EDITORIAL
Historicamente reconhecida como uma endemia rural, a partir da década de 1980 registra-se um paulatino processo de urbanização da LV. A primeira grande epidemia urbana registrada no país ocorreu em Teresina. Posteriormente, epidemias foram descritas em Natal e São Luís, e subseqüentemente registrou-se sua disseminação para outras regiões do país. Recentemente casos autóctones foram detectados pela primeira vez no Rio Grande do Sul.
O panorama epidemiológico não deixa dúvidas sobre a gravidade da situação e a franca expansão geográfica da LV. De 1980 a 2008, foram notificados mais de 70 mil casos de LV no país, levando mais de 3.800 pessoas à morte. O número médio de casos registrados anualmente cresceu de 1.601 (1985-1989), para 3.630 (2000-2004), estabilizando-se a partir de então. Na década de 1990, apenas 10% dos casos ocorriam fora da Região Nordeste, mas em 2007, esta cifra chegou a 50% dos casos. Entre os anos de 2006 e 2008, a transmissão autóctone da LV foi registrada em mais de 1.200 municípios em 21 Unidades Federadas.
A LV é uma doença negligenciada de populações negligenciadas. Pobreza, migração, ocupação urbana não planejada, destruição ambiental, condições precárias de saneamento e habitação e desnutrição são alguns dos muitos determinantes de sua ocorrência. A Organização Mundial da Saúde reconhece a inexistência de meios suficientes para sua eliminação, a despeito das iniciativas no subcontinente indiano, onde a doença é transmitida de pessoa a pessoa por meio da picada do vetor. Neste caso o tratamento humano contribui para diminuir a transmissão, mas no Brasil, onde a doença é zoonótica, o tratamento tem papel eminentemente curativo.
O programa nacional de controle da LV baseia sua estratégia na detecção e tratamento de casos humanos, controle dos reservatórios domésticos e controle de vetores. Entretanto, após anos de investimento, nota-se que estas medidas foram insuficientes para impedir a disseminação da doença. A introdução da LV nas cidades configura uma realidade epidemiológica diversa daquela previamente conhecida, requerendo uma nova racionalidade para os sistemas de vigilância e de controle.
São muitos os desafios, mas ênfase deve ser dada em desenvolvimento científico e tecnológico e em inovação em saúde. São necessários mais estudos para o desenvolvimento de novas drogas, regimes terapêuticos e protocolos de manejo clínico. Estudos de efetividade das ações de controle devem ser sustentados em bases metodológicas sólidas; é preciso investir em táticas integradas de intervenção estruturadas de acordo com os diferentes cenários de transmissão e preferencialmente focalizando áreas de maior risco. Realce deve ser dado à produção e validação de novos testes diagnósticos. Pesquisas que levem a vacinas efetivas para proteger o indivíduo e diminuir a transmissão são prioritárias. Investigações para solucionar os entraves operacionais na implementação das ações de prevenção também devem ser estimuladas.
Há ainda uma imensa lacuna no conhecimento sobre a LV. Entretanto, mais do que a produção científica em si, é necessário um compromisso social de todos para evitar que a LV se estabeleça definitivamente como mais uma mazela sanitária do cotidiano urbano brasileiro.
Guilherme L. Werneck
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca,
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.
Expansão geográfica da leishmaniose visceral no Brasil
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
27 Maio 2010 -
Data do Fascículo
Abr 2010