Variações morfológicas em Olindias sambaquiensis (Cnidaria, Hydrozoa, Limnomedusae) no litoral de Guaratuba, Paraná, Brasil

Morphological variations in Olindias sambaquiensis (Cnidaria, Hydrozoa, Limnomedusae) in the coast of Guaratuba, Paraná, Brazil

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

Variações morfológicas em Olindias sambaquiensis (Cnidaria, Hydrozoa, Limnomedusae) no litoral de Guaratuba, Paraná, Brasil¹

Morphological variations in Olindias sambaquiensis (Cnidaria, Hydrozoa, Limnomedusae) in the coast of Guaratuba, Paraná, Brazil

Miodeli Nogueira Júnior; Maria A. Haddad

Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná. Caixa Postal 19020, 81531-980 Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: [e-mail]; [e-mail]

RESUMO

Olindias sambaquiensis Muller, 1861 (Olindiidae) é uma hidromedusa comum e abundante no litoral Sul do Brasil. Em contribuição ao estudo da espécie, variações morfológicas foram analisadas em 1092 exemplares coletados em águas costeiras de Guaratuba, Paraná. Em 70 (6,4%) indivíduos, foram reconhecidas alterações relacionadas ao número, forma e ramificações dos canais radiais e centrípetos, que resultaram, em diversos casos, em uma aparente mudança do padrão de simetria da espécie.

Palavras-chave: Hidromedusa; morfologia.

ABSTRACT

Olindias sambaquiensis Muller, 1861 (Olindiidae) is an abundant and common hydromedusae in the southern Brazilian littoral region. Morphology of 1092 specimens collected in coastal waters at Guaratuba, in Paraná, southern Brazil, was studied. The form, number and branching of the radial and centripetal canals were variable in only 70 individuals (6.4%), which, in some cases, were associated with apparent changes in symmetry pattern.

Key words: Hydromedusae; morphology.

Variações morfológicas em hidromedusas são freqüentes e têm sido descritas desde as últimas décadas do século XIX. HARGITT (1901), em um dos trabalhos mais completos sobre o assunto, discute diversos trabalhos anteriores e relata a variabilidade em sete espécies, destacando-se o estudo minucioso sobre variações em mais de 15% dos exemplares de uma espécie não identificada de Gonionemus A. Agassiz, 1862. Alterações morfológicas marcantes, tais como a poligastria (dois ou mais estômagos separados) e as medusas duplas ou siamesas, são raras. As variações mais comuns são de natureza merística, relacionadas principalmente ao número de canais radiais, que implicam em diferenças de número de gônadas e tentáculos marginais (HARGITT 1901, RUSSELL 1953, NAVAS-PEREIRA 1984, ZAMPONI & GENZANO 1989a, SILVA et al. 2003).

De acordo com RUSSELL (1953), a freqüência de exemplares alterados geralmente é baixa, mas pode variar bastante de acordo com a espécie e a população estudada: 5-6% em Obelia sp. e 6% em Blackfordia virginica Mayer, 1910 (SILVA et al. 2003); 8% em Moerisia lyonsi Boulenger, 1908 (BOULENGER 1908). O mesmo autor, entretanto, cita algum tipo de variação estrutural em mais de 35% dos indivíduos de Eirene Eschscholtz, 1829 e de Helgicirrha Hartlaub, 1909. NAVAS-PEREIRA (1984) encontrou um número de canais radiais diferente de quatro em 90% dos indivíduos de Phialucium carolinae (Mayer 1900) do Indo-Pacífico, mas nenhuma variação em populações do Sul do Brasil.

Olindias sambaquiensis Muller, 1861 (Limnomedusae, Olindiidae) é endêmica do Atlântico Sudoeste e distribui-se entre São Paulo e Mar del Plata (VANNUCCI 1951, MIANZAN 1989), onde é comum e abundante (VANNUCCI 1951, ZAMPONI & FACAL 1987, MIANZAN & ZAMPONI 1988), além de freqüentemente estar associada a queimaduras em banhistas e pescadores (VANNUCCI 1951, ZAMPONI & FACAL 1987, HADDAD JR et al. 2002). A morfologia de indivíduos adultos (VANNUCCI 1951) e o desenvolvimento da fase medusóide, de juvenil até adulto (ZAMPONI & GIROLA 1989), já foram descritos em detalhes e sua diminuta fase polipóide já foi obtida em laboratório (ZAMPONI & FACAL 1987). Variações morfológicas, porém, não foram ainda tratadas nesta espécie, exceto na breve citação de ZAMPONI & GIROLA (1989) sobre exemplares jovens com cinco canais radiais. Quando modificações do número de estruturas e da simetria levam a descrições de novos taxa, podem surgir questionamentos taxonômicos, a exemplo dos novos gêneros de Geryonidae descritos por ZAMPONI & GENZANO (1989a,b), que foram questionados por BOUILLON (1999) e posteriormente aceitos por BOUILLON & BOERO (2000). Assim, o conhecimento dos possíveis " desvios" estruturais a que uma espécie ou população está predisposta, pode esclarecer as dúvidas taxonômicas relacionadas à identidade de alguns espécimes variantes. Este trabalho contribui, portanto, com a descrição e análise morfológica de O. sambaquiensis e também com a taxonomia da Família Olindiidae, caracterizando as alterações estruturais encontradas em exemplares coletados em águas costeiras de Guaratuba, Paraná.

