Resumo
Este trabalho utiliza um rico e inédito banco de dados sobre registros de ocorrências para investigar os fatores associados à violência escolar. Os crimes cometidos por agentes externos à escola (furtos e roubos) são explicados pelas condições socioeconômicas do entorno e pela riqueza pessoal e material disponível nas escolas, enquanto os atos violentos cometidos por alunos (depredação, vandalismo, ameaças e agressões) estão associados à composição demográfica do corpo discente e pelo seu background familiar. Também são identificados dois efeitos ainda não investigados na literatura. O primeiro refere-se ao papel da qualidade do professor. Já o segundo refere-se ao engajamento dos pais na vida escolar dos filhos e atividades da escola. Os resultados sugerem que a habilidade do professor em estabelecer um bom relacionamento com os estudantes e que a parceria da família com a escola são capazes de atuar sobre seu comportamento, inibindo seu engajamento em atos violentos.
Palavras-Chave Educação; Violência; Qualidade do professor; Participação dos pais
Abstract
This work uses a rich and unique database on occurrences records to investigate the factors associated with school violence. The crimes committed by external agents to school (theft and robbery) are explained by the neighborhood socioeconomic conditions and the personal and material wealth available in schools, while violent acts committed by students (depredation, vandalism, threats and assaults) are associated with the students' demographic composition and his family background. We also identified two effects are not investigated in the literature. The first refers to the role of teacher quality. The second refers to the engagement in school life of children and school activities. The results suggest that the teacher's ability to establish a good relationship with the students and the partnership of the family with the school are able to act on their behavior, inhibiting their engagement in violence.
Keywords Education; Violence; Teacher quality; Parent's involvement
1. Introdução e revisão da literatura
A violência escolar é assunto recorrente na mídia e está entre as maiores queixas de professores e diretores nas suas avaliações acerca dos principais problemas enfrentados atualmente pelas escolas públicas brasileiras.1 Há evidências na literatura de que residir em comunidades ou frequentar escolas violentas pode afetar negativamente os resultados educacionais. A percepção de que a escola não é um ambiente seguro está relacionada à menor motivação para frequentar as aulas e ao maior abandono escolar (Reynolds, 2003; Heng, Leschied e Killip, 2009). A violência também está negativamente associada ao desempenho acadêmico e ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais, tais como autoestima e autocontrole (Figlio, 2007; Kinsler, 2006; Bowen e Bowen, 1999; Bowen e Chapman, 1996; Haller, 1992; Fowler e Walberg, 1991). Estas relações persistem mesmo quando características observáveis e não observáveis das famílias e da vizinhança são controladas (Aizer, 2008; Carrell e Hoekstra, 2010).
Cabe ainda destacar a ênfase da literatura sobre o papel dos pares (peer effect) como forte previsor da violência entre jovens. Por um lado, o relacionamento com pares violentos, principalmente quando estes são socialmente recompensados por seu comportamento, tende a reforçar nos jovens valores 'pró-violência'. Mas por outro lado, o comportamento antissocial e violento dos jovens é reforçado quando estes são isolados de pares dotados de valores e atitudes sociáveis e não violentas (Leschied, 2001). A redução do envolvimento de alunos negros em atividades criminosas (como vítimas ou ofensores) em distritos que eliminaram a segregação racial nas escolas é uma evidência empírica desta relação (Weiner, Lutz e Ludwig, 2009).
Os impactos da community violence e da violência escolar sobre o bem-estar perduram até a vida adulta. O envolvimento com comportamento violento na idade escolar (como ofensor ou vítima) está associado a menores chances de concluir o ensino médio e ingressar no ensino superior; à menor empregabilidade entre jovens e adultos; além de maior probabilidade de apresentar comportamento agressivo e antissocial e cometer suicídio (Carmichael e Ward, 2001; Grogger, 2007; Karakus et al., 2010).
Os impactos da violência escolar são ainda mais preocupantes, uma vez que esta atinge principalmente estudantes com maiores desvantagens socioeconômicas. De fato, a literatura internacional mostra que o envolvimento de jovens em crimes contra o patrimônio está fortemente relacionado ao status socioeconômico da família, à pobreza e às taxas de desemprego do local de moradia, ao salário recebido no mercado de trabalho (Aneshenel e Sucoff, 1996; Grogger, 1998; Bowen e Bowen, 1999; Mocan e Rees, 2005). Já as atitudes antissociais e o envolvimento em ocorrências de crimes contra a pessoa estão associados ao ambiente familiar, aos laços estabelecidos entre pais e filhos e ao grau de envolvimento dos pais no desenvolvimento das crianças (Lipsey e Derzon, 1998; Patacchini e Zenou, 2007). Este tipo de violência também pode estar associado ao comportamento de outros adultos com os quais os jovens convivem e, provavelmente, tomam como exemplo de conduta, tais como seus pais2 e professores (Case e Katz, 1991; Glaeser et al., 1996).
