Open-access Treino em auto-observação e adesão à dieta em adulto com diabetes tipo 2

Training on self-observation and adherence to diet in an adult with type 2-diabetes

Resumos

Este estudo verificou os efeitos do treino de auto-observação sobre a adesão à dieta em um adulto com diabetes Tipo 2. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas no domicílio do participante. Após levantamento da linha de base, iniciou-se o treino no uso de protocolos para registro de automonitoramento (Passo 1), seguido de treino do relato verbal do paciente sobre a sua alimentação no dia anterior (Passo 2) e de treino no planejamento da adesão à dieta (Passo 3). O cálculo do Índice de Adesão à Dieta (IAD) do paciente e seus relatos verbais nortearam a análise dos resultados, que indicaram aumento na frequência de respostas de auto-observação do comportamento alimentar e no IAD no Passo 1. Esse ganho foi mantido no Passo 2 e maximizado com o treino no planejamento da adesão à dieta no Passo 3.

auto-observação; registro de automonitoramento; relato verbal; adesão à dieta


The present study verified the effects of self-observation over the adherence to a prescribed diet for an adult with Type 2-diabetes. The data collection was brought up by means of home interviews. Following the baseline determination, the following steps were performed: a training on the use of protocols for self-monitoring registration (Step 1), a training on the patient's verbal report over his feeding on the former day (Step 2), and a training on how to plan the adherence to the diet (Step 3). The calculation of the patient's Adherence Index to the Diet (AID) along with his verbal reports guided the data analysis, which revealed an increase in the frequency of self-observation of feeding behavior and in the AID on Step 1. This gain was maintained on Step 2 and further maximized by the training on planning the adherence to the diet on Step 3.

self-observation; self-monitoring registration; verbal report; adherence to the diet


Treino em auto-observação e adesão à dieta em adulto com diabetes tipo 21

Training on self-observation and adherence to diet in an adult with type 2-diabetes

Eleonora Arnaud Pereira Ferreira2; Andressa Lacerda Fernandes

Universidade Federal do Pará

RESUMO

Este estudo verificou os efeitos do treino de auto-observação sobre a adesão à dieta em um adulto com diabetes Tipo 2. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas no domicílio do participante. Após levantamento da linha de base, iniciou-se o treino no uso de protocolos para registro de automonitoramento (Passo 1), seguido de treino do relato verbal do paciente sobre a sua alimentação no dia anterior (Passo 2) e de treino no planejamento da adesão à dieta (Passo 3). O cálculo do Índice de Adesão à Dieta (IAD) do paciente e seus relatos verbais nortearam a análise dos resultados, que indicaram aumento na frequência de respostas de auto-observação do comportamento alimentar e no IAD no Passo 1. Esse ganho foi mantido no Passo 2 e maximizado com o treino no planejamento da adesão à dieta no Passo 3.

Palavras-chave: auto-observação; registro de automonitoramento; relato verbal; adesão à dieta.

ABSTRACT

The present study verified the effects of self-observation over the adherence to a prescribed diet for an adult with Type 2-diabetes. The data collection was brought up by means of home interviews. Following the baseline determination, the following steps were performed: a training on the use of protocols for self-monitoring registration (Step 1), a training on the patient's verbal report over his feeding on the former day (Step 2), and a training on how to plan the adherence to the diet (Step 3). The calculation of the patient's Adherence Index to the Diet (AID) along with his verbal reports guided the data analysis, which revealed an increase in the frequency of self-observation of feeding behavior and in the AID on Step 1. This gain was maintained on Step 2 and further maximized by the training on planning the adherence to the diet on Step 3.

Key words: self-observation; self-monitoring registration; verbal report; adherence to the diet.

A baixa adesão ao tratamento tem sido mencionada na literatura como um dos problemas mais importantes enfrentados pelos profissionais de saúde (Organização Mundial de Saúde – OMS, 2003). Por adesão ao tratamento, compreende-se a extensão com a qual o comportamento de uma pessoa corresponde ao acordo estabelecido com o profissional ou com a equipe de profissionais de saúde referente a um plano de tratamento (OMS, 2003). De acordo com Malerbi (2000), a baixa adesão é frequentemente observada em situações que requerem tratamentos longos, complexos, de natureza preventiva e quando alterações no estilo de vida do paciente precisam ser realizadas, como ocorre no caso de doenças crônicas.

Entre as doenças crônicas que mobilizam a atenção dos profissionais de saúde situa-se o diabetes mellitus (DM). O diabetes é uma síndrome de etiologia múltipla, relacionada à falta ou à baixa produção de insulina pelo pâncreas (Tipo 1) e/ou à incapacidade da insulina exercer adequadamente sua função (Tipo 2). O DM do Tipo 2 abrange de 85% a 90% do total de casos e costuma ser diagnosticado em adultos com excesso de peso e hábitos sedentários (Sociedade Brasileira de Diabetes - SBD, 2002).

