreneurs to provide against the outgoings in respect of an impeding new activity.” (Keynes, 1938, p. 229)

Em segundo lugar, a demanda por finance para atender o motivo finanças é fundamentalmente demanda por encaixes ativos (Keynes, 1938, p. 230). Como tal, exerce uma pressão sobre a disponibilidade de moeda para atender os motivos precaução e especulação. Em outras palavras, um aumento da demanda por encaixes ativos irá, ceteris paribus, produzir uma pressão adicional sobre a taxa de juros, pressão essa que será aliviada no momento em que os investimentos forem realizados. Nesse momento, o dinheiro que estaria sendo retido pelo motivo finanças estará disponível para atender a demanda por encaixes inativos, reduzindo a pressão sobre a taxa de juros. Nas palavras de Keynes:

“The rate of interest is determined by the total demand and total supply of cash or liquid resources. The total demand falls into two parts: the inactive demand due to the state of confidence and expectation on the part of the owners of wealth, and the active demand due to the level of activity established by the decisions of entrepreneurs. The active demand in its tum falls into two parts: the demand due to the time lag between the inception and the execution of the entrepreneurs decisions, and the part due to the time lags between the receipt and the disposal of income by the public (... ) an increase in activity raises the demand for cash, first of all to provide for the first of these time lags in circulation (... ) Thereafter the demand for cash falls away unless the completed activity is being succeeded by a new activity. A given stock of cash provides a revolving fund for a steady flow of activity; but an increased rate of flow needs an increased stock to keep the channels filled.” (Keynes, 1938, p. 230)

Se a demanda por moeda para atender o motivo finanças é fornecida, portanto, por um fundo rotativo de liquidez, segue-se que, em estado estacionário, a produtividade do capital e a propensão a poupar não terão nenhuma influência direta sobre a taxa de juros. Tais variáveis irão influenciar a referida taxa unicamente pelo nível de renda e de emprego. De fato, Keynes diz que:

“The congestion in the capital market can only be relieved by something which reduces the demand or increases the supply of cash (...) If the reduction in consumption posited by Mr. Robertson leaves aggregate income unchanged, there is no reason to suppose that it will reduce the demand for cash or relieve congestion.” (Keynes, 1938, p. 232)

Deve-se ressaltar, contudo, que a incorporação do motivo finanças de demanda por moeda obrigou Keynes a rever as conclusões a que havia chegado na Teoria Geral a respeito do papel que as forças reais da produtividade do capital e da abstinência têm na determinação da taxa de juros. Se em estado estacionário tais variáveis só teriam influência indireta sobre a referida taxa, o mesmo não seria verdade no caso de uma economia na qual o investimento estivesse aumentando ao longo do tempo. Nesse caso, a demanda por finance seria crescente ao longo do tempo, de forma que, se a oferta de moeda não acomodasse o aumento na demanda, a taxa de juros deveria se elevar continuamente, independentemente de qualquer variação prévia do nível de renda e de emprego. Eis uma importante qualificação a ser feita com respeito ao processo de determinação da taxa de juros, qualificação essa que, embora não torne a Teoria da Preferência pela Liquidez equivalente à Teoria dos Fundos de Empréstimo, torna menos nítida a diferença entre as duas teorias.

4. A PROPENSÃO A POUPAR E A ESTRUTURA A TERMO DA TAXA DE JUROS19

Num artigo publicado em 1986 no Journal of Post Keynesian Economics, Asimakopulos reavivou o debate entre Keynes e os “Clássicos” a respeito da influência da propensão a poupar sobre a taxa de juros. A ressureição desse debate, contudo, foi feita num contexto um pouco diferente do contexto original no qual o debate se realizou, a saber: em vez de se perguntar a respeito do mecanismo de transmissão das variações da propensão a poupar e da produtividade do capital sobre a taxa de juros, a preocupação fundamental de Asimakopulos era saber se não existiria um conjunto de circunstâncias nas quais um acréscimo da propensão a poupar poderia facilitar um eventual acréscimo no investimento (Asimakopulos, 1986, p. 85). Segundo Asimakopulos,

“there may be limits, related in some way to the propensity to save, to the extent to which firms are in position to increase their rate of investment even if short-term credit is available to finance such an increase.” (Asimakopulos, 1983, p. 232, grifo meu).

