Resumo
The aim of this paper is to evaluate the relationship between fiscal deficits and interest rate in Brazil. An adaptation of Taylor’s Rule is tested and the data confirmed this relationship. Furthermore, evidence from a loanable funds model shows that a lower deficit can bring interest rate down. However, policy coordination is a key feature in this process.
interest rate; monetary policy; fiscal policy
interest rate; monetary policy; fiscal policy
ARTIGOS
Uma análise da proposta de déficit nominal zero
An analysis of the zero nominal deficit proposal
Manoel Carlos de Castro Pires
Técnico da coordenação de finanças públicas do IPEA e doutorando em economia da UnB. E-mail: manoel.pires@ipea.gov.br
ABSTRACT
The aim of this paper is to evaluate the relationship between fiscal deficits and interest rate in Brazil. An adaptation of Taylors Rule is tested and the data confirmed this relationship. Furthermore, evidence from a loanable funds model shows that a lower deficit can bring interest rate down. However, policy coordination is a key feature in this process.
Key-Words: interest rate, monetary policy, fiscal policy.
Jel Classification: E31, E52, E61.
INTRODUÇÃO
Desde o início de 1999, o governo brasileiro trabalha com crescentes metas de superávit primário. A partir de 2002, o governo Lula supera, com folga, a meta fiscal de 4,25% do PIB. Desde o início deste programa, é claro o compromisso de manter o equilíbrio fiscal com o intuito de reduzir a relação dívida-PIB.
Ao longo do ano de 2005, uma proposta ganhou muita força e tem sido extensivamente debatida: a proposta de déficit nominal zero exposta pelo ex-Ministro Delfim Netto.1 1 A proposta de déficit nominal zero foi discutida em Delfim Netto (2005). Esta proposta consiste na adoção de superávits crescentes para, em quatro ou cinco anos, se obter um déficit nominal zero.
De acordo com a proposta, duas seriam as vantagens ao se alcançar esta meta: em primeiro lugar, haveria uma redução na taxa de juros. Em segundo lugar, haveria um choque de produtividade com a redução dos gastos de custeio, principal instrumento pela qual a elevação do superávit primário seria atingida.
Este artigo tem por objetivo analisar a primeira vantagem: o impacto de superávits sobre a taxa de juros. Para tanto, o artigo conta com mais quatro seções além desta introdução. A próxima seção trata dos aspectos teóricos desta proposta. Em particular, analisa a literatura sobre a questão da determinação da taxa de juros no Brasil.
Esta análise mostra que existem dois enfoques. O primeiro enfoque é compatível com um modelo de política monetária ou de função de reação do Banco Central e o segundo enfoque é compatível com um modelo de fundos de empréstimo. Entretanto, é ausente na literatura a questão da coordenação entre as políticas. Assim, a terceira seção mostra como o comportamento do Banco Central e da Autoridade Fiscal pode determinar o equilíbrio da economia.
A quarta seção trata dos modelos de política monetária e de fundos de empréstimo. O primeiro modelo analisa o impacto do equilíbrio fiscal sobre a política monetária por meio de uma Regra de Taylor Modificada. O segundo modelo trata de uma teoria de fundos de empréstimo nas linhas de Hoelscher (1986).
Conclui-se, na última seção, que os resultados sugerem que a elevação do esforço fiscal deverá criar condições para a queda da taxa de juros. Contudo, esta queda não deverá acontecer no curto prazo. Em primeiro lugar, a elevação do esforço fiscal gera maior grau de liberdade para a política monetária atingir os demais objetivos. Em segundo lugar, a redução da taxa de juros dependerá da coordenação entre o Banco Central e a Autoridade Fiscal.
ASPECTOS TEÓRICOS
Do ponto de vista teórico, a principal motivação para a implantação da proposta de déficit nominal zero exposta pelo ex-Ministro da Fazenda Delfim Netto é que esta política resulta em taxas de juros reais menores. Contudo, ao longo da proposta não está claro como esta relação foi estabelecida.2 2 O autor afirma apenas que "superávits progressivos que, no horizonte de quatro ou cinco anos, produzam um déficit nominal zero, anteciparia uma forte redução na estrutura a termo das taxas de juros e reduziria fortemente a relação dívida líquida/Pib (2005: 8-9)". Esta questão é essencial, pois ao longo dos anos muitos pesquisadores têm apontado diversas causas para explicar o fato de que a taxa de juros no Brasil é elevada. Em geral, muitas explicações surgiram e poucas são passíveis de avaliação empírica, seja pela falta de dados confiáveis, seja pelas diversas quebras estruturais nas séries econômicas oriundas das crises que atingiram a economia brasileira no período recente.
