Open-access Técnica, cultura e museu: o monjolo entre a arqueologia do café e a civilização caipira

Technique, Culture and Musem: The Brazilian Monjolo between the Archaeology of Coffee Plantations and the Caipira Civilization

RESUMO

O artigo busca reconstituir a construção do monjolo, maquinismo de origem oriental trazido ao Brasil durante o período colonial como signo da identidade cultural de São Paulo por artistas e literatos entre o fim do séc. XIX e o início do séc. XX e a sua posterior incorporação pelo discurso historiográfico e museológico. O artigo focaliza, em especial, nos modos como tais artefatos foram agenciados nos museus da cidade de São Paulo por entender que a musealização constituiu momentos decisivos desse percurso. São abordados os casos dos acervos e exposições do Museu Paulista, da Casa do Bandeirante e das exposições comemorativas do IV centenário da cidade de São Paulo.

Palavras-chave: monjolo; cultura material; museologia

ABSTRACT

This article seeks to reconstitute the ways in which the monjolo, an oriental hydraulic hammer brought to Brazil during the colonial period, was elected as symbol of the paulista identity by artists and men of letter between late 19th and early 20th century. As well as its incorporation by historical studies and museums. The articles also focus on how such artifacts was exposed in the São Paulo museums since its understand that musealization constituted a pivotal moment in this development. The cases here studied are the collections of the Museu Paulista, the Casa do Bandeirante museum and the commemorative exhibitions of the 4th centenary of the São Paulo city.

Keywords: monjolo; material culture; museology

Dentre os equipamentos agrícolas outrora comuns no Brasil, poucos despertaram tanto interesse como o monjolo, maquinismo de origem oriental e de presença quase ubíqua nas paisagens rurais do Centro-Sul do país.1 Pouquíssimos, no entanto, são os seus registros iconográficos anteriores ao século XX. Além de dois desenhos bastante esquemáticos de John Mawe e de Jean-Baptiste Debret, o único estudo publicado mais detalhado é a litogravura de Marcos Leschaud, que apareceu na revista A Galeria Allustrada, em 1889 (Figura 1). Retratando um exemplar dos arredores de Curitiba, a imagem era complementada pela seguinte legenda: “O monjolo, construído à beira de riachos e usual nos arredores das cidades, villas e freguesias do interior da província [do Paraná] e serve para a moagem do milho, do que fabrica a excelente farinha, tão conhecida em nossos mercados pelo nome de - farinha de milho”.2

Figura 1.
Marcos Leschaud. “O monjolo - arredores de Curityba” (1889), litogravura. A Galeria Allustrada, ano 1, nº 14, p. 118.

O caráter documental da gravura de Leschaud, suíço contratado como cartógrafo e desenhista pela presidência do Paraná, permite considerá-la como a última e melhor imagem oitocentista de um monjolo feita por um estrangeiro. Já na década seguinte, o valor evocativo desses maquinismos começou a ser ressaltado por pintores e literatos brasileiros de distintos graus de talento, que nele viram um motivo de grande potência para tecer imagens (também bastante diversas) sobre a vida no campo. Ao mesmo tempo, ensaios e estudos sobre a formação da nacionalidade fizeram dele um marcador de identidades regionais construídas em plena disputa pelo protagonismo político na federação. Entre esses, o mais importante foi, sem dúvida, o inovador livro de Capistrano de Abreu, Capítulos de história colonial, publicado em 1907. A obra, que privilegiava a ocupação do interior por povoadores de distintas regiões da colônia às guerras contra franceses e holandeses, atribuiu à ampla difusão do monjolo pelo país um sinal inequívoco da presença das gentes de São Paulo e seus descendentes3 - um dos cinco “grupos etnográficos” que comporiam a população brasileira às vésperas da Independência (ABREU, 2000, p. 242).

Antes de Capistrano, uma das únicas referências anteriores feitas ao monjolo por um letrado brasileiro havia sido feita por Francisco Adolfo de Varnhagen, que, em 1854, propusera que o responsável pela sua introdução no Brasil havia sido Brás Cubas (que teria conhecido na Ásia durante uma suposta expedição da qual fizera parte), nas terras onde depois fundou a vila de Santos (VARNHAGEN, 1981, p. 167).4 A afirmação, feita sem o apoio de qualquer evidência documental, estava de acordo com o viés lusófono que permeia a sua História geral do Brasil. Assim, não é de se espantar que o autor (ele mesmo um nobre do Império brasileiro) tenha pintado o fidalgo português como um verdadeiro “herói cultural” que, recém-chegado a uma terra selvagem, ali lançara os primeiros alicerces da civilização.5

À lusofilia de Varnhagen se contrapunha o esforço investigativo de Capistrano de Abreu, que, em carta escrita ao Barão de Rio Branco em 1890, quando iniciava as pesquisas para o seu célebre livro, relatou suas expectativas para a obra: “Parece-me que poderei dizer algumas cousas novas e pelo menos quebro os quadros de ferro de Varnhagen” (ABREU, 2000, p. 3). Ao se contrapor a Varnhagen, Capistrano era movido também pela sua discordância em relação ao modo como sua história privilegiara antes a continuidade da obra colonizadora de Portugal do que a afirmação de uma identidade brasileira contraposta à ex-metrópole. Discordância essa que, longe de ser uma peculiaridade do historiador cearense, foi a marca mais distintiva da geração de intelectuais a que pertencia: a conhecida “geração de 1870”, cujos membros tenderam a ver na natureza do território do país a base para formação da nacionalidade.6 Apoiados em uma concepção evolucionista da cultura dos povos, influenciada pela leitura de autores europeus como o historiador inglês Charles Buckley, o crítico de arte Hippolyte Taine e o escritor português Ramalho Ortigão, esses intelectuais e artistas brasileiros acreditavam que o surgimento de uma cultura nacional só seria possível a partir da plena integração do seu povo com o território ainda por se povoar. Ou, conforme o corolário de Taine por eles difundido: a arte ou cultura de uma nação seria o resultado da interação de três fatores: a raça, o meio e o momento (TAINE, 1944).

As décadas de 1870 e 1930 foram o período áureo das teorias sobre a influência do meio na formação histórica e cultural do Brasil, durante o qual raras foram as interpretações sobre quaisquer aspectos da vida brasileira que não recorriam a explicações do tipo, indo desde o ajuizamento dos condicionantes mesológicos até os mais rígidos esquemas deterministas, conforme as inclinações de cada autor. Não surpreende, portanto, que, os anos 1880, tenham assistido aos primeiros esforços de letrados paulistas para criar uma identidade própria que correspondesse à crescente importância política e econômica da província no Império, graças à expansão da cafeicultura em suas terras (FERREIRA, 2002). Tal empresa rapidamente resultou em uma visão bastante peculiar do legado do período colonial, fundamentada em ideias mistificantes sobre o isolamento geográfico das terras do planalto e o caráter da miscigenação entre indígenas e portugueses.

Desse modo, as páginas seguintes pretendem reconstituir o caminho pelo qual artistas e historiadores paulistas articularam as ideias mesológicas em voga para fazer dos monjolos um marcador de uma identidade regional, buscando consolidar uma narrativa histórica que legitimasse o protagonismo político e econômico de São Paulo. Nesse contexto, as ocasiões em que esses maquinismos adentraram os museus da cidade de São Paulo, mesmo quando esporádicas, são aqui de especial interesse, pois a musealização tornava possível materializar o que fora, originalmente, apenas uma imagem artística e literária e, ao fazê-lo, cristalizava os sentidos históricos então apresentados.7

Uma imagem telúrica de São Paulo

A partir da década de 1880, a exígua cena cultural de São Paulo assistiu a uma mudança de atitude nos modos como as paisagens e costumes da população rural da província eram representados por seus pintores e literatos. Crônicas ou poemas sobre a vida caipira, permeadas de imagens adocicadas de choças cobertas de sapé à beira de córregos e de matas se tornavam cada vez mais comuns em jornais e “almanacks” da capital e de cidades como Itu e Campinas. Tais textos, distantes da idealização, tipicamente romântica, da natureza e das personagens, buscavam entremear seus enredos com descrições detalhadas dos costumes roceiros, inclusive citando, ocasionalmente, ditados e trovas populares. Eram guiados, assim, pelos ideais de sua geração, que não via outro caminho para a cultura brasileira que não o do enfrentamento de seu povo e de seu território.

O estado do gosto literário encontra-se bem resumido em um artigo do conhecido poeta e lente da Academia de Direito, Ezequiel Freire (1850-1891),8 que foi publicado em resposta às críticas de um leitor desgostoso com a novidade:

A roça é o teatro mais verdadeiro da nossa vida nacional nas províncias fluminense e paulista, e a Fazenda a sua expressão mais familiar. O contato íntimo entre os povoados e as fazendas tornam indistintas a vida social e a vida agrícola no interior [...] Eis porque, mau grado a indiferença, se não o desapreço em que são tidas no nosso mundo literário estas coisas e estes assuntos, eu teimava em presa-los, em descrevê-los, em torná-los amáveis, pintando-os com as cores ao meu ver mais adequadas numa linguagem roceira, não compulsando os léxicons, mas procurando recordar-me do modo do dizer popular; ora, se os meus escritos são descorados, não acusem a linguagem rústica de falta de colorido - mas culpem o artista a quem míngua, no grau preciso, o sentimento do pitoresco. Entretanto, como a verdade é sempre bela, a Natureza sempre amável, sucede que hoje ou amanhã, a um ou outro leitor, que viveu na roça e conhece nossa vida rural, não desagradam de todo estes contos rústicos, antes lhe fazem bem de lhes avivar saudades nos corações cansados do viver social dentro das cidades buliciosas. (FREIRE, 1910, p. 311-312).

A passagem deixava claro que o forte apelo exercido pela literatura roceira nos leitores (a maior parte dele residente em cidades em crescimento) passava também pelo mascaramento da vida rural - a falsa correspondência entre vida social e o regime de tempo da produção agrícola permitia tecer visões mais ternas da vida no campo. Analisada magistralmente por Raymond Williams (WILLIAMS, 1989), essa dinâmica sempre estivera um tanto deslocada em um país onde a conjunção do escravismo com o latifúndio resultava em uma técnica agrícola predatória - de triste desfecho para as coisas “amáveis” da natureza. O fim do escravismo e o progresso técnico vaticinado pelo abolicionismo, contudo, acalentavam novas imagens da vida rural, as quais acarretavam mudanças na postura do narrador com relação ao seu meio, doravante regido por um maior sentimento, ou desejo, de autenticidade e verossimilhança. Dessa forma, o apego às “cores da terra”, quando somado a enredos de desfechos usualmente trágicos, desnudava a violência do cativeiro, permitindo borrar até mesmo o escravismo claudicante da última década do Império. Já no caso das narrativas e poemas de Ezequiel Freire, que publicava seus textos em jornais das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, o apelo era ainda maior, já que boa parte dos seus leitores eram pessoas a quem a cisão crescente em relação às paisagens rurais tornava as relações sociais urbanas ainda mais “buliciosas”.

As flagrantes contradições entre bucolismo e a realidade agrária brasileira continuaram a perder força nas décadas seguintes, marcadas pelo incremento das taxas de urbanização e da imigração estrangeira e pela mudança de regime político. Desse modo, foi um Estado mais urbanizado e cosmopolita que assistiu ao auge da popularidade do imaginário roceiro, no qual a construção de imagens telúricas da terra paulista abastecia uma demanda crescente de exposições de artes, ilustrações de revistas e cartões-postais (SEVCENKO, 1992).