O tratamento do DM é mencionado na literatura como sendo altamente complexo, pois requer do paciente a emissão de várias classes de comportamentos, várias vezes ao dia, como: (1) o seguimento de uma dieta alimentar com controle da ingestão de carboidratos; (2) a prática regular de exercícios físicos; (3) a administração de medicamentos (insulina para o Tipo 1 ou agentes hipoglicemiantes para o Tipo 2); (4) a frequente monitoração dos níveis de glicemia; (5) a identificação e o controle de sintomas relacionados ao DM; e (6) a manutenção de cuidados com os pés (Malerbi, 2001; SBD, 2002).

A dieta é um dos componentes fundamentais no tratamento do DM, já que uma alimentação adequada favorece o controle metabólico e pode contribuir para a normalização da glicemia, para a diminuição dos fatores de risco cardiovascular, para a obtenção e/ou manutenção do peso corpóreo saudável e para a prevenção de complicações agudas e crônicas como as neuropatias (SBD, 2002). No caso do diabetes Tipo 2, a reorganização dos hábitos alimentares se justifica em função de que 90% dos pacientes deste grupo são obesos ou têm excesso de peso (Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS, 2003).

Embora estudos apontem vantagens da adesão ao tratamento na prevenção de complicações em doenças crônicas como o diabetes (DCCT Research Group, 1987; United Kingdom Prospective Diabetes Study - UKPDS, 1998), uma parcela significativa de pacientes apresenta dificuldades de adesão ao tratamento. Entre essas dificuldades, a dieta tem sido apontada como a exigência de mais difícil adesão (Casseb, Malcher-Bispo & Ferreira, 2008; Cox & Gonder-Frederick, 1992; Dubbert, 1992; Ferreira, 2001; Glasgow & Eakin, 1998).

Um dos recursos mais utilizados para promover a adesão ao tratamento do diabetes tem sido o oferecimento de programas educacionais, nos quais os participantes são instruídos sobre a patologia e o tratamento necessário para seu controle. Entretanto, a literatura tem indicado que apenas o conhecimento das instruções envolvidas no tratamento não garante a adesão do paciente (American Association of Diabetes Educators — AADE, 2009; Clemente, 1995; Malerbi, 2001; Pérez & González, 2005; Tang, Funnell & Anderson, 2006). Dessa forma, profissionais da área de saúde têm procurado criar contingências para aliar o conhecimento das regras ao "saber fazer", isto é, ao seguir as regras. De acordo com Ribes (1990, citado por Miyazaki, Domingos & Caballo, 2001), a adesão a um programa de tratamento requer que o paciente: (1) possua em seu repertório os comportamentos necessários à adesão; (2) tenha informações sobre as razões que tornam necessários esses comportamentos; (3) discrimine em que situações determinados comportamentos devem ser emitidos; (4) disponha de um repertório comportamental alternativo; e (5) tenha em seu repertório comportamentos de busca por informações.

Para auxiliar os pacientes portadores de doenças crônicas no processo de "saber fazer", o psicólogo que atua na área da saúde e elege o modelo analítico-comportamental para nortear sua prática dedica-se constantemente à tarefa de realizar análises funcionais do comportamento, isto é, de explicar um determinado comportamento a partir da descrição de suas relações com outros eventos (Matos, 1999). Na área da saúde, dentre as técnicas mais utilizadas para promover análises funcionais destaca-se o treino em correspondência (TC). Esse treino envolve auxiliar o paciente a observar o próprio comportamento (auto-observação), com o objetivo de analisar se as suas ações voltadas ao tratamento coincidem ou não com o que foi prescrito pelos profissionais de saúde, procurando discriminar as variáveis que interferem na adesão, o que, por sua vez, pode ser alcançado por meio de registros de automonitoramento e do treino do relato verbal (Beckert, 2002, 2005).

O automonitoramento corresponde à realização de registros sistemáticos do próprio comportamento (comportamento-alvo), que pode incluir a especificação dos seus antecedentes e dos seus consequentes. Os registros do comportamento-alvo podem abranger aspectos como a frequência, a quantidade e a duração e/ou intensidade do comportamento (Bohm & Gimenes, 2008; Tobin, Reynolds, Holroyd & Creer, 1986). As principais vantagens do automonitoramento são a ampliação do repertório de respostas de auto–observação, com o aumento da consciência do paciente sobre seus comportamentos, e o desenvolvimento de habilidades para realizar análises funcionais por meio da identificação de variáveis que controlam os comportamentos de autocuidado. Desse modo, o automonitoramento pode também funcionar como estratégia de intervenção, uma vez que "a observação do próprio comportamento geralmente é acompanhada por mudanças positivas no comportamento observado e tende a acentuar as propriedades discriminativas de contingências mais adaptativas" (Abreu-Rodrigues & Beckert, 2004, p. 267). Em contrapartida, o automonitoramento pode ser de alto custo para o paciente, pois a realização dos registros requer tempo, compreensão e esforço (Ades & Kerbauy, 2002; Bohm & Gimenes, 2008; Kerbauy, 2002).

Outra técnica utilizada tem sido o treino do relato verbal do paciente acerca de suas ações de autocuidado (Ferreira, 2001). Nesse caso, o paciente é solicitado a descrever oralmente os comportamentos-alvo emitidos durante determinado período de tempo, não havendo a ocorrência de registros por escrito desses comportamentos. As descrições de autocuidado coincidentes com os comportamentos prescritos para o tratamento são consequenciadas com elogios ou reforços arbitrários, emitidos pelo pesquisador/profissional. Entre as vantagens do uso do relato verbal para a pesquisa aplicada e a assistência em saúde destacam-se o baixo custo, a simplicidade e a possibilidade de aplicação em diferentes contextos (Ferreira, 2001; Rand & Weeks, 1998). Embora o relato verbal do paciente seja considerado como uma medida suspeita, dada a possibilidade de ele estar sob o controle de consequências aversivas que ocorreram no passado (como ter sido punido pelo profissional de saúde durante a consulta ao relatar a emissão de comportamentos de não-adesão ao tratamento), o que aumentaria a probabilidade de emissão do comportamento de "mentir", a literatura tem indicado que dados mais confiáveis podem ser obtidos quando é solicitado o relato de comportamentos específicos em intervalos recentes de tempo (Malerbi, 2000). Smith (1999) enfatiza a credibilidade de relatos quando estes fazem referência a comportamentos emitidos em intervalos correspondentes às 24 horas anteriores ao procedimento de coleta de dados. Outro aspecto relevante a ser considerado diz respeito ao conteúdo do relato verbal. Na área da saúde, por exemplo, estudos apontam que relatos de baixa adesão são mais confiáveis do que relatos de níveis muito altos de adesão (Ferreira, 2001; McNabb, 1997).

Segundo Beckert (2002), na prática clínica o TC é realizado inicialmente de acordo com a sequência fazer-dizer, ou seja, o indivíduo descreve acontecimentos relevantes de sua vida, enquanto o terapeuta (ouvinte) modela tatos fidedignos, estabelecendo condições para o autoconhecimento. As sequências que devem ser treinadas em um segundo momento são: dizer-fazer-dizer, isto é, o terapeuta estabelece condições para o dizer anterior e posterior, enquanto o cliente diz o que fará, faz e relata o feito; e dizer-fazer, de acordo com a qual o terapeuta estabelece condições apenas para o dizer anterior, pois o dizer posterior costuma ocorrer espontaneamente, como um produto da auto-observação (Beckert, 2002).

Skinner (1989/1991) estabelece relação entre a descrição de eventos ambientais e o comportamento de auto-observação, esclarecendo que o indivíduo passa a observar o seu próprio comportamento ou suas variáveis controladoras quando é indagado pela comunidade verbal acerca do que fez, está fazendo ou está prestes a fazer. Seguindo essa linha de raciocínio, Skinner afirma que "todo o comportamento, seja ele humano ou não-humano, é inconsciente; ele se torna consciente quando os ambientes verbais fornecem as contingências necessárias à auto-observação" (p. 88).

Ao mencionar o papel dos ambientes verbais na emissão de comportamentos conscientes, Zettle (1990) acrescenta que os questionamentos formulados frequentemente pela comunidade verbal acerca das práticas dos indivíduos estabelecem condições para que as descrições verbais oferecidas em resposta a tais questionamentos controlem o comportamento de quem fala. Albuquerque (2005) apresenta argumentos sugerindo que perguntas formuladas pela comunidade verbal podem interferir no desempenho do indivíduo, destacando que "quando o comportamento a ser explicado é o comportamento humano, os antecedentes são tão importantes quanto as consequências" (p.170).

Levando em consideração que os ganhos consequentes à emissão de comportamentos de autocuidado nem sempre podem ser imediatamente observados pelos pacientes portadores de doenças crônicas, o que pode contribuir para a não adesão ao tratamento, estudos que investiguem os efeitos do treino de auto-observação podem colaborar para o delineamento de intervenções cujo objetivo seja aumentar a adesão ao tratamento.

Para aumentar a probabilidade de uma boa adesão ao tratamento do diabetes, por exemplo, seria importante o paciente aprender a estabelecer a relação entre o seguimento das instruções disponibilizadas pela equipe de saúde (como a dieta) e as consequências obtidas pelo seguimento dessas instruções (e.g., melhor controle glicêmico e do peso corporal). Entretanto, a literatura sobre o desenvolvimento de habilidades específicas para a adesão ao tratamento pelo paciente ainda é restrita.

Este estudo tem como objetivo apresentar, sob a forma de estudo de caso, uma análise dos efeitos de um treino de auto-observação por meio da utilização de registros de automonitoramento, do treino em relato verbal e do treino em planejamento sobre a adesão à dieta por um adulto com diagnóstico de diabetes do Tipo 2.

Método

Participante

Participou do estudo um paciente do sexo masculino, 50 anos de idade, Ensino Fundamental incompleto, com diagnóstico de diabetes do Tipo 2 há um ano e estado nutricional na faixa da obesidade (Índice de Massa Corpórea [IMC] = 38,82). O paciente estava inscrito no Programa de Atendimento ao Portador de Diabetes (PAPD) de um hospital universitário na cidade de Belém-PA e foi encaminhado ao Serviço de Psicologia por apresentar dificuldades de adesão às regras nutricionais. O paciente aceitou participar voluntariamente do estudo mediante a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido (Projeto aprovado pelo CEP/NMT-UFPA).

