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Imposto inflacionário e transferências inflacionárias no Brasil: 1947-2003

Inflationary tax and inflationary transfers in Brazil: 1947-2003

RESUMO

Este trabalho atualiza, para 2003, a série de taxas inflacionárias de 1947-1992, transferências inflacionárias para bancos comerciais e transferências inflacionárias totais anteriormente publicadas em Cysne (1994CYSNE, Rubens P. (1994). Imposto Inflacionário e Transferências Inflacionárias. Revista de Economia Política. Vol. 14, nº 3, julho-setembro de 1994. Fundação Getulio Vargas, FGV Dados (Fonte de Dados).) e em Simonsen e Cysne (1995SIMONSEN, M. H. e Rubens P. CYSNE (1995, 2ª ed.). Macroeconomia. Editora Atlas e Editora da Fundação Getulio Vargas.).

PALAVRAS-CHAVE:
Imposto inflacionário; transferências inflacionárias para bancos comerciais; transferências inflacionárias totais

ABSTRACT

This work updates, to 2003, the 1947-1992 series of inflation tax, inflationary transfers to commercial banks and total inflationary transfers previously published in Cysne (1994CYSNE, Rubens P. (1994). Imposto Inflacionário e Transferências Inflacionárias. Revista de Economia Política. Vol. 14, nº 3, julho-setembro de 1994. Fundação Getulio Vargas, FGV Dados (Fonte de Dados).) and in Simonsen and Cysne (1995SIMONSEN, M. H. e Rubens P. CYSNE (1995, 2ª ed.). Macroeconomia. Editora Atlas e Editora da Fundação Getulio Vargas.).

KEYWORDS:
Inflationary tax; inflationary transfers to commercial banks; total inflationary transfers

1. INTRODUÇÃO

Em um país com inflação estritamente positiva, define-se imposto inflacionário (II) como a transferência compulsória de renda, através de juros reais negativos, pagos pela base monetária, a favor do Banco Central e contra o restante da economia que mantém base monetária entre seus ativos, pessoas físicas e jurídicas residentes no país em particular. E, como transferências inflacionárias (TI), a transferência compulsória de renda, por meio dos juros reais negativos pagos pela diferença entre depósitos à vista e encaixes totais3, a favor dos emissores de depósitos à vista (bancos comerciais) e contra o restante da economia que mantém depósitos à vista entre seus ativos, pessoas físicas e jurídicas residentes no país em particular.

À soma do imposto inflacionário e transferências inflacionárias dá-se o nome de transferências inflacionárias totais (TIT). Tratam-se estas das transferências compulsórias de renda, através dos juros reais negativos pagos pelos meios de pagamento (M1); a favor do sistema bancário (Banco Central e bancos comerciais) emissor de M1 e contra o restante da economia que mantém M1 entre seus ativos, pessoas físicas e jurídicas residentes no país em particular.

As transferências arbitrárias de renda aqui mencionadas nada têm a ver com o fato de os salários acompanharem ou não a inflação. Elas são perdas sistemáticas de renda decorrentes da manutenção de ativos que pagam juros nominais nulos em um ambiente de inflação estritamente positiva. Tais transferências só deixariam de existir se não houvesse meios de pagamento emitidos pelo sistema bancário e de posse do setor não bancário, se esses meios de pagamento fossem indexados à inflação, ou se a inflação fosse nula.

2. ASPECTOS METODOLÓGICOS

A metodologia que utilizamos para o cálculo dos juros reais negativos, respectivamente, sobre a base monetária, sobre diferença entre os meios de pagamento e a base monetária e, por último, sobre os meios de pagamento, pode ser obtida em Cysne (1990CYSNE, Rubens P. (1990). Contabilidade com Juros Reais, Déficit Público e Imposto Inflacionário. Pesquisa e Planejamento Econômico, 20 (1), abril de 1990.) ou em Simonsen e Cysne (1995SIMONSEN, M. H. e Rubens P. CYSNE (1995, 2ª ed.). Macroeconomia. Editora Atlas e Editora da Fundação Getulio Vargas., cap. 3).

Se B e P representam, respectivamente, a base monetária e o nível de preços em função do tempo, o imposto inflacionário entre os instantes de referência 0 e 1, em moeda de poder aquisitivo do instante j, dá-se por:

I I j = P j 0 1 B P 2 d P d t d t (1)

Para o cálculo das transferências inflacionárias para os bancos comerciais (TI) substitui-se, em (1), B por M1 - B. No caso das transferências inflacionárias totais (TIT), troca-se B por M1. Tem-se assim que TIT = II + TI.