Nesse contexto cultural, o monjolo emergiu pela primeira vez como uma imagem cara à evocação da vida rural em São Paulo, por meio de uma tela obscura do pintor ituano Almeida Júnior (1850-1899).9 Ainda que pouco conhecido, o quadro pertence ao período de maior prestígio do pintor, iniciado quando apresentara o seu primeiro grande quadro com temática regional: Caipiras negaceando (1888). Sintomaticamente, os maiores elogios a esse famoso quadro vieram justamente de Ezequiel Freire, cujos artigos não titubearam em saudá-lo como “o criador da pintura nacional”. Nas palavras do crítico e poeta, Almeida Júnior, então ainda residente em Itu, era “ethnica e psychicamente”, um genuíno paulista, a “rediviva alma do bandeirante, cambiada a rude ambição das riquezas pela delicada aspiração ao goso esthetico” (FREIRE, 1910, p. 142).10 Longe de ser uma ironia ou manifestação de desdém, a expressão “ytuano sem jaça” só aumentava ainda mais o potencial do pintor nessa seara, já que a originalidade de sua tela teria advindo justamente do “contato íntimo com a terra” durante a temporada passada em sua cidade natal, recém-retornado de Paris (PITTA, 2013, p. 89).

A fama de pintor da terra o acompanhou pelos últimos anos de vida, fase a qual pertence o pequeno quadro denominado Monjolo (Figura 2).11 Nele, logo se nota a dominância dos elementos terrestres na composição, onde à presença da corrente d’água que aciona o monjolo apenas a canaleta de madeira faz alguma alusão. A canaleta serve também para traçar uma linha divisória entre os dois planos do quadro, sendo que, no primeiro, destaca-se o monjolo e o seu rancho, ambos apoiados sobre rochas afloradas que, novamente, somente permitem adivinhar a água despejada a cada batida da mão no pilão. No plano ao fundo, em pinceladas mais gestuais, surgem um capinzal e a mata a cobrir todo o restante da tela sem deixar espaço para a menor faixa de céu, aumentando a sensação de repouso própria aos elementos terrestres. A recusa do movimento e da ação transformadora do maquinismo confere uma placidez à composição que, ao invés de afirmar a divisão entre técnica e paisagem, parece negar qualquer conflito entre os dois universos. Desse modo, os tons mais escuros adotados no maquinismo e seu rancho de sapé pouco diferem do verde sombrio da mata ao fundo, em flagrante oposição às cores luminosas do pequeno rancho coberto de telhas e do capinzal - o monjolo de Almeida Júnior é antes uma evolução da natureza, um aperfeiçoamento da mata originária, do que uma ruptura ou uma forma estranha a elas. Dentre as paisagens de Almeida Júnior, nenhuma guarda um sentido telúrico tão manifesto quanto essa pouca conhecida tela. Em verdade, o elogio de José Piza à dedicação do pintor aos temas regionalistas, que “estuda[va] toda a vida paulista no seu estado de pureza primitiva”12 torna-se assim mais compreensível: seria pura pois plenamente integrada à terra, instância da qual deveria emanar toda a arte verdadeira.

Figura 2.
Almeida Júnior. Monjolo (1895), Óleo sobre tela, 46 x 59 cm, coleção particular.

Na mesma época em que Almeida Júnior expunha o quadro Monjolo, um pintor de trajetória completamente distinta também escolheu o rudimentar maquinismo como tema, resultando, contudo, em uma composição muito distante da do pintor brasileiro. Tratava-se do exímio paisagista italiano Antonio Ferrigno (1863-1940), que chegara ao Brasil dois anos antes, em uma estadia bastante profícua que se estendeu até 1905, quando retornou à Itália.13 Nesse período, percorreu diversas regiões do Estado, oferecendo seus serviços e atendendo encomendas feitas, principalmente, por grandes cafeicultores.

O quadro Monjolo, fazenda Santa Victória (c. 1895) nasceu de uma dessas encomendas de fazendeiros (Figura 3), no qual ao trabalho do monjolo se somou a faina de pessoas carregando jacás, remexendo o pilão ou peneirando a farinha. Se a ausência de figuras humanas na tela de Almeida Júnior contribui para o seu telurismo, o cuidado de Ferrigno na caracterização dos trabalhadores, em particular as duas mulheres negras no primeiro plano, denota o olhar exótico que o pintor demonstrou em outros quadros, como Negra quituteira e Nativa, fazenda Santa Gertrudes. O mesmo senso de novidade parece ter atraído o pintor para a ação propulsora da água, que, aliada a faixa de céu no fundo, confere movimento e equilíbrio à composição, conforme as boas regras acadêmicas do gênero. Em suma, se Almeida Júnior viu no monjolo um motivo para compor uma paisagem telúrica que afirmava o valor da cultura surgida da integração do homem com o meio, Ferrigno procurou compor um quadro de gênero, no qual o monjolo foi desprovido de qualquer valor sígnico, restando como mero elemento compositivo.

Figura 3.
Antonio Ferrigno Monjolo, fazenda Santa Victória. (c. 1895) Óleo sobre tela, 48cm x 65cm, coleção particular.

O aparecimento conjunto dos dois quadros indica que o monjolo despontava como tema representativo do mundo rural paulista, em um movimento manifesto também no campo literário da época, constituindo verdadeiro lugar comum nas décadas de 1900 e 1910, quando a exaltação lírica dos tipos e costumes caipiras e caboclos atingiu o seu ápice, na obra de autores como Cornélio Pires, Coelho Neto, Afonso Arinos e Valdomiro Silveira.14 Um exemplo interessante de como o equipamento era retratado nessas narrativas é encontrado em uma das peças que compõem o livro Contos da roça, lançado em 1900 pelo escritor José Piza15 (1868-1910) - o mesmo articulista que elogiara a dedicação de Almeida Júnior anos antes. Embora o enredo do conto “Muchirão” se desenrole quase inteiramente entre a roça onde acontece a quebra do milho e a casa que abriga o fandango oferecido pelo patrão, é junto ao monjolo que o desfecho da história se passa, o mesmo local que assistira às juras de amor que deram origem à trama (PIZA, 1900, p. 31-41). Cabe lembrar que tais caracterizações desempenhavam papel dos mais importantes nesse tipo de narrativa, um gênero no qual os enredos pouco variavam em temas e desenvolvimento - histórias aventurosas de amor, assombrações ou duelos de valentia de desfechos quase sempre trágicos. Logo, era na capacidade expressiva de estabelecer a ambiência e os diálogos adequados que os méritos do escritor eram avaliados. Nesse sentido, a imagem do monjolo representava uma saída cômoda e largamente explorada por muitos autores, independentemente de seu local de origem.

Entre os poetas, mesmo aqueles pouco afeitos a regionalismos e idílios rurais reconheceram valor nesse imaginário, como o fluminense Alberto de Oliveira, que aludiu ao monjolo que “resmoneia e chia” em seu poema “Engenho d’água” (1906). O mais comum, entretanto, foi aparecer em poemas líricos e apaixonados, nos quais as suas pancadas e o seu trabalho sem descanso eram motes para cantar amores malsucedidos e a saudade pela vida na roça. Em um poema do escritor mineiro Abílio Barreto, as suas batidas são aproximadas do canto da araponga, som benfazejo que anuncia que “há fartura pelo lar”. Já o poeta paranaense Aluizio França compôs uma prosopopeia do monjolo carregada de lirismo, na qual o seu labor incessante parece exprimir o sofrimento dos escravos.

À doce visão das paisagens e costumes roceiros veiculada por essa literatura tão ao gosto da Belle Epoque procurou reagir Monteiro Lobato, que em um conto satírico carregado de cinismo, conseguiu extrair melhores imagens do maquinismo. Em A vingança da peroba (1916) o fabrico de um monjolo pelo beberrão e preguiçoso João Nunes articula o desenrolar da narrativa: enciumado da fartura em que vivia o seu vizinho Pedro Porunga “mestre monjoleiro de larga fama”, Nunes resolve cortar uma velha peroba para, com a ajuda de um carpinteiro maneta e meio cego, montar também um monjolo em seu sítio:

Dias depois, bem fincado, bem socado o pilão, o monjolo recebeu água. Aberta a bica, um jorro de enxurro espumejou no cocho, encheu-o, desbordou para o ‘inferno’. A engenhoca gemeu na virgem e alçou o pescoço. O cocho despejou a aguaceira - chóó! A munheca bateu firme no pilão - pan! (LOBATO, 2007, p. 63).

Mesmo que João Nunes seja uma personificação ainda mais sórdida de seu Jeca Tatu, cumpre notar o quanto Lobato soube fazer uso de elementos narrativos já consolidados (o desfecho trágico, a incorporação de crenças sobrenaturais ao enredo, o tom jocoso) de um modo que o “monjolo maldito” acabasse por ser o instrumento que pune os vícios dos Nunes. Trata-se, enfim, da peça mais “antibucólica”16 de Lobato, que intencionalmente subverteu a estrutura do conto roceiro para realçar as suas críticas às visões adocicadas da vida rural, o que incluiu transfigurar o dolente instrumento em um maquinismo assassino.17

Em paralelo às disputas sobre o caráter da representação literária dos tipos rurais brasileiros, se desenvolvia uma imagem do monjolo que, ao retomar os vínculos entre raça, cultura e meio, o dotou de um sentido histórico cujas reverberações tiveram grande alcance. Em 1897, menos de dois anos após a exibição da tela de Almeida Júnior, o escritor Eduardo Prado comungava no mesmo ideário em uma influente conferência realizada nas comemorações do terceiro centenário da morte de José de Anchieta. Na ocasião, Prado sublinhou o elo entre a catequização promovida pelos jesuítas e os “rudes mamelucos”, os verdadeiros responsáveis pela ocupação do interior do país, por meio de imagens típicas da vida rural:

Nas vastas solidões do Brazil, nas baixadas dos campos ressecados, occulta entre o verde prateado de louro das laranjeiras, à beira do pequeno cannavial, há a casa isolada do caboclo, margeada do rego d’água, no silencio dormente e abrasado do sol, que quebram, a espaços, a pancada surda e o lento grunhido do monjolo [...]. Vive alli simples, rude e enérgico na sua calma, o descendente do mameluco e do índio, que hoje tem tecto, tem família e tem Deus porque os Jesuítas civilizaram seus avós. (PRADO, 1900, p.55-56, grifos nossos).

Aqui, novamente o monjolo surgia como elemento característico do Brasil sertanejo, porém, tal quadro foi, pela primeira vez, inserido em uma interpretação sobre a emergência do “paulista” como tipo historicamente diferenciado, a quem coube (e ainda caberia) o povoamento dos sertões. A função evocativa da sua imagem no discurso de Prado indica que o instrumento gozava já de sentidos tacitamente compartilhados entre autor e público como signo de uma identidade paulista, algo que viria a ser cada vez mais comum nas produções de artistas e literatos próximos (por adesão ideológica ou sociabilidade) à elite política do Estado e a sua pretensão hegemônica do novo regime republicano. De fato, impulsionado pela tese de Capistrano de Abreu sobre o seu caráter demarcatório nas habitações do vale do rio São Francisco, o sentido histórico do monjolo só viu aumentar a sua importância e, à altura de meados da década de 1910, estava já consolidado. Exemplar nesse sentido é o poema “O caipira”, escrito em 1914 por Ciro Costa (1879-1937) e dedicado a Washington Luiz, então prefeito da cidade de São Paulo:

A casinha é de barro e de sapé. Ao fundo O córrego; o monjolo ao lado; em frente a cana. Ahi vivem na paz mais completa do mundo; Com a filharada e os cães, o Venâncio e Bastiana. Faiscando ao sol serpeja o ribeirão profundo... Venâncio ‘assunta’ o céo, o céo que nunca o engana. Pega da ‘pica-pau’ e, lépido, jocundo, Lá vai: é o caçador que de bom se ufana. Simples, patriarcal, tem no carão moreno A bondade no olhar, e uma barbicha rala Sob o queixo pontudo, é molengo e pequeno. Emtanto, sob o ardor das cúpidas conquistas Gravaram seus avós, à faca, a chuço e à bala No bronze da Epopeia, o feito dos paulistas!18

Coube, contudo, ao conjunto de ensaios Quando o Brasil amanhecia: fantasia e passado (1919), de Alberto Rangel, consagrar o sentido histórico do monjolo no âmbito da formação nacional. Escrito em Paris em meio aos combates da Grande Guerra, o livro procurava emular a “literatura de exílio” oitocentista, compondo um mosaico imagético do lar distante por meio de descrições entusiásticas de paisagens e episódios históricos. Frente aos horrores da guerra europeia, Rangel encontrou consolo em criar quadros de seu país-natal nos quais força expressiva e falseamento do passado avançavam juntos sob o olhar enviesado pela sobreposição do desalento individual ao benfazejo juízo coletivo sobre o caráter pacífico do patriotismo brasileiro.