O ponto de partida de Asimakopulos centra-se na distinção feita por Keynes das etapas de finance e funding do processo de financiamento do investimento. Com base nessa distinção estariam envolvidos dois conjuntos de taxas de juros no processo em questão, a saber: a taxa de juros de curto prazo, ou seja, a taxa de juros dos empréstimos bancários e demais obrigações de curto prazo, e a taxa de juros de longo prazo, isto é, a taxa de juros das obrigações que as firmas vendem ao público para fazer o funding de suas dívidas de curto prazo junto aos bancos. Ao realizarem um investimento, as firmas estão, na verdade, especulando com o complexo de taxas de juros (term structure of interest rate); isso porque assumem que o funding poderá ser realizado em condições favoráveis, isto é, com taxas de juros de longo prazo não muito superiores às de curto prazo.

O funding das dívidas de curto prazo das empresas junto aos bancos comerciais só poderá ser feito, segundo Asimakopulos, depois que o multiplicador tiver deixado de operar. Ele admite que haverá sempre (no caso de uma economia fechada e sem governo) poupança suficiente para as operações de funding. Contudo, essa poupança só estará potencialmente disponível para esse fim quando a renda tiver crescido numa magnitude tal que a poupança gerada pela efetivação do gasto de investimento guarde uma relação desejada com o fluxo corrente de renda (1986, p. 83; 1991, p. 113). Nas palavras de Asimakopulos:

“The increase in the desired saving does not occur simultaneously with the expenditure of the newly acquired increase in investment finance, even though ex post investment and ex post saving are always equal by definition. It takes place only when the full multiplier effects of an increase in investment have worked out.” (Asimakopulos, 1986, p. 83)

Seguindo as ideias apresentadas por Kaldor (1939), Asimakopulos argumenta que a necessidade de passagem de tempo para que o efeito multiplicador se complete faz com que as firmas tenham de obter o financiamento de longo prazo para seus investimentos junto a intermediários financeiros - especuladores, na terminologia de Kaldor, que por sua vez obtêm o dinheiro necessário para tanto junto aos bancos comerciais. Se esses especuladores não existissem, as firmas investidoras teriam de vender suas obrigações de longo prazo a um público cujo volume desejado de poupanças é menor do que o necessário para comprar esse volume adicional de obrigações a um preço constante, ou seja, a uma dada taxa de juros de longo prazo. Haveria, portanto, um claro desestímulo ao investimento em virtude da perspectiva de mudança desfavorável no complexo de taxas de juros.

Partindo de um exemplo numérico apresentado por Kaldor em seus artigos de 1939, Asimakopulos mostra que o total de financiamento de longo prazo que os especuladores deverão providenciar será tanto maior quanto menor for a propensão a poupar da economia (Asimakopulos, 1986, p. 84).

Consideremos uma economia na qual a propensão a poupar seja constante e igual a 0,25, o intervalo entre a realização das diversas “rodadas” de novos investimentos seja constante e igual ao intervalo de tempo envolvido em cada “rodada” do processo do multiplicador (Dalziel, 1996, p. 322) e onde tenha ocorrido um acréscimo once and for all da taxa de investimento na ordem de US$ 1 milhão, financiado pela venda de obrigações de longo prazo das firmas junto aos especuladores. Como esses financiam suas posições com crédito bancário, segue-se que terá ocorrido um aumento dos empréstimos num montante similar.

No primeiro período após o aumento do investimento, a poupança desejada pelas famílias terá aumentado em US$ 250 mil, permitindo que os especuladores vendam uma quantia semelhante de obrigações das firmas. O estoque de obrigações herdadas do período anterior nas mãos dos especuladores é reduzido para US$ 750 mil. Contudo, nesse período as firmas vendem um novo lote de obrigações para os especuladores no valor de US$ 1 milhão para financiar seus novos projetos de investimento. O estoque total de obrigações nas mãos dos especuladores passa para US$ 1.750 mil.

No início do período seguinte, a operação do multiplicador eleva a poupança desejada para US$ 437,5 mil. Os especuladores poderão, então, vender obrigações junto as famílias num montante equivalente, reduzindo o estoque de obrigações “velhas” para US$ 1.302,5 mil. Como o investimento corrente permanece em US$ 1 milhão, o endividamento dos especuladores junto aos bancos comerciais crescerá para US$ 2.312,5 mil. Estendendo esse raciocínio até o limite, o endividamento total dos especuladores junto aos bancos comerciais crescerá até alcançar a cifra de US$ 4 milhões, exatamente equivalente ao fluxo corrente de renda ao final do processo do multiplicador. Uma representação esquemática desse processo pode ser visualizada na tabela abaixo.20

Tabela 1

Asimakopulos argumenta que se a propensão a poupar fosse maior, por exemplo, se fosse 0,50 em vez de 0,25, então os especuladores teriam de tomar um volume menor de empréstimos para comprar as obrigações emitidas pelas firmas. No exemplo em consideração eles teriam de obter apenas US$ 2 milhões emprestados junto aos bancos comerciais. À medida que o comprometimento financeiro dos especuladores - medido pelo volume de empréstimos que esses têm de tomar junto aos bancos comerciais para poder financiar a aquisição das obrigações emitidas pelas firmas - se reduz, esses serão menos pressionados a vender um volume maior de obrigações do que aquele que pode ser absorvido em cada período a uma taxa de juros constante. Consequentemente, será mais fácil manter a taxa de juros de longo prazo constante, o que, por sua vez, facilita novos investimentos. Nas palavras de Asimakopulos:

“A higher propensity to save would thus ease the pressure on capital market of increased investment and facilitate the price-stabilizing influence of speculators in the long-term bond market.” (1986, p. 85)

A argumentação de Asimakopulos recebeu críticas da parte de Paul Davidson e Jan Kregel no mesmo Journal of Post-Keynesian Economics. De acordo com Davidson (1986), a tese de Asimakopulos depende criticamente de hipótese de que a poupança planejada não é equivalente ao investimento a todo momento, ou seja, de que o efeito multiplicador demande um intervalo de tempo considerável até que o fluxo corrente de renda tenha crescido numa magnitude tal que induza os poupadores a reter voluntariamente a poupança ex post, criada por ocasião da realização desse investimento. Segundo Davidson, esse tipo de raciocínio só seria válido num contexto em que a expansão do investimento não é antecipada pelos agentes. Se tal expansão for antecipada, então o multiplicador opera de forma instantânea, fazendo com que os especuladores possam vender a cada período todas as obrigações que compraram no período anterior (Davidson, 1986, p. 108). Nesse caso, o comprometimento financeiro dos especuladores será independente da propensão a poupar, fazendo com que essa última não tenha nenhuma influência sobre a taxa de juros de longo prazo. Esse mesmo resultado, contudo, pode ser obtido mesmo no caso em que a expansão do investimento não é antecipada pelos agentes econômicos. De fato, se considerarmos uma economia na qual o período de investimento, isto é, o intervalo de tempo entre cada “rodada” de novas decisões de investimento, seja igual ao período do multiplicador, ou seja, o intervalo de tempo necessário para a completa operação do multiplicador, então o estoque de novas obrigações emitidas pelos especuladores será igual ao acréscimo inicial do investimento. A magnitude da propensão a poupar não irá influenciar o nível do comprometimento financeiro dos especuladores.

Davidson ainda argumenta que a estabilidade da taxa de juros de longo prazo não depende da magnitude da propensão a poupar, mas da preferência pela liquidez dos poupadores. De fato, embora a poupança planejada pelas famílias seja sempre suficiente para absorver o volume de obrigações que as firmas emitem a cada período, com o objetivo de obter o funding necessário para seus projetos de investimento, elas podem perfeitamente dedicar uma parte dessas poupanças para a aquisição de saldos monetários, em vez da aquisição de obrigações. Nesse caso, a demanda e a oferta de obrigações só entrarão em equilíbrio a uma taxa de juros de longo prazo mais elevada.

Para Kregel, o problema levantado por Asimakopulos só teria relevância no caso em que os especuladores resolverem vender as obrigações de longo prazo antes que o multiplicador termine de operar. Em outras palavras, a taxa de juros de longo prazo só irá aumentar se a cada período os especuladores venderem uma quantidade maior de obrigações do que pode ser absorvida pela poupança desejada desse período a preços constantes. Se o fizerem, então os preços dos títulos irão diminuir, aumentando assim a taxa de juros de longo prazo. Esse acréscimo poderá desestimular novas decisões de investimento, retardando, dessa forma, a acumulação de capital (Kregel, 1986, p. 95).