Políticas que aumentam a produtividade dos investimentos em capital humano ou diminuem os retornos líquidos do crime atuam indiretamente sobre a redução da violência juvenil, principalmente nos crimes contra o patrimônio ou com motivação econômica, tais como furtos, roubos, tráfico de drogas etc. (Karoly, 1998; Donohue e Siegelman, 1998; Reynolds, 2001; Schweinhart, et al., 2005; Blau e Currie, 2006). No entanto, pouco se conhece sobre a eficácia de políticas que atuem diretamente sobre a redução da violência entre jovens, sobretudo nas ocorrências ou crimes contra a pessoa (ameaças, agressões, homicídios, violência sexual etc.). Para isto, faz-se necessário conhecer os fatores associados à violência juvenil, que podem ser contextos específicos (Leschied, 2001). É neste ponto que o presente trabalho pretende contribuir para a literatura.
A violência escolar é ainda tema pouco estudado no Brasil. Os estudos existentes dedicam-se a avaliar as consequências da violência sobre o aprendizado ou o comportamento. Gama e Scorzavafe (2013) encontram uma relação negativa entre o desempenho escolar no 5º ano do ensino fundamental no município de São Paulo e community violence, medida a partir de dados da Fundação SEADE sobre a ocorrência de crimes de homicídios, tentativa de homicídios e lesão corporal em áreas de abrangência dos distritos policiais. Já Severnini e Firpo (2009) e Oliveira e Ferreira (2013) enfocam a violência escolar e também encontram que esta se associa negativamente com o desempenho acadêmico de estudantes do ensino fundamental. Por fim, Becker e Kassouf (2012) mostram que o comportamento agressivo dos estudantes está positivamente associado à ocorrência de atos violentos na escola e ao comportamento violento por parte dos professores. Nestes trabalhos, a violência escolar é medida a partir de variáveis presentes nos questionários do SAEB/Prova Brasil, respondidos pelos diretores das escolas na ocasião dos exames, que dizem respeito à ocorrência de atos violentos nas escolas. Severnini e Firpo (2009) agregam estas informações e constroem um índice de violência. Becker e Kassouf (2012) e Oliveira e Ferreira (2013) utilizam os indicadores desagregados.
No entanto, não há trabalhos que estudem os determinantes da violência escolar para o contexto brasileiro. Neste artigo, contribuímos para a literatura ao investigar os fatores associados aos atos violentos que acontecem dentro de escolas públicas. Utilizamos uma base de dados ainda não explorada em estudos na área, que inclui registros diários detalhados sobre a ocorrência de atos violentos nas escolas estaduais de São Paulo.3 Relacionamos estas informações com diferentes dados sobre as escolas e seu entorno, professores, diretores, alunos e suas famílias para estudar a importância de diferentes dimensões como fatores associados à violência no período de janeiro de 2007 a maio de 2009. Os resultados mostram que os crimes causados por agentes externos estão basicamente relacionados à dificuldade de gestão da escola e às condições socioeconômicas do entorno. Já os atos violentos deflagrados pelos próprios estudantes estão associados à composição social e demográfica do corpo discente, bem como ao seu background familiar.
A literatura de sociologia e psicologia aponta para a importância que qualidade das relações interpessoais dos jovens com os adultos de sua convivência (seus professores, por exemplo) exerce sobre seu comportamento. Adicionalmente, professores e gestores escolares argumentam que a baixa participação dos pais na vida escolar dos filhos explicaria o aumento da violência dentro das escolas. Apesar disso, não há evidências destas relações na literatura empírica. Nossos resultados revelam que a qualidade dos docentes (expressa por sua capacidade de estabelecer boa interação com os alunos) e a participação dos pais na vida escolar dos filhos mostram-se como fatores importantes para reduzir os casos de violência escolar, principalmente entre aqueles atos que tipicamente envolvem os estudantes como ofensores, tais como depredação do patrimônio escolar e ameaça/agressão a outros alunos. Esses achados podem contribuir para o desenho de políticas públicas que pretendam reduzir casos de violência escolar.
O texto está organizado em outras quatro seções, além desta introdução. As seções 2 e 3 a seguir descrevem, respectivamente, os dados e a metodologia empregada nos exercícios empíricos. As seções 4 e 5 apresentam os resultados e as considerações finais.
2. Dados e estatísticas descritivas
Neste artigo, utilizamos informações de três fontes de dados. Os dados de violência escolar são provenientes do Registro de Ocorrência Escolar, da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (ROE/SEE-SP). Este banco de dados contém o registro diário de atos violentos ou crimes dentro das 5.646 escolas estaduais do Estado. Estas ocorrências são classificadas segundo o tipo de ação praticada (Tabela 01A), podendo ser agregadas em atos contra a pessoa ou contra o patrimônio. Há ainda, a informação do dia e horário em que se deu a ocorrência. No Brasil, esta é a única fonte capaz de relacionar dados de ocorrência de violência com características de alunos, professores e insumos, no nível das escolas.
As informações reportadas neste banco de dados são de responsabilidade do diretor da escola. Caso haja evidências de ato violento na escola não reportado no ROE (ou vice-versa), o diretor está sujeito a sofrer penalidades administrativas. Desta forma, acredita-se que estas informações sofram menos com o problema de subreportação comum à maioria das fontes de dados de criminalidade, como os registros policiais, por exemplo. Estas informações também devem ser menos subjetivas do que os dados de percepção de violência presentes em questionários de avaliações de proficiência em larga escala (SAEB/Prova Brasil, SARESP).
Para captar as informações referentes aos fatores associados à violência - características das escolas e seu entorno, professores, diretores, alunos e suas famílias - são utilizados dados provenientes dos Censos Escolares, dos questionários socioeconômicos do SARESP de 2007 a 2009 e do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social de 2010, calculado pela Fundação SEADE.
Entre janeiro de 2007 e maio de 2009, 46,8% das escolas estaduais de São Paulo reportaram pelo menos um caso de violência. Neste período, foram registradas 14.107 ocorrências de atos contra o patrimônio e 13.233 ocorrências contra a pessoa. Dentre os atos contra o patrimônio, a depredação de mobiliários ou da estrutura física da escola (lâmpadas, vidros etc.) foi a ocorrência mais frequente (30,5%), seguida das invasões ou arrombamentos (23,2%) e pichações de paredes ou muros dentro ou fora da escola (18,1%). A subtração de equipamentos, materiais e outros objetos da escola correspondem a 12,6% destas ocorrências, sendo que 11,5% são furtos (sem uso de armas) e 1,1% são roubos (com uso de armas). As ameaças e explosões de bombas no interior das escolas são bastante frequentes e respondem por 9,2% destes atos. Por fim, as ocorrências menos frequentes referem-se à danificação de veículos (3,4%) e blecautes ou incêndios provocados (3,0%) (Gráfico 01). Já em relação aos atos contra a pessoa, os mais frequentes são os casos de agressão e ameaça contra alunos (49,8% e 8,7%) e agressão e ameaça contra professores e funcionários (7,3% e 18,5%). Em seguida, aparecem os casos de furtos contra alunos, professores ou funcionários (8,2%). O porte, o consumo e o tráfico de drogas ilícitas respondem por 5,2% destas ocorrências. O porte de armas brancas ou armas de fogo, os tiroteios e os roubos correspondem a 2,0% destes atos. Os atos contra a pessoa menos frequentes referem-se aos sequestros, sequestros-relâmpago, crimes de violência sexual e homicídios praticados contra alunos, professores ou funcionários, que totalizam cerca de 0,3% das ocorrências (Gráfico 02).
O ROE/SEE-SP não identifica o ofensor. No entanto, os dados sugerem que a maioria dos atos registrados nesse sistema é cometida por membros da comunidade escolar. Isto porque 88,3% deles ocorrem em dias letivos.4 Além disso, 68,6% dos atos acontecem pela manhã ou à tarde, períodos que concentram a maior parte das aulas (Tabela 01). A distribuição das ocorrências ao longo do ano mostra que o número de atos violentos é relativamente menor nos meses de férias escolares (janeiro, fevereiro, julho e dezembro) do que nos meses letivos (Gráfico 03).
3. Metodologia
Neste artigo são estimadas diferentes regressões que relacionam dados sobre as escolas, professores, diretores e alunos ao número de atos violentos ocorridos no ambiente escolar. Assim, nesses modelos, as variáveis dependentes são discretas e caracterizam-se como dados de contagem. São estimadas regressões separadas por tipo de ocorrência, a saber: i) o total de atos contra o patrimônio; ii) ocorrências de depredação de mobiliário, pichação e danificação de veículos; iii) invasão, furto ou roubo de bens; iv) ameaça ou explosão de bombas, blecaute ou incêndio provocados; v) o total de atos contra a pessoa; vi) agressão física e ameaça (diferenciando se a vítima é aluno ou funcionário/professor); vii) furto ou roubo contra a pessoa; viii) porte de armas, tiroteio e atos relacionados às drogas (porte, consumo, tráfico).5
Segundo Cameron e Trivedi (2009), a abordagem padrão para dados de contagem é a partir da modelagem por meio de distribuições Poisson ou Binomial Negativa. Ambas podem ser expressas por (1), sendo a Poisson um caso particular em que α =0.
O modelo de Poisson apresenta a propriedade de equidispersão, ou seja, possui média e variância iguais entre si:
A parametrização usual é dada por µi = exp(xi'β), com i = 1, 2,...,n, em que x é um vetor de k regressores linearmente independentes. Já o modelo Binomial Negativo resulta da inserção de aleatoriedade multiplicativa à média do modelo de Poisson, ao ser multiplicado por uma variável aleatória ν∼Gamma(1,α). Tal transformação dá origem a um modelo mais geral, que acomoda também os casos em que há sobredispersão, já que a variância pode exceder a média:
em que g(.) é uma função conhecida [usualmente g(µ) = µ ou g(µ) = µ2]
Diante de sobredispersão, os erros-padrão serão subestimados no modelo de Poisson. A sobredispersão pode ocorrer, por exemplo, quando uma elevada proporção da amostra concentra-se em relativamente poucos valores de y. Em particular, se para uma parcela significativa da amostra y for igual a zero, a média será menor do que a variância. Esta é uma característica frequente dos dados de violência, em que grande parte da população não comete ou sofre atos violentos.
Embora a sobredispersão possa ser verificada visualmente (Gráfico 4), Cameron e Trivedi (2009) propõem um teste, baseado na forma da variância dada em (3). O procedimento consiste em testar H0: α = 0 e H1: α > 0, a partir da regressão auxiliar descrita a seguir, estimada por mínimos quadrados: g(.) é uma função conhecida e ui é o termo de erro. A estatística t reportada para α é assintoticamente normal, sob a hipótese nula de equidispersão. Para todos os modelos considerados neste artigo, a rejeição da hipótese nula sugere a existência de sobredispersão e, portanto, o uso do modelo Binomial Negativo em detrimento do modelo de Poisson (Tabela 02)., em que são os valores previstos do modelo de Poisson,
Mesmo o modelo Binomial Negativo padrão pode não ser suficiente para lidar com uma quantidade excessiva de zeros. Há uma classe de modelos de contagem, que são generalizações dos modelos de Poisson e Binomial Negativo, que consideram a inflação de zeros, ao permitir processos geradores distintos para as observações iguais a zero e para as observações positivas.
De acordo com Cameron e Trivedi (2009), esses modelos "suplementam a função de densidade de contagem f2( . ) com um processo binário f1( . ) " e podem ser descritos pela densidade abaixo. Se o processo binário assume o valor 0, com probabilidade f1( 0 ), então y = 0. Se o processo binário assume o valor 1, com probabilidade f1( 1 ), então assume valores 0, 1, 2, ... da densidade f2( . ). Isto faz com que o valor 0 ocorra de duas formas: como uma realização do processo binário e como uma realização do processo de contagem (quando y = 1).
A opção por modelos com inflação para zeros é orientada por um teste LR, proposto por Vuong (1989), que consiste em testar
denota a esperança com relação ao verdadeiro processo gerador dos dados h(.), desconhecido. O teste baseia-se no fato de que, se os dados não sofrerem de excesso de zeros, o modelo com inflação para zeros reduz-se à forma usual não generalizada. Considerando-se que f( . )é a distribuição que acomoda a possibilidade de inflação de zeros, sob a hipótese nula, esse modelo é equivalente ao modelo Binomial Negativo padrão, com densidade g(.). Novamente, para todos os modelos considerados neste trabalho, a não rejeição da hipótese nula no teste de Vuong indica o uso do modelo Binomial Negativo padrão, em detrimento dos modelos com inflação de zeros (Tabela 02).
Sendo assim, as regressões estimadas neste artigo podem ser descritas conforme (1), com α = 2 e parametrização µit = exp(xti'β), em que as unidades de observação i são as escolas estaduais paulistas e t = 2007, 2008, 2009. As variáveis dependentes referem-se ao total de atos violentos ocorridos na escola em dado ano, de acordo com a natureza da ocorrência. Uma vez que o objetivo é investigar os fatores associados à violência escolar, as variáveis explicativas referem-se a diferentes dimensões, tais como o entorno escolar; a infraestrutura e a disponibilidade de recursos na escola; a complexidade de administração e gestão escolar; ao perfil dos professores e a qualidade de seu relacionamento com os estudantes; o perfil dos alunos, seu background familiar, bem como medidas de interação entre pais e filhos e de participação dos pais na rotina da escola.
Para captar as condições socioeconômicas do entorno escolar foi incluído o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social 2010 (IPVS/2010), da Fundação SEADE. Este indicador, que varia discretamente entre um e seis, é calculado a partir dos dados do Censo Demográfico e composto por medidas relativas à média e à desigualdade de renda, à composição demográfica e à média de escolaridade dos membros dos domicílios de cada setor censitário dos municípios paulistas. O IPVS é amplamente utilizado pelo Governo do Estado de São Paulo como critério para a definição de políticas públicas por refletir a vulnerabilidade social e econômica das famílias paulistas, em nível bastante desagregado. Em particular, por ser supostamente correlacionado com o grau de violência do entorno escolar, o IPVS é considerado como critério para a concessão de gratificações salariais para professores que atuam nas regiões mais vulneráveis das cidades. No período analisado, a média do IPVS nas escolas estaduais paulistas foi de 3,10 (Tabela 03).
Os demais regressores são provenientes do Censo Escolar ou dos questionários do SARESP de 2007 a 2009. A complexidade de gestão da escola é avaliada pela inclusão de três variáveis: o logaritmo do número de alunos, uma dummy que indica se a escola oferece mais de uma etapa da escolarização (ciclo 01, ciclo 02 do ensino fundamental e ensino médio), e o tempo de experiência do diretor na escola. Na amostra, as escolas estaduais paulistas possuem, em média, 927 alunos; 72% delas ofertam mais de uma etapa da escolarização e o tempo médio de experiência do diretor na escola é de 5,6 anos. Ainda em relação aos atributos escolares, incluíram-se um indicador para contemplar a infraestrutura básica da escola (presença de biblioteca, laboratório de informática, laboratório de ciências, pátio escolar ou quadra de esportes) e um indicador para a disponibilidade de equipamentos (presença de TV, videocassete ou DVD, antena parabólica, máquina copiadora, retroprojetor, impressora, computadores para uso administrativo e computadores por aluno). Estes índices foram construídos a partir da agregação simples das variáveis que indicam a presença destes espaços ou recursos na escola. O primeiro varia entre 0 e 4 e apresenta média de 2,40. Já o segundo varia entre 0 e 8 e apresenta média de 5,65.
O capital humano dos professores é medido a partir do número de anos de estudos e da idade (em nível e ao quadrado), como proxy para a experiência. Em média, os docentes da rede estadual paulista possuem cerca de 42 anos e quase 15 anos de escolaridade. Como forma de medir a qualidade da interação entre alunos e professores, foi incluída uma variável que capta características e comportamentos do professor, reportados pelos alunos. Este indicador é construído a partir da média por escola da agregação simples das dummies que indicam: a) se o aluno gosta dos professores; b) se o aluno se sente bem atendido pelos professores para entender a matéria; c) se os professores conversam com os alunos sobre suas dificuldades; d) se o aluno acha que seus professores são dispostos a ensinar; e) se o aluno se sente incentivado pelo professor; f) se o aluno considera boa a convivência entre os estudantes, professores e funcionários.6 É um indicador que varia entre 0 e 6 e, nesta amostra, possui média 3,42.
A composição demográfica dos estudantes - gênero, idade e cor/raça - é avaliada pelas seguintes variáveis: proporção de estudantes do gênero masculino; média e média ao quadrado da idade; proporção e variância de estudantes da cor branca. A média de idade dos estudantes nesta amostra é de 13,2 anos; 61,0% são de cor branca e 50,0% são meninos. Para considerar o background familiar, incluíram-se a média de anos de estudos das mães por escola (na amostra, esta média é 7,86 anos) e um indicador de renda que se refere à média por escola da agregação simples de dummies indicadoras da posse de bens duráveis e acesso a serviços básicos, reportadas pelos alunos, quais sejam: TV em cores, videocassete e DVD, microcomputador, rádio, máquina de lavar roupas, aspirador de pó, telefone fixo, telefone celular, geladeira, freezer separado de geladeira, carro, banheiro dentro de casa, rua com calçamento, acesso à água encanada e acesso à energia elétrica. Este indicador considera não só a posse, como também o número de itens presentes no domicílio (ou sua qualidade). Desta forma, ele varia entre 0 e 35 e possui média 13,00 na amostra.
Por fim, foi incluída também uma variável com o objetivo de dimensionar a importância da participação dos pais na vida escolar dos filhos. Este também é um indicador medido a partir da média por escola da agregação simples das dummies que indicam se: a) o aluno tem incentivo em casa para estudar, fazer a lição ou os trabalhos escolares, ler, ir à escola; b) o aluno recebe ajuda dos pais para estudar em casa e realizar as tarefas; c) os pais frequentam das reuniões escolares; d) os pais frequentam as festas escolares; e) os pais participam da vida escolar (ajudam a resolver problemas da escola, ajudam na conservação ou nos serviços da escola). Este indicador varia entre 0 e 6 e possui média 1,91 na amostra.
Apesar de o banco de dados constituir-se num painel de escolas, optamos por não adotar a estratégia de efeitos fixos, já que o objetivo do artigo é estudar os fatores associados à violência escolar. Sendo assim, como as informações referem-se a um período curto de tempo (2007 a 2009), muitas destas características não variam (ou variam muito pouco) ao longo do tempo. Desta forma, alguns regressores, como o tipo de oferta e a infraestrutura, seriam excluídos do modelo. Na próxima seção, são apresentados e discutidos os resultados.
4. Resultados e discussão
As Tabelas 04 e 05 a seguir apresentam os resultados das estimações para os crimes contra o patrimônio e contra a pessoa, respectivamente. Em primeiro lugar, nota-se que o coeficiente associado à variável IPVS 2010 é positivo e estatisticamente significante nas regressões para as ocorrências de crimes contra o patrimônio (exceto bombas e incêndios provocados), mas não é estatisticamente significante nas regressões que explicam os crimes contra a pessoa. Isso indica que os atos de vandalismo e de subtração de bens materiais ocorrem com mais frequência em escolas inseridas em bairros ou regiões mais pobres e, possivelmente, com maior nível de violência em geral. Por outro lado, o ambiente do entorno escolar parece não estar associado à qualidade das interações pessoais que ocorrem dentro da escola. Este resultado contraria a ideia de que ambientes mais violentos estimulariam o comportamento agressivo de crianças e jovens e, pelo contrário, sugere os problemas de relações interpessoais entre os membros da comunidade escolar ocorrem com a mesma frequência em escolas localizadas em bairros mais ou menos pobres/violentos.
O índice que capta a infraestrutura básica da escola é positivo e estatisticamente significante nas regressões que explicam crimes contra a pessoa, sobretudo as ameaças e agressões, bem como o consumo e tráfico de drogas. Este resultado é intuitivo, uma vez que este indicador capta a disponibilidade de espaços de convivência entre os alunos, fora do ambiente da sala de aula (laboratórios, biblioteca, pátio escolar e quadra de esportes), espaços onde deve haver menor monitoramento e, portanto, maior propensão à deflagração deste tipo de ocorrência. Já a associação entre o índice que capta a disponibilidade de equipamentos e recursos pedagógicos e a violência contra a pessoa é, embora positiva, bastante fraca. A relação destas duas variáveis com os crimes contra o patrimônio sugere que, embora a presença de espaços de convivência entre os alunos (infraestrutura básica) não esteja associada aos atos de depredação e vandalismo (bombas e incêndio), a disponibilidade de equipamentos e recursos pedagógicos se associa negativamente a este último tipo de ocorrência.
Estes resultados sugerem que a simples existência de diferentes espaços pedagógicos não é suficiente para inibir a violência, mas a utilização de recursos pedagógicos distintos pode ocupar os alunos com atividades mais estimulantes e reduzir seu engajamento em atividades de vandalismo. Por fim, a associação estatisticamente significante destes dois indicadores de insumos físicos com a ocorrência de invasões, furtos e roubos mostra, por um lado, que a presença de espaços coletivos inibe este tipo de crime. Este efeito pode ser explicado pelo fato de que frequentemente estes espaços são utilizados para eventos comunitários do bairro, o que deve aproximar a comunidade da escola e, portanto, deixá-la menos suscetível a este tipo de ocorrência. Por outro lado, nota-se que a maior disponibilidade de equipamentos e bens materiais aumenta as chances de a escola sofrer com crimes de furto ou roubo.
A complexidade ou dificuldade de gestão da escola também pode impactar a prevenção de casos violentos. Esta dimensão é avaliada pela inclusão de três variáveis: o logaritmo do número de alunos, uma dummy que indica se a escola oferece mais de uma etapa da escolarização (ciclo 01, ciclo 02 do ensino fundamental e ensino médio), e o tempo de experiência do diretor na escola. Escolas grandes e nas quais convivem alunos em diferentes faixas etárias devem ser mais difíceis de administrar. De fato, os resultados mostram que maiores aglomerações de alunos relacionam-se inequivocamente à violência escolar: em todas as regressões, o coeficiente do logaritmo do número de alunos é positivo e estatisticamente significante. Este resultado também pode estar associado simplesmente à probabilidade de exposição ao evento: em escolas com maior número de alunos, as chances de ocorrerem atos violentos devem ser mais elevadas. Além disso, também se observa que, em escolas que oferecem etapas da escolarização distintas, os atos violentos tipicamente cometidos por alunos (depredação, ameaça e agressão) são mais frequentes.
Por outro lado, espera-se que diretores mais experientes e que atuam há mais tempo na escola conheçam melhor a comunidade escolar e o entorno no qual a escola se insere e que isto possa ajudá-lo a reduzir as ocorrências de violência. Os dados mostram que o tempo de experiência do diretor na escola só está negativamente associado à ocorrência de casos de furto e roubo contra as pessoas e às ocorrências de consumo e tráfico de drogas e porte de armas. Este resultado pode ser explicado de duas formas. Diretores mais experientes devem ter mais conhecimento sobre as maneiras eficazes de prevenir este tipo de crime, tais como os processos burocráticos para a solicitação de seguranças ou patrulha de rondas escolares junto à Secretaria de Educação.
O capital humano do professor, em princípio, poderia influenciar a ocorrência de violência nas escolas, se a formação e o conhecimento estiverem associados à sua capacidade de lidar com o mau comportamento dos estudantes. Desta forma, para captar o papel que o professor exerce sobre a violência, incluímos o número médio de anos de estudos, a média de idade e idade ao quadrado dos docentes em cada escola. Se a idade do professor é uma proxy para sua experiência e, se professores mais experientes são mais capazes de controlar a ocorrência de atos violentos, seria de se esperar que a idade tivesse um impacto negativo (e talvez crescente) sobre os atos cometidos por alunos. Em princípio, não há razões para acreditar que a idade ou a experiência dos docentes estejam associadas a crimes mais graves, cometidos por agentes externos à escola.
Os resultados mostram exatamente o oposto. O efeito da idade dos professores sobre a violência é positivo e decrescente, e esta associação é estatisticamente significante em todas as regressões, referentes a crimes cometidos por agentes internos e externos à escola (exceto no caso de crimes relacionados a armas e drogas). No contexto das escolas estaduais paulistas, este resultado apresenta uma explicação bastante plausível. Na rede estadual, há diferenciais de salários compensatórios para professores que lecionam em escolas em regiões mais violentas. O tempo de experiência do professor é o principal critério na prioridade de escolha das escolas de atuação em cada ano. Assim, no processo de atribuição de aulas, os professores mais experientes podem escolher atuar nas escolas mais vulneráveis e violentas, onde os salários são maiores. O fato de a propensão a realizar esta escolha ser decrescente com a idade é intuitivo: o custo marginal de trabalhar em ambientes mais violentos deve ser maior entre professores mais velhos e talvez supere o diferencial salarial recebido.
Ao contrário do que se poderia esperar em princípio, a maior qualificação dos docentes não parece se traduzir em maior habilidade por parte dos professores em controlar o comportamento dos alunos. Foi encontrado impacto positivo do tempo de qualificação dos professores na ocorrência de atos violentos contra a pessoa, sendo este efeito mais forte nas ocorrências de agressão e ameaça. Esta variável, medida em número de anos de estudos, capta basicamente as diferenças entre professores que cursaram apenas o magistério, os que possuem o ensino superior e os que possuem pós-graduação. A correlação entre a qualificação do professor e a ocorrência de atos violentos, portanto, deve refletir o efeito que diferentes tipos de treinamento que os professores recebem nos cursos de formação docente podem exercer sobre sua capacidade de lidar com o comportamento e a disciplina dos alunos. O que estes resultados sugerem é que professores com formação de magistério, por exemplo, teriam em média mais habilidade para tratar com as questões de violência do que docentes com formação de nível superior ou pós-graduação. Controlando pela idade, esta variável ainda capta a experiência do professor, já que docentes com apenas o magistério ingressam mais cedo na carreira. Como era de se esperar, não há relações estatisticamente significantes entre a qualificação dos professores e outros tipos de violência.
Um achado interessante refere-se ao efeito da variável 'relação aluno-professor'. Os resultados sugerem que a qualidade da interação entre alunos e professores influencia positivamente na prevenção ou inibição dos casos de violência. Entende-se por isso que professores que estabelecem vínculos mais próximos com seus alunos e geram um ambiente escolar mais acolhedor podem ter grande potencial de influir em sua opção por um comportamento socialmente aceitável. Este resultado sugere que, mais do que as características observáveis frequentemente utilizadas para medir a qualidade do professor, o impacto que o docente exerce sobre o comportamento dos estudantes está associado a características em geral não observáveis, associadas à qualidade de seu relacionamento com os estudantes.
Em relação à associação entre as condições socioeconômicas e a violência, nota-se que, depois de controlar pela renda média do entorno escolar, a renda média dos estudantes não parece exercer impacto estatisticamente significante sobre a ocorrência de violência, na maioria dos casos. Vale mencionar, no entanto, que em escolas com estudantes mais ricos em média ocorrem mais casos de furto e roubo contra a pessoa. Além disso, depois de controlar pela renda do entorno e do alunado, a escolaridade da mãe também não parece impactar a ocorrência de violência escolar, com exceção dos casos de agressão e ameaça contra alunos, sugerindo que a propensão dos estudantes em se envolver em conflitos com colegas é menor quanto maior for a escolaridade da mãe.
Ainda no âmbito das variáveis que retratam as características do meio familiar dos alunos, a participação dos pais nas atividades escolares parece estar associada ao menor nível de violência nas escolas, atuando sobre as ocorrências de atos tipicamente cometidos por alunos. Isto porque a proxy adotada para representar essa relação apresentou coeficientes negativos e estatisticamente significantes nas regressões para as ocorrências de depredação, ameaça e agressão. Este resultado é interessante, na medida em que esta variável parece captar não só a qualidade da interação entre pais e filhos, como também a dimensão da parceria da família com a escola. Neste sentido, este resultado pode sugerir, ao mesmo tempo, que crianças e jovens estão menos propensas a engajar-se em atos violentos quando convivem em bom ambiente familiar e quando percebem que os pais e a escola atuam em conjunto sobre sua formação e seu comportamento.
A maior proporção de alunos do sexo masculino está associada a mais casos de violência tipicamente cometidos pelos estudantes (depredação, ameaça e agressão), bem como a um maior número de ocorrências de consumo e tráfico de drogas. Este resultado é intuitivo, uma vez que se espera que meninos sejam mais engajados em atos violentos do que as meninas. Escolas que possuem mais estudantes do sexo masculino sofrem menos com invasões, furtos e roubos de bens e equipamentos, o que sugere que os estudantes atuem em alguma medida como protetores da escola da ação de agentes externos. A mesma relação negativa é encontrada na regressão para furto e roubos contra a pessoa, embora não seja estatisticamente significante.
A média de idade dos estudantes apresenta efeito positivo e decrescente sobre a ocorrência de atos violentos mais comumente deflagrados por alunos, tais como vandalismo, ameaças e agressões, bem como aos atos relacionados ao consumo e tráfico de drogas. Este resultado é esperado, já que a manifestação de comportamento violento ocorre tipicamente na fase da adolescência. Como esperado, esta variável não está associada aos atos violentos provavelmente cometidos por agentes externos à escola (invasões, furtos e roubos de bens, equipamentos e contra a pessoa). A maior concentração de alunos brancos estaria menos associada à ocorrência de crimes em geral, sendo esta relação estatisticamente significante em apenas alguns poucos casos.
Finalmente, observa-se a importância do coeficiente da variância da cor ou raça na explicação dos diferentes tipos de crimes que podem ocorrer no ambiente escolar. Em primeiro lugar, esta variável capta as diferenças sociais e econômicas do entorno e entre os alunos da escola. Assim, sua forte correlação positiva com as diferentes medidas de violência reforça a ideia já conhecida na literatura de que a violência estaria bastante associada às desigualdades (mais do que ao nível médio de renda). Além disso, esta variável também capta as diferenças culturais e as referências de valores e comportamentos entre os estudantes. Desta forma, seu impacto positivo sobre os atos violentos, principalmente sobre aqueles relacionados aos problemas interpessoais, traz mais uma evidência empírica sobre a ideia de que o convívio de jovens com grupos sociais heterogêneos reforçaria a violência, já que já que esta pode ser uma forma de expressão comportamental de autoafirmação ou de pressão para adesão de membros às normas sociais de um dado grupo.
Neste artigo, estudamos os fatores associados à violência escolar no Estado de São Paulo, no período de 2007 a 2009. Diversas dimensões são consideradas nesta análise, com o intuito de caracterizar o perfil das escolas em que ocorrem mais casos de violência contra a pessoa e contra o patrimônio. Para tanto, são consideradas informações relativas aos atributos escolares (infraestrutura e disponibilidade de recursos), ao perfil dos professores, ao perfil dos alunos e seu background familiar. Além disso, são incluídas variáveis que tentam captar outros aspectos como o entorno escolar, a complexidade da gestão, a qualidade do relacionamento entre professor e aluno, a interação entre pais e filhos e a participação dos pais na rotina da escola.
Apesar deste esforço, é possível que haja características não observáveis correlacionadas com estas dimensões, que se coloquem como fonte de viés. Um exemplo seria a frequência da ronda policial no entorno da escola. É possível que diretores mais experientes sejam mais eficazes em solicitar e/ou cobrar que a ronda escolar seja realizada regularmente. Deste modo, o coeficiente da experiência do diretor captaria também o efeito que a patrulha policial exerce sobre a ocorrência de casos de violência. Ou seja, a experiência do diretor refletiria o conjunto de habilidades que o gestor possui para lidar com o problema da violência sem, no entanto, apontar seus canais ou mecanismos. Sendo assim, é preciso avaliar os resultados deste artigo com cautela, já que eles não refletem necessariamente o impacto causal destas dimensões sobre a violência escolar. De todo modo, os achados deste paper, inéditos para o Brasil, são bastante úteis para descrever o fenômeno da violência que ocorre dentro das escolas paulistas.
5. Comentários finais
A violência sofrida na infância e juventude exerce impactos bastante perversos sobre as habilidades socioemocionais, o aprendizado, os resultados do mercado de trabalho e o engajamento em comportamentos de risco na vida adulta. Os impactos da violência escolar são ainda mais preocupantes, uma vez que esta atinge principalmente estudantes com maiores desvantagens socioeconômicas. Apesar disso, a literatura empírica sobre os fatores associados à violência escolar é escassa, o que dificulta o desenho de políticas públicas que atuem sobre sua redução.
Esta é exatamente a contribuição deste artigo, que traz evidências para o contexto de países em desenvolvimento sobre a influência de diferentes fatores associados a este fenômeno. Utilizando um rico banco de dados ainda inexplorado na literatura brasileira, são investigados os impactos que as características da escola e do entorno, a complexidade da gestão escolar, o capital humano dos professores, a composição demográfica dos alunos e seu background familiar exercem sobre crimes contra o patrimônio e contra a pessoa, que ocorrem dentro das escolas. Também são estudados dois fatores associados ainda bastante desconhecidos da literatura em geral: a qualidade da interação dos professores com os alunos e o grau de envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos.
Os resultados mostram que os crimes contra o patrimônio estão basicamente relacionados à dificuldade de gestão da escola e às condições socioeconômicas do entorno. Já os crimes contra a pessoa não são explicados pelo contexto em que a escola se insere, mas sim pela composição demográfica do corpo discente, bem como pelo seu background familiar. A qualidade da interação entre professores e alunos e a participação dos pais na vida escolar dos filhos mostram-se como fatores importantes para reduzir os casos de violência escolar, principalmente entre aqueles atos que tipicamente envolvem os estudantes como ofensores, tais como depredação do patrimônio escolar e ameaça/agressão a outros alunos.
O primeiro fator aponta para a importância da qualidade do professor sobre o comportamento dos alunos, uma vez que características não observáveis associadas à capacidade do professor em estabelecer um bom relacionamento com os estudantes seriam capazes de inibir o engajamento dos mesmos em atos violentos. Já o segundo fator mostra que a importância que os pais dão para os estudos e a parceria da família com a escola na formação dos estudantes também atuam positivamente sobre o bom comportamento de crianças e jovens em idade escolar. Estes achados, ainda não explorados na literatura de economia da educação, podem subsidiar a formulação de políticas públicas que tenham o objetivo de reduzir a violência dentro das escolas.
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1
Segundo informações do Questionário do Diretor da Prova Brasil 2011.
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2
Weak family ties.
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3
Registros de Ocorrências Escolares da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo - ROE-SEE/SP.
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4
Classificam-se como dias não letivos os finais de semana e os feriados.
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5
Não foi possível estimar regressões para os fatores associados aos homicídios, sequestros e crimes de violência sexual, devido ao baixo número de ocorrências reportadas.
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6
Variáveis presentes nos questionários socioeconômicos do SARESP, respondidos pelos alunos. Na construção das dummies, foi considerado o valor 1 para respostas 'sim' ou 'concordo plenamente'.
ANEXOS
Referências
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2016
Histórico
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Recebido
14 Abr 2015 -
Aceito
01 Fev 2016