O seu gosto pela dramatização e o tom eloquente da sua escrita convertiam os episódios mais banais em faustos feitos da formação nacional, como se nota no relato da construção do primeiro monjolo por Braz Cubas. A cena fundacional, modelada pela obra de Varnhagen, é precedida de uma reminiscência nostálgica das noites nas roças, quando “o bater do monjolo ainda é mais distinto e comovedor”. Em seguida, o autor desenvolveu uma verdadeira loa ao monjolo, na qual o aclama símbolo de toda uma metade do país: “Ora, o monjolo representa o sul do paíz, do mesmo modo que a bolandeira o norte. Definindo por si só a habitabilidade da terra, ele é o emblema da banda da pátria onde existem a água permanente e o desnível forte” (RANGEL, 1917, p. 19). Como os ecos da produção literária da época e da obra de Capistrano deixam claro, o intento de Rangel era antes compor uma síntese vívida e vibrante das imagens anteriores do que propor novas. Daí a sucessão hiperbólica de quadros laudatórios sobre o monjolo que faz jus ao subtítulo do livro, na qual descrições coloridas da vida no campo e das paisagens rurais são entremeadas por trechos grandiloquentes sobre o devassamento dos sertões pelos bandeirantes, como nas passagens abaixo:

Operoso cooperador do roceiro, faz elle o pittoresco e o útil, coberto de limo na barroca, entre musgos, avencas, bredos e agriões. Representa o passado e perseverança; conta as horas por igual, meia noite é um despejo e uma pancada, a amassar o pão nosso de cada dia com os curupiras e caaporas, traquinando-lhe na gangorra [...]” Merecerias entrar num brasão de armas do sertão de Pires de Campos e de João Amaro, esquartelado o campo áureo e sanguíneo das grupiaras e descimentos com o barrete do jesuíta, o machado da derruba, o talo da maniva ou as pontas do caracu... (RANGEL, 1917, p. 22-23).

Na citação aos dois paulistas famosos pelas suas expedições escravistas aos sertões de Goiás e do vale do rio São Francisco, facilmente se identifica a influência de Capistrano de Abreu. Rangel, contudo, não compartilhava do pessimismo determinista do historiador cearense em relação ao caráter do povo brasileiro, tendo chegado a defender, em outras ocasiões, o papel moralizante e regenerador da interiorização do povoamento na formação nacional:

A alta funcção moral do sertão é a de ser um isolador às trepidações da faixa, que se achando mais próxima ao espumejo do oceano, por isto é mais sujeita aos espasmos e vícios transmitidos nas trocas do commércio e pensamentos internacionais. O seu papel preeminente é o de conservador de nossos traços ethnicos mais fundos, como povo vencedor de uma adaptação estupenda. Se os sertões não fossem algo de estorvo passivo às fáceis desnaturalizações da beira-mar, seríamos uns descaracterizados (RANGEL, 1917, p. 115).

Era o caráter sertanejo do monjolo, por conseguinte, que lhe permitia ser um “operoso cooperador do roceiro”, o mestre a oferecer uma “lição corriqueira à moral do sertanejo”, “exemplo de modéstia, o labor e a eternidade” (RANGEL, 1919, p. 20).

O ensaio de Rangel teve uma fortuna bem maior que a maior parte das obras consideradas até aqui. É possível identificar sua reverberação em peças posteriores, como o poema de Cesidio Ambrodi, cuja primeira estrofe revisita algumas de suas imagens:

Exilado num fundo de grotão, Impere à noite ou vibre o sol ardente, Do monjolo, a ecoar pelo sertão, Não cessa nunca o trabalho ingente. (AMBROGI, 1923, p. 89).

Embora nada tenha inovado em relação ao teor da interpretação histórica do monjolo, o ensaio trouxe o seu sentido histórico para o primeiro plano. Além disso, o palavreado elegante e o tom solene (quando não ufanista) dos quadros de Rangel conferiu um caráter épico às teses de Varnhagen e Capistrano sobre a introdução e a difusão do monjolo no Brasil. O humilde maquinismo tornava-se, doravante, um signo inequívoco da marcha dos paulistas por sertões bravios, que (enquanto cumprisse o seu papel moralizante entre a população rural) continuaria a vincular o mais simplório caipira aos vultos heroicos de João Amaro e Braz Cubas.

Assim, ao final da década de 1910 estava estabelecida uma forte imagem telúrica do monjolo, que - em três décadas de produções iconográficas e literárias guiadas por um ideário artístico das “cores da terra” - fora convertido de mero tópos artístico e literário de fácil apelo a um ícone da ocupação do território por povoadores paulistas, extensível à quase a metade do país.

Não surpreende, portanto, que Afonso Taunay, que então preparava a transformação do Museu do Ipiranga em uma afirmação do protagonismo político e econômico de São Paulo, tenha aberto espaço para o monjolo na exposição comemorativa do centenário da Independência. Nem que esse espaço tenha se dado na seção consagrada à iconografia paulista, onde estaria à mostra “uma collecção de enorme valor evocativo e comparativo” de reproduções a óleo de desenhos e fotografias do século XIX (TAUNAY, 1920, p. 487, grifos nossos). A preferência do diretor do Museu pela pintura a óleo não era apenas uma questão de decoro expositivo ou uma solução para a dimensão inadequada das peças iconográficas originais, em geral diminutas. Ela também atesta a dívida do pensamento histórico da época para as representações artísticas e literárias que haviam elaborado um imaginário telúrico da identidade paulista durante as décadas anteriores. Nesse sentido, ganha especial interesse atentar para o modo como os expedientes do pintor Alfredo Norfini, além dos do próprio Alberto Rangel, flanquearam as portas do Museu Paulista para a primeira musealização do monjolo.

A arqueologia do café de Afonso Taunay no Museu Paulista

A transformação definitiva do Museu Paulista em um museu histórico incluiu a realização de uma série de 15 quadros que representava os primórdios da lavoura cafeeira no estado.19 Idealizada por Afonso Taunay como um complemento às grandes telas de Antônio Ferrigno, ela foi encomendada a outro pintor italiano aqui residente, Alfredo Norfini (1867-1944), que trabalhou nela entre os anos de 1920 e 1924. O conjunto inclui paisagens panorâmicas de engenhos de açúcar e fazendas de café, cenas dos trabalhos agrícolas dos escravos (como a derrubada de matas ou a volta do eito) e dos primeiros equipamentos para beneficiar o grão.

O plano inicial de Taunay era reproduzir apenas os desenhos e aquarelas do pintor francês Hercules Florence (1804-1879), a quem Taunay se referia como “o patriarca da iconografia paulista”. Contudo, foram acrescidas mais seis telas que retratavam aspectos da história da cultura do café ausentes nos registros iconográficos de Florence. Em cinco delas, Norfini procurou retratar o progresso da lavoura paulista em distintos momentos de seu desenvolvimento técnico, como se nota pelos próprios títulos que receberam: Benefício do café pela malhação da vara; Descascamento do café pela pata de boi, 1820; Carretão para beneficiar café, 1850; Monjolo comum - primórdios da lavoura paulista; e Monjolo de rabo em Campinas.20

A ideia de acrescentar novas telas parece ter se originado da descoberta de 37 desenhos de Florence, encontrados na Biblioteca Nacional de Paris por Alberto Rangel, em 1920. A pedido de Taunay, seu amigo e colaborador, o escritor se encarregou de reproduzir os desenhos, entre os quais estava um esboço identificado por Rangel como “Munjolo” (Figura 4), que serviu de modelo para Norfini pintar a tela Monjolo comum - primórdios da lavoura paulista (Figura 5).21 Ainda que o pintor tenha deslocado o ponto de fuga da cena para acrescentar profundidade à composição, o desenho original de Florence é facilmente identificável nas formas do maquinismo. O recurso aos registros de Florence como o modelo demonstra bem a preocupação de Taunay de construir uma iconografia histórica baseada em fontes documentais (Ver LIMA JÚNIOR, 2018). Nesse sentido, nem mesmo as proporções incorretas do monjolo pintado por Norfini diminuem o seu valor evocativo, que reside antes na composição de uma ambiência adequada ao motivo central - efeito obtido pelo macete de dispor o ponto de fuga no canto direito da tela, conforme as normas acadêmicas da pintura de paisagem.

Figura 4.
Hércules Florence. Munjolo (c. 1825). Cópia de original pertencente à Biblioteca Nacional da França, acervo Museu Paulista.

Figura 5.
Alfredo Norfini. Monjolo comum, primórdios da lavoura paulista (1922). Óleo sobre tela, 48 X 65cm, acervo do Museu Paulista.

A grande contribuição de Norfini para a seção expositiva sobre o cultivo do café, contudo, não veio de suas soluções compositivas, mas sim de sua atuação como uma espécie de “agente de campo” do Museu, a quem cabia não só buscar por temas que pudessem ser pintados in situ, como a identificação de itens de interesse para o acervo. Nesse ponto, a grande familiaridade de Norfini com algumas importantes famílias de fazendeiros de Campinas permitiu a incorporação de novos temas à série de pinturas e também a doação de um item que o próprio Taunay reconhecia como uma das melhores peças adquiridas para a exposição: a máquina de despolpar café, conhecida como “carretão”.

Cumpre lembrar que a exposição sobre a história da cafeicultura em São Paulo demandava a obtenção de antigos equipamentos de beneficiamento utilizados nas fazendas ao longo do século XIX. Inicialmente, o próprio Taunay se encarregou pessoalmente da busca, tendo entrado em contato com fazendeiros do Vale do Paraíba, a mais antiga zona cafeicultora do Estado. Por essa via, obteve o primeiro maquinismo adquirido pelo Museu: o engenho de pilões da fazenda Boa Vista, em Cruzeiro, pertencente a Manoel Freitas Novaes (Figura 6).22 O item foi comprado por dois contos de réis, tendo sido desmontado e transportado até São Paulo pelos trilhos da E. F. Central do Brasil (TAUNAY, 1922, p. 693).

Figura 6.
Engenho de pilões da faz. Boa Vista, (s. d.). Acervo do Museu Paulista.