5. CONCLUSÃO

Ao longo do presente artigo, procuramos demonstrar que o ponto fundamental em debate entre Keynes e os “Clássicos” a respeito da determinação da taxa de juros se referia à definição do mecanismo de transmissão dos “choques” sobre a produtividade do capital e da propensão a poupar sobre a taxa de juros. Nesse contexto, a Teoria da Preferência pela Liquidez enfatiza que o mecanismo de transmissão é indireto: as flutuações da produtividade do capital e da propensão a poupar têm impacto inicial sobre o nível de renda e de emprego; como consequência das variações do nível de renda e de emprego ocorre uma variação da demanda por moeda para atender aos motivos precaução e transação, o que terá efeito sobre a taxa de juros, dada a oferta de moeda. Por outro lado, a Teoria dos Fundos de Empréstimo enfatiza que o mecanismo em questão é direto: os “choques” sobre a produtividade do capital e a propensão a poupar têm impacto inicial sobre a taxa de juros; como resultado da variação da taxa de juros, produz-se uma variação na quantidade de moeda destinada ao motivo especulação, variação essa que, ao fazer com que o mercado de bens fique em desequilíbrio, pode induzir a variações no nível de renda e de emprego.

A incorporação do motivo finanças de demanda por moeda, contudo, obrigou Keynes a fazer uma revisão parcial das conclusões a que tinha chegado na Teoria Geral. Em concreto, Keynes afirmou que as forças reais da produtividade e da abstinência só teriam efeito indireto sobre a taxa de juros numa economia em estado estacionário. Nesse contexto, o finance exigido pelo investimento ex ante seria fornecido pelo finance liberado pela realização dos gastos de investimento planejados no período anterior. No entanto, numa economia na qual o investimento está aumentando ao longo do tempo seria impossível negar que a produtividade do capital tivesse influência direta sobre a taxa de juros.

Esse debate foi resgatado mais recentemente por Asimakopulos, Davidson e Kregel no JPKE. Os termos desse debate mais recente, contudo, são um pouco diferentes dos termos do debate original entre Keynes e os “Clássicos”. Em primeiro lugar, a preocupação fundamental desse debate mais recente não é a identificação do mecanismo de transmissão das flutuações da produtividade do capital e da propensão a poupar sobre a taxa de juros, mas com a análise do papel da poupança como uma restrição à decisão de investimento. Em segundo lugar, o debate mais recente focalizou a influência que a propensão a poupar teria sobre a estrutura a termo das taxas de juros, ao passo que o debate entre Keynes e os “Clássicos” focalizou a influência que as forças da produtividade e da abstinência teriam sobre o nível da taxa de juros.

Apesar das diferenças existentes entre os debates em consideração, nota-se uma evidente similaridade entre os argumentos apresentados por Robertson, na sua controvérsia com Keynes, e Asimakopulos, na sua controvérsia com Davidson e Kregel. Para ambos os autores, a poupança desempenharia um papel-chave na restauração do nível de liquidez dos intermediários financeiros, uma vez que ela permitiria a emissão de obrigações de longo prazo para resgatar os empréstimos tomados junto aos bancos comerciais. Keynes havia criticado essa posição, afirmando que a liquidez é restaurada pela implementação dos gastos planejados de investimento, e não pelo pagamento dos empréstimos bancários. No entanto, isso só seria verdade numa economia na qual as empresas podem se autofinanciar. Fora desse contexto, não há como negar que a restauração da liquidez dos intermediários financeiros só seja possível mediante o pagamento dos empréstimos aos bancos.

O ponto interessante levantado por Davidson e Kregel é que isso não nos autoriza a afirmar que a magnitude da propensão a poupar possa ter alguma importância no processo em consideração. Isso porque, no caso em que o período de investimento é igual ao período do multiplicador, o investimento realizado no período anterior irá produzir uma poupança planejada em volume suficiente para resgatar todos os empréstimos contraídos no referido período; restaurando, dessa forma, a liquidez dos intermediários financeiros. O valor da propensão a poupar não assume nenhum papel nesse processo.