Instrumentos e equipamentos

Para a coleta dos dados foram utilizados: roteiros de entrevista semiestruturada, prontuário do paciente, protocolos de registro de automonitoramento do comportamento alimentar, além de um gravador e fitas de áudio. Para a análise dos dados foram utilizados: protocolo nutricional e roteiro de instruções para análise do Índice de Adesão à Dieta (IAD).

Foram utilizados três tipos de protocolos de registro de automonitoramento, com graus de complexidade crescente. O Protocolo 1, utilizado com o objetivo de instalar comportamentos de registrar, foi estruturado para que o participante assinalasse com um X as refeições que, na sua avaliação, haviam sido realizadas de acordo com as orientações da nutricionista. O Protocolo 2 foi utilizado com o objetivo de instalar comportamentos de auto-observação do fracionamento e da seleção da qualidade dos alimentos ingeridos, contendo colunas destinadas ao registro do horário das refeições e do tipo de alimento ingerido em cada refeição realizada. Finalmente, o Protocolo 3 foi utilizado com o objetivo de instalar comportamentos de auto-observação do fracionamento, da qualidade e da quantidade dos alimentos ingeridos, contendo colunas destinadas ao registro do horário das refeições, do tipo e da medida dos alimentos ingeridos em cada refeição realizada.

Para a análise dos dados foi utilizado o roteiro de instruções para o cálculo do IAD. Nesse cálculo, foram consideradas as descrições feitas pelo participante sobre as refeições realizadas no dia anterior ao da entrevista, obtidas ou por meio de um dos protocolos de registro de automonitoramento ou por meio de relatos verbais. Cada refeição descrita era comparada às instruções contidas no protocolo nutricional. Esse protocolo nutricional consistia em um roteiro impresso contendo recomendações referentes ao fracionamento das refeições, à qualidade e à quantidade dos alimentos a serem ingeridos pelo paciente em um período de 24 horas. Foram consideradas corretas as refeições cujas descrições coincidissem com os critérios estabelecidos no protocolo nutricional. Caso houvesse consistência entre o comportamento registrado/relatado e o protocolo nutricional, era atribuído um ponto à refeição; caso contrário, não era atribuído o ponto. Ao final, obtinha-se a soma do número de refeições corretas, a qual era multiplicada por 100; em seguida, esse valor era dividido pelo número total de refeições (N=6) que deveriam ter sido realizadas ao longo do dia (desjejum, lanche 1, almoço, lanche 2, jantar e ceia), sendo obtido o IAD na forma de percentagem. Para essa análise e julgamento, contou-se com o auxílio de profissionais do Serviço de Nutrição do hospital.

Procedimento

Foram realizadas 18 entrevistas gravadas em áudio, sendo uma no ambulatório do hospital e 17 em ambiente domiciliar do paciente. O procedimento incluiu três etapas:

Etapa 1: Linha de Base (LB). Nessa etapa, a terapeuta-pesquisadora (TP) realizou, em ambulatório, a análise do prontuário do paciente para levantamento das instruções para o tratamento do diabetes Tipo 2 fornecidas pela equipe do PAPD ao participante. Na análise do prontuário, deu-se ênfase à coleta das instruções contidas no protocolo nutricional sob supervisão da nutricionista do Programa. Em seguida, foi realizada uma entrevista com o paciente para a identificação do IAD no início deste estudo.

Uma semana após a entrevista inicial, foi realizada, em ambiente domiciliar, uma entrevista para levantamento das características sociodemográficas do participante, seus conhecimentos acerca do diabetes e sua história de adesão ao tratamento. Também foi obtido um novo cálculo do IAD, realizado com o propósito de verificar a estabilidade do repertório de adesão à dieta antes de ser introduzido o procedimento de intervenção.

Etapa 2: Treino de Auto-Observação. Esse treino foi realizado em três passos, por meio de entrevistas no domicílio do participante, com intervalo médio de dois dias.

No Passo 1, Treino do Registro de Automonitoramento (RA), foi enfatizada a sequência de comportamentos fazer-dizer. A instalação do comportamento de auto-observação do comportamento alimentar foi iniciada utilizando-se o Protocolo 1, seguido do Protocolo 2, culminando com o Protocolo 3. A cada entrevista, o participante recebia uma cópia impressa do protocolo e era solicitado a registrar seus comportamentos alimentares emitidos no dia anterior à próxima entrevista. O critério estabelecido para a mudança de passo era o participante obter 50% ou mais no cálculo do IAD em pelo menos três entrevistas, consecutivas ou não. Cada um dos dois primeiros protocolos foi utilizado em uma única entrevista, enquanto que o Protocolo 3 foi utilizado até o critério para mudança de passo ser alcançado, o que ocorreu após seis entrevistas.

No Passo 2, Treino do Relato Verbal (RV), foi mantida a sequência fazer-dizer. Nele, eram obtidos somente relatos verbais do participante sobre os alimentos ingeridos no dia anterior à entrevista, isto é, o participante não era mais solicitado a realizar registros em protocolos. Durante as entrevistas, a TP solicitava ao participante que descrevesse em detalhes os alimentos ingeridos em cada uma das refeições, com a indicação do fracionamento, qualidade e quantidade. Novamente, o critério estabelecido para mudança de passo era o participante obter 50% ou mais no cálculo do IAD em pelo menos três entrevistas, consecutivas ou não. Esse critério foi alcançado em cinco entrevistas.

