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Microbiota saprófita associada à doença periodontal em cães

Oral flora associated with periodontal disease in dogs

Resumos

Realizou-se um estudo sobre a microbiota saprófita associada à doença periodontal espontânea em cães com o objetivo de identificar as bactérias anaeróbias predominantes nas lesões. Com auxílio de cureta odontológica, amostras colhidas diretamente do espaço subgengival foram semeadas em meio CDC (Central for Disease Control) para anaeróbios e incubadas, em anaerobiose, a 37°C, por sete dias. A caracterização das colônias foi realizada por meio da morfologia e do teste bioquímico (Sistema API 20A<FONT FACE="Symbol">Ò</FONT>). Identificaram-se os seguintes gêneros: Prevotella spp., Bacteroides spp., Propionibacterium spp., Gemella spp., Actinomyces spp., Eubacterium spp. e Porphyromonas spp.

Cão; placa subgengival; doença periodontal


Anaerobic bacteria associated with spontaneous periodontal disorders were studied. The samples were directly colected from the subgingival space with a odontologic curet, and they were plated in Central for Disease Control culture medium for anaerobic bacteria and incubated in anaerobic conditions at 37°C for seven days. The characterization of the colonies were done by the morphologic study and biochemical tests (API 20A). Prevotella spp., Bacteroides spp., Propionibacterium spp., Actinomyces spp., Eubacterium spp., Porphyromonas spp. and Gemella spp. were identified in the samples.

Dog; subgingival plaque; periodontal disease


Microbiota saprófita associada à doença periodontal em cães

(Oral flora associated with periodontal disease in dogs)

L.M. Domingues1, A.C. Alessi2**Autor para correspondênciaRecebido para publicação em 3 de novembro de 1998. Autor para correspondência, R.P. Schoken-Iturrino2, L.S. Dutra3

1Médica Veterinária – MS, FCAV-Unesp

2Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP

Rod. Carlos Tonanni, Km 5

14870-000 – Jaboticabal, São Paulo

3Departamento de Medicina Veterinária, FAO – UNESP-Araçatuba

RESUMO

Realizou-se um estudo sobre a microbiota saprófita associada à doença periodontal espontânea em cães com o objetivo de identificar as bactérias anaeróbias predominantes nas lesões. Com auxílio de cureta odontológica, amostras colhidas diretamente do espaço subgengival foram semeadas em meio CDC (Central for Disease Control) para anaeróbios e incubadas, em anaerobiose, a 37oC, por sete dias. A caracterização das colônias foi realizada por meio da morfologia e do teste bioquímico (Sistema API 20AÒ). Identificaram-se os seguintes gêneros: Prevotella spp., Bacteroides spp., Propionibacterium spp., Gemella spp., Actinomyces spp., Eubacterium spp. e Porphyromonas spp.

Palavras-Chave: Cão, placa subgengival, doença periodontal

ABSTRACT

Anaerobic bacteria associated with spontaneous periodontal disorders were studied. The samples were directly colected from the subgingival space with a odontologic curet, and they were plated in Central for Disease Control culture medium for anaerobic bacteria and incubated in anaerobic conditions at 37oC for seven days. The characterization of the colonies were done by the morphologic study and biochemical tests (API 20A). Prevotella spp., Bacteroides spp., Propionibacterium spp., Actinomyces spp., Eubacterium spp., Porphyromonas spp. and Gemella spp. were identified in the samples.

Keywords: Dog, subgingival plaque, periodontal disease

INTRODUÇÃO

A doença periodontal acomete o tecido de suporte do dente e o periodonto. Este inclui o tecido gengival, o cemento, o ligamento periodontal e o osso alveolar, ou seja, inclui as chamadas gengivites e periodontites (Dillon, 1984; Penman & Harvey, 1993; Gioso, 1993; Harvey & Emily, 1993).

A doença periodontal tem como uma das principais causas a presença de placa bacteriana. Microrganismos presentes na placa, na região do sulco gengival, ou substâncias derivadas ou liberadas por eles, constituem o maior e, provavelmente, o único fator extrínseco relacionado às etiologias da doença periodontal e da inflamação gengival (Mcphee & Cowley, 1981).

As bactérias predominantes na placa bacteriana nos sulcos gengivais são aeróbias e Gram positivas. A inflamação instalada e a contínua proliferação bacteriana podem acarretar retração ou hiperplasia gengival, formando assim cavidades gengivais que favorecem ainda mais o acúmulo de bactérias, passando então a predominar as bactérias anaeróbias, geralmente Gram negativas (Harvey & Emily, 1993).

Bactérias presentes em lesões na cavidade oral podem penetrar na corrente sangüínea e se acumular em outros órgãos, principalmente nos rins, fígado e coração, e neles causarem lesões. A boca pode, portanto, atuar como um foco de infecção (Penman, 1990; Goldstein, 1990). Hamlin (1990), ao abordar as doenças pulmonares e cardiovasculares em cães idosos, refere-se ao fato de que bactérias comumente observadas nas doenças periodontais, presentes na maioria dos cães idosos, podem ser as principais causadoras dessas lesões.