Dentre as razões apontadas para a elevada taxa de juros no Brasil, se identifica dois enfoques. O primeiro enfoque observa que a taxa de juros é determinada pelo Banco Central (doravante BC) que a conduz de acordo com alguns objetivos e que estes objetivos sempre fizeram com que a taxa de juros no Brasil estivesse acima do seu patamar de equilíbrio.
Neste sentido, quando o BC fixa a taxa de juros, tomando como dada a taxa de inflação, fixa-se também a taxa de juros real. Assim, quando existem objetivos que não somente a inflação, o BC altera a taxa de juros real com o objetivo de alcançar as demais metas.
Pode-se dizer que o estudo que consolidou esta visão foi o artigo de Bresser-Pereira & Nakano (2002), que observam que a taxa de juros no Brasil é elevada porque (i) precisa conter a inflação evitando choques de demanda e choques cambiais, (ii) precisa equilibrar o balanço de pagamentos, e (iii) precisa induzir investidores externos a comprar títulos públicos para financiar a dívida pública. Em outras palavras, a determinação da taxa de juros no Brasil tem por objetivos o controle inflacionário, o equilíbrio externo e a sustentabilidade da política fiscal. Segundo os autores, algum destes fatores sempre fez com que a taxa de juros permanecesse elevada, ao longo do período de análise.
Nesta mesma linha, alguns autores enfatizam o papel do equilíbrio externo. Sicsú (2002) encontrou evidências de que o BC eleva a taxa de juros para controlar a volatilidade cambial. Uma forma de reduzir a taxa de juros seria a adoção de medidas que limitem a volatilidade na taxa de câmbio. Com este intuito, Sicsú, Oreiro & Paula (2003) defenderam a adoção de controles de capitais de natureza preventiva.3 3 Em condições de desequilíbrio externo, Oreiro (2004) ressalta que a elevação das taxas de juros acaba por eliminar todo o esforço fiscal do governo.
Uma característica importante dos artigos citados é que em todos eles o equilíbrio externo é um fator crucial na determinação da taxa de juros no Brasil. Pode-se dizer, portanto, que a proposta de déficit nominal zero tem a contribuição de deslocar o eixo de discussão ao incorporar o papel de fatores internos para a determinação da taxa de juros.
Do ponto de vista prático, a avaliação deste tipo de interpretação requer um modelo de determinação da política monetária, uma regra de decisão. Logo, basta racionalizar uma regra de taxa de juros para descobrir seus determinantes e, conseqüentemente, testar a referida hipótese.
Uma regra de formação para a política monetária que se tornou popular nos anos 1990, foi a que ficou conhecida como Regra de Taylor (RT) (1993). Esta regra afirma que a taxa de juros é determinada de acordo com alguns objetivos do BC, em particular, a taxa de inflação e o hiato do produto. Daí, uma forma de avaliar a proposta seria construir uma regra de taxa de juros que incorpore algum atributo fiscal.4 4 Gomes & Holland (2003) investigam a determinação da taxa de juros em condições de dívida pública elevada. Suas conclusões são de que as altas taxas de juros aumentam o endividamento aumentando conseqüentemente a probabilidade de default. Daí, concluem que as altas taxas de juros são a causa do risco de default e não conseqüência.
O segundo enfoque afirma que a taxa de juros é um problema estrutural e que a economia brasileira apresenta um conjunto de características que acabam por elevá-la. Neste sentido, a taxa de juros seria apenas o reflexo de uma série de atributos que a pressionam para cima, ou seja, a taxa de juros de equilíbrio da economia brasileira é elevada.
Com esta perspectiva, Arida (2003) aponta que a incerteza jurisdicional é um fator que é incorporado ao prêmio de risco, o que contribui para elevar a taxa de juros.5 5 Ver, ainda, Arida, Bacha e Lara-Rezende (2003). O argumento é que os agentes econômicos incorporam em seus cálculos o risco da adoção de controles de capitais no futuro que inviabilizem sua liberdade futura na alocação de recursos. Desta forma, os autores identificam um risco de conversibilidade que é incorporado ao prêmio de risco elevando a taxa de juros.6 6 Ono, Silva, Oreiro e de Paula (2005) realizam um estudo empírico que rejeita a relação entre controles de capitais e taxa de juros.