Como não se dispõem das funções B(t), M1(t) e P(t) em tempo contínuo, para fins práticos aproxima-se (1) por somatórios. Quando se passa de integrais a somatórios, existem incontáveis metodologias por meio das quais tal cálculo pode ser efetuado, todas necessariamente arbitrárias e aproximadas. Neste trabalho, mantemos a mesma metodologia utilizada em Cysne (1994CYSNE, Rubens P. (1994). Imposto Inflacionário e Transferências Inflacionárias. Revista de Economia Política. Vol. 14, nº 3, julho-setembro de 1994. Fundação Getulio Vargas, FGV Dados (Fonte de Dados).) e em Simonsen e Cysne (1995SIMONSEN, M. H. e Rubens P. CYSNE (1995, 2ª ed.). Macroeconomia. Editora Atlas e Editora da Fundação Getulio Vargas.).

Em função de a moeda pagar juros nominais nulos, a taxa de juros real (negativa), paga pela moeda entre os períodos t e t + 1, escreve-se:

r t + 1 = P t - P t + 1 P t + 1

Seja At o saldo do agregado monetário A no mês t. Uma forma possível de se calcularem os juros reais (negativos) Jt pagos por A, denominados em moeda corrente, dá-se por:

J t = A t P t - P t + 1 P t + 1 (2)

As transferências contra os detentores de agregados monetários por definição equivalem ao simétrico aditivo dos juros reais pagos pelo agregado. Isto posto, para o cálculo de II, TI e TIT utilizamos -Jt, onde Jt se calcula por (2). Observações técnicas sobre a metodologia de cálculo (2) são apresentadas posteriormente neste texto. Para expressar os valores como percentual do PIB, procede-se o somatório de Jt com t variando de 1 a 12 (janeiro a dezembro de cada ano) e divide-se pelo PIB. Como no caso contínuo mencionado antes, na avaliação de Jt o agregado monetário A assume os valores de B quando se trata de II, de M1-B no cálculo de TI e de M1 no cálculo de TIT.

A tabela 1 apresenta a evolução das transferências de 1947 a 2003. Os dados de 1947 a 1992 são os mesmos publicados anteriormente em Cysne (1994CYSNE, Rubens P. (1994). Imposto Inflacionário e Transferências Inflacionárias. Revista de Economia Política. Vol. 14, nº 3, julho-setembro de 1994. Fundação Getulio Vargas, FGV Dados (Fonte de Dados).) e em Simonsen e Cysne (1995SIMONSEN, M. H. e Rubens P. CYSNE (1995, 2ª ed.). Macroeconomia. Editora Atlas e Editora da Fundação Getulio Vargas.).

Tabela 1:
Imposto Inflacionário (II), Transferências Inflacionárias para os Bancos Comerciais (TI) e Transferências Totais (TIT = II + TI) em relação ao Produto Interno Bruto (PIB)

Observações técnicas:

  1. Relativamente aos dados entre 1947 e 1979, utilizou-se, para efeito de cálculo, a base monetária obtida pelo conceito vigente até 1986, que incluía os depósitos à vista do público no Banco do Brasil. A partir de 1980, utilizou-se o novo conceito de base monetária, em que o Banco do Brasil é tratado da mesma forma que os demais bancos comerciais.1 1 Embora esta modificação só tenha efetivamente ocorrido quando do Plano Cruzado, no primeiro trimestre de 1986, o Banco Central retroagiu a série de base monetária sob esta nova metodologia até o início de 1980.

  2. Até o final de 1979, todos os dados monetários utilizados refletem saldos mensais em final de período, tendo em vista que não se dispõem de dados dos agregados monetários entre 1947 e 12/1979 com base na média mensal dos saldos diários. A partir de 1980, os dados em médias mensais dos saldos diários estão disponíveis nas estatísticas do Banco Central e foram utilizados.

  3. Observe que o índice IGP-DI do mês t é coletado do dia 1º do mês t ao dia 30 do mês t, sendo, portanto, centrado no dia 15 do mês t. Até 12/1979 estamos utilizando, para o agregado monetário At; o saldo ao final (dia 30) do período t e, a partir de 01/1980, a média mensal dos saldos diários no mês t. O cálculo de Jt através da utilização da fórmula (2) implica que o agregado monetário do mês t (centrado no dia 30 do mês t para dados até 12/1979, e no dia 15 do mês t, para dados a partir de 01/1980) se multiplica pelo juro real (negativo), rt+1, pago pela moeda, que se mede, em termos centralizados, do dia 15 do mês t ao dia 15 do mês t+1. Este procedimento é arbitrário e reflete apenas uma das várias alternativas possíveis. Como estamos mais interessados na evolução de longo prazo da série histórica do que nos valores específicos mês a mês, entretanto, este ponto passa a ser de segunda ordem. d) As transferências aqui calculadas são todas brutas, não líquidas. Nos períodos de inflação elevada, por exemplo, as tarifas de serviços bancários costumam ser mais baixas do que nos períodos de inflação mais baixa, em parte devido aos maiores ganhos de floating com os depósitos à vista auferidos pelos bancos comerciais.

