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Diagnóstico diferencial entre esquizofrenia, transtornos invasivos do desenvolvimento e transtorno obsessivo-compulsivo na infância

Differential diagnosis between schizophrenia, pervasive development disorders and obsessive-compulsive disorder in childhood

Resumos

As dificuldades no diagnóstico dos transtornos mentais na infância criam dilemas e escassez de literatura específica. Neste estudo de caso discutimos o diagnóstico diferencial entre esquizofrenia, transtornos invasivos do desenvolvimento e transtorno obsessivo-compulsivo em uma garota de 7 anos.

Esquizofrenia; Transtornos invasivos do desenvolvimento; Transtorno obsessivo-compulsivo; Infância; Diagnóstico diferencial; Estudo de caso


Difficulties of diagnosis of mental disorders in children lead us to dilemmas due to a lack of specific literature. In this case study we discuss the differential diagnosis between schizophrenia, pervasive development disorders and obsessive-compulsive disorders in a 7-year-old girl.

Schizophrenia; Pervasive development disorders; Obsessive-compulsive disorders; Childhood; Differential diagnosis; Case study


CASO CLÍNICO

Diagnóstico diferencial entre esquizofrenia, transtornos invasivos do desenvolvimento e transtorno obsessivo-compulsivo na infância

Differential diagnosis between schizophrenia, pervasive development disorders and obsessive-compulsive disorder in childhood

Marcelo Machado de AlmeidaI; Ana Raquel Correa e SilvaII; Hélio LauarIII; Luciana CarvalhoIV

IResidente em Psiquiatria da Infância e Adolescência do Centro Psicopedagógico da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (CPP-FHEMIG)

IIResidente em Psiquiatria da Infância e Adolescência do CPP-FHEMIG

IIICoordenador da Residência de Psiquiatria do Instituto Raul Soares da FHEMIG, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

IVPreceptora da Residência em Psiquiatria da Infância e Adolescência do CPP-FHEMIG e Mestre em Pediatria pela UFMG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dra. Luciana Carvalho Rua Padre Marinho, 150 Santa Efigênia Belo Horizonte, MG CEP 30140-040 E-Mail: cpp.fhemig@mg.gov.br

RESUMO

As dificuldades no diagnóstico dos transtornos mentais na infância criam dilemas e escassez de literatura específica. Neste estudo de caso discutimos o diagnóstico diferencial entre esquizofrenia, transtornos invasivos do desenvolvimento e transtorno obsessivo-compulsivo em uma garota de 7 anos.

Unitermos: Esquizofrenia; Transtornos invasivos do desenvolvimento; Transtorno obsessivo-compulsivo; Infância; Diagnóstico diferencial; Estudo de caso.

ABSTRACT

Difficulties of diagnosis of mental disorders in children lead us to dilemmas due to a lack of specific literature. In this case study we discuss the differential diagnosis between schizophrenia, pervasive development disorders and obsessive-compulsive disorders in a 7-year-old girl.

Keywords: Schizophrenia; Pervasive development disorders; Obsessive-compulsive disorders; Childhood; Differential diagnosis; Case study.

Relato de caso

Identificação da criança

B.G.R.M., sexo feminino, 7 anos, branca, natural e procedente de Belo Horizonte, MG.

Identificação dos pais

Mãe: 37 anos, branca, 6a série, desempregada, trabalhos variados.

Pai: 45 anos, branco, grau de instrução desconhecido, trabalhos variados.

Queixa principal

Recusa alimentar.

História da moléstia atual

B. entrou para a escolinha com 4 anos, cursou o 2º período sem anormalidades, tinha amigas e participava de festas e teatros.

No 3º período, aos 5 anos, passa a estudar à tarde e começa a apresentar problemas de adaptação (fevereiro de 2002). "Ela sentiu a troca do horário: tudo mudou pra ela, deixou as colegas, a professora e a dona da cantina, que ela adorava. Foi perdendo o interesse pela escola." Só quer ficar em casa, não gosta das aulas, não chora, mas reclama; a mãe insiste e ela vai. Diz que as meninas não gostam dela, que não emprestam os materiais e que apanha das colegas. A professora não confirma a história. Depois, B. se recusa a voltar ao colégio (junho de 2003).