Na mesma linha de análise, alguns autores destacam a importância de fatores institucionais sobre a determinação da taxa de juros. Gonçalves e Kanczuk (1999) afirmam que países com instituições políticas fracas não conseguem absorver um elevado endividamento com taxas de juros baixas. Loureiro e Barbosa (2003) acrescentam a importância do passado de quebras de contrato na economia brasileira.
Toledo (1999) defende a idéia de que o mix de políticas econômicas realiza um equilíbrio onde a taxa de juros é elevada. Este mix de políticas faz com que as relações estruturais da economia se equilibrem com uma taxa de juros alta. Neste sentido, Stiglitz afirma que:
"If the government has to borrow more money, interest rates rise... Increased government borrowing shifts the demand curve to the right, leading to higher interest rates (2000: 779-780)".
Uma possível forma de analisar esta questão a partir desta perspectiva seria a adoção de um modelo estrutural, em que se pode assumir, por exemplo, que a incerteza jurisdicional e as restrições institucionais estão dadas no período de análise. Um modelo compatível com a análise feita por Stiglitz é o modelo de fundos de empréstimo. Este modelo será utilizado, neste artigo, para fins de avaliação empírica7 7 Vale ressaltar que o modelo do tipo IS-LM também dá suporte a esta relação entre taxa de juros e déficit. Para maiores detalhes, ver Sachs e Larrain (1995). .
Em relação às evidências empíricas, Paul Evans, em uma série de artigos, tem investigado a relação entre déficits e taxa de juros na economia norte americana. Evans (1985) testou um modelo IS-LM para vários períodos da história norte-americana e afirmou não existir relação empírica entre déficits e taxas de juros. Evans (1987) avaliou, ainda, o efeito de déficits futuros sobre as taxas de juros de curto prazo no período 1908-1984 não encontrando relação empírica entre estas variáveis. Por outro lado, Hoelscher (1986) avaliou um modelo de fundos de empréstimo para a economia americana e encontrou evidências entre déficits e taxas de juros de longo prazo, mas não sobre a taxa de juros de curto prazo8 8 A motivação para estes estudos empíricos foi a observação de que as taxas de juros e os déficits no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980 se elevaram nos EUA. Para uma interpretação alternativa ver Clarida & Friedman (1984). .
Portanto, a análise da questão da taxa de juros no Brasil tem sido efetuada dentro de duas perspectivas. A primeira perspectiva passa pela questão de como o BC decide alterar esta taxa e quais são as variáveis que determinam estas alterações. Uma forma de avaliar se o esforço fiscal pode contribuir para a redução da taxa de juros deve passar então por um modelo de dinâmica para a taxa de juros, ou seja, se a função de reação do BC incorpora algum aspecto fiscal.
A segunda perspectiva atribui a elevação da taxa de juros aos fenômenos estruturais da economia brasileira segundo a qual os aspectos fiscais são um dos fatores que a determinam. Dentro desta linha, um modelo estrutural de fundos de empréstimo pode capturar as principais relações que envolvem a determinação da taxa de juros no Brasil.
É importante ressaltar que não é claro na literatura como se dá a questão da coordenação. Neste caso, o esforço fiscal pode ou não significar redução das taxas de juros dependendo de como o BC interpreta este esforço fiscal e de como a Autoridade Fiscal (doravante AF) espera que o BC se comporte.
UM MODELO DE COORDENAÇÃO MACROECONÔMICA
O modelo a ser especificado é altamente estilizado e consiste de uma curva de oferta agregada (curva de Phillips), que relaciona a inflação com o nível de atividade, de uma curva IS que relaciona a taxa de juros com a demanda agregada e do setor fiscal via restrição orçamentária.9 9 As equações estruturais do modelo (IS e de oferta agregada) são backward looking seguindo Svensson (1997). O uso da restrição orçamentária fiscal foi sugerido em Favero (2004).
A curva IS é da forma:
onde b0 é um parâmetro, r é a taxa de juros real de equilíbrio da economia, pt refere-se à taxa de inflação no período t, xt ao hiato do produto e it é a taxa de juros nominal determinada pelo BC.
A curva de oferta agregada é do tipo novo keynesiana e é dada por:
onde o termo k reflete o grau de rigidez (nominal e real) da economia.10 10 Quanto menor k maior será o nível de rigidez nominal. Quando k=0, a inflação é puramente inercial.
A inclusão do setor público neste modelo é feita de forma usual via restrição orçamentária que é dada por:11 11 A forma com a qual se tratou o setor fiscal deve-se à Bohn (1992). Benigno e Woodford (2006) utilizam a restrição de forma equivalente, entretanto, os autores supõem que existe equivalência ricardiana o que não parece ser uma boa hipótese para a economia brasileira que possui um histórico de default.
onde Gt representa os gastos do governo (exclusive gastos com juros), Bt representa a dívida a vencer no período t, Tt refere-se às receitas do governo e os demais termos significam, respectivamente, à variação da dívida no período t e às receitas que o tesouro recebe do Banco Central (Bt-Bt-1, Ht-Ht-1).
Dividindo a equação acima pelo nível de preços no período t, obtemos:
Assumindo que as receitas de senhoriagem são nulas e que a meta de política é obter endividamento real igual a zero, obtém-se:
que é condição necessária para que o endividamento seja zero.
Dividindo e multiplicando o termo Bt-1 por Pt-1, obtém-se:
em que as variáveis minúsculas correspondem aos valores reais.
Resolvendo esta equação para a taxa de juros, obtém-se uma equação para a taxa de juros consistente com o equilíbrio fiscal:
em que dt é o esforço fiscal (representado pela relação superávit primário/ dívida).
A equação (8) pode ser interpretada como uma regra de equilíbrio fiscal para a taxa de juros. Pode-se observar que esta equação contém implicações importantes para a política monetária. Ela dá informação a respeito do esforço fiscal realizado, pois quanto maior este esforço (expresso pelo termo), maior poderá ser a taxa de juros consistente com o equilíbrio fiscal. Sendo assim, a política monetária acaba por ser determinada pela política fiscal.
Um segundo aspecto relevante refere-se ao mix de política. A taxa de juros consistente com o equilíbrio fiscal pode ser elevada de duas formas: (i) via elevação da taxa de inflação, o que corrói o valor real da dívida, e (ii) via elevação do superávit primário.
A partir destas equações se obtém condições para a análise da relação entre a política monetária e fiscal. Para tanto, suponha que o BC busca minimizar a soma descontada de uma função perda (L) que considera desvios da taxa de inflação em relação às suas respectivas metas:
em que os ls representam os pesos atribuídos pelo BC a cada um de seus objetivos.
Assim, o BC minimiza esta função perda (L) com as respectivas restrições dadas pelas equações estruturais da economia (equações 1 e 2) e a restrição de equilíbrio fiscal (equação 8):
s.a. (1), (2) e (8)
As condições de primeira ordem são dadas por:
em que j1,t , j2,t , j3,t , e representam os multiplicadores de Lagrange associados às equações (1), (2) e (8), respectivamente.
A condição (11) pode ser reformulada para:
onde é dado pelos demais parâmetros que não o esforço fiscal.
A condição (13) mostra que existe uma relação direta entre o desvio da inflação em relação à meta e o superávit primário em relação à dívida (esforço fiscal). Para entender esta relação é de importância crucial o significado de j3,t , que indica a utilidade marginal do equilíbrio fiscal na perda do BC.
Quando j3,t >0, a utilidade marginal do equilíbrio fiscal aumenta a perda do BC de forma que um esforço fiscal elevado (dt)E conduz a um elevado desvio da inflação em relação à meta (pt p*)R. Quando j3,t < 0, a utilidade marginal do equilíbrio fiscal reduz a perda do BC de maneira que um esforço fiscal elevado (dt)E gera um reduzido desvio da taxa de inflação (pt p*)R. O segundo caso pode ser interpretado como um BC "fiscalista".
A questão central é que a autoridade fiscal (doravante AF) não conhece o peso que o BC atribui ao equilíbrio fiscal. Sendo assim, a AF determina o superávit primário de acordo com suas expectativas em relação à j3,t . Quando o objetivo de ambos é obter um pequeno desvio da meta para inflação, quatro casos são possíveis:
(i) A AF formula expectativa de que j3,t > 0 e acerta (ou seja, j3,t > 0). Então, AF determina um reduzido esforço fiscal (dt)R e, conseqüentemente, (pt p*)R. Este é o caso onde as políticas são coordenadas.
(ii) A AF formula expectativa de que j3,t < 0 e erra (ou seja, j3,t > 0). Então, AF determina um elevado esforço fiscal (dt)E e, portanto, (pt p*)E.
(iii) A AF formula expectativa de que j3,t > 0 e erra (ou seja, j3,t < 0). Então, AF determina um pequeno esforço fiscal (dt)R e (pt p*)E.
