Open-access Orçamento do esporte no governo Dilma: a primazia dos interesses econômicos e o direito escanteado

Resumo

O esporte tem tanto uma função integradora, sobretudo por meio das políticas sociais esportivas, quanto uma função econômica de garantir as condições gerais de produção, que se evidenciou no Brasil a partir dos grandes eventos esportivos. O objetivo desta pesquisa foi identificar a configuração do gasto orçamentário com esporte no governo Dilma. Esta é uma pesquisa documental feita com base no Plano Plurianual – 2012/2015 e dados da execução orçamentária extraídos do Portal Siga Brasil, em que foram analisados os indicadores magnitude e direção do gasto. Identificamos que há limites à efetivação dos gastos planejados, bem como privilégio do gasto com grandes eventos e infraestrutura em detrimento dos gastos diretos com a prática esportiva.

PALAVRAS-CHAVE Fundo público; Esporte; Financiamento do esporte; Governo Dilma

Abstract

Sport has an integrative function, above all, through social sports policies, as well as an economic function of guaranteeing the general conditions of production, which was evidenced in Brazil from the major sporting events. The objective of this research was to identify the configuration of budget spending with sports in the Dilma government. This is a documentary survey based on the Pluriannual Plan - 2012/2015 and budget execution data extracted from the SIGA Brasil Portal, in which the magnitude and direction of expenditure indicators were analyzed. We identified that there are limits to the effectiveness of planned expenditures, as well as the privilege of spending on large events and infrastructure, to the detriment of direct spending on sports.

KEYWORDS Public fund; Sport; Financing of sport; Government Dilma

Resumen

El deporte tiene tanto una función integradora, sobre todo, por medio de las políticas sociales deportivas, como la función económica de garantizar las condiciones generales de producción, que se ha puesto de manifiesto en Brasil a partir de la celebración de grandes eventos deportivos. El objetivo de esta investigación fue identificar la configuración del gasto presupuestario en deporte en el gobierno Dilma. Esta es una investigación documental realizada con base en el Plan Plurianual 2012/2015 y datos de la ejecución presupuestaria extraídos del portal SIGA Brasil, en la cual se analizaron los indicadores magnitud y dirección del gasto. Identificamos que hubo límites a la efectividad de los gastos planificados y se privilegió el gasto en grandes eventos e infraestructura en detrimento de los gastos directamente relacionados con la práctica deportiva.

PALABRAS CLAVE Fondos públicos; Deporte; Financiación del deporte; Gobierno Dilma

Introdução

O fundo público se coloca como elemento central para concretização das políticas públicas. Ele tem duas vias, por um lado capta recursos da sociedade, por meio de impostos, taxas e contribuições, e de outro direciona gastos para as políticas econômicas e sociais (Salvador, 2012). O Estado, portanto, apresenta uma dupla função por meio do fundo público: integradora, em que executa as políticas sociais para integrar as classes dominadas e garantir a continuidade da ideologia dominante; e econômica, em que são criadas as condições gerais de produção aos membros da classe dominante (Mandel, 1982). Essa dupla função também se expressa pelas políticas públicas esportivas desenvolvidas pelo governo brasileiro (Mascarenhas, 2016).

A função integradora do esporte está vinculada às políticas sociais esportivas que são executadas pelo Estado, a partir de um discurso pautado na inclusão social e na focalização, em que o público alvo tem sido a juventude pobre, além do incentivo ao esporte de alto rendimento. Por outro lado, a função econômica tem garantido as condições gerais de produção, principalmente por meio dos grandes eventos esportivos – os Jogos Pan e Para-Americanos 2007 (Jogos Rio 2007), os Jogos Mundiais Militares de 2011, a Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol (Fifa) de 2013, a Copa do Mundo Fifa de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos 2016 (Jogos Rio 2016).