B. "chora a manhã inteira, sem parar". Fica muito quieta, sentada no chão, e recusa alimentos, perdeu interesse pelas bonecas, não brinca, não assiste à televisão, passa o dia junto da mãe ou da irmã mais velha. Intercala períodos de quietude com momentos de agitação e agressividade. Sempre que frustrada, morde a mãe e a irmã. Joga coisas ao chão e não tolera estranhos. "Não senta no sofá ou em outros lugares, dizendo que estão sujos. Não se encosta em nada." Fala que colocaram cabelo em sua boca ("Cospe dizendo que tem cabelo na sua boca"). Queixa-se de fome, mas não come ("Só come em pouca quantidade e prefere os alimentos embalados (iogurte, batata frita), diz que a comida feita em casa estava suja"). Apresentou perda ponderal de aproximadamente 5 kg. Freqüentemente ria e chorava de maneira pouco associada a fatores externos e/ou conteúdos vivenciais comunicados, dormindo somente de madrugada. A mãe perdeu a capacidade de responder às demandas da filha. Quando B. começa a gritar, dizendo que estava vendo baratas, lagartixas e ratos, a mãe a leva para consulta psiquiátrica, conforme recomendado pela pediatra.

Antecedentes pessoais

Mãe: G4P4A0

Gravidez não-planejada, não pensou em realizar aborto, fez pré-natal sem intercorrências. Parto cesário. A mãe recebeu alta e retornou para internação sete dias depois, com infecção urinária.

B. nasceu a termo com 38 semanas, AIG, com peso ao nascimento de 3.555 kg, estatura de 46,5 cm, PC de 34 cm e Apgar 1'9, 5'10. Recebeu alta três dias após o nascimento. Quando a mãe foi reinternada, ficou 15 dias sob os cuidados da avó materna.

Alimentação

Sugou leite materno sem anormalidades na primeira semana e usou leite de vaca após a internação da mãe. Tomou mamadeira até 1 ano e meio, e o desmame ocorreu sem problemas. A dentição iniciou-se aos 7 meses. Sempre se alimentou bem. A mãe nega conflitos alimentares e/ou ansiedade relacionada até o início dos sintomas. Nega também sucção de polegar e relata que a criança fez uso irregular de chupeta até 1 ano.

Sono

Dormia às 22 horas e acordava às 6 no primeiro ano de vida, sem acordar durante a noite, e mais do que os irmãos. Dormiu no berço até os 3 anos e meio, depois passou a dormir com a mãe na mesma cama.

Desenvolvimento psicomotor

Sorriu socialmente com 2 meses, firmou a cabeça com 3 meses, sentou-se com 4 meses, engatinhou com 9 meses e andou com 1 ano.

Gostava de jogar bola, corria e saltava sem dificuldades, desenhava e coloria, tinha a letra certinha, mas ainda sabe escrever seu nome. Dançava com a irmã, mas perdeu o ritmo depois do início do transtorno.

Perdeu as habilidades motoras finas por causa do transtorno, o desenho ficou comprometido e não consegue colorir com interesse.

Controlou os esfíncteres com 1 ano e meio, durante o dia, e com 3 anos durante a noite.

Linguagem

Falou com 1 ano e 2 meses, gostava de cantar, sabia músicas de cor, contava histórias, fazia frases inteiras. Com a instalação do transtorno, passou a repetir palavras, coisas sem nexo, ininteligíveis, e perdeu a capacidade de contar casos. Não apresenta fala espontânea, usa a linguagem mais como defesa do que para comunicação.