A aquisição foi comemorada pelo diretor em carta enviada ao governador Washington Luiz (conhecido também por suas pesquisas sobre a história de São Paulo), na qual Taunay não poupou adjetivos em sua descrição do engenho:

Tive o ensejo de adquirir para o Museu uma bateria de pilões, verdadeira cathedral de peroba braúna, antiga machina de beneficiar café do famoso Major Novaes, do Cruzeiro, installada pelos anos de 1835 e parada de 1875 mas em perfeito estado. É um curioso documento da archeologia do café e estou certo que o Exmo. Amº terá prazer em ver as peças enormes desse machinismo rude destinado sobretudo a produzir attricto, todo elle de madeira, pilões, montantes, grandes rodas dentadas e eixo (mais de cinco metros de um tronco de peroba com cincoenta centímetros de diâmetro). Se é possível o neologismo, atrevo-me a dizer que se trata de uma construcção megaxylica.23

Na correspondência trocada entre Taunay e Novaes para fechar o negócio e acertar o transporte até São Paulo, o fazendeiro também remeteu às dificuldades nas buscas que vinha realizando para encontrar um carretão que pudesse ser adquirido pelo Museu:

Dou-lhe com esta uma má nova: o carretão que descobrira foi, há já algum tempo, destruído pelo dono, alheio por completo ao seu valor histórico. Vou, porém, reiniciar minhas pesquizas, mas o dr. terá a paciência de esperar, pois não julgo fácil descobrir uma nova pista.24

A troca de cartas ainda seguiu por mais alguns meses, mas na última vez em que Novaes mencionou o assunto (11/07/1920) se limitou a dizer que esperava poder trazer boas notícias em breve.25 Contudo, a tão aguardada novidade já viera de Campinas, em carta enviada a Taunay por Eliziário Sousa Camargo, apenas cinco dias depois da correspondência escrita por Manoel Novaes. Em resposta “a sua carta do 2 corrente” (ou seja, escrita por Taunay no dia 02/07/1920), o fazendeiro campineiro anunciou a sua disposição em doar ao museu um carretão que possuía “em uma chácara próxima desta cidade”.26

Embora o nome de Alfredo Norfini não seja mencionado em nenhum momento na documentação consultada, diversos outros indícios ali presentes não deixam dúvida que a intermediação entre Taunay e Elisiário foi feita por ele. Antes de tudo, cumpre lembrar que Norfini morara cerca de nove anos em Campinas (entre 1898 e 1907), onde chegou a organizar a primeira exposição artística da cidade (TARASANTCHI, 2002, p. 148). Os anos em Campinas deram-lhe tempo suficiente para se integrar à cidade, atendendo a encomendas das principais famílias da cidade. Além disso, em carta na qual solicitou a Taunay o pagamento por telas já entregues, afirmou que pedira auxílio ao diretor da sede campineira da firma McCardy (a principal empresa do ramo de máquinas agrícolas) na desmontagem do carretão da fazenda da Lapa. Tais considerações bastam para asseverar que foi por intermediação sua que se efetuou a doação do carretão, que, juntamente com o engenho de pilões trazido de Cruzeiro, estaria entre os “melhores elementos das exposições de nosso Museu”, conforme observação de Taunay (TAUNAY, 1926, p. 743). O portentoso maquinismo, contudo, só pôde ser exposto ao público a partir de 1924, quando um barracão para abrigá-lo foi construído nos fundos do Museu (Figura 7). A forma encontrada para contornar o atraso foi contratar mais uma encomenda de Norfini: a tela Carretão para beneficiar café - Campinas 1850, na qual o maquinismo aparece ainda montado na fazenda da Lapa - o único quadro entre todas as encomendas de Taunay para a exposição de 1922 que foi pintado in situ e, sem dúvida, a melhor obra de Norfini no acervo do Museu (Figura 8).

Figura 7.
Pavilhão de máquinas agrícolas do Museu Paulista (s. d.). Acervo do Museu Paulista.

Figura 8.
Alfredo Norfini. Carretão para beneficiar café - Campinas 1850 (1922). Óleo sobre tela, 90 X 140 cm. Acervo do Museu Paulista.

Além de localizar um valioso item do acervo, Norfini soube se valer de seus contatos de longa data com a família Sousa Camargo para levantar informações preciosas sobre os processos de beneficiamento de café nas fazendas campineiras do séc. XIX. Em duas cartas endereçadas ao pintor existentes no arquivo do Museu, enviadas uma por Antonio Álvaro e a outra por Joaquim Álvaro de Sousa Camargo, ambos fazendeiros e irmãos de Eliziário, estão descritos dois sistemas de beneficiamento que foram posteriormente retratados em suas telas: a malhação dos grãos por varas (processo similar ao utilizado nos grãos de feijão) e o descascamento por meio da adaptação do monjolo ao sistema de almanjarra, denominado na carta como “monjolo de rabo”:27

Desejando contribuir com mais um elemento para a história retrospectiva das machinas de beneficiar o nosso precioso café, venho lembrar uns monjolos que eu vi trabalhar em uma fazendinha pertencente naquelle tempo, aos irmãos Emigdio e Maximiano Antonio de Camargo, mais tarde anexada à fazenda Santo Antonio próxima a Campinas, adquirida pelo meu irmão Candido Álvaro de Sousa Camargo e hoje pertencente à minha irmã Dª Alda Brandina F. Nogueira, avó do actual secretário de Agricultura Heitor Penteado. Essas machinas toscas, primitivas eram denominadas monjolos de rabo - e movidas por animais conforme o croquis junto, que delle dá uma ideia, ainda que imperfeita.28

Embora o croqui referido tenha se perdido, Norfini certamente fez algum uso dele para pintar o quadro Monjolo de rabo (Figura 9). Desse modo, o papel do pintor na execução da série sobre a lavoura do café ganha relevo, já que a única tela que não seria resultado de sua diligência pessoal é aquela baseada no desenho de Hercules Florence encontrado por Alberto Rangel.29 Certamente, não se tratava de uma investigação desinteressada, já que permitiu ao pintor angariar mais encomendas do Museu. Não obstante, ela permite creditar a Norfini parte da concepção da série sobre o café, ajudando a compreender melhor a participação de artistas e outros “leigos” na conformação do acervo de um museu histórico.

Figura 9.
Alfredo Norfini. Monjolo de rabo em Campinas (1922). Óleo sobre tela, 49 X 65 cm, acervo do Museu Paulista.

A duradoura fortuna da imagem do monjolo de rabo exemplifica perfeitamente o alcance da atuação de agentes como Norfini para a cristalização de representações por meio da musealização. Primeiramente, cumpre notar que ela se tornou referência quase obrigatória em estudos dedicados ao maquinismo e à história da cafeicultura, tendo sido divulgada nos artigos sobre a história do café escritos por Afonso Taunay nos anos subsequentes - depois reunidos nos 14 volumes de História do café no Brasil, publicados entre 1939 e 1943.30 Nas décadas de 1950 em diante, com a renovação do interesse pelo tema oriunda da expansão do Movimento Folclórico Brasileiro, a imagem foi reproduzida diversas vezes em estudos e artigos de pesquisadores como Paulo Florençano, Carlos Borges Schmidt e Alceu Maynard Araújo.31

Rastrear as ocasiões em que a imagem foi reproduzida, no entanto, não compreende o problema em seu principal contorno. Afinal, mais do que um caso de circulação de imagem, é preciso abordar a incorporação de uma imagem pela historiografia e demais disciplinas. A análise dos escritos de Afonso Taunay sobre o uso de monjolos no beneficiamento do café evidencia o xis da questão, já que eles foram quase inteiramente estruturados em torno da pintura do monjolo de rabo que existira em Campinas e dos quadros descritivos de Alberto Rangel, mantendo o tom laudatório ao “poço legitimo de virtudes, o humilde monjolo”. Apesar de citar autores como Varnhagen, John Mawe e Saint-Hilaire, o teor dos textos de Taunay sobre o assunto torna patente o quanto o campo historiográfico, ao incorporar temas antes restritos a artistas e literatos, herdou também o vínculo há muito estabelecido por eles entre tais maquinismos e uma visão telúrica da “terra paulista”. Assim, pode-se dizer que os monjolos adentraram para o discurso historiográfico de Taunay antes como uma imagem do passado do que como um problema histórico. E como tal, trouxe consigo a concepção tainiana da arte como expressão do meio que fizera deles um símbolo da relação autêntica (ou atávica) dos paulistas com a sua terra. O que chegou a ser reconhecido pelo próprio Taunay em elogio feito a Norfini, no qual a noção de “adaptação ao meio” surgia como condição para o seu sucesso como intérprete do passado brasileiro: “pintor italiano de belas qualidades, que se nacionalizou fundamente [...]. Assim reconstituiu diversas feições da velha indústria de café, e com a maior felicidade” (TAUNAY, 1939, p. 416).

O monjolo entre a “civilização caipira” e a “civilização do milho”: política e história entre as décadas de 1930 e 1950

Em 1929, Cassiano Ricardo compôs um poema chamado “A canção do monjolo”, no qual o bater das pancadas do instrumento serviu como mote para versos cujo tom destoava bastante dos poemas bucólicos escritos por Abílio Barreto ou Cesídio Ambrogi. Partindo do tópos do jovem a cavalo a pensar na namorada, vão se sucedendo estrofes repletas de imagens telúricas coloridas já conforme as ideias do grupo Verde-Amarelo, compassadas pelo refrão “O monjolo a bater na encosta do grotão / soca-pilão, soca-pilão”. Assim, o que aparentara ser um canto lírico sobre amor e saudade revela um sentido totalmente distinto, como se vê em sua estrofe final:

A enxada brilha nas tigueras do espigão O lavrador que anda a estalar duas espigas vai arrancar cruas mandiocas cor de terra ao roxo terra que anda roxo pelo chão Os cafeeiros qual soldados muito verdes Marcham de dois, de dois em dois contra o sertão A enxada brilha nas tigueras do espigão... Sooooooooóóóca-pilão!” (RICARDO, 1929, p. 79).

Trata-se, portanto, de um poema sobre o avanço civilizador e triunfante da lavoura paulista contra os sertões do atraso. É interessante notar que, ao contrário dos poetas da Belle Époque, que cantavam as belezas do torrão natal, Ricardo - nascido em São José dos Campos - preteriu aqui os morros exauridos Vale do Paraíba em prol da fértil terra roxa do Oeste paulista. Afinal, o poema foi composto para ser uma canção de progresso, não de nostalgia. O aspecto mais interessante do poema, no entanto, é o tom militar que aproxima os cafezais a soldados verdes cuja marcha é ditada pelo bater do monjolo - já não mais destinado ao benefício do café, mas dos grãos de milho, cuja farinha alimentava os lavradores a animar o avanço da lavoura. O arremate do poema, uma alusão à toada do líder chamando ao esforço coletivo, parece afirmar que as lições de humildade e diligência do monjolo foram bem aprendidas pelos lavradores paulistas.32

O monjolo marcial de Cassiano Ricardo prenunciava os modos como as imagens da vida rural foram mobilizadas pelo pensamento conservador em São Paulo nas décadas de 1930 e 1940, reverberando ainda na década seguinte, embora arrefecidas pelo desenvolvimentismo do pós-guerra e as comemorações do IV Centenário da capital paulista. Como demonstrado pelo poema de Ricardo, esse imaginário foi primeiramente figurado por literatos identificados com o Verde-Amarelismo, movimento fundado pelo próprio poeta juntamente com Plínio Salgado e Menotti del Picchia (outro escritor que dedicou um poema ao monjolo). Na década de 1930, contudo, um pequeno mas coeso núcleo de letrados que aderiram ao ideário de Salgado - já convertido no fundador e principal líder do Integralismo - atribuiu a tais imagens tons mais sombrios e mais consequentes.