Essas duas funções fizeram parte da política esportiva nos governos Lula (2003-2006 e 2007-2010) e Dilma (2011-2014 e 2015-2016). No primeiro governo Lula foi criado o Ministério do Esporte (ME), em 2003, possibilitou que tal governo se concentrasse no desenvolvimento de programas sociais esportivos, sobretudo no Programa Segundo Tempo (PST) e no Programa Esporte e Lazer da Cidade (PELC). Mas, a partir de 2007, com os Jogos Rio 2007, houve uma inflexão para grandes eventos esportivos (Athayde, 2011), que passaram a ser o princípio organizador da agenda esportiva brasileira (Mascarenhas et al., 2012). A efetivação dessa política, centrada nos grandes eventos esportivos, caracteriza o ativismo estatal desenvolvido nos governos Lula e Dilma (Singer, 2015), marca de um projeto de desenvolvimento nacional que buscava recuperar o papel do Estado e reposicionar o país na geopolítica mundial. Destarte, a justificativa para concretizar os grandes eventos esportivos foram os seus possíveis benefícios econômicos e sociais.

Embora o financiamento público do esporte seja feito desde a Lei n° 3.199/1941 – governo Getúlio Vargas –, só na Constituição de 1988 (Brasil, 1988) que o esporte foi garantido como direito. A maior parte da legislação sobre o financiamento público do esporte se deu a partir da Lei n° 9.615/1998 – conhecida como Lei Pelé, a atual Lei Geral do Esporte. No setor, há uma diversificação de fontes de financiamento público do esporte, ou seja, fontes orçamentárias, extraorçamentárias e gastos tributários. Não obstante, nosso objeto de estudo se refere exclusivamente à fonte orçamentária do esporte, uma vez que é a expressão mais visível do fundo público, compõe a maioria dos recursos para esporte e é sobre essa fonte que o governo tem maior controle sobre a política esportiva e seu gasto (Carneiro et al., 2017).

Discutir o gasto estatal com esporte é central para compreensão da concretização das políticas públicas desse. No entanto, os estudos que tematizam o gasto governamental com esporte ainda são incipientes. Estudos foram desenvolvidos, tais como os de Almeida e Marchi (2010), Athayde (2011), Athayde et al. (2015) e Mascarenhas (2016), que analisaram o gasto orçamentário com esporte nos governos Lula. Há consenso entre esses autores de que houve a priorização do esporte de alto rendimento durante o governo Lula, com destaque para o gasto com os Jogos Rio 2007. Portanto, não há estudos que analisaram os recursos orçamentários gastos com esporte no governo Dilma Rousseff. Além disso, são escassas as produções acadêmicas que debatem as políticas esportivas pelo viés do seu financiamento e gasto. Assim, este trabalho tem como objetivo analisar a configuração do gasto orçamentário com esporte no governo Dilma, tem por base o período do Plano Plurianual (PPA) – 2012/2015. O estudo se pautará nos indicadores magnitude e direção dos gastos, problematizará o desenvolvimento da política de esporte.

Delineamento do estudo

Esta pesquisa se caracteriza como documental, a coleta de dados foi feita em bancos de acesso público, a partir do PPA – 2012/2015 (Brasil, 2012) e do Siga Brasil (Senado Federal, 2017). O PPA é um documento que estabelece as políticas públicas a serem implantadas por um governo, apresenta diretrizes, objetivos e metas para que a administração pública estabeleça seus gastos. O PPA é elaborado durante o primeiro ano de um governo, tem sua vigência do segundo ano até o primeiro ano do próximo governo. Assim, embora o primeiro mandato de Dilma perpasse 2011 a 2014, aquele PPA foi elaborado durante 2011 e teve vigência de 2012 a 2015. Não analisaremos os anos de 2011 e 2016 do governo Dilma, pois do primeiro se deu a partir do PPA – 2008/2011 e o segundo do PPA – 2016/2019.

É a partir do PPA que são executados os gastos do orçamento público, entre eles da política esportiva. Para análise dos gastos com esporte usaremos os dados da execução orçamentária, disponíveis no Siga Brasil. Esse é um sistema de informações sobre orçamento público desenvolvido pelo Senado Federal que permite acesso amplo e facilitado ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) e ao Sistema Integrado de Dados Orçamentários (Sidor), que constituem a base das informações mensais coletadas que se relacionam com os registros do Orçamento e do Balanço Geral da União (Senado Federal, 2017). Todos os dados financeiros usados foram deflacionados pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), média anual, calculada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), buscou-se eliminar os efeitos da inflação e da desvalorização da moeda.

Para análise do financiamento e gasto com esporte, usamos a proposta metodológica desenvolvida por Fagnani (2009). Dessa maneira, para análise da configuração do gasto com esporte, fazemos uso dos indicadores magnitude e direção do gasto. No primeiro, identificamos o volume de recursos gastos com esporte, as diferentes fases do planejamento e execução orçamentária, e comparamos o volume gasto com o esporte em relação ao Orçamento Fiscal e da Seguridade Social (OFSS) e ao Produto Interno Bruto (PIB) – para os valores do PIB usamos os dados do Ipeadata (Ipeadata, 2017). No segundo, analisamos como os recursos foram distribuídos, avaliamos o que foi priorizado e seus reflexos, a partir de categorização do gasto, tomou-se por base o PPA – 2012/2015.

Configuração da execução orçamentária e da magnitude do gasto com esporte

A execução orçamentária no Estado brasileiro se dá pela interação entre os poderes Legislativo e Executivo. É feita pelo Poder Executivo, que define o direcionamento do orçamento, a partir dos programas de governo. Contudo, esse processo se desenvolve permeado de influências das classes e frações de classe presentes no Estado (Athayde et al., 2015). No orçamento público, há uma classificação funcional-programática que organiza as contas governamentais por função, subfunção e programas. No âmbito do esporte, há a função Desporto e Lazer, da qual derivam as subfunções Desporto de Rendimento, Desporto Comunitário e Lazer.

No que tange ao planejamento estatal de gasto, a primeira etapa é a dotação inicial, que representa o valor inicial presente na Lei Orçamentária Anual (LOA), na qual são feitas a previsão de arrecadação do Estado e a programação do valor para ser gasto com cada política em cada ano. Entretanto, esse valor da dotação inicial pode sofrer alterações. O valor autorizado é a dotação inicial acrescida e/ou deduzida dos créditos adicionais e/ou bloqueios. Como pode ser visto na tabela 1, em todos os anos, houve créditos adicionais para a função Desporto e Lazer.

Tabela 1
Fases da execução orçamentária com a função Desporto e Lazer - Série 2012-2015

Se compararmos aquilo que foi empenhado – primeira fase da despesa orçamentária – ele é registrado no momento em que o bem ou serviço é contratado, cria para o Estado a obrigação de pagamento pendente – em relação ao autorizado, percebemos uma grande diferença. Ao longo de 2012 a 2015, apenas 55,02% do autorizado foram empenhados. O volume de recursos não empenhados está associado ao processo de contingenciamento de despesas públicas para atender às metas fiscais, busca-se fazer com que o Estado não gaste mais do que foi arrecadado, além de garantir que parte dos recursos seja reservada para gerar superávit primário – honrar os compromissos do Estado com o capital financeiro (Salvador, 2012). Destarte, questões alheias à política esportiva impactaram para que a função Desporto e Lazer tivesse menos recursos.

A segunda etapa da despesa orçamentária é a liquidação, se refere à confirmação de que o bem foi entregue ou o serviço foi executado. Na tabela 1, é possível notar que em todos os anos os valores liquidados são inferiores aos empenhados – apenas 28,41% do empenhado foram liquidados. Os valores pagos, terceira etapa da despesa orçamentária, se referem ao pagamento da despesa ao credor no mesmo ano em que a despesa foi liquidada. Como pode ser observado, nem tudo que foi liquidado teve o pagamento concretizado.

Essas diferenças entre empenhado, liquidado e pago podem ser explicadas pelo conceito de restos a pagar (RP), que correspondem a despesas empenhadas mas não pagas até 31 de dezembro do ano referente. Há dois tipos deles: a) RP processados, significa que a despesa foi liquidada, contudo ainda não foi paga; e b) RP não processado, indica que houve o empenho da despesa, mas ela não foi liquidada. Esses dois casos se deram durante a vigência do PPA – 2012/2015 na função Desporto e Lazer.