Love et al. (1980), ao realizarem um estudo da microbiota subgengival em 16 cães com doença periodontal espontânea, observaram presença marcante de microrganismos do gênero Porphyromonas spp. Este gênero foi também isolado por Syed et al. (1980), ao estudarem a microbiota associada à gengivite em Beagles. Bactérias dos gêneros Bacteroides spp., Eubacterium spp., Actimomyces spp. e Propionibacterium spp. também foram encontradas nesse estudo. Svanberg et al. (1982), Isogai et al. (1989) e Sarkiala et al. (1993b) relatam como sendo Porphyromonas asaccharolyticus e Fusobacterium nucleatum os anaeróbios, Gram negativos, predominantes na microbiota da doença periodontal em cães, também da raça Beagle.

Sarkiala et al. (1993a) caracterizaram, em periodontite canina, a presença de Porphyromonas spp., Prevotella spp. e Fusobacterium spp., mas não foram encontradas bactérias do gênero Actimomyces spp., um importante patógeno anaeróbio facultativo envolvido na periodontite humana.

Este estudo teve por objetivo identificar as bactérias anaeróbias predominantes na doença periodontal espontânea em cães da região de Jaboticabal, SP.

MATERIAL E MÉTODOS

Utilizaram-se 22 cães atendidos no Hospital Veterinário da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, Jaboticabal, que apresentavam sinais clínicos de doença periodontal, como a presença de gengivite e bolsa periodontal.

Os 22 cães utilizados, 11 machos e 11 fêmeas, todos sem raça definida (SRD), na faixa etária entre 3 e 14 anos de idade, recebiam dieta basicamente sob a forma de ração comercial. As bolsas periodontais evidenciadas nos cães incluídos no protocolo caracterizavam-se por possuir profundidade de no mínimo quatro milímetros, segundo mensuração efetuada com o auxílio de uma sonda periodontal milimetrada.

As amostras foram obtidas após os animais serem submetidos à anestesia geral, com agentes anestésicos intravenosos ou inalatórios. Com auxílio de cureta odontológica estéril, o material foi obtido diretamente do espaço subgengival de dentes acometidos. Após a colheita, de imediato, esse material foi acondicionado em frasco estéril, que continha 1ml de solução de Ringer lactato, e mantido em meio de microaerofilia.

O plaqueamento das amostras foi realizado logo após a colheita, no tempo máximo de uma hora. O material foi diluído em Ringer lactato e de cada diluição (10-1, 10-2, 10-3) foi realizado plaqueamento pareado em meio de cultura CDC (Central for Disease Control), enriquecido com hemina (5mg/ml), vitamina K1 (0.5 mg/ml) e 5% de sangue desfibrinado (Blobel et al., 1984) e em meio de cultura AS (ágar sangue). O isolamento das amostras foi realizado segundo metodologia utilizada por Blobel et al. (1984).

Paralelamente, foi preparado esfregaço com material de menor diluição (10-1), corado pelo método de Gram para análise prévia do material a ser cultivado.

Das placas originalmente incubadas foram escolhidas aquelas cujas diluições possibilitaram o crescimento uniforme. As colônias, morfologicamente diferentes, observadas com maior freqüência na cultura original foram novamente plaqueadas em meio de cultura CDC, e incubadas em anaerobiose por cinco a sete dias a 37oC, e, também, em meio de cultura AS, estas mantidas em aerobiose por 24 a 48 horas a 37oC.

Amostras que cresceram exclusivamente em CDC foram mantidas como culturas puras por meio de subcultivos semanais e caracterizadas quanto a suas propriedades bioquímicas, pelo Sistema API 20AÒ (Biolab Merièux).

O aspecto e a coloração das colônias obtidos no isolamento inicial (em cultura mista) foram utilizados como parâmetro para separação em categorias e posterior isolamento das amostras. A morfologia e a propriedade tintorial das bactérias foram observadas por meio de esfregaço em lâmina, corado pelo método de Gram.

Após obtenção de culturas puras em meio de cultura CDC, verificou-se a capacidade de cada amostra, isoladamente, de decompor o peróxido de hidrogênio a 3%.

A caracterização bioquímica das amostras foi realizada pelo sistema API 20A que consiste de 20 microtubos com o substrato desidratado para a reação de indol e de esculina, além da fermentação de 18 açúcares. Por esse sistema foram verificadas as reações de fermentação ou hidrólise de glicose, maltose, manose, lactose, sacarose, salicina, xilose, arabinose, glicerinase, celobiose, melezitose, rafinose, sorbitol, ramnose, trealose, gelatina, manitol e urease.

RESULTADOS

Das culturas foram isoladas em CDC e em anaerobiose, após sete dias de incubação a 37oC, 84 amostras de bactérias, caracterizadas pelo aspecto morfológico e perfil bioquímico das colônias.

Nas culturas, após sete dias de incubação em anaerobiose, ocorreram predominantemente crescimento de bactérias pigmentadas em negro e marrom. Essas amostras foram mantidas por meio de subcultivos, sendo que algumas apresentaram-se despigmentadas após um ou dois subcultivos.