A reverência às raízes agrárias da identidade nacional que, em maior ou menor grau, foi uma característica de quase todo o pensamento social brasileiro da primeira metade do século, ocupava um lugar central no imaginário integralista.33 Especialmente influentes foram as interpretações deterministas sobre a origem da cultura rural brasileira, cujas diferenciações regionais foram tidas como marcadores eugênicos da população brasileira. Desse ideário derivou-se a conhecida expressão “civilização caipira”, que veio a gozar de duradoura influência nos meios intelectuais do sudeste, não obstante ter permanecido aparentemente ignorante o seu vínculo à ideologia integralista. A expressão fora cunhada pelo engenheiro e advogado João Carlos Fairbanks34 (1891-1978), conhecido como o único deputado estadual eleito pela Ação Integralista Brasileira nas eleições gerais de 1935. Já em sua posse, Fairbanks causou tumulto ao assumir o cargo trajando a camisa verde e a faixa com o Zigma no braço, prometendo “trabalhar pelo bem de São Paulo e, por conseguinte, fazer todo o mal à liberal-democracia” (Cf. DOTTA, 2016). Fora, de fato, um integralista de primeira hora e um dos mais antigos e destacados colaboradores do jornal A razão, fundado por Plínio Salgado em 1931.35

Em 1937, com a dissolução das assembleias estaduais pelo Estado Novo, Fairbanks retornou à Escola Politécnica para apresentar a sua tese para a cadeira de Economia Política. Intitulada Geopolítica povoadora, o estudo procurava elaborar experiência do autor como engenheiro da Companhia Sorocabana no oeste paulista, com base no determinismo geográfico de Friedrich Ratzel,36 para estabelecer as bases para uma política de ocupação territorial que levasse em conta os diferentes grupos culturais brasileiros. Nesse contexto, procurou caracterizar a “civilização” que se estenderia por toda a área primeiramente povoada por paulistas:

A civilização caipira, tendo por base ao fundo a aguada indispensável, é representada pela habitação rural e suas dependências; currais, chiqueiros, casinhas de despejo, paióis, cocheiras, hortas e demais edificações agropecuárias; e por morar assim à beira da água corrente, o caipira era chamado de ‘beira corgo’. (FAIRBANKS, 1939, p. 76).

Embora tentativas de classificar a população brasileira em grupos culturais distintos não fosse novidade alguma - sem falar na clara influência do argumento de Capistrano de Abreu acerca das diferenças topográficas entre as habitações de paulistas e “nortistas” -, é preciso reconhecer o pioneirismo de Fairbanks ao tomar a cultura material das populações caipiras como base para uma caracterização tão categórica. Além disso, cumpre notar que, para o historiador cearense, as diferentes implantações rurais funcionavam apenas como um marcador demográfico. Já na tese do engenheiro integralista, a cultura material adquiria um valor de índice eugênico assentado em uma sumarização exígua do pensamento de Ratzel. Nem mesmo o imodesto e pedante nome “Paulistânia”, cunhado pelo folclorista Joaquim Ribeiro (1907-1964) “para designar o espaço vital dos antigos paulistas” (RIBEIRO, 1946, p. 185), tivera pretensões tão amplas.37 O interesse de Ribeiro (também embebido nas ideias de Ratzel) era delinear o que chamara de “vida infra-histórica brasileira” por meio da análise de lendas e contos populares. Nesse sentido, a concretude dos interesses de Fairbanks é quase totalmente oposta: sua caracterização da cultura material, centrada na habitação, não era somente indissociável do território, como também buscava justificar o seu povoamento sob bases eugênicas e em defesa da hegemonia política e econômica de São Paulo.

Outro grande diferencial da expressão cunhada por João Carlos Fairbanks é, sem dúvida, a sua longa fortuna, principalmente, ao se levar em consideração as ideias espúrias nas quais foi baseada. Ainda que as lutas políticas dos anos 1930 expliquem como a cultura material de pequenos sitiantes pôde incorporar sentidos tão chauvinistas, elas pouco esclarecem acerca dos modos pelo qual termo “civilização caipira” se tornou tão difundido ao longo das décadas seguintes. Sua popularização se revela ainda mais enigmática por ser oriundo de obra das mais obscuras, dificilmente encontrada mesmo em boas bibliotecas.38 Não obstante, entre as décadas de 1940 e 1980, foi expressão corriqueira em textos de intelectuais tão renomados como insuspeitos de filiações ao integralismo, como Alberto José de Sampaio, Pasquale Petrone, Maria Isaura Pereira de Queiroz, e Darcy Ribeiro.39

A chave para a compreensão da difusão do termo cunhado por João Carlos Fairbanks está na influência que antigos simpatizantes do integralismo vieram a alcançar no campo cultural. Entre ex-integralistas proeminentes em instituições culturais e no debate público cultural, podem ser citados os nomes de Gustavo Barroso (fundador e longevo diretor do Museu Histórico Nacional), Luiz Saia (diretor do SPHAN em São Paulo entre 1940 e 1975) e Ernani da Silva Bruno (jornalista, historiador e organizador do Museu da Casa Brasileira). Além disso, foi também particularmente intensa a associação entre integralismo e folclore, responsável pelo alistamento de luminares da disciplina às fileiras do reacionarismo, como Luiz da Câmara Cascudo e o futuro secretário-geral da Comissão Nacional de Folclore, Renato Almeida. Em verdade, foi o apelo exercido pelo folclore em muitos egressos do integralismo que constituiu o caminho para a popularização do termo “civilização caipira”, que passou a circular para além dos limitados círculos integralistas. O contexto, de fato, era mais favorável do que nunca a essa extrapolação, já que os anos seguintes à tese de Fairbanks testemunharam o rápido crescimento do interesse pelo estudo do folclore, no que ficou conhecido como o Movimento Folclórico Brasileiro e resultou na criação da Comissão Nacional do Folclore (CNFL), em 1947 (VILHENA, 1997).

No seu percurso, certamente, a expressão adquiriu novos sentidos, expurgados dos seus teores chauvinistas e mais legítimos conceitualmente. Ela está longe, todavia, de poder ser vista como uma mera figura de estilo, que embora um tanto cabotina, enfatiza de modo eficaz o alcance do seu postulado para folcloristas e cientistas sociais. O seu grande apelo para esses estudiosos, ainda que nenhum deles tenha tentado defini-la em termos teóricos e metodológicos, parece ter decorrido de uma interpretação organicista da cultura que se coadunava perfeitamente ao ideário mesológico sobre o território como origem da nacionalidade, sendo que ambos os aspectos já participavam da proposição original de João C. Fairbanks. Na realidade, o corolário de que “civilizações” se distinguem das demais formações sociais pela criação de suportes físicos da memória social aparenta ter sido decisivo para a transformação da cultura material caipira em uma afirmação da territorialidade intrínseca à identidade paulista e não limitada por divisas estaduais. Assim, a noção de que uma “civilização caipira” recobriria uma extensa área do país exercia enorme atração por corporificar no tempo presente a interpretação local sobre a interiorização do povoamento, cujo marco inicial era majoritariamente identificado com a fundação da vila de São Paulo de Piratininga, em 1554. É cabível, portanto, ver na difusão do termo “civilização caipira” um esforço de memória, que lhe atribuiu sentidos indissociáveis dos fins memorativos de seus novos enunciantes; um “termo-monumento” em prol da defesa do folclore e da identidade paulista.

Não surpreende, logo, que as comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo tenham sido uma ocasião tão profícua para a cristalização de novos imaginários sobre a primazia paulista na ocupação do território. O vertiginoso crescimento econômico da década de 1950 ensejava a renovação das imagens teleológicas que animavam o ideal de progresso e os mais diversos esforços investigativos sobre as circunstâncias históricas que permitiram o tal desenvolvimento. Nesse contexto, o monjolo (fosse como imagem, problema historiográfico ou artefato museológico) se tornou tema recorrente em interpretações, quase sempre, laudatórias do passado regional.

Desse modo, é particularmente notável que três das mais importantes iniciativas museológicas ligadas ao IV centenário da cidade de São Paulo tenham procurado, em algum momento, incluir o maquinismo em suas expografias. Mais notável ainda é que duas delas, a Exposição histórica de São Paulo no quadro da história do Brasil e o Museu de Artes e Técnicas Populares, tenham contado com a destacada colaboração de Ernani Silva Bruno, jornalista e escritor outrora filiado a AIB e familiarizado com as ideias de João Carlos Fairbanks sobre as populações caipiras.40 O então bacharelando em Direito integrava a corrente integralista conhecida como Boitatá, herdeira direta dos ideais do Verde-Amarelismo, a qual também se ligavam outros nomes que viram no integralismo não só uma agenda política mas um caminho para o cultivo do patriotismo.41

No caso da Exposição histórica de São Paulo no quadro da história do Brasil, a participação de Ernani Silva Bruno se deu a convite de Mário Neme42 (1912-1973), principal auxiliar do historiador português Jaime Cortesão, o coordenador geral da mostra. Além de Bruno, Neme também trouxe o jornalista Hélio Damante (1919-2002) para ajudar nos preparativos da exposição.43 Em comum, os três jornalistas compartilhavam o fato de integrarem o quadro do funcionalismo público (o que dispensava gastos extras com contratações), o gosto pelas pautas culturais e o interesse pelo movimento folclórico - Bruno e Damante chegaram a trabalhar juntos na Divisão de Turismo e Expansão Cultural do Governo Estadual, em uma das primeiras iniciativas de fomento ao folclore apoiadas oficialmente pelo governo paulista.44

A Exposição histórica de São Paulo chegou a elaborar seis maquetes de maquinismos rurais representativos do Estado de São Paulo: uma prensa de fuso, uma moenda de açúcar movida por mulas, um carretão e três tipos de monjolos - o comum, o monjolo de pé e o monjolo de rabo (Figuras 10, 11 e 12).45 As peças hoje estão no Museu Paulista e, embora não haja registros que elas tenham sido incluídas na forma final da mostra de 1954, é certo que foram feitas para aquela ocasião por uma equipe orientada pelo diretor regional do SPHAN, Luiz Saia (RIBEIRO, 2018). Além disso, os registros do Museu Paulista mostram que muitos itens remanescentes da exposição histórica do IV centenário foram incorporados ao acervo durante a gestão de Mário Neme (1960-73), entre eles algumas “maquetes de monumentos paulistas”.46 Por fim, cumpre notar que a inclusão de monjolos e outros equipamentos rurais na mostra é mais facilmente atribuível aos auxiliares de pesquisa de Neme, entusiastas do movimento folclórico local, do que a Jaime Cortesão, cuja abordagem da história paulista privilegiou as expedições bandeirantes, especialmente em seus aspectos políticos e diplomáticos.

Figura 10.
A. Tacci. Maquete de monjolo hidráulico (1954). Acervo do Museu Paulista.

Figura 11.
A. Tacci. Maquete de monjolo de pé (1954). Acervo do Museu Paulista.

Figura 12.
A. Tacci. Maquete de monjolo de rabo (1954). Acervo do Museu Paulista.

O Museu de Artes e Técnicas Populares, por sua vez, foi organizado em 1956, por Mário Neme e Ernani da Silva Bruno no pavimento superior da Oca do parque Ibirapuera, a partir do material remanescente da Exposição interamericana de artes e técnicas populares - outra mostra integrante das comemorações da efeméride e que exibia logo na entrada, um monjolo de pé e um monjolo hidráulico.47 A reorganização conduzida por Neme e Bruno se pautou em dispor os itens seguindo o já citado modelo de “áreas culturais” de Joaquim Ribeiro, abandonando a ordenação por Estado de origem empregada em 1954. Nesse ponto, é novamente cabível atribuir a Bruno boa parte da responsabilidade pelos critérios adotados, uma vez que ao jornalista a base ratzeliana da classificação proposta por Joaquim Ribeiro era ainda bastante congruente.