(iv) A AF formula expectativa de que j3,t < 0 e acerta (ou seja, j3,t < 0). Então, AF determina um grande esforço fiscal (dt)E e, daí, (pt p*)R. Esta situação parece enquadrar o caso do Brasil.
A questão é, por que o Brasil se situa na região (iv) e não se move para a região (i) onde um pequeno esforço fiscal resulta em baixa inflação? A resposta é que a situação (iv) se constitui em um equilíbrio de Nash. Se a AF alterar sua percepção a respeito do parâmetro j3,t o equilíbrio se altera para (iii), que resulta em inflação elevada. De forma análoga, se o BC altera o parâmetro j3,t , a economia vai para a situação (ii) com elevada inflação.
Assim, apenas um movimento coordenado poderia fazer a economia sair da situação (iv) para (i), onde um superávit primário menor com baixa inflação implicaria reduções na taxa de juros de acordo com a equação (8).
ANÁLISE EMPÍRICA
A análise empírica avalia o debate em torno da problemática da taxa de juros no Brasil a partir dos enfoques apresentados: (i) o enfoque baseado nas funções de reação e (ii) o enfoque baseado no modelo de fundos de empréstimo.
Os dois enfoques, no entanto, não devem ser considerados como substitutos, mas sim como complementares. Com efeito, o enfoque baseado na função de reação tem por objetivo mostrar como o BC determina a taxa nominal de juros a cada período, mostrando a sua dinâmica ao longo do tempo. A taxa de juros de equilíbrio é tomada como constante neste enfoque. Encontrar os determinantes da taxa de juros de equilíbrio ("a taxa natural de juros" nos termos da teoria de fundos de empréstimo) é precisamente o papel do segundo enfoque.
O enfoque das funções de reação
O enfoque das funções de reação tenta mostrar como o BC reage aos eventos econômicos. A literatura mostra que a taxa de juros reage de acordo com desvios da inflação e do hiato do produto. Este padrão ficou conhecido como Regra de Taylor. Propõe-se, nesta seção, a estimação de uma Regra de Taylor Modificada (RTM) que incorpora o esforço fiscal ao conjunto de variáveis originais na Regra de Taylor.
A equação 14 é capaz de avaliar a predição de que quanto maior for o esforço fiscal, menor deverá ser a taxa de juros real. O esforço fiscal foi incluído, pois o superávit primário deve ser considerado pequeno ou grande de acordo com o tamanho da dívida.
Para a avaliação empírica, foi utilizado o período de agosto de 1999 a novembro de 2005. A descrição das variáveis utilizadas está descrita no apêndice 1 APÊNDICE 1: DESCRIÇÃO DAS VARIÁVEIS ao final do artigo. Como o modelo pode estar sendo avaliado diante de pontos de equilíbrio, empregou-se a estimação pelo Método Geral de Momentos (doravante, GMM) (Hayashi, 2000).
Na utilização do método GMM é crucial a definição dos instrumentos. Neste sentido, duas listas de instrumentos são empregadas. A primeira lista de instrumentos consiste na primeira defasagem das variáveis independentes (desvio da inflação, desvio do produto e esforço fiscal) denotado por RTM 1. A segunda lista de instrumentos consiste na primeira e segunda defasagem das variáveis independentes denotado por RTM 2. Cabe ressaltar que assumiu-se que a meta de hiato do produto é zero.
A tabela 1 apresenta os resultados da estimação da equação 14 com as duas listas de instrumento. Foi estimada, ainda, a Regra de Taylor padrão (RT) que considera apenas a inflação e o produto. A comparação entre os resultados mostra primeiro que a hipótese de que existe uma relação entre a política monetária e o esforço fiscal não deve ser rejeitada. De acordo com os resultados, o esforço fiscal contribui de forma positiva para a determinação da taxa de juros.
Ressalta-se, ainda, que a inclusão do esforço fiscal no modelo de política monetária faz com que a taxa de juros de equilíbrio tenha patamares mais reduzidos que a Regra de Taylor padrão. Neste contexto, um aumento do esforço fiscal gera uma redução do valor de equilíbrio da taxa de juros. Entretanto, esta redução não é, necessariamente, imediata, pois o BC aproveita a folga fornecida pela política fiscal para atingir as demais metas.