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  • SARGENT, T. (1987). Macroeconomic Theory San Diego: Academic Press.
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    Como é bem-sabido, Keynes faz na Teoria Geral uma clara distinção entre os conceitos de produtividade marginal do capital e os de eficiência marginal do capital (Keynes, 1973a, pp.138-139). Segundo Keynes, a decisão de investimento seria tomada em função desse último conceito, e não do primeiro. No entanto, essa distinção entre os referidos conceitos é irrelevante para o tema em consideração; isso porque o que nos interessa aqui é analisar o impacto que as “variáveis reais “, ou seja, variáveis outras que não a oferta de moeda e a preferência pela liquidez, tem sobre a taxa de juros. Sendo assim, podemos, numa primeira aproximação, considerar a produtividade marginal do capital como uma próxi da eficiência marginal do capital.
  • 2
    Ver Asimakopulos (1986), Davidson (1986) e Kregel. (1986)
  • 3
    Essa afirmação é comprovada pelo fato de que na maior parte da Teoria Geral Keynes considera uma economia na qual existem apenas dois ativos: moeda e títulos. Nesse contexto, existe uma única taxa de juros, definida como o prêmio que os indivíduos exigem para trocar ativos líquidos (moeda) por ativos ilíquidos (títulos ).
  • 4
    ‘As condições necessárias e suficientes para a separabilidade entre as decisões de consumo-poupança e as de mm posição de portfólio são derivadas em Oreiro (1996).
  • 5
    Essa afirmação pode ser entendida de outra forma. A teoria ‘’ Clássica” (fisheriana) da taxa de juros afirma que a existência de uma taxa de juros positiva se deve ao fato de que os consumidores só estarão dispostos a abrir mão de consumir a totalidade de seus recursos hoje — ou seja, só estarão dispostos a poupar — se e somente se tiverem acesso a uma quantidade maior de bens no futuro. Keynes afirma que tal explicação a respeito da existência de uma taxa de juros positiva é incompatível com o fato empiricamente observado de que os indivíduos acumulam uma parte de sua riqueza sob a forma de ativos que não rendem juros. Isso porque se o objetivo do ato de poupança fosse a obtenção de uma taxa de juros explicita, por que os indivíduos irão destinar uma parte de suas poupanças para o aumento de suas reservas monetárias?
  • 6
    Nas palavras de Keynes: “ It should be obvious that the rate of interest cannot be a return of saving or waiting as such. For if a man hoards his savings in cash, he earns no interest, though he saves just as much as before” (Keynes, 1936, pp. 166 -167).
  • 7
    Essa definição de liquidez corresponde a que é utilizada por Hicks (1989, p. 226).
  • 8
    Hicks (1987) sugere que Keynes teria construído sua argumentação com base numa função de demanda de moeda do tipo M=Li. Essa interpretação á aparentemente confirmada pelo próprio Keynes (1936, p. 168) ao apresentar o formato funcional da demanda de moeda. Contudo, algumas páginas adiante (Keynes, 1936, p.199), Keynes reescreve a função demanda de moeda da seguinte forma: M=M1+M2=L1Y+L2r, admitindo, portanto, que tanto a taxa de juros como o nível de renda são variáveis que influenciam a demanda de moeda.
  • 9
    Essa é a parte mais frágil da argumentação de Keynes de que a taxa de juros é um fenômeno estritamente monetário. Para que o nível de renda possa ser previamente determinado à condição de equilíbrio no mercado monetário, é necessário que a condição de equilíbrio no mercado de bens, qual seja, poupança = investimento, seja suficiente para determinar a referida variável. Para que isso seja possível, contudo, a taxa de juro, não deve aparecer como argumento nas funções de poupança e de investimento; cm outras palavras, as decisões de poupança e de investimento devem ser juro-inelásticas. Tal hipótese, ainda que empiricamente relevante, tem o efeito de reduzir a teoria keynesiana ao status de um caso particular de um modelo mais geral, no qual essas funções apresentam a taxa de juros como argumento. Oreiro (1996) demonstra que a resolução desse impasse envolve a substituição do modelo estático apresentado por Keynes na Teoria Geral por um modelo sequencial à Robertson
  • 10
    As expectativas dos indivíduos com relação a uma certa variável são ditas regressivas se qualquer desvio do valor corrente dessa variável com relação ao seu valor esperado for considerado temporário pelos indivíduos, ou seja, se estes anteciparem que, no futuro, o valor realizado da variável em consideração irá convergir para seu valor esperado (Branson, 1989, pp. 324-325).
  • 11