Comentários sobre a Série:

  1. Devido à modificação do conceito de Base ocorrida a partir de 1980, a variável mais adequada a uma análise histórica é o total das transferências inflacionárias, TIT. Neste sentido, é informativo observar-se que, a despeito das muito mais elevadas taxas de inflação ocorridas na década de 1980 e ao início da década de 1990, o maior valor de TIT/PIB na série até 2003 ocorreu em 1963 e 1964. Nesses anos, 9,03% e 7,84% do PIB foram transferidos do setor não bancário para o setor bancário da economia, respectivamente, como juros reais negativos pagos pelos meios de pagamento. Evidentemente, esta observação de um maior valor do TIT/ PIB, com uma inflação relativamente mais baixa (91,9% e 81,3% em 1964 e 1963 contra 1.782,9% e 2.708,2% em 1989 e 1993, respectivamente) deve-se ao fato de o estoque monetário, seja de Base ou M1; tomado em relação ao PIB, ter sido mais elevado em 1963-1964 do que em 1979/1993.

  2. Entre 1980 e 2003, o maior valor do TIT/PIB ocorreu em 1989 (6,70% do PIB).

  3. Entre 1947 e 2003, as transferências inflacionárias totais apresentaram uma média de 3,59% do PIB. Grosso modo, em câmbio médio de 2003, PIB de 2003 (456,8 bilhões de dólares) e dólares de 2003, isto significa que indivíduos e empresas no Brasil transferiram em média, anualmente, para o setor bancário da economia, Banco Central incluído, em decorrência da inflação, um poder de compra da ordem de 16,4 bilhões de dólares. Se considerarmos 2003 apenas, este número retrocede para algo em torno de 1,92 bilhões de dólares.

  4. Delimitando-se o período 1947-1993 como pré-Real e 1995-2003 como pósReal, observa-se que as transferências inflacionárias totais passaram de 4,21% do PIB a 0,55% do PIB, uma queda da ordem de 87%; não obstante, o montante em dólares de 2003 do período pós-Real continua elevado, da ordem de 2,51 bilhões de dólares por ano.

  5. Entre 1980 e 2003, as séries de base monetária e depósitos à vista tomam o Banco do Brasil como um dos demais bancos comerciais; tal série se presta, portanto, para se ter uma idéia de como as transferências inflacionárias totais se repartem entre o Banco Central e os bancos comerciais; observa-se neste período uma média II/PIB de 1,75% e de TI/PIB de 1,55%; ou seja, a partição traduz algo em torno de 53% para o Banco Central e 47% para os bancos comerciais.

A figura 1 apresenta a evolução no tempo das variáveis II e TIT (TI obtendose pela diferença TIT-TI), como percentagem do PIB, ao longo do tempo.

Figura 1

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Banco Central do Brasil. Várias fontes de dados, incluindo dados no site http://www.bcb.gov.br
    » http://www.bcb.gov.br
  • CYSNE, Rubens P. (1990). Contabilidade com Juros Reais, Déficit Público e Imposto Inflacionário. Pesquisa e Planejamento Econômico, 20 (1), abril de 1990.
  • CYSNE, Rubens P. (1994). Imposto Inflacionário e Transferências Inflacionárias. Revista de Economia Política. Vol. 14, nº 3, julho-setembro de 1994. Fundação Getulio Vargas, FGV Dados (Fonte de Dados).
  • SIMONSEN, M. H. e Rubens P. CYSNE (1995, 2ª ed.). Macroeconomia. Editora Atlas e Editora da Fundação Getulio Vargas.
  • 1
    Embora esta modificação só tenha efetivamente ocorrido quando do Plano Cruzado, no primeiro trimestre de 1986, o Banco Central retroagiu a série de base monetária sob esta nova metodologia até o início de 1980.
  • 2
    JEL Classification: E39; E59.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2004

Histórico

  • Recebido
    Mar 2004
  • Aceito
    Maio 2004
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