Do mesmo modo, é plenamente possível (até mesmo provável) que tenha sido por meio de Bruno que Hélio Damante tomou conhecimento das ideias de João C. Fairbanks sobre a “civilização caipira”. Fechar-se-ia, assim, o percurso da difusão do termo para além do círculo dos egressos do integralismo, já que a longeva coluna sobre folclore que Damante manteve no jornal O Estado de S. Paulo pelas décadas seguintes se tornou a melhor vitrine para a sua popularização. De fato, o jornalista se valia tanto da expressão que o escritor Carlos Heitor Cony chegou a lhe tomar como o seu criador em homenagem póstuma feita ao ex-colega de redação (FERREIRA, 2007). . Engano talvez surgido do fato de Damante assim ter nomeado uma de suas colunas, na qual fez uma síntese do que teria sido a “civilização” formada a partir da dispersão dos paulistas pelo interior do Brasil, em cujo teve apogeu, em meados do século XIX, teria “caracteriza[do] perfeitamente uma verdadeira cultura popular, que te[ve] seu protótipo no caipira e em seu variante litorâneo, o caiçara”.48

Nesse novo contexto, quando o entusiasmo pelo folclore passara a contribuir para a mitificação das origens agrárias da identidade paulista, a musealização dos monjolos teve o seu segundo momento, não mais ligado à marcha heroica e civilizadora do cultivo do café, mas sim ao imaginário da “civilização caipira” como memória do passado paulista materializada na paisagem. Dessa maneira, o monjolo logo se tornou uma imagem síntese dessa “civilização”, não obstante não ter sido nem elencado na definição de Fairbanks. Ao menos para Carlos Borges Schmidt (1908-1980), o mais dedicado pesquisador das técnicas rurais caipiras, era esse o entendimento possível, ou melhor dizendo, a conclusão mais lógica, conforme comentário feito a Fairbanks: “Tudo sempre relacionado à base alimentar [do milho], ao monjolo de água, quando não ao moinho de fubá”.49 Ainda que hoje seja pouco lembrado, os poucos livros e muitos artigos de Schmidt por muito tempo constituíram referências obrigatórias para estudos de renomados historiadores, cientistas sociais, geógrafos, arquitetos e economistas, que muitas vezes contavam com colaborações suas mais diretas. Talvez o mais reputado desses estudiosos tenha sido Sérgio Buarque de Holanda (1994), que contou com intercessões valiosas de Schmidt durante a pesquisa que originou a sua célebre tese sobre a origem da “civilização do milho”, que distinguia a população do Centro-Sul da do restante do país. A contribuição de Schmidt não constitui novidade alguma, tendo sido sempre reconhecida por Holanda, que em nota ao capítulo em questão do livro Caminhos e fronteiras o citou como “um estudioso de nossos problemas rurais”. Contudo, uma análise atenta da questão demonstra como os conhecimentos de Schmidt sobre as zonas alimentares paulistas e, principalmente, sobre o maquinário de beneficiamento do milho foram extremamente uteis para o grande historiador.

Embora não se saiba as circunstâncias em que ambos se conheceram, o encontro deve ter se dado entre os anos de 1946 e 1948, época em que historiador (recém-regressado a São Paulo para assumir a direção do Museu Paulista) passou a lecionar na Escola Livre de Sociologia e Política.50 Os grandes nomes da ELSP eram o sociólogo Emilio Willems e o antropólogo Herbert Baldus, ambos alemães (além do sociólogo norte-americano Donald Pierson), e coordenavam então um grupo de jovens assistentes que viriam a se distinguir nas ciências sociais, como Florestan Fernandes, Gioconda Mussolini e Alceu Maynard Araújo. Carlos Borges Schmidt integrava também esse grupo e desde o biênio anterior à contratação de Sérgio Buarque de Holanda ele passara a acompanhar a tríade de professores em viagens a cidades como Cunha, São Luiz do Paraitinga, Ubatuba e ao vale do Ribeira (PASSADOR, 2002). Embora não tivesse qualquer formação superior, sua experiência pessoal de uma década como fazendeiro em São Luiz do Paraitinga e Ubatuba, além do cargo de redator e técnico agrícola, aquilatavam o seu perfil ao empirismo característico das pesquisas de Baldus, Willems e Pierson. Assim, Schmidt logo se tornou o assistente de pesquisa mais versado nos aspectos técnicos da vida rural, bem como da cultura material associada.

Já quanto a Sérgio Buarque de Holanda, sabe-se que a sua passagem pela direção do Museu Paulista correspondeu uma ênfase no estudo da cultura material como base para a interpretação do passado que se ligava diretamente ao seu trânsito entre catedráticos e assistentes da ELSP e à maior familiaridade com a abordagem da cultura material pela etnografia alemã.51 Nesse contexto, a aproximação entre o eminente historiador e Carlos Borges Schmidt adquire grande valor explicativo, uma vez que não haveria pessoa melhor para auxiliar o diretor do Museu Paulista em sua aproximação da cultura material associada à técnica agrária. No arquivo de Holanda há itens que permitem avaliar melhor alguns aspectos da colaboração de Schmidt, sendo o mais interessante deles uma carta escrita em agradecimento ao envio de um exemplar de Caminhos e fronteiras, na qual ele alude vagamente a fatos ocorridos em uma excursão que feita a São Luiz do Paraitinga. Apesar do pesquisador não especificar a data em que a viagem se dera, nem a sua motivação, algumas das fotografias aludidas por Holanda no prefácio parecem indicar que Schmidt conduziu o historiador em um survey para ver de perto o maquinário de beneficiamento do milho como era ainda utilizado pelas populações rurais da região, em algum momento entre os anos de 1946 e 1949. Além disso, uma dessas fotografias mostra um monjolo de pé, que Schmidt mandara construir na chácara que a família mantinha em Rio Claro, em cujo verso consta a legenda “Ofª do Dr. Carlos Borges Schmidt - Agosto 1946” (Figura 14). Cumpre notar que a mesma imagem servira de modelo para o desenho de Osny de Azevedo (Figura 13) que ilustrou um artigo de Schmidt na revista Paulistânia, o qual, por sua vez, foi o modelo da maquete confeccionada para a exposição histórica do IV centenário (Figura 11).52

Figura 13.
Osny de Azevedo. Monjolo de pé (s. d.). In Schmidt (1967).

Uma rápida análise do desenvolvimento de sua investigação sobre as técnicas rurais ligadas ao milho permite avaliar como a convivência com o grupo da ELSP como um todo, e com o Carlos Borges Schmidt em particular, representou um salto qualitativo de sua abordagem no tema. Antes desse período, em artigos publicados entre 1941 e 1947, tais questões ocupavam um lugar secundário na sua produção escrita, ligadas então ao problema da origem do cultivo do arroz no período colonial ou ao papel da água no povoamento dos sertões - tema elaborado ainda nos moldes de Capistrano de Abreu. Já nas primeiras versões dos capítulos “uma civilização do milho” e “Monjolo”, redigidas em 1951 para um congresso de americanistas realizado nos EUA, o autor já apresentava a abordagem inovadora que lhe permitiu ir além do enquadramento determinista inaugurado por Capistrano de Abreu. Nesse sentido, a contribuição advinda da valorização da cultura material pelo grupo da ELSP merece ser destacada, já que fora justamente o detalhamento da estreita relação entre técnica e paisagem que escapara à interpretação de Capistrano de Abreu, tornando patente o caráter excessivamente livresco de sua proposição sobre o papel do monjolo como marcador geográfico do povoamento do território. Assim, o papel de Schmidt em conduzir o então diretor do Museu Paulista por sítios e bairros rurais em busca de monjolos, moinhos de fubá e casas de farinha não deve ser subestimado. Certamente não o foi pelo próprio Sérgio Buarque de Holanda que, em seu prefácio, fez público os agradecimentos a ele, que, juntamente com Paulo Florençano, “notáveis conhecedores de nossa vida rural” pelos “elementos informativos” e fotografias reproduzidas no livro.

Companheiro assíduo de Schmidt em viagens e pesquisas, Paulo Camilher Florençano (1913-1988) veio, por fim, a protagonizar a terceira ocasião em que monjolos foram musealizados durante o IV centenário, em museografia fortemente influenciada pelas teses de Holanda.53 Sua formação em pintura e a prática da fotografia lhe credenciaram como jornalista, não raro se valendo das viagens e pesquisas feitas em companhia do grupo da ELSP para a redação de reportagens ilustradas para a revista Paulistânia, da qual era editor-chefe. A posição na revista o aproximou da de Guilherme de Almeida, que quando assumiu a presidência da comissão do IV centenário viabilizou o projeto de Florençano de converter uma antiga sede rural (tida como outrora pertencente ao potentado quinhentista Afonso Sardinha) em um museu planejado aos moldes dos period rooms norte-americanos. Para tanto, além de ter buscado peças de mobiliário do século XVIII em antigas fazendas paulistas e mineiras, Florençano também recolhera equipamentos rurais em sítios do interior e do litoral, como prensas e rodas de ralar mandioca, uma moenda de cana, um moinho d’água, uma bateria de martelos (também conhecida como “monjolo de martelos”) e dois monjolos propriamente ditos: um de pé e outro hidráulico (SANTOS, 2016, p. 88-89).

O monjolo d’água foi trazido de São Luiz do Paraitinga, e o monjolo de pé, de Salesópolis (Figura 14). O achado deste último foi comemorado por Florençano em seu relatório a Guilherme de Almeida, no qual tinha a “satisfação” de informar que localizara “um MONJOLO DE PÉ, aparelho raríssimo” junto com um aviamento de farinha completo e uma moenda de cana (Cf. SANTOS, 2016, p. 92, grifos do autor). Os equipamentos são descritos como “exemplares típicos da técnica rural de outrora e assaz necessários para figurarem na parte externa da ‘Casa do Bandeirante’”, onde seriam instalados em pequenos abrigos anexos, construídos “usando a técnica e o material primitivos”.

Figura 14.
Anônimo. Monjolo de pé na Casa do Bandeirante (1958). Positivo em preto e branco, 8 X 11 cm. Acervo do Arquivo Histórico Municipal.

Além de se apoiar nas pesquisas de Carlos Borges Schmidt e de Sérgio Buarque de Holanda, Florençano também contou com a consultoria de Luiz Saia para as obras de restauro e de Mário Neme e Ernani Silva Bruno na montagem da expografia do novo museu. Em verdade, a reunião de personagens tão centrais para a fixação de novas visões do passado paulista em um mesmo projeto é o que permitiu à Casa do Bandeirante vir a ser o caso paradigmático das políticas de memória em sua época, conforme já apontado por estudos recentes.54 Nesse sentido, ao dispor dois monjolos ao redor de uma casa rural supostamente mais antiga que qualquer outro exemplar congênere conhecido, a museografia da Casa do Bandeirante revigorou o antigo vínculo entre o monjolo e o início do povoamento na memória pública de São Paulo. O apelo dessa imagem, alimentada tanto pela hipótese de Varnhagen como pelo postulado sobre a “civilização caipira”, foi tão forte que foi endossada mesmo por Afonso Taunay, que em livro patrocinado pela comissão do IV Centenário asseverou que “moinhos e monjolos construíram-se numerosos em torno de São Paulo, desde os primeiros anos” (TAUNAY, 2004, p. 102). Assim, a despeito da flagrante ausência de qualquer evidência histórica que sustentasse tais afirmações, a imagem do monjolo como artefato contemporâneo às caravelas perdurou ainda por muito tempo - independentemente até das sólidas pesquisas de nomes renomados como Aluísio de Almeida e do próprio Sérgio Buarque de Holanda, que propunham que a introdução dos monjolos só teria ocorrido no século XVIII.