    Deve-se ressaltar, contudo, que Keynes não afirma que as forças reais da produtividade do capital e da propensão a poupar não têm nenhum efeito sobre a taxa de juros. Ela apenas afirmou que tais forças atuariam sobre a taxa de juros de uma maneira indireta, ou seja, por meio do nível de renda e de emprego.
  • 12
    Deve-se observar que, de acordo com o mecanismo do multiplicador, haverá sempre um volume de poupança equivalente ao investimento realizado na economia. Isso não quer dizer, contudo, que a referida poupança possa ser utilizada para financiar os gastos de investimento, uma vez que ela só estará disponível para os agentes ao final do processo do multiplicador. Em outras palavras, a poupança só estará disponível um certo período após a realização dos referidos gastos. Subsiste, portanto, o problema relacionado à forma pela qual os empresários conseguirão obter poder de comando sobre os bens de capital, dos quais necessitam para implementar seus projetos de investimento.
  • 13
    Dito de outra forma, a equação de demanda por moeda deveria apresentar o seguinte formato: Md=Lr,Y,(I*, onde I* é o investimento ex ante.
  • 14
    Uma outra interpretação é fornecida por Dalziel (1996). Segundo ele, Keynes estaria considerando uma economia na qual (i) todo o investimento é financiado por crédito bancário, (ii) o multiplicador opera de forma instantânea, (iii) os indivíduos alocam todas as suas poupanças para a compra de obrigações de longo-termo, ou seja, o entesouramento das poupanças é inexistente, e (iv) o crescimento econômico é igual a zero. Em tais condições, pode-se demonstrar que o finance necessário para a realização dos investimentos planejados para o período corrente é fornecido pelo finance que foi liberado pela realização do investimento do período anterior.
  • 15
    Isso se deve ao fato de que os bancos têm a maior parte de seus recursos advindos de depósitos à vista. Sendo assim, eles não podem efetivar empréstimos de longo prazo. Se o fizessem, estariam assumindo sérios riscos de se tornarem inadimplentes antes do período de vencimentos dos empréstimos por eles efetuados.
  • 16
    Segundo Carvalho (1992, p. 151), a magnitude da propensão a poupar é irrelevante para a realização das operações de funding, isso porque, ex post, existirá sempre poupança suficiente para que as dívidas de curto prazo sejam transformadas em obrigações de longo prazo. As operações de funding podem não ser realizadas em condições favoráveis para as firmas investidoras, ou seja, a taxas de juros de longo termo muito elevadas, se a preferência pela liquidez dos poupadores for elevada. Nesse caso, os poupadores irão preferir manter uma parte de suas poupanças sob a forma de ativos líquidos, recusando-se a comprar as obrigações emitidas pelas firmas, a não ser que ocorra uma elevação da taxa de juros de longo termo
  • 17
    Oreiro (1996) demonstra que a inclusão do motivo finanças num contexto em que o investimento está crescendo ao longo do tempo anula a afirmação de Keynes de que a taxa de juros é um fenômeno estritamente monetário. De fato, nesse contexto, a produtividade do capital passa a ter efeito direto sobre a taxa de juros. Contudo, isso não implica que a Teoria da Preferência pela Liquidez seja equivalente à Teoria dos Fundos de Empréstimo, uma vez que na primeira é a diferença entre o investimento ex ante e o investimento ex post que tem influência sobre a taxa de juros, ao passo que na última a taxa de juros é influenciada pelo nível de investimento planejado para o período corrente.
  • 18
    Nesse contexto, Keynes parece sugerir que as firmas podem financiar seus investimentos mediante a utilização de ativos que tenham acumulado previamente. Só assim faz sentido a distinção entre demanda de moeda e demanda de crédito; uma vez que, se as firmas possuem ativos previamente acumulados, elas podem atender à sua demanda de finance sem ter de recorrer a empréstimos junto aos bancos comerciais. Sendo assim, Keynes estaria sugerindo que a demanda por finance pode ser atendida mediante a redução da demanda de moeda devida a um dos demais motivos (transação, precaução e especulação). Se assim for, então Keynes está mudando uma das premissas básicas da argumentação de Robertson, qual seja, de que as firmas não são capazes de se autofinanciar. Eis um claro exemplo do ponto levantado por Carvalho (1994) a respeito do debate em consideração: a incompleta incapacidade dos autores cm consideração de chegar a um acordo a respeito das questões que estavam sendo debatidas.
  • 19
    A discussão feita a seguir é inteiramente baseada em Oreiro (1993).
  • 20
    Essa tabela é devida a Dalziel (1996).
  • 21
    JEL Classification: E12; E43.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2000
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