Coletas mensais foram realizadas no litoral de Guaratuba, Paraná (entre 25º20'-25º55'S, 48º10'-48º35'W), entre fevereiro de 2003 e dezembro de 2004, entre 8 e 14 m de profundidade, utilizando-se arrastos de fundo e de superfície, com redes de malha de 2 e 1 cm de abertura. Os animais foram anestesiados com cristais de mentol e posteriormente fixados em solução de formol salino a 4%. Cada exemplar de O. sambaquiensis teve seu diâmetro umbrelar medido após a fixação e sua morfologia foi comparada a descrições prévias (VANNUCCI 1951). Foram considerados como " variantes" os indivíduos que apresentavam uma ou mais características diferentes daquelas descritas para a espécie, conforme o padrão seguinte: a) quatro canais radiais retos, eqüidistantes e não ramificados; b) diversos canais centrípetos retos e não ramificados; c) quatro gônadas papiliformes estendendo-se sobre os canais radiais (Fig. 1). Dez exemplares de referência foram depositados no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo sob o número MZUSP-900.

Foram analisados 1092 indivíduos de O. sambaquiensis, entre 7-80 mm de diâmetro. Do total, 1022 apresentaram características consideradas normais para a espécie e 70 (6,4%), alguma alteração morfológica relacionada aos canais radiais e centrípetos. As variações foram agrupadas em 4 tipos (Figs 2-16): 1) variação no número de canais radiais (entre 2 e 5; 40 exemplares); 2) mudança de simetria dos canais radiais (37 exemplares); 3) ramificação de canais (radiais, centrípetos ou ambos; 34 exemplares); 4) ligação lateral entre canais (radiais, centrípetos ou ambos; 25 exemplares) em diversos graus, alguns com tendência a anastomose. Foram encontrados diversos exemplares com características de dois ou mais dos " grupos" apresentados acima, como por exemplo, um exemplar com três canais radiais, um destes ramificado, e ainda com canais centrípetos unidos (Fig. 3).

As alterações morfológicas relativas ao número, posição e simetria dos canais radiais, conforme as encontradas em O. sambaquiensis, também são as mais comuns em outras hidromedusas (RUSSELL 1953). HARGITT (1901) encontrou alterações nos canais radiais de várias hidromedusas e descreveu detalhadamente as que observou em Gonionemus sp. Nesta espécie, tipicamente com quatro canais radiais, observou variações entre dois e seis em 5% dos exemplares e alterações de forma, disposição e confluência dos canais em 30%. Em P. carolinae e B. virginica, também com quatro canais radiais, houve variações numéricas entre três a treze na primeira (NAVAS-PEREIRA 1984) e de três, quatro, cinco ou mais na última, além de ramificações, uniões e outras alterações relativas à forma dos canais e à simetria (SILVA et al. 2003). O aparecimento de canais anastomosados em alguns exemplares de O. sambaquiensis não é comum em outras hidromedusas, possivelmente devido à presença, proximidade e elevado número dos canais centrípetos em Olindias, que facilitam o surgimento desse tipo de alteração.

A freqüência de exemplares " variantes" geralmente é baixa (RUSSELL 1953), concordando com os resultados obtidos no presente estudo (6,4%), embora varie bastante de acordo com a espécie e a população estudada (NAVAS-PEREIRA 1984).

Variações morfológicas são comuns em medusas, principalmente de simetria, mas não é claro se as causas são genéticas, ambientais, de desenvolvimento, ou de combinações desses fatores (GERSHWIN 1999). Também as circunstâncias em que ocorrem alterações em hidromedusas têm sido pouco discutidas na literatura. Somente RUSSELL (1953) aponta para um possível " resultado de condições desfavoráveis, embora não faltem evidências de que, em alguns momentos, possam ser devido a mutações" . O mesmo autor comenta que alterações como a poligastria seja um prelúdio à reprodução assexuada. Se assim acontece, outras variações também podem representar respostas ou conseqüências de funções biológicas ainda pouco compreendidas (SILVA et al. 2003).

AGRADECIMENTOS

À CAPES (bolsa de Mestrado) e a dois consultores anônimos.

Recebido em 24.VIII.2005; aceito em 07.VIII.2006.

Referências bibliográficas

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1

Contribuição número 1622 do Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  09 Out 2006
• Data do Fascículo
  Set 2006

Histórico

• Recebido
  24 Ago 2005
• Aceito
  07 Ago 2006