Não se tratava, no entanto, de interpretações discordantes, mas sim da distinção entre a construção da memória pública e o fazer historiográfico. Assim, o vazio deixado pela falta de referências documentais sobre como e quando se deu a introdução do maquinismo oriental foi preenchido pelo imaginário evocado por artistas e literatos em suas interpretações sobre as origens de São Paulo. Nesse sentido, não surpreende que a própria rusticidade dos monjolos costumasse ser levada em conta na sua vinculação ao início do período colonial. Em uma analogia calcada na visualidade própria ao imaginário artístico-literário, a materialidade “primitiva” e rude dos monjolos atestava a sua antiguidade e o seu papel como herma liminar da extensa zona desbravada pelos bandeirantes paulistas. Em momento em que a cidade de São Paulo passava a acolher novos contingentes populacionais egressos não mais de outros países, mas das zonas rurais do interior do país (como se dera com o próprio Florençano), tal vinculação reforça ainda mais elasticidade própria à figura do bandeirante como mito-fundador do “ser paulista.” (MARINS, 2003, p. 13).

Explica-se, assim, que a Casa do Bandeirante tenha passado a abrigar, logo após sua inauguração, uma festa religiosa tipicamente caipira como a festa de Santa Cruz.55 Organizadas por Florençano, as devotas celebrações faziam da pretensa morada de Afonso Sardinha um local de congraçamento entre um público bastante diverso, composto de autoridades, intelectuais e músicos e foliões caipiras da Aldeia de Carapicuíba, entre outros. Fica claro que, ao mobilizar o afeto e o imaginário dos participantes, tais rituais de memória possibilitavam uma potente síntese em que as memórias extemporâneas do bandeirante e a do caipira se plasmavam em uma mesma identidade paulista.

Considerações finais

O presente artigo tentou esclarecer as formas como um equipamento rural dos mais simples, cuja história de sua transplantação ao Brasil conserva ainda muitas lacunas, pôde ser transformado em um signo tão prontamente identificado às correntes de povoadores oriundos de São Paulo. Em outras palavras, interessava aqui apreender a emergência do monjolo como um “semióforo”, ou seja, um objeto destinado a conservar um determinado discurso de outra maneira evanescente e inacessível, conforme a proposição de Krzysztof Pomian (POMIAN, 1998, p. 80). O conceito, particularmente útil para os estudos culturais, permite entender o valor do monjolo como objeto que visibiliza uma identidade paulista ainda presente nos dias de hoje, tanto no discurso historiográfico como na ampla esfera do patrimônio cultural. O aspecto formal dos semióforos, sendo indutor do seu significado enquanto obra de cultura, se revela bastante proveitoso na análise de peças iconográficas, já que permite ordenar as diferentes camadas de sentido que compõem o campo semântico da obra conforme o grau da relação que guardam com as imagens em si. Tal como no caso do quadro de Almeida Júnior, cujo sentido telúrico é explicitado por meio das relações formais entre o monjolo e os demais motivos que compõem a tela, bem como o vínculo do artista com as teorias deterministas então em voga. Na realidade, tendo o conceito de Pomian em mente, é mais fácil compreender a crítica de Rodrigo Naves, para quem “mais do que arte, Almeida Júnior faz[ia] cultura”.

O mesmo pode ser dito acerca do conceito de “civilização caipira”, que converteu a cultura material de sitiantes do Centro-Sul brasileiro em um semióforo da superioridade eugênica da população dessa região. Entretanto, foi o seu estatuto como obra de cultura que permitiu à geração seguinte expurgar o termo dos seus sentidos mais chauvinistas e racistas para convertê-lo em um esforço de memória. Ernani da Silva Bruno, Hélio Damante, Paulo Florençano e seus companheiros, todos eles descendentes de imigrantes, ou de famílias remediadas do interior e membros da última geração de intelectuais formados antes da institucionalização das ciências humanas nas universidades, puderam extrair da noção de Fairbanks muito mais do que o seu próprio criador. A ideia de uma “civilização caipira”, tão antiga como veneranda, foi tanto o caminho que encontraram para se inserirem na sociabilidade paulistana, como o de inserir algo de suas histórias de vida na representação do passado que ela engendrava - caminhos que, transcorrida a inteireza de suas vidas, se revelam como apenas um.

Agradecimentos

O autor gostaria de agradecer aos pareceristas da revista História, pois suas sugestões expandiram bastante o escopo e a qualidade deste artigo.