Independência

Cronologicamente adquiriu as habilidades de autocuidado, alimentação, expressão e circulação social. Após o aparecimento do transtorno, ficava parada em volta da mãe e não realizava o que queria. Perdeu a capacidade de escolher e trocar as próprias roupas. Conservou a capacidade motora de se auto-alimentar, apesar de se mostrar incapaz de solicitar alimentação. Não houve perda do controle de esfíncter, nem mesmo da capacidade de tomar banho sozinha.

Brinquedos e lazer

Sempre gostou de bonecas e panelinhas, fazia festas e batizados e brincava com a irmã. Depois do início do transtorno, parou de brincar.

Estabelece bom contato com animais e não perdeu o interesse por eles apesar do transtorno.

Gostava de ir a festas, dançar, divertir-se e ver o tio que tocava forró. Com o aparecimento do transtorno, mostrou quadro de retraimento.

Antecedentes patológicos pessoais

Caiu do berço com 9 meses, chorou, não perdeu a consciência. Não houve evidências de traumatismos. A mãe nega cirurgias, internações, uso de medicamentos e crises convulsivas. Teve varicela em 2002, sem complicações. A mãe também nega outras doenças comuns na infância. O cronograma de vacinas está adequado.

Antecedentes patológicos familiares

Avós maternos e mãe hígida. Tem cinco tios maternos, uma tia com depressão e treze primos saudáveis.

Não há informações sobre a família paterna.

História familiar

Irmãos maternos: L., 18 anos (F), B., 16 anos (M); paternos e maternos: R., 12 anos (M).

Os pais nunca moraram juntos. O pai, casado com outra mulher, registrou B., mas quase não via a filha e há dois anos não dá notícias. B. nunca pergunta sobre o pai, mora com a mãe e os irmãos nos fundos da residência da avó materna. É muito cuidada por todos da casa tanto por ser caçula quanto pelo fato da existência do transtorno.

A mãe é afetiva com B., sempre vem às consultas demonstrando preocupação genuína com a filha e nega transtornos mentais na família.

História social

A família vive em casa de alvenaria, de três cômodos, com saneamento básico e luz elétrica, nos fundos da casa da avó. A renda média é de 400 reais por mês, para o sustento da mãe e de seus quatro filhos.

Exame do estado mental

A paciente de 6 anos, fácies atípica, sem dismorfismos, adequadamente trajada e higienizada, não entra sozinha na sala e vem acompanhada da mãe. Evita o contato com o examinador, chora alto e grita. Às vezes pára de chorar repentinamente, não esclarece por que chora, depois volta a chorar e berrar. Inibida sob o ponto de vista motor, permanece retraída, escondida atrás da mãe, pedindo para ir embora. A mãe relata que B. sabe quem é, mas não sabe o dia do seu aniversário e não informa sobre seu local de moradia ou locais que freqüenta na cidade. Não sabe informar horas, dia da semana ou mês. Parece atenta aos movimentos do examinador e aos interesses da mãe, mas não é capaz de estabelecer uma ligação com algum objeto do ambiente ou tarefa solicitada. Mostra-se alerta, sem sonolência. Diz: "Eu tenho neném na barriga. O menino da escola não quer brincar comigo por causa do espelho". De repente tampa os ouvidos e grita, iniciando novamente o choro. Depois se joga no chão, canta músicas com letras ininteligíveis, outras com letras conhecidas, e dança batendo palmas. Não estabelece comunicação viável, mas também não apresenta evidências de alterações na formação, semântica ou fonética, das palavras, contudo demonstra preocupação e susto no relato de vivências pouco comuns para a idade.

Exame físico

Sem anormalidades.

Exames complementares

Bioquímica: hemograma, leucograma, VHS, glicemia de jejum, proteínas totais e fracionadas normais.

Pesquisa de erros inatos do metabolismo, cariótipo: em andamento.

Eletroencefalograma: normal (21.11.02).

TC: não realizada.