No Passo 3, Treino do Planejamento da Adesão à Dieta (PJ), foi ensinada a sequência dizer-fazer-dizer. Esse treino compreendeu duas entrevistas, sendo realizado em ambiente domiciliar e em dias alternados. Durante esse passo, o participante foi solicitado a planejar (dizer) os comportamentos alimentares que seriam emitidos (fazer) nas 24 horas seguintes a cada entrevista. Essas estimativas eram registradas em um protocolo contendo colunas, nas quais a TP anotava o cardápio planejado pelo participante, o qual incluía a refeição, a qualidade e a quantidade previstas para o alimento que seria ingerido no dia seguinte à entrevista. O protocolo era preenchido em duas vias, ficando uma cópia com o participante e a outra com a TP. O participante se comprometia a fazer a dieta conforme o planejado e, durante a entrevista seguinte, a relatar (dizer) o que fez.

Na primeira entrevista, o planejamento da adesão à dieta foi realizado pelo paciente com o auxílio da TP, considerando-se apenas as orientações contidas no protocolo nutricional disponibilizado ao participante pelo PAPD. Na segunda entrevista, contou-se com a participação de uma estagiária do Serviço de Nutrição que esclarecia as dúvidas do participante referentes às recomendações contidas no protocolo. Nessa segunda entrevista, houve um aumento das exigências feitas ao participante quanto ao planejamento dos seus comportamentos de adesão à dieta, tendo por base as regras expressas no seu protocolo nutricional e os comentários da estagiária do Serviço de Nutrição do PAPD sobre as dúvidas do participante.

Durante as entrevistas realizadas nos Passos 1 e 2, as descrições do participante sobre o seu comportamento alimentar eram analisadas por meio da checagem da consistência entre os comportamentos alimentares registrados nos protocolos ou relatados verbalmente pelo participante e as recomendações da nutricionista contidas no protocolo nutricional. No Passo 3, fez-se análise da correspondência entre o cardápio planejado (dizer) e os comportamentos emitidos (fazer) de acordo com os relatos (dizer) do participante. Os comportamentos de adesão à dieta eram consequenciados com elogios e expressões não-verbais de aprovação, enquanto os comportamentos correspondentes à não-adesão à dieta eram analisados sem que consequências desagradáveis fossem disponibilizadas ao participante (como o uso de expressões verbais ou não-verbais que sinalizassem qualquer tipo de reprovação ou julgamento). A partir da apresentação dos registros ou dos relatos, a TP dirigia ao participante perguntas de esclarecimento sobre fatores que haviam favorecido ou dificultado a emissão de comportamentos consistentes com a prescrição da nutricionista.

Ao término da realização de cada um dos passos, o participante respondia questões de um roteiro semi-estruturado de entrevista de avaliação do treino, o qual permitiu a obtenção de informações sobre os custos e os benefícios de cada tipo de treino para a promoção da adesão ao tratamento, sob o ponto de vista do participante.

Etapa 3: Avaliação dos Resultados Alcançados. Nessa última etapa, os resultados (IADs) obtidos com a intervenção foram apresentados ao participante, com comentários da TP. Fez-se também uma entrevista com o objetivo de se obter informações sobre a avaliação, pelo participante, de sua adesão às exigências do tratamento do diabetes e de sua participação neste estudo.

Resultados

Análise dos IADs

A análise dos resultados apresentados na Figura 1 indica que, embora o paciente estivesse participando do PAPD há um ano, sua adesão à dieta era baixa, conforme demonstrado pelos IADs inferiores a 50% nas duas primeiras entrevistas realizadas para levantamento da linha de base. Nas entrevistas de intervenção (RA, RV e PJ), observa-se que, de 15 entrevistas, em nove o participante obteve IADs iguais ou superiores a 50%, sugerindo melhora na adesão à dieta.


Durante o Treino do Registro de Automonitoramento (Passo 1: RA), em vigor durante oito entrevistas, o IAD obtido com o Protocolo 1 (mais simples, realizado na primeira entrevista do RA) foi mais elevado do que o obtido na LB. Com a introdução do Protocolo 2 (mais detalhado, realizado na segunda entrevista do RA), houve redução no IAD, resultado mantido na primeira entrevista com o Protocolo 3 (o mais complexo, realizado em seis entrevistas consecutivas). Entretanto, observam-se resultados ascendentes nos IADs obtidos nas três últimas entrevistas do RA, realizadas com a utilização do Protocolo 3.

Com a introdução do Treino do Relato Verbal (Passo 2: RV), realizado em cinco entrevistas, observa-se queda no IAD na primeira entrevista, seguida de elevação e queda nas demais entrevistas do RV, encerrando-se com a obtenção de um IAD igual a 50% na última entrevista do RV.

Os melhores IADs foram obtidos nas duas entrevistas do Treino do Planejamento (Passo 3: PJ), com destaque para a entrevista realizada com a participação da estagiária de nutrição (segunda entrevista).