Referências Fontes Manuscritas

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Fontes Impressas

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  • WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras , 1989.
  • 1
    Dentre os viajantes estrangeiros que descreveram o monjolo, podem ser citados John Mawe, John Luccock, Maximiliano de Wied-Neuwied, Auguste de Saint-Hilaire, Luiz D’Alincourt e Hercules Florence.
  • 2
    A Galeria Allustrada, Curitiba, 1889, anno 1, nº 14, p. 120, destaque no original. Disponível em: https://bit.ly/3niQbOi
  • 3
    O trecho é o seguinte: “Nas margens do rio s. Francisco encontram-se baianos e pernambucanos com os paulistas. Ao Sul e ao Ocidente pode-se determinar até certo ponto os limites das duas correntes opostas, marcando os lugares em que os altos deixam de ser preferidos para a habitação, mesmo quando não perigo de ser inundado o terreno, e entram a funcionar os monjolos” (ABREU, 2000, p. 226-227).
  • 4
    Hipótese totalmente desacreditada pelas pesquisas de Sérgio Buarque de Holanda. Cf. Holanda (1957).
  • 5
    Anedotas e aforismos que circulavam na imprensa desde meados do séc. XIX retratando o monjolo como símbolo do atraso e da inércia industrial herdados de Portugal demonstram que a ideia da intermediação lusa na introdução do maquinismo no Brasil fazia parte do senso comum - em outras vezes, era também tomado como tão português como o carro de boi e o pelourinho.
  • 6
    Sobre a geração de 1870, ver Alonso (2002) e sobre os modos como o território nacional pautava a produção cultural da época, ver Ortiz (1985), Lima (1999) e Murari (2009).
  • 7
    Sobre o conceito de “musealização” como a mudança do estatuto de um objeto, que passa a ser um modelo construído da realidade que visa documentar, ver Desvallées e Mairesse (2013, p. 56-58).
  • 8
    Nascido em Resende (RJ) e criado na fazenda de café de sua família até a idade de ingressar nos cursos superiores, publicou o livro Flores do campo (1874) um pouco antes de se mudar para São Paulo, onde cursou a Faculdade de Direito de São Paulo. Estabelecido como lente da faculdade após alguns anos, continuou a escrever crônicas e críticas de arte e literatura para a imprensa paulista e carioca até o seu falecimento.
  • 9
    Não se tratou da primeira vez em que um monjolo era retratado em uma paisagem pintada a óleo. No quadro “Fazenda Soledade”, pintado pelo artista italiano Nicola Fachinetti em 1880, é possível ver um monjolo em pleno trabalho no canto direito da tela. O maquinismo, no entanto, ali, é apenas um elemento compositivo menor, um particularismo do pintor, não autorizando qualquer comparação com a tela de Almeida Júnior. Cf. Mello Júnior (1982).
  • 10
    Cumpre lembrar que Ezequiel Freire esteve envolvido em outra iniciativa pioneira na cena cultural paulistana. Em 1887, a leitura de seus artigos elogiosos abriu o recital do violeiro Pedro Vaz, no Theatro Provisório, conforme narrou o sociólogo José de Souza Martins no jornal OEstado de S. Paulo, em 01/04/2013.
  • 11
    A tela foi apresentada pela primeira vez em exposição individual realizada nesse ano no próprio ateliê do artista, em São Paulo (PITTA, 2013, p. 339). Sobre os aspectos técnicos da tela, ver Lourenço (1981).
  • 12
    apudNaves (2011, p. 162). O elogio foi feito no primeiro número da revista A Bohemia, em abril de 1896.
  • 13
    Natural de Salermo, Ferrigno estudou no Instituto de Belas-Artes de Nápoles. No Brasil, é conhecido principalmente pelos seus quadros, que hoje compõem acervos de museus públicos, como os seis grandes quadros sobre a cultura do café na fazenda Santa Gertrudes (Museu Paulista) e os quadros Negra quituteira e Rua 25 de março (Pinacoteca do Estado). Cf. Tarasantchi (2002, p. 135-138).
  • 14
    Cumpre lembrar que, em meio às primeiras agitações modernistas em São Paulo, eram ainda esses os nomes mais populares entre o público, conforme apontado por Nicolau Sevcenko em comentário sobre o impacto da montagem da peça de Afonso Arinos, O contratador de diamantes, entre a elite paulistana, em 1917 (SEVCENKO, 1992, p. 242).
  • 15
    José Gabriel de Toledo Piza, cuja família era de Capivari, bacharelou-se na Faculdade de Direito de São Paulo e foi redator da revista paulistana A Bohemia. Alcançou maior renome como teatrólogo, tendo sido co-autor da peça O mambembe, junto com Arthur de Azevedo. Piza foi um dos primeiros comediógrafos a escrever peças com personagens caipiras nos palcos, tendo estreado com Os dois Jucas, em Sorocaba, no ano de 1888 - a primeira de uma extensa série de comédias protagonizadas por caipiras que foram encenadas em São Paulo durante a República Velha, sendo raros os dramas dessa temática. Sobre o assunto, ver Melo (2007).
  • 16
    O termo “antibucolismo” foi cunhado por Raymond Williams para designar obras literárias que se contrapunham à literatura pastoril em voga na Inglaterra entre os séculos XVII e XIX. Cabe notar, no entanto, que Williams tinha em mente obras, em sua maior parte, escritas por autores alheios aos círculos aristocráticos. Já Lobato, autor cuja postura crítica à visão adocicada da vida rural se enquadra na ideia de antibucolismo, descendia de uma família de proprietários rurais, tendo ele mesmo se aventurado como fazendeiro, em experiência que marcou profundamente sua obra literária. Ver Williams (1989)
  • 17
    Cabe apontar que o tom satírico de Lobato contrastava com a admiração com que se referiu a um carpinteiro caipira que conheceu na infância, responsável por despertar nele o interesse pelo trabalho com madeiras. O episódio foi relatado pelo jornalista Leo Vaz, em artigo de homenagem publicado por ocasião de sua morte. Cf. Vaz, Leo. “Monteiro Lobato: reminiscências”, O Estado de S. Paulo, 03 de julho de 1949, p. 6-7.
  • 18
    COSTA, Ciro. “O caipira”, A Cigarra, ano II, nº XXIV, 1915, p. 13. Nascido em Limeira, filho de importante fazendeiro local, Costa diplomou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo e foi poeta conhecido por seus sonetos. Nunca reunida em livro, sua produção poética era admirada à época, como se nota pelos muitos jornais e revistas com os quais contribuía regularmente.
  • 19
    Sobre a reorganização do Museu Paulista para o Centenário de 1922, ver Brefe (2005) e Oliveira (2017).
  • 20
    O conjunto é completado pela tela Primeiras mudas de café, 1760. Foi a última a ser executada (1924) e retrata a viagem que, sob ordens do desembargador João Alberto de Castelo Branco, trouxe as primeiras mudas de café do Maranhão para o Rio de Janeiro, ponto de partida para a expansão de seu cultivo para São Paulo.
  • 21
    Cf. carta de A. Rangel a A. Taunay, 13/09/1920. Em carta a Rangel, datada de 12 de fevereiro do ano seguinte, Taunay solicita a reprodução dos originais. Em junho, as reproduções já estavam em mãos do diretor, que encaminha o cheque ao escritor, em carta do dia 20. Arquivo Permanente do Museu/ Fundo Museu Paulista, pastas 111 e 112. Sobre a colaboração entre Taunay e Rangel, ver Anhezini (2011).
  • 22
    Taunay também visitou uma fazenda dos monges trapistas, em Volta Redonda, que haviam oferecido ao Museu alguns equipamentos de beneficiamento do café e peças do antigo engenho de açúcar, oferta recusada devido aos altos custos do transporte até São Paulo. Carta de Afonso de Taunay a Alarico Silveira, 06/11/1920. Arquivo Permanente do Museu/ Fundo Museu Paulista, pasta 111.
  • 23
    Carta de A. de Taunay a W. Luiz, 03/07/1920. Arquivo Permanente do Museu/ Fundo Museu Paulista, pasta 112. O adjetivo “megaxylico” é uma referência ao francês “mégaxylique”, termo arqueológico usado para designar as construções de madeira dos grupos neolíticos da Europa Ocidental, famosos pela construção dos dolmens de pedra, então também denominadas como “civilizações megalíticas”.
  • 24
    Carta de M F. Novaes a A. de Taunay. 17/06/1920. Arquivo Permanente do Museu/ Fundo Museu Paulista, pasta 112.
  • 25
    Carta de M F. Novaes a A. de Taunay. 11/07/1920. Arquivo Permanente do Museu/ Fundo Museu Paulista, pasta 112.
  • 26
    Tratava-se da Fazenda da Lapa, hoje sede do Clube de Campo da Sociedade Hípica de Campinas. Carta de E. S. Camargo a A. de Taunay, 16/07/1920. Arquivo Permanente do Museu/ Fundo Museu Paulista, pasta 112.
  • 27
    Cf. Carta de A. A. Sousa Camargo à A. Norfini, 26/12/1921. Arquivo Permanente do Museu/ Fundo Museu Paulista, pasta 115.
  • 28
    As informações fornecidas na carta permitem localizar a fazenda Santo Antônio junto à atual entrada do distrito de Sousas, próximo à sede de campo do Clube Cultura Artística. Cf. Carta de J. A. Sousa Camargo à A. Norfini, 26/12/1921. Arquivo Permanente do Museu/ Fundo Museu Paulista, pasta 115.
  • 29
    O croqui mencionado não foi encontrado. É bem possível que a referência implícita a uma contribuição anterior de Joaquim Álvaro contivesse uma descrição do descascamento à sangue. Cabe dizer também que a única tela sobre o beneficiamento do café mencionada por Taunay em seu relatório de 1920 (anterior à troca de cartas entre Norfini e os irmãos Sousa Camargo) foi a do carretão, possivelmente pensada como solução temporária. Taunay (1922, 1304).
  • 30
    Os artigos foram publicados no Correio Paulistano com os nomes “O monjolo” e “O monjolo de rabo”, respectivamente, nas edições de 06/09/1927 e 09/09/1927, e na revista carioca Illustração Brasileira, na edição de julho de 1929.
  • 31
    O desenhista Osny Azevedo desenhou o monjolo de rabo para Schmidt e Florençano, este último editor-chefe da revista Paulistânia. Foi também utilizado por Schimdt em seu livro O milho e o monjolo, o qual traz o outro único relato sobre um monjolo do mesmo tipo, que existira perto de Curitiba. Cf. Schmidt (1967, p. 53 e fig. 30). Oswaldo Storni fez o mesmo para o livro de Alceu Maynard Araújo, Folclore Nacional. Cf. Araújo (1967, v. 3, p. 390).
  • 32
    O poema apareceu apenas na edição de 1929 de Martim-Cererê, principal livro de Ricardo e publicado um ano antes. Contudo, trata-se de uma recuperação de um poema de mesmo título já publicado em 1926, no seu livro Vamos caçar papagaios? (COELHO, 2015, p. 106).
  • 33
    As capas da revista Anauê, por exemplo, costumavam trazer imagens alusivas à cultura rural, como um cavaleiro em pleno galope (nº 15, mai. 1937) ou um roceiro acendendo uma grande fogueira (nº 21, nov. 1937). Ambas foram assinadas por “Orthof”, possivelmente o pintor, ilustrador e cartazista Geraldo Orthof (1903-1993), que, desde 1928, trabalhava como desenhista da revista O Cruzeiro (Ver Enciclopédia Itaú Cultural).
  • 34
    Natural de São Manoel, Fairbanks se diplomou em engenharia pela Escola Politécnica em 1914 e trabalhou primeiro como engenheiro de campo (ainda estudante) e depois como engenheiro-chefe na Alta Sorocabana na época de sua expansão em direção ao estado de Mato Grosso do Sul. Diplomou-se em direito pela São Francisco em 1929. Foi também professor da Escola Politécnica e vereador em São Paulo de 1948 a 1951.
  • 35
    Era reputado como dono de uma inteligência e cultura impressionantes, sendo uma das principais referências intelectuais dos integralistas de São Paulo, depois do próprio Plínio Salgado. Sobre a questão, ver depoimentos de ex-integralistas em Trindade (2016).
  • 36
    Fairbanks publicara, em 1936, um ensaio sobre a região da Alta Sorocabana inspirado nas ideias do geógrafo alemão. Ver Fairbanks (1936)
  • 37
    Antes de Joaquim Ribeiro, o termo fora usado como título de um livro de poemas de Martins Fontes lançado em 1934, que acabou por inspirar a revista homônima, editada pelo Clube Piratininga a partir de 1937, na qual se publicavam pequenos apontamentos sobre a história e o folclore paulistas e roteiros de viagem pitorescos pelo interior e litoral do estado. É possível que tenha sido por meio dessa publicação que Ribeiro entrou em contato com o termo.
  • 38
    A tese de Fairbanks aparenta ter sido muito pouco lida, sendo que o trecho referente à “civilização caipira” costuma ser citado a partir de obras de outrem, como o livro A alimentação sertaneja e do interior da Amazônia (1944), do botânico carioca Alberto José Sampaio.
  • 39
    Cumpre notar que Antônio Candido não o utilizou em seu seminal estudo sobre o tema, tampouco o fez Maria Syllvia de Carvalho Franco. Ainda que o termo continue a ser empregado por estudiosos do mundo rural brasileiro, ele perdeu a antiga ênfase na materialidade para tornar-se um sinônimo de “cultura caipira”.
  • 40
    Em sua juventude, Bruno participara do círculo de estudos de Plínio Salgado, tendo chegado a escrever críticas literárias no jornal integralista Aço Verde, publicado durante o ano de 1935 Guerra (2015). O contato com as ideias de Fairbanks é comprovado pelo recorte de um artigo intitulado “O estudo do caipira” publicado pelo deputado integralista no jornal Acção, em 26 de outubro de 1937, que se encontra na coleção de Bruno no IEB.
  • 41
    Os membros da corrente Boitatá se congregaram em torno da defesa das “tradições históricas e circunstâncias geográficas, climatéricas e econômicas que distingu[iam] nosso país”, conforme declarara Plínio Salgado na própria inauguração da Sociedade de Estudos Políticos, Trindade (2013/2014).
  • 42
    Natural de Piracicaba, chegou a cursar a Escola Superior de Agricultura Esalq). Iniciou-se no jornalismo ainda em sua cidade natal. Ao mudar-se para São Paulo, colaborou na imprensa mesmo depois de tornar-se servidor municipal, sendo encarregado da direção da Revista do Arquivo Municipal. Nos anos 1940, ganhou notoriedade por seu trabalho junto à Associação Brasileira de Escritores e pela organização da série jornalística “Plataforma de uma nova geração”. Sobre a trajetória de Mario Neme, ver Silva (2014).
  • 43
  • 44
    Hélio Damante era filho do professor e escritor Francisco Damante, cujos contos roceiros foram publicados pela editora de Monteiro Lobato na década de 1920, e esteve entre os primeiros membros do Centro de Pesquisas Folclóricas Mário de Andrade, fundado por Rossini Tavares Lima em 1946, no âmbito do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Já Ernani da Silva Bruno frequentara o pioneiro curso de etnografia e folclore ministrado por Dina Dreyfus, em 1937, sendo que o seu nome consta na ata de fundação da Sociedade de Etnografia e Folclore. Ambos foram dos mais destacados membros da Comissão Paulista de Folclore, estabelecida formalmente em 1948 e subordinada a CNFL.
  • 45
    Embora não tenham sido encontrados registros da inclusão das maquetes de maquinismos na ocasião, há em todas elas as inscrições de autoria e data: “A. Tacci, 1954”. Como durante a efeméride, o Museu Paulista encontrava-se fechado para reformas no prédio, pode ser descartada a hipótese de terem sido feitas para alguma mostra ali realizada.
  • 46
    O relatório referente ao ano de 1960, o primeiro da gestão de Neme como diretor do Museu traz uma lista das peças remanescentes da Exposição Histórica que integraram o seu acervo (NEME, 1960).
  • 47
    O núcleo do acervo era coleção do Centro de Pesquisas Folclóricas (fundado por Rossini Tavares Lima no Conservatório Dramático e Musical), ao qual se acrescentaram outras peças recolhidas pelo próprio Lima, a pedido da comissão organizadora do centenário.
  • 48
  • 49
    Schmidt, Carlos Borges, “Monjolo: traço da cultura cabocla”, Diário de S. Paulo, 05/04/1959. Disponível em: https://bit.ly/3aHZ3Hx
  • 50
    Possivelmente, a contratação foi sugerida ou intermediada por Herbert Baldus, que se tornara próximo de Holanda desde fora chamado para assumir a seção de Etnologia do Museu Paulista, em 1946 (PASSADOR, 2002). A Baldus talvez possa ser atribuída também a aproximação entre Holanda e Schmidt, visto que este havia o assistido em pesquisas feitas em Cunha em 1944-45. Como encarregado da nova fase da Revista do Museu Paulista, a Baldus também deve ter cabido a decisão de publicar o artigo “Alguns aspectos da pesca no litoral paulista” no número inaugural da revista, em 1947.
  • 51
    Ver Françozo (2005; 2007)
  • 52
    A fotografia do monjolo de rabo é de autoria de Schmidt e foi tirada em cerca de 1946, provavelmente, na fazenda de sua família, em Rio Claro. Já a do monjolo hidráulico foi batida por Florençano, em 1948 ou 1949, possivelmente durante viagem feita em companhia de Schmidt e Sérgio Buarque de Holanda. (ANDRADE, 2016, p. 146-147).
  • 53
    Paulo Camilher Florençano nasceu em Taubaté, onde se manteve atuante no setor cultural durante toda a sua vida, mesmo nos anos em que morou em São Paulo, época em que participou da fundação da Sociedade de Etnografia e Folclore da cidade, juntamente com Gentil de Camargo e Felix Guisard Filho. Chegou a estudar pintura com Bernadelli, no Rio de Janeiro e, já morando em São Paulo, começou a trabalhar como ilustrador em diferentes órgãos de imprensa até ser contratado pela revista Paulistânia. Após aposentar-se, retornou a Taubaté, onde participou da organização do museu histórico municipal. .
  • 54
    Além da dissertação de Andréa Santos, cabe lembrar aqui dos estudos de Lia Mayumi (MAYUMI, 2008) e de João Sodré (SODRÉ, 2004).
  • 55
    Florençano inspirou-se em uma das denominações que a propriedade teve ao longo dos anos, descoberta durante as pesquisas históricas para a instalação do museu. A propriedade ostentava um cruzeiro de madeira no terreiro em frente ao alpendre de entrada, conforme hábito muito comum nas zonas rurais do interior em sítios de diversas denominações. (SANTOS, 2016, p. 30 e 167).
  • Declaração de financiamento:
    A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento da FAPESP (Proc. 2019/01651-1).

Editado por

  • Editores:
    Karina Anhezini e Eduardo Romero de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2021
  • Aceito
    06 Fev 2022
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