SPECT cerebral:

  • distribuição heterogênea e assimétrica do radiofármaco em córtex cerebral;

  • hipoperfusão frontal periorbitária bilateral, em grau acentuado, predominante à esquerda;

  • hiperperfusão frontal medial, bilateral, em grau acentuado, predominante à direita;

  • hiperperfusão frontal, no nível de giro pré-central direito, em grau moderado;

  • hipoperfusão temporal bilateral, medial e inferior, em grau acentuado, mais proeminente no nível medial mesial direito;

  • hiperperfusão temporal superior esquerda, em grau acentuado;

  • hipoperfusão occipital inferior posterior, no nível da linha média, em grau acentuado;

  • hipoperfusão occipital ínfero-lateral direita, em grau acentuado;

  • assimetria perfusional de núcleos da base, com hiperperfusão relativa à direita;

  • hipoperfusão cerebelar ínfero-posterior, em grau acentuado;

Avaliação neuropsicológica: não pôde ser feita, em função da falta de cooperação da paciente.

Evolução

O tratamento se inicia após período prodrômico de seis meses do transtorno. Primeiro trabalhou-se com o diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo, com prescrição de haloperidol e imipramina. B. torna-se mais calma, chora menos e melhora o sono, mas mantém recusa escolar e inadequação em relação ao ambiente, permanecendo sem brincar e com medo de pessoas estranhas. O comprometimento da interação social torna-se o eixo de maior relevância na constelação sintomática, pois não responde à medicação. Os relatos de estar vendo bichos e os sintomas obsessivos desaparecem. Há piora do discurso: começa a falar frases desconexas e sem sentido. Passa-se então a trabalhar com o diagnóstico de esquizofrenia.

Atendida semanalmente em psicoterapia e psiquiatria, não permanece sozinha com os profissionais após cinco meses, fica por pouco tempo no consultório e pede insistentemente para sair da sala. Recusa todas as atividades propostas, não demonstra interesse pelo armário de brinquedos ou por outros objetos da sala, não se concentra em atividades de diálogo e continua pedindo insistentemente para ir embora. Durante a realização de visita domiciliar pela equipe, em junho de 2003, não interage, chora e só se acalma quando as pessoas vão embora. Durante os atendimentos, oscila períodos de choro intenso com momentos mais calmos, permanecendo com comprometimento da interação social.

O haloperidol é aumentado para 5 mg/dia, mas não produz melhora nas alterações afetivas, no humor e na interação social e há aumento da agressividade. Inicia-se risperidona (junho de 2003). Após um mês de uso, ainda em aumento gradativo da dose, a mãe relata uma melhora qualitativa importante na vida de B. "Passou a me contestar, parece que agora sabe o que quer, dançou quadrilha com a tia, está interessada nas coisas de novo". Agora, anda de bicicleta, veste a roupa sozinha e prepara o próprio lanche.

Diante do exposto, consideramos para temas da discussão do diagnóstico diferencial todas as hipóteses realizadas durante o atendimento de B., acrescidas dos transtornos invasivos do desenvolvimento, uma vez que apresentam sintomas similares em relação à interação social e alterações cerebrais precoces podem estar relacionadas tanto ao autismo como à esquizofrenia de aparecimento na infância.

Hipóteses diagnósticas

Segundo a CID-10:

Esquizofrenia;

Transtornos invasivos do desenvolvimento?

Transtorno obsessivo-compulsivo?

Segundo o DSM-IV:

Eixo I

Esquizofrenia;

Transtornos invasivos do desenvolvimento?

Transtorno obsessivo-compulsivo?

Eixo II

Nenhum diagnóstico.

Eixo III

Nenhum diagnóstico.

Eixo IV

Alfabetização? Início da vida escolar?

Eixo V

Incapacidade escolar grave há dois anos.

Recebido: 24/9/2003

Aceito: 6/10/2003

  • Endereço para correspondência
    Dra. Luciana Carvalho
    Rua Padre Marinho, 150
    Santa Efigênia
    Belo Horizonte, MG
    CEP 30140-040
    E-Mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jun 2004
    • Data do Fascículo
      2003

    Histórico

    • Aceito
      06 Out 2003
    • Recebido
      24 Set 2003
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