Análise dos relatos do participante durante as entrevistas

As transcrições das fitas de áudio gravadas durante as entrevistas permitiram uma análise qualitativa dos relatos do participante. A análise dos relatos foi realizada considerando-se a acurácia da descrição apresentada pelo participante quanto ao fracionamento das refeições realizadas no intervalo de 24 horas anteriores à entrevista; quanto à qualidade e à quantidade dos alimentos ingeridos; e quanto à análise feita pelo próprio participante a respeito de sua adesão às regras descritas no protocolo nutricional, apontando as dificuldades e facilidades identificadas ao longo do estudo.

Verificou-se que as dificuldades de adesão à dieta, apresentadas pelo participante na primeira entrevista da LB, estavam relacionadas ao fracionamento das refeições (e.g., intervalos irregulares entre as refeições e a não inclusão dos lanches 1 e 2 em sua rotina), ao controle da qualidade (e.g., consumo regular de leite integral, não consistente com a indicação de leite desnatado estabelecida no protocolo nutricional) e à quantidade dos alimentos ingeridos (e.g., consumo de frutas em quantidade superior à indicada no protocolo nutricional). Na segunda entrevista da LB, o participante permaneceu descrevendo sua dificuldade em aderir à dieta recomendada no protocolo nutricional do PAPD, dando destaque ao baixo controle na quantidade dos alimentos ingeridos.

Observou-se nos relatos obtidos no início do estudo, que o participante apresentava dificuldade para descrever espontaneamente (isto é, sem o auxílio da TP) a quantidade dos alimentos ingeridos no dia anterior à entrevista, sugerindo déficits em habilidades de auto-observação de seu comportamento alimentar.

... a quantidade que é ruim de descrever, ... que antes eu comia em média dois pratos, hoje eu diminuí pra um; é, é em média assim: um prato normal, né?

Verificou-se que o aumento gradual na complexidade dos protocolos de registro de automonitoramento pode ter ocasionado a instalação de habilidades de descrição mais acurada a respeito dos alimentos ingeridos, bem como de habilidades de auto-observação e de autocontrole do comportamento alimentar no repertório do participante.

Eu tô modificando, um dia eu faço só alface, um dia eu faço miudinho de verduras pra vários dias. Eu vou sempre misturando que é pra não enjoar. Pra semana, quando você vier, já tem o... vou comprar o leite desnatado. (segunda entrevista do treino RV)

Bom, foi leite com pão [no desjejum], um copo de leite, um pãozinho; dessa vez [leite] desnatado, viu? Eu comprei leite desnatado. (terceira entrevista do treino RV).

Observou-se também que a intervenção realizada pode ter contribuído para a emissão, pelo participante, de relatos verbais de seus comportamentos alimentares levando em consideração as orientações contidas no protocolo nutricional, provavelmente estabelecendo condições para o aumento do controle exercido pelas regras nutricionais sobre o seu comportamento.

É, eu tô fazendo [realizando a dieta] por lá pela tabela [de acordo com o prescrito no protocolo nutricional] .... Essa parte lá [regras contidas no protocolo nutricional], a maioria já decorei. Porque isso aí [comportamentos de adesão à dieta] eu tô tentando fazer igual agora, todo o dia, tanto faz se preencher [o protocolo de registro de automonitoramento] como não. (entrevista final)

Um provável produto do treino em auto-observação pode estar relacionado à emissão de comportamentos de planejamento, pelo próprio participante, de ações correspondentes a pedidos de esclarecimento de dúvidas sobre a dieta quando em situação de consulta com a nutricionista do PAPD, dúvidas estas relacionadas à qualidade e à quantidade dos alimentos descritos no protocolo.

Eu preciso perguntar direito pra ela [a nutricionista]. Na próxima vez que eu for lá com ela, eu vou abordar esse negócio aí pra ver. Se é pra mudar pro desnatado a gente muda, né? Porque da outra vez foi o que ela me falou: que não importa, né? No caso de tomar o [leite] integral, mas é bom que eu tomo junto com todo mundo, não tem separação, né? (sexta entrevista do treino RA)

Análise obtida com o planejamento da adesão à dieta

O aumento no IAD do participante, obtido com o PJ, esteve relacionado ao melhor controle da qualidade e da quantidade dos alimentos ingeridos durante as refeições planejadas. As dificuldades do participante para realizar o que havia planejado na primeira entrevista do PJ ocorreram somente em duas refeições (no desjejum e no lanche 1), nas quais alguns alimentos que haviam sido planejados não foram ingeridos, segundo o relato do participante, tampouco foram substituídos por outros alimentos.

A principal característica da entrevista realizada em parceria com a estagiária de Nutrição do PAPD (segunda entrevista do PJ) foi a realização, pelo participante, do planejamento de emissão de comportamentos alimentares mais compatíveis com as orientações contidas no seu protocolo nutricional, considerando a possibilidade de substituição de alimentos consistentes com as orientações prescritas. Na entrevista seguinte ao planejamento realizado com o apoio da estagiária de nutrição, observou-se que a obtenção do maior IAD deste estudo pelo participante esteve relacionada ao controle da qualidade e da quantidade dos alimentos ingeridos nas seis refeições planejadas (desjejum, lanche 1, almoço, lanche 2, jantar e ceia), além da substituição correta dos alimentos ingeridos em uma refeição (ceia) e da realização de uma refeição "extra" compatível com as recomendações da estagiária de Nutrição do PAPD.