O enfoque do modelo de fundos de empréstimo
O segundo enfoque consiste na análise a partir da teoria de fundos de empréstimo. O modelo apresentado nesta seção equivale ao analisado em Hoelscher (1986). Esta análise parte da identidade macroeconômica de que a poupança agregada (S) iguala o investimento agregado (I). A função poupança é definida como a soma da poupança externa, privada e pública (S E, S P, SG). Estes agregados são modelados da forma a seguir:
em que rt é a taxa real de juros, et é a taxa de câmbio real, CRt é o volume de crédito em relação ao PIB, a0, b0 e c0 são constantes e ek é o termo de erro com média zero e variância s 2k.
Não será imposto nenhum sinal para o coeficiente c4, pois, conforme Tobin (1965), uma taxa de inflação maior estimula o investimento porque reduz o preço do capital. Por outro lado, Sidrausky (1967) mostrou que a inflação não impacta a acumulação de capital. A literatura recente sobre metas para inflação tem apontado que uma taxa de inflação baixa é benéfica ao crescimento econômico (Bernanke et alli, 1999).
Resolvendo as equações a partir da identidade macroeconômica (S=I), obtém-se uma equação que determina a taxa de juros:
A equação 19 representa uma equação estrutural que capta a relação inversa entre taxa de juros e a poupança do governo, medida pela necessidade de financiamento do setor público (dado que o parâmetro a3 é negativo). Os dados utilizados compreendem o período de janeiro de 1999 a novembro de 2005.
Da mesma forma que na seção anterior, foi realizada a estimação em GMM. Como lista de instrumentos utilizou-se a primeira defasagem das variáveis independentes. O modelo estimado corresponde à equação 19 e na medida em que a significância de algumas variáveis foi sendo rejeitada, estas foram sendo retiradas do modelo (tabela 2). Chegou-se, então, ao modelo com maior parcimônia em que apenas o hiato do produto, a relação crédito-PIB e a poupança do governo foram estatisticamente significativas.
Cabe observar que o coeficiente referente à poupança do governo foi significativo em todas as especificações. De acordo com as estimações, a redução do déficit nominal em 1% pode contribuir para reduzir a taxa de juros real em 1,2% aproximadamente. O crédito só foi significativo na última especificação com grau de significância de 10% apenas.
A evidência apresentada a partir da teoria de fundos de empréstimo dá respaldo ao argumento de que a redução do déficit nominal pode contribuir para reduzir a taxa de juros real no Brasil. As evidências apresentadas são robustas às especificações do modelo. Neste sentido, a interpretação a partir da teoria de fundos de empréstimo mostra que a proposta de déficit nominal zero pode ser adequada para atender o objetivo de reduzir a taxa de juros na economia brasileira.
CONCLUSÕES
Este artigo teve como principal objetivo discutir a proposta de déficit nominal zero a partir do argumento exposto pelo ex-Ministro Delfim Netto de que esta política contribuiria para reduzir a taxa de juros no Brasil. Para tanto, buscou-se na literatura brasileira os argumentos que possam justificar a determinação da taxa de juros no Brasil. Foram identificados dois enfoques neste debate.
O primeiro enfoque afirma que o Banco Central determina a taxa de juros de acordo com seus objetivos. O segundo enfoque discute os determinantes estruturais da taxa de juros sendo que a teoria de fundos de empréstimo representa uma boa aproximação.
Uma discussão que é importante e está ausente neste debate é a coordenação entre as políticas. Mostrou-se que a trajetória de um equilíbrio ruim com taxa de juros alta para um equilíbrio com taxa de juros baixa não é trivial. Apenas um movimento coordenado é capaz de gerar as condições para a estabilidade macroeconômica.
Com efeito, as evidências empíricas mostraram, nos dois modelos, que o maior esforço fiscal gera condições para a redução da taxa de juros de equilíbrio. Entretanto, isso não significa que esta redução acontecerá no curto ou médio prazo, pois, neste caso, o esforço fiscal elevado cria condições ao Banco Central de perseguir seus objetivos com maior liberdade.
Portanto, a adoção da proposta de déficit nominal zero não é condição suficiente embora necessária no longo prazo para a redução das taxas de juros no Brasil. Esta política deve vir acompanhada de uma maior coordenação entre a Autoridade Fiscal e o Banco Central para uma eficiência maior das políticas.
Submetido: Janeiro, 2006; aceito: Setembro, 2006.
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APÊNDICE 1: DESCRIÇÃO DAS VARIÁVEIS
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Fev 2008 -
Data do Fascículo
Dez 2007
Histórico
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Aceito
Set 2006 -
Recebido
Jan 2006