A inscrição de recursos em RP tem por objetivo o alcance de superávit primário maior, possibilita que o governo demonstre que se esforça para conter despesas. Contudo, há na verdade a postergação do pagamento da despesa (Almeida, 2011). Para o Inesc (2011, p. 6), "esse crédito jogado para o ano subsequente tem se tornado um orçamento paralelo que concorre com o orçamento do exercício corrente". Foi esse processo, que não se deu apenas no âmbito do esporte, intitulado de "pedaladas fiscais", que justificou o impeachment da presidente Dilma em 2016.

O pagamento de RP pode ser feito com recursos autorizados dos anos subsequentes, ou por meio do lançamento de títulos de crédito no mercado, isto é, aumenta a dívida pública (Almeida, 2011). Assim, é criado um ciclo vicioso entre o processo de gerar superávit primário e a necessidade de pagamento da dívida pública (amortizações, juros e encargos). Os recursos da função Desporto e Lazer ficaram comprometidos com os interesses do capital financeiro no governo Dilma. Contudo, conforme apresentam Athayde et al. (2015) e Mascarenhas (2016), esse processo de constrangimento do orçamento da política esportiva tem acontecido, pelo menos, desde o governo Lula. Mascarenhas (2016) chegou a identificar uma relação inversamente proporcional entre o gasto orçamentário com esporte e o pagamento de juros e encargos da dívida pública.

A presença de RP inscritos para serem pagos concorreu ao longo do tempo com o pagamento no mesmo ano em que foram liquidados, pois os valores de RP pagos foram superiores aos não pagos, demonstraram assim que houve priorização no pagamento de RP em detrimento do pagamento no mesmo ano em que houve liquidação do bem ou serviço. Dessa forma, as ações do PPA 2012-2015 ficaram comprometidas com as despesas de RP de anos anteriores. A média do que foi pago em relação ao autorizado de 2012 a 2015 foi de 15,33%, ou seja, uma execução orçamentária extremamente baixa, deixou os recursos para o esporte bastante diminutos.

Os estudos sobre o orçamento federal do esporte – Mascarenhas (2016), Athayde et al (2015), Almeida e Marchi (2010) – trabalhavam com valores liquidados para apontar o gasto com a política esportiva, pois apenas a partir de 2012 o Siga Brasil passou a publicar os valores de RP pagos. Mascarenhas (2016) chega a apontar que estudos pós-2012 deveriam trabalhar com montante gasto com esporte, a partir da junção de valores pagos com RP pago. A seguir trabalharemos com a soma desses dois valores para o esporte.

Dos R$ 6,21 bilhões gastos pela função Desporte e Lazer, 97,74% foram pelo ME e 2,26% pela Autoridade Pública Olímpica (APO)1 – para essa foram R$ 125 milhões em 2012, R$ 1,1 milhão em 2013 e R$ 8,9 milhões em 2014. No entanto, nem todas as despesas gastas com o esporte estão dentro da função Desporto e Lazer, pois as subfunções Desporto de Rendimento, Desporto Comunitário e Lazer podem se vincular a outras funções. De 2012 a 2015 houve gasto das seguintes funções/unidades orçamentárias com as subfunções do esporte: Cultura/Ministério da Cultura (Minc), Educação/Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e Defesa Nacional/ Ministério da Defesa (MD).

Como pode ser observado na tabela 2, de 2012 a 2015, 85,77% dos recursos gastos com esporte foram para a função Desportos e Lazer, enquanto 14,33% foram provenientes das outras três funções supracitadas. Dessa forma, recursos de outras pastas ministeriais ao longo do PPA – 2012/2015 reforçaram os recursos gastos com esporte. Conforme demonstra Mascarenhas (2016), essa prática de outras funções colocarem recursos nas subfunções do esporte teria sido comum no governo Lula.

Tabela 2
Gasto com esporte e sua participação em relação à execução do OFSS e do PIB - Série 2012-2015

Na tabela 2, podemos identificar que houve crescimento percentual de recursos do esporte em relação ao OFSS e ao PIB, ao longo do PPA – 2012/2015. No entanto, os valores apresentados estão longe daquilo que foi estabelecido como meta pelo Plano Decenal de Esporte e Lazer e nas I e II Conferências Nacionais do Esporte, respectivamente, 2% e 1% do orçamento da União para o esporte. Embora venha de longa data a luta para que o gasto orçamentário com esporte seja maior, o PPA – 2012/2015 manteve a tendência de baixa participação do esporte em relação ao OFSS e ao PIB, acompanhou o que tinha sido identificado por Mascarenhas (2016) nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula.

Direcionamento do gasto orçamentário com esporte

Em busca de identificar como os gastos com esporte foram direcionados ao longo do tempo, analisamos aquilo que está definido como política esportiva no PPA – 2012/2015. Esse inovou em relação aos PPAs anteriores, pois teve uma nova organização a partir de programas temáticos e programas de gestão, a referida modificação sofreu inúmeras críticas, pois, ao agrupar os programas, causou uma dificuldade de monitorar as políticas públicas, ocasionou uma generalização, assim como um esvaziamento dessas ações como categoria de programação de despesa (Cabral, 2012).

O efeito disso na política esportiva foi a redução dos programas esportivos – PST, PELC e de esporte de alto rendimento – ao programa temático de Esporte e Grandes Eventos e ao Programa de Gestão e Manutenção do ME. O primeiro apresentou quatro objetivos, conforme a seguir (Brasil, 2012):

  1. Ampliar e qualificar o acesso da população ao esporte e ao lazer, por meio de articulações intersetoriais, promover a cidadania, a inclusão social e a qualidade de vida.

  2. Elevar o Brasil à condição de potência esportiva mundialmente reconhecida, com apoio à preparação de atletas, equipes e profissionais, da base à excelência esportiva, com estímulo à pesquisa e inovação tecnológica, qualificação da gestão, melhoria e articulação das estruturas, com segurança e conforto nos espetáculos, fomentar a dimensão econômica.

  3. Coordenar, monitorar e fomentar os esforços governamentais de preparação e execução da Copa do Mundo Fifa 2014 e eventos a ela relacionados.

  4. Coordenar e integrar a atuação governamental na preparação, promoção e execução dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, considerar a geração e ampliação do legado esportivo, social e urbano, bem como implantar a infraestrutura esportiva necessária.

A partir desses quatro objetivos do programa temático do esporte, estabelecemos as categorias para análise do direcionamento do gasto orçamentário com esporte de 2012 a 2015. O primeiro objetivo está relacionado com a categoria Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social (EELIS), o segundo está articulado com a categoria Esporte de Alto Rendimento (EAR)2 , o terceiro e quarto se referem à categoria Grandes Eventos. Além disso, há a categoria Gestão, que correspondendo ao Programa de Gestão e Manutenção do ME. Também usaremos a categoria Infraestrutura, pois, assim como Mascarenhas (2016), no momento da consolidação dos dados notamos que um percentual significativo de recursos foi vinculado à construção, ampliação e/ou modernização de equipamentos esportivos.

Na tabela 3 apresentamos os gastos orçamentários com esporte ao longo do PPA – 2012/2015, tivermos por base as cinco categorias supracitadas. No geral, pode ser identificado que a maior parte dos recursos foi direcionada para os grandes eventos e infraestrutura, tanto que 72% do gasto com esporte foram para essas duas categorias.

Tabela 3
Gasto com esporte por categoria de gasto - Série 2012-2015

Os gastos com EAR e ELLIS estão diretamente relacionados com as ações relativas à execução das atividades fim, ou seja, vivência e prática do esporte nas suas diferentes manifestações (rendimento, participação e educacional). De acordo com o artigo 217 da Constituição de 1988, a prioridade no direcionamento dos gastos deve ser o esporte educacional e em casos específicos o de alto rendimento (Brasil, 1988). Mesmo se isolarmos apenas os recursos de EAR e EELIS, conforme feito por Mascarenhas (2016), apenas em 2012 o valor de EELIS foi maior do que de EAR, contrariou o gasto com os PPAs – 2004/2007 e 2008/2011, em que os valores do EAR foram inferiores ao EELIS. Percebemos que existiu, no PPA – 2012/2015, um desrespeito constitucional em relação ao esporte, haja vista os gastos finalísticos não priorizarem EELIS – nesse estão presentes as manifestações de participação e educacional.

Além disso, há limites ao cumprimento do objetivo do programa temático Esporte e Grandes Eventos, que busca garantir o acesso ao esporte e lazer à população, pois EELIS recebeu apenas 7% do total de recursos para esporte de 2012 a 2015. Seria nessa categoria que o direito ao esporte poderia ser garantido, contudo foi o gasto colocado em último plano na política esportiva no governo Dilma.

Os estudos de Teixeira et al. (2017) e Carneiro et al. (2017) mostraram que há predominância da categoria EAR em relação à EELIS através dos recursos públicos provenientes das fontes extraorçamentárias e gasto tributário. Nesse sentido, conforme adverte Mascarenhas (2016), os mecanismos de ampliação e diversificação das fontes de financiamento do esporte poderiam ter aliviado o orçamento público das pressões que limitam os gastos com EELIS, fato não ocorrido se considerarmos os dados presentes nos estudos supracitados.

Outro ponto merecedor de destaque se vincula ao objetivo de preparação de atletas para elevar o Brasil à condição de potência esportiva, pois ao considerarmos os gastos com os grandes eventos, observa-se que esses superam em mais de três vezes os direcionados àquele, ratificam assim o redirecionamento da agenda esportiva em favor do espetáculo esportivo, em detrimento de qualificar a participação dos atletas brasileiros em competições internacionais. Os estudos de Almeida e Marchi (2010), Athayde (2011) e Athayde et al. (2015) apontaram que houve priorização do EAR no governo Lula, porém agregado ao gasto com o de grandes eventos, elementos que entendemos serem diferentes.

Os gastos com gestão estão relacionados com ações de administração e manutenção do ME e da APO, são referentes a pagamento de pessoal, encargos sociais, capacitação de recursos humanos, administração da unidade do ME, publicidade etc. O gasto com gestão em 2012 destoa dos demais anos, visto que nesse ano 19% do gasto dessa categoria foram com a APO e em 2013 e 2014 não há gastos expressivos. A criação de uma nova unidade orçamentária, a APO, implicou maior gasto com gestão.

Os gastos com infraestrutura são os recursos que se encontram mais dispersos, vinculados geralmente à construção de equipamentos esportivos, sobretudo nas manifestações de participação e/ou educacional. As ações aparecem inscritas como "Implantação e modernização de infraestrutura para esporte educacional, recreativo e de lazer", se articulam assim ao PPA 2012/2015. Mas também há ações com vinculação a programas de PPAs anteriores – PST e PELC –, pagos com RP.

Entretanto, grande parte do gasto com infraestrutura de 2012 a 2015 foi proveniente das funções Educação e Cultura. Enquanto aquela gastou R$ 362,42 milhões com a ação de construção e reformas de quadras esportivas em escolas, essa gastou R$ 642,56 milhões com a construção dos equipamentos esportivos e culturais chamados Praças do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) (Senado Federal, 2017). Portanto, 43% do gasto com infraestrutura não foram aplicados pelo ME, mas por outras pastas ministeriais, essa categoria absorveu cerca de 98% do gastos de outras funções com as subfunções do esporte. O gasto com infraestrutura para o esporte faz parte do processo mais geral do Estado brasileiro de garantia das condições gerais de produção (Mandel, 1982), sobretudo ao setor da construção civil.

A categoria grandes eventos – nessa foram incluídos os valores gastos com infraestrutura para execução deles por fazerem parte de uma agenda específica – foi a que recebeu mais recursos no período, foram R$ 2,82 bilhões (39% do total). Desses gastos, R$ 23,79 milhões foram direcionados para infraestrutura dos Jogos Mundiais Militares 2011 – recursos da função Defesa Nacional –, R$ 202,05 milhões para organização da Copa do Mundo Fifa 2014 e R$ 2,57 bilhões para os Jogos Rio 2016 – 11% foram para preparação e organização e 89% para infraestrutura. É importante observar que 2014 e 2015 foram os anos que tiveram mais recursos efetivamente pagos da função Desporto e Lazer, isto é, para a execução daqueles houve esforço governamental para que os recursos fossem concretizados.

Os grandes eventos foram assumidos pelo governo Lula, mas executados em grande parte no governo Dilma. Essa focou a política esportiva na execução daqueles, elemento expresso pelo PPA – 2012/2015 e pelo gasto. Os grandes eventos foram executados pela articulação entre o Estado, as entidades de administração esportiva – sobretudo o Comitê Olímpico Brasileiro e a Confederação Brasileira de Futebol – e o mercado (Mascarenhas et al., 2012), buscaram projetar o Brasil no âmbito esportivo, político e econômico.

O governo Dilma, ao priorizar na política esportiva o gasto com os grandes eventos e infraestrutura, focou a função econômica do esporte em detrimento da sua função integradora. O esporte continuou a ser colocado, durante o governo Dilma, como funcional ao processo de acumulação capitalista, contribuiu com o projeto de mundialização de determinados setores da burguesia nacional (construtoras e financeiro), setores esses que foram fiéis ao financiamento das campanhas eleitorais do Partido dos Trabalhadores (Athayde, 2014). O gasto com esporte favoreceu conglomerados econômicos em detrimento de garantir o direito ao esporte, foram na direção contrária ao que deveria ser priorizado em uma política esportiva.

O esporte expressou em seu âmbito específico aquilo que tem sido a trajetória do fundo público no Brasil no âmbito mais geral, isto é, a priorização da política econômica em detrimento das políticas sociais (Salvador, 2010; 2012). Portanto, na disputa pelo orçamento do esporte no PPA – 2012/2015, se manteve o atendimento aos interesses das classes dominantes.

Considerações finais

O estudo trabalha com dados pagos e de RP pago, uma vez que a partir de 2012 o RP pago está disponível, aproxima assim os valores daquilo que foi efetivamente gasto, diferentemente dos estudos anteriores, que trabalharam com valores liquidados. Ao analisar a execução orçamentária para o esporte, identificamos que os compromissos com o capital financeiro limitaram a política esportiva de contar com mais recurso ao longo do PPA – 2012/2015.

O estudo se limitou a analisar o gasto orçamentário com esporte durante a vigência do PPA – 2012/2015, trabalhou com dados mais gerais. Seria interessante que novos estudos analisassem a totalidade das fontes de financiamento para esporte – orçamentárias, extraorçamentárias e gastos tributários –, bem como tematizassem longitudinalmente aquilo que foi gasto ao longo dos diferentes governos ou PPAs.

No período analisado, outras funções contribuíram para reforçar os recursos orçamentários para o esporte, sobretudo direcionados para infraestrutura. Os gastos finalísticos com esporte não tiveram o protagonismo no governo Dilma, sobretudo a categoria EELIS, é a partir dela que o esporte poderia ser acessado como direito.

O gasto orçamentário com esporte no governo Dilma teve como foco os grandes eventos e a infraestrutura esportiva, categorias essas que estiveram ligadas à garantia das condições gerais de produção, principalmente da burguesia nacional vinculada à construção civil. Além disso, os grandes eventos passaram a ser a prioridade na política esportiva, expresso pelo direcionamento dos objetivos do PPA – 2012/2015 e do gasto. Contudo, eles estavam para além da política esportiva, pois buscavam, ao mesmo tempo, a projeção política e econômica do país.

A partir dos dados apresentados sobre o gasto orçamentário com esporte no PPA – 2012/2015, fica clara a necessidade de continuar a lutar para que o esporte seja garantido como direito a população, a começar por mais gasto com a prática esportiva, uma vez que os interesses econômicos têm sido colocados em primeiro plano.

  • O presente trabalho contou com apoio financeiro do CNPq a partir do Edital Universal 14/2014 e o primeiro autor foi beneficiário do Programa Institucional de Bolsas de Qualificação de Servidores do IFG.
  • 1
    Criada pela Lei Federal n° 12.396, de 21 de março de 2011, a APO é uma das garantias oferecidas pelo Brasil ao Comitê Olímpico Internacional (COI), durante a candidatura da cidade do Rio Janeiro para sediar os Jogos Rio 2016. A APO executou junto com o ME as ações de organização daquele.
  • 2
    As categorias EELIS e EAR estão articuladas à denominação da estrutura organizacional do Ministério do Esporte, em que há a Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social (SNELIS) e a Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento (SNEAR).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    9 Maio 2017
  • Aceito
    22 Mar 2018
  • Publicado
    30 Jun 2018
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