A obtenção de excelentes IADs no treino PJ foi avaliada pelo participante como uma função do planejamento incluir alimentos que faziam parte de seu padrão de comportamento alimentar habitual, compatíveis com a orientação da estagiária de nutrição.

Avaliação final dos resultados obtidos

Na entrevista destinada à avaliação dos resultados obtidos com a intervenção, o participante reconheceu que os seus hábitos alimentares haviam se modificado em relação ao controle da qualidade e da quantidade de ingestão de determinados alimentos e ao seguimento das recomendações da nutricionista referentes ao fracionamento das refeições.

Ao responder as questões do roteiro semi-estruturado da entrevista de encerramento, o participante analisou funcionalmente seus comportamentos de adesão e de não-adesão à dieta ao final do estudo, identificando as recomendações da nutricionista que conseguia realizar sem maiores dificuldades, como a substituição do açúcar pelo adoçante e o consumo frequente de frutas e verduras, e as que permaneciam consideradas como de mais difícil adesão, como o controle da quantidade dos alimentos ingeridos.

Acerca das variáveis que contribuíram para a melhora da sua adesão à dieta, o participante mencionou: (1) a realização da pesquisa, (2) a sua conscientização acerca das consequências dos comportamentos de não-adesão à dieta, e (3) a presença de apoio familiar.

Sobre os seus comportamentos de não-adesão à dieta, o participante considerou a necessidade de adquirir alguns alimentos que constam em seu protocolo nutricional (como as hortaliças, as quais requerem aquisição diária para manter o valor nutritivo) e os cuidados relacionados ao preparo desses alimentos (como saladas, as quais deveriam ser preparadas pelo próprio paciente) como aspectos que dificultam a sua adesão às recomendações da nutricionista.

Ao avaliar a utilidade do protocolo nutricional para o seguimento das recomendações da nutricionista, o participante afirmou que o mesmo (que antes da pesquisa era guardado ou "esquecido" na gaveta) colaborava para a emissão de comportamentos de adesão à dieta, especialmente em função do seu caráter informativo, favorecendo a sua "conscientização" acerca dos comportamentos alimentares que devem ser emitidos ou evitados.

Quanto a sua participação neste estudo, o paciente relatou:

... na medida que aceitei participar [da pesquisa] ..., pra não ser falso, eu teria que ser o mais real possível na hora da alimentação. Então, de qualquer maneira, ... ela [a pesquisa] ajudou, e muito, nessa parte, né? Que forçou [a emissão de comportamentos de adesão à dieta] e forçando alguma coisa, fazer alguma coisa assim, você acaba se adaptando mais àquele tipo de coisa [às recomendações da nutricionista] e fica melhor o negócio [a adesão à dieta].

Com relação à avaliação dos custos e dos benefícios do uso dos protocolos de registro de automonitoramento do comportamento alimentar, o participante afirmou não ter identificado aspectos negativos associados à realização dos registros solicitados, reconhecendo aspectos positivos relacionados ao uso da técnica de automonitoramento:

Há [aspectos positivos relacionados ao uso dos protocolos de registro de automonitoração] principalmente pra mim que não tenho muito controle sobre comida, que eu como muito. Acho que foi uma maneira de, de seguir o caminho mais ou menos certo ....

O clima acolhedor e de não julgamento no qual as entrevistas foram realizadas também parece ter facilitado a obtenção de relatos fidedignos de comportamentos de adesão e de não-adesão à dieta, como sugere o relato:

Isso aqui [registros no protocolo de automonitoração] eu poderia forçar, fazer tudo igual, mas não vai ser honesto no caso, né? Eu tô fazendo o que eu estou usando realmente, tá entendendo? Eu poderia olhar lá [no protocolo nutricional] e fazer na marca, tudinho, mas aí não é negócio assim, ia deixar de ser uma pesquisa, vai ser programada, né? Aí não é bom, né?

Discussão

Os achados obtidos neste estudo estão de acordo com os encontrados na literatura (Abreu-Rodrigues & Beckert, 2004; Bohm & Ginemes, 2008; Tobin, Reynolds, Holroyd & Creer, 1986) sobre a eficácia da utilização de registros de automonitoramento para promover a ampliação do repertório de auto-observação. As principais modificações verificadas no repertório de adesão à dieta do participante ao final do treino realizado com o uso de protocolos de registro de automonitoramento do comportamento alimentar (Passo 1: RA) foram a ampliação do repertório de auto-observação e a melhor conscientização sobre o seu comportamento alimentar.

Ao utilizar os protocolos de registro de automonitoramento do comportamento alimentar e analisá-los durante entrevistas com a TP, o participante passou a identificar variáveis que estavam controlando seu comportamento de seguir ou não as instruções contidas no protocolo nutricional, aumentando a probabilidade de melhorar sua adesão à dieta e confirmando a reatividade consequente ao uso do registro apontada por Bohm e Gimenes (2008). Aspectos negativos relacionados aos custos com a utilização de registros de automonitoramento, apontados por Ades e Kerbauy (2002) e por Kerbauy (2002), não foram reconhecidos pelo participante.

Com a utilização do treino do relato verbal (Passo 2: RV), percebeu-se que as indicações de Malerbi (2000) e Smith (1999) acerca dos fatores que favorecem a obtenção de relatos verbais mais confiáveis mostraram-se válidas, na medida em que a solicitação da descrição de comportamentos específicos, em intervalos recentes de tempo, pode ter contribuído para que o participante recordasse aspectos das refeições realizadas no dia anterior a cada entrevista de treino realizada nessa condição. Nesse aspecto, ressalta-se a ocorrência de relatos de comportamentos de não-adesão ao tratamento, sugerindo confiabilidade nas informações oferecidas pelo participante, o que confirma os achados de Ferreira (2001) e McNabb (1997).

Os relatos verbais do participante relativos à emissão de comportamentos de não-adesão à dieta no início do treino do relato verbal sugerem que, em comparação à utilização da técnica de registros de automonitoramento, os relatos verbais solicitados ao participante sobre seus comportamentos alimentares exerceram, inicialmente, baixo controle sobre a emissão de comportamentos não-verbais de adesão à dieta. Esse achado sugere que a consciência do paciente sobre seus comportamentos alimentares e a sua habilidade para analisar funcionalmente estes últimos, apontadas por Tobin e cols. (1986) como algumas das vantagens da técnica de automonitoramento, ocorrem mais facilmente na presença de exigências relacionadas ao registro de comportamentos-alvo.

Novos estudos, que incluam o treino do relato verbal antecedendo o treino em registros de automonitoramento do comportamento alimentar poderão ser úteis para o estabelecimento de comparações sobre o efeito da história prévia de treino em auto-observação na adesão à dieta por indivíduos em tratamento para diabetes do Tipo 2.

As análises realizadas tanto no treino RA quanto no treino RV parecem ter contribuído para que os relatos do participante fossem progressivamente modelados, especificando com melhor acurácia aspectos das regras expressas no protocolo nutricional (como o fracionamento das refeições, a qualidade e a quantidade dos alimentos ingeridos) e estabelecendo condições para que, a partir da descrição de eventos ambientais, aumentasse a frequência dos comportamentos de auto-observação emitidos pelo participante, em concordância com as considerações de Abreu-Rodrigues e Beckert (2004) e Skinner (1989/1991).

A melhora da adesão do paciente à dieta, analisada quantitativamente por meio do cálculo do IAD, destacou-se com o treino no planejamento da adesão à dieta (Passo 3: PJ). Esse resultado confirma as considerações de Tunes e Simão (1998) e Zettle (1990) acerca da importância dos questionamentos formulados pela comunidade verbal sobre as práticas dos indivíduos para que as descrições verbais oferecidas em resposta a tais questionamentos controlem o comportamento de quem fala.

Os resultados positivos do treino PJ também estiveram relacionados à parceria realizada com a estagiária de Nutrição do PAPD, representando nesse caso uma autoridade sobre planejamento alimentar, sendo coerentes com os comentários de Albuquerque (2005) e Zetlle (1990) acerca do compromisso social assumido pelos indivíduos quando estes formulam regras publicamente. Além disso, as sessões de planejamento foram ocasiões nas quais o participante teve a oportunidade de "esclarecer dúvidas" sobre as instruções contidas no protocolo nutricional. Essas sessões podem ter permitido uma melhor utilização da lista de alimentos recomendados, em concordância com Ribes (1990, citado por Myiazaki & cols., 2001) quanto à necessidade de o paciente dispor de um repertório comportamental alternativo como um elemento favorecedor de adesão ao tratamento. Esse resultado ainda destaca a importância do profissional certificar-se de que o paciente está tendo um bom entendimento sobre as exigências que lhe são impostas pelo tratamento, confirmando a literatura sobre a qualidade do relacionamento profissional-paciente (McNabb, 1997; OMS, 2003; Pérez & González, 2005; Tang & cols., 2006) e a necessidade do "entendimento" da regra (Malerbi, 2000, 2001; Zettle, 1990) na promoção da adesão ao tratamento.

Neste estudo, os treinos realizados por meio de RA, RV e PJ foram ocasião para o participante (re)organizar seu entendimento sobre o padrão de comportamento alimentar utilizado por ele no controle do diabetes. Os resultados obtidos com este estudo justificam mais pesquisas empíricas acerca dos efeitos de intervenções que atuem sobre o comportamento verbal, como o treino da correspondência, em especial na área da saúde, com vistas ao desenvolvimento de tecnologias comportamentais que promovam melhor adesão ao tratamento de doenças crônicas como o diabetes.

Recebido em 14.12.07

Primeira decisão editorial em 22.07.08

Versão final em 31.07.08

Aceito em 18.09.08

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  • 1
    Trabalho parcialmente financiado por meio de bolsa de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq/UFPA) para a segunda autora. As autoras agradecem à equipe do Serviço de Nutrição do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza, UFPA, em especial à nutricionista Eunice Amaral.
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    Endereço para correspondência: BR 316, Km 2, Condomínio City Park, Casa 5, Atalaia. Belém, PA. CEP 67013-070. Fone: (91) 3235-3902. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Revisado
      31 Jul 2008
    • Recebido
      14 Dez 2007
    • Aceito
      18 Set 2008
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