Das 84 amostras, encontraram-se amostras pigmentadas, em sua maioria sacarolíticas, que fermentaram pelo menos seis açúcares. As características bioquímicas e o aspecto morfológico das colônias indicaram tratar-se de amostras do gênero Prevotella spp. (45 amostras), Bacteroides spp. (21 amostras), Propionibacterium spp. (7 amostras), Gemella spp. (4 amostras), Actinomyces spp. (3 amostras), Eubacterium spp. (duas amostras) e Porphyromonas spp. (duas amostras).

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

A placa bacteriana é a principal causa de doença periodontal. Microrganismos presentes na placa na região do sulco gengival ou substâncias por eles liberadas podem levar ao processo inflamatório (Mcphee & Cowley, 1981). Revestem-se, então, de importância os estudos sobre a microbiota existente nessas alterações.

O espectro bacteriano responsável pela evolução do processo inflamatório modifica-se de acordo com o estádio da doença periodontal. No início encontram-se principalmente, bactérias aeróbias Gram positivas, comumente encontradas por toda a extensão bucal. Com a evolução do processo e a formação de bolsa periodontal, inicia-se um nicho que favorece o aparecimento de bactérias anaeróbias, mais patogênicas, agravando progressivamente o processo (Penman & Harvey, 1985; Gioso, 1993). Como normalmente se observa em cães a doença periodontal já instalada, na sua forma mais avançada, optou-se por estudar as bactérias anaeróbias que estariam envolvidas nesse processo.

Todos os animais selecionados apresentavam o mesmo grau de doença periodontal, com altos índices gengival (IG) e de placa (IP), e presença de bolsa periodontal com profundidade de no mínimo 4mm (Löe, 1967). Verificou-se que as bactérias isoladas apresentaram certas características em comum: todas crescem bem em meio de cultura contendo hemina, vitamina K1 e sangue. Várias tentativas de isolamento de amostras foram ineficientes, as amostras crescem bem somente em culturas mistas, sendo difícil mantê-las como monoculturas por meio de subcultivos, muitas placas apresentam freqüentes contaminações em subcultivos. Essas características podem ser explicadas, em parte, segundo Duerden (1980), por fatores nutricionais associados a esses gêneros. Quando de culturas mistas, um gênero propicia substrato para o crescimento do outro. Por esse motivo, também, algumas amostras pigmentadas em negro, após um ou dois subcultivos, cresceram, mas totalmente apigmentadas.

As 84 amostras isoladas e classificadas, de acordo com suas características morfotintoriais e bioquímicas, como sendo dos gêneros Porphyromonas spp., Bacteroides spp., Eubacterium spp., Actimomyces spp., Propionibacterium spp., Prevotella spp. e Gemella spp. coincidiram, na sua grande maioria, com estudos anteriores (Syed et al., 1980; Love et al., 1980; Sarkiala et al., 1993a,b). Tais microrganismos também estão presentes na microbiota associada à doença periodontal no homem. Essa microbiota ganha maior relevância ao se evidenciar que muitos desses microrganismos, freqüentemente, implicam em lesões em outros órgãos (Penman, 1990; Goldstein, 1990; Hamlin, 1990). Recentemente, em caso relatado no homem por Tokuoka et al. (1997), observou-se um quadro de meningite purulenta associado a um abscesso retrofaríngeo, subseqüente ao tratamento de infecção odontogênica. O microrganismo isolado foi do gênero Gemella spp., qual seja, um dos gêneros evidenciados nesse trabalho. Essas observações reforçam a importância em se conhecer a microbiota saprófita da cavidade bucal. Contudo, não basta apenas conhecer os microrganismos presentes na placa bacteriana mas sim como eles atuam, isolada ou concomitantemente com outros microrganismos. A título de exemplo, nesse estudo isolaram-se bactérias do gênero Actinomyces spp. que, apesar de serem consideradas bactérias importantes no desenvolvimento da doença periodontal no homem, são bactérias anaeróbias facultativas. Assim, elas deveriam ter sido descartadas desse estudo com base no protocolo utilizado para o descarte de bactérias facultativas. Por algum motivo elas não cresceram em aerobiose. Isso pode ser atribuído ao fato de algumas bactérias necessitarem da presença concomitante de outras para crescerem (Duerden, 1980). Portanto, resta saber se as bactérias do gênero Actinomyces spp., ou de outros gêneros isolados nesse estudo, somente atuam de forma prejudicial na cavidade bucal em conjunto, ou se isoladamente produzem o mesmo tipo de lesão.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP e à Capes pelo auxílio financeiro, e aos técnicos Narcizo B. Tel, Edgar Homem, Francisca A. Ardison, Maria I.Y. Campos e Silvina P. Berchieri.

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  • *Autor para correspondência
    Recebido para publicação em 3 de novembro de 1998.
    Autor para correspondência
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2001
    • Data do Fascículo
      Ago 1999

    Histórico

    • Recebido
      03 Nov 1998
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