Consistência no Ranqueamento dos Traços de Personalidade ao Longo do Tempo

Resumo

Evidências indicam que a personalidade se desenvolve ao longo do tempo, gerando mudanças e continuidade no padrão de funcionamento ao longo da vida. Investigamos a evidência de consistência no ranqueamento dos traços de personalidade ao longo do tempo. Participaram 170 adultos, com idade entre 51 e 93 anos (M = 69; DP = 9,05), que responderam o Big Five Inventory-2 e a Big Five Inventory, retrospectivamente. Realizamos correlação teste-reteste e o procedimento ANOVA com medidas repetidas. Constatamos que os escores em personalidade aos 30-35 anos de idade estão associados com os escores aos 70-80 anos, indicando estabilidade no padrão de funcionamento em longo prazo. Esta pesquisa complementa os poucos estudos sobre o desenvolvimento da personalidade no Brasil.

Palavras-chave:
personalidade; envelhecimento; desenvolvimento humano; testes de personalidade

Abstract

Research has shown that personality develops over time, generating changes and continuity in the pattern of functioning across the lifespan. We investigated the evidence of consistency in the ranking of personality traits over time. A group of 170 adults between the ages of 51 and 93 participated in the study (M = 69, SD = 9.05) and retrospectively answered the Big Five Inventory-2 and the Big Five Inventory. We performed test-retest correlation and the ANOVA procedure with repeated measures. We found that personality scores at 30-35 years of age are associated with the scores at age 70-80, indicating stability in the pattern of individual functioning in the long term. This research complements the few studies on personality development in Brazil.

Keywords:
personality; aging; human development; personality tests

Tem-se documentado que a personalidade se desenvolve ao longo do tempo (Roberts et al., 2015; Soto & John, 2012; Terracciano et al., 2006) e ocasiona tanto mudanças quanto continuidade no padrão do funcionamento individual ao longo do ciclo vital (Allemand et al., 2008; Bleidorn et al., 2019; Roberts & Caspi, 2003; Roberts & Wood, 2006). Mudança e estabilidade na personalidade dizem respeito ao quanto as pessoas mantêm sua pontuação relativa na distribuição dos traços ao longo do tempo (McAdams & Olson, 2010). Em termos práticos, mudanças na personalidade podem ser compreendidas através da observação do nível médio dos traços (mean level change), ao passo que a estabilidade pode ser identificada pela consistência no ranqueamento dos traços (rank order consistency; Specht et al., 2011). O primeiro caso (between subject) compreende as mudanças de ordem normativa, ou seja, o quanto certos grupos de pessoas diferenciam-se nos traços de personalidade, por exemplo: adolescentes x adultos x idosos. A segunda forma (within subject) incluiria as mudanças que ocorrem em um mesmo grupo, ao longo do tempo, em relação a elas mesmas, permitindo pesquisar como os traços de personalidade mudam ao longo do tempo. Conhecer os padrões dos dois tipos de mudanças é importante tanto para o desenvolvimento do conhecimento científico da área como para o planejamento de intervenções.

Diversos estudos compararam os traços de personalidade entre indivíduos em diferentes estágios do desenvolvimento (Cobb-Clark & Schurer, 2012; Costa & McCrae, 1988; Costa et al., 2000; Damian et al., 2018; Kandler et al., 2015; Lehmann et al., 2013; Lucas & Donnellan, 2011; Marsh et al., 2013; McCrae et al., 1999; Roberts & Mroczek, 2008; Roberts & Wood, 2006; Smits et al., 2011; Soto et al., 2011; Specht et al., 2011; Terracciano et al., 2005, 2006; Wortman et al., 2012). Esses estudos têm documentado um pico no desenvolvimento da personalidade na fase adulta, com os traços apresentando plateuau ou mesmo redução nos anos subsequentes (Bleidorn et al., 2019). No entanto, o momento em que ocorre o plateau não é consensual na literatura, sendo que alguns autores mencionam pouca mudança para a maior parte dos traços após os 30 anos (Costa & McCrae, 1988; Terracciano et al., 2005, 2006), enquanto outros reportam o plateau aos 50-60 anos (Roberts & Caspi, 2003; Roberts & Wood, 2006).

Apesar das evidências de diferenças normativas na personalidade, deve-se lembrar que ainda que uma população aumente em um determinado traço, ela poderá seguir apresentando o mesmo ordenamento no ranking dos traços ao longo do tempo (Bleidorn et al., 2019; Nye & Roberts, 2019). Ou seja, enquanto são esperadas diferenças na personalidade entre grupos normativos, quando o grupo é seu próprio controle (within sbject), essas diferenças nos traços podem ser observadas de forma diferente. Em parte, isso é possível porque, na prática, todos os indivíduos irão mudar coletivamente (Robins et al., 2001). Dessa forma, além de mudar, a personalidade se torna estável ao longo do tempo, mostrando consistência no padrão do funcionamento ao longo do ciclo vital.

Esse padrão de continuidade no funcionamento em longo prazo vem sendo corroborada em diversos estudos (Allemand et al., 2008; Ardelt, 2000; Roberts & DelVecchio, 2000; Robins et al., 2001; Stephan et al., 2018; Terracciano et al., 2006; Roberts & Caspi, 2003; Roberts & DelVecchio, 2000), os quais têm concluído que a consistência nos traços aumenta conforme a idade avança. Por exemplo, no estudo de Stephan et al. (2018), aqueles com escores mais elevados em Conscienciosidade (Conscientiousness [C]) e Amabilidade (Agreableness [A]), aos 16 anos, continuaram com pontuações mais elevadas nesses fatores aos 66 anos, indicando estabilidade no ranqueamento desses traços ao longo de 50 anos.

A continuidade no funcionamento individual da personalidade, conhecida como estabilidade no ranqueamento dos traços, pode ser observada por meio de correlações nos escores de personalidade entre dois momentos (teste-reteste; Roberts & DelVecchio, 2000; Terracciano et al., 2006). A magnitude dessas correlações sugere o grau com que o ordenamento dos indivíduos, em um dado traço, é mantido ao longo do tempo. Essas correlações têm obtido magnitudes entre 0,40 e 0,60 (Bleidorn et al., 2019; Roberts & DelVecchio, 2000; Terracciano et al., 2006). A esse respeito, há indicações de que quanto menor for o intervalo de tempo entre as coletas, maior tende a ser a magnitude das associações e, portanto, maiores os coeficientes de estabilidade (Ardelt, 2000). No estudo de Robins et al. (2001), por exemplo, após o período de quatro anos as correlações teste-reteste resultaram moderadas: O (Openness/Abertura; 0,70), C (0,59), E (Extroversion/Extroversão; 0,63), A (0,60), N (Neuroticism/Neuroticismo; 0,53). Ardelt (2000) menciona, inclusive, que intervalos maiores que 20 anos entre as coletas raramente obterão correlações que ultrapassem a magnitude de 0,50.

A estabilidade no padrão do funcionamento individual é explicada, em parte, pelo princípio da continuidade cumulativa, descrito no modelo neo-socioanalítico do desenvolvimento da personalidade (Roberts & Caspi, 2003; Roberts & Nickel, 2017; Roberts & Wood, 2006; Soto, 2018). Nesse princípio, entende-se que as pessoas tendem a acumular mecanismos estabilizadores em seu funcionamento ao longo do tempo (Roberts & Nickel, 2017). Um dos fatores associado à continuidade no padrão do funcionamento individual em longo prazo é o desenvolvimento de uma identidade (Roberts & Caspi, 2003). Para esses autores, o processo de desenvolver uma identidade, responsabilizar-se por ela, mantê-la socialmente e ainda cumpri-la são fatores que contribuem para o aumento da consistência do funcionamento individual (Roberts & Caspi, 2003). Dessa forma, entende-se que os traços contribuem com conteúdo na identidade individual, fazendo com que as pessoas desenvolvam um funcionamento disposicional ao longo do tempo (Roberts & Wood, 2006). Porém, devemos lembrar que, ainda que as pessoas tenham um senso de identidade, essa identidade pode mudar ao longo do tempo, conforme a saliência dos variados papéis que desempenhamos e o próprio amadurecimento pessoal em relação às experiências de vida.

Encontrar o próprio nicho é outro fator atribuído à continuidade do funcionamento individual em longo prazo. A esse respeito, pode-se pensar que as pessoas tendem a selecionar papéis sociais que, para elas, pareçam servir ao seu funcionamento disposicional. Quando realizam essas escolhas, de alguma forma, poderão facilitar a continuidade do padrão individual de funcionamento ao longo do tempo. Além disso, se considerarmos que muitos papéis não irão servir perfeitamente, pode-se esperar que as pessoas poderão ajustar algumas características de seus papéis, com o objetivo de que possam servir melhor do que antes ao seu funcionamento. Fazendo isso, as pessoas buscariam um ambiente que facilita a continuidade do seu padrão de funcionamento ao longo do tempo. Outrossim, ter clareza na percepção das próprias características é outro facilitador da estabilidade do funcionamento individual. Dessa forma, com o passar do tempo, algumas pessoas tenderiam a ter uma percepção cada vez mais clara de suas características e interesses, o que contribuirá com o aumento na consistência do próprio funcionamento em longo prazo (Roberts & Nickel, 2017).

No modelo neo-socioanalítico, além das transações do indivíduo com o ambiente na explicação da continuidade do padrão de funcionamento individual, fatores genéticos também são mencionados com alguma importância na estabilidade da personalidade em longo prazo (Roberts & Wood, 2006). Nesse sentido, no estudo de McGue et al. (1993), cujos dados foram coletados aos 20 e aos 30 anos, com gêmeos, dentre as análises, foram identificadas correlações teste-reteste entre 0,40 e 0,70 para as medidas de emocionalidade positiva e negativa (equivalentes a variações do que é chamado de Neuroticismo no modelo dos Cinco Grandes Fatores [CGF]). Essas correlações foram interpretadas como balanço entre mudança e consistência na personalidade ao longo dos anos (McGue et al., 1993), em que alguns traços se mostram mais estáveis do que outros. Os autores concluíram que uma parte da personalidade parece determinada por fatores genéticos, ao passo que as mudanças refletem a influência de aspectos ambientais.

Considerando as diferentes explicações para a estabilidade nos traços de personalidade em longo prazo, tem-se evidência de que essa estabilidade no funcionamento individual pode servir como um recurso protetivo no processo de envelhecimento (Graham & Lachman, 2014). Inclusive, estudos meta-analíticos evidenciam que os traços N, E e C são excelentes preditores de bem-estar (Anglim et al., 2020). Para Graham e Lachman (2014), depois de alguns anos as pessoas tendem a se tornar confortáveis com elas mesmas, de tal forma que essa familiaridade terá um caráter adaptativo no funcionamento diante das mudanças derivadas da idade que afetam a saúde e a cognição. Por outro lado, aqueles que apresentam mudanças em seu funcionamento ao longo do tempo, por qualquer razão, dão indicativos de que precisaram ajustar-se em formas diferentes para lidar com demandas e pressões do mundo em que viveram. Entretanto, vale lembrar que eventos significativos de vida não influenciam o padrão do funcionamento individual em longo prazo (Specht et al., 2011).

Em síntese, a partir da literatura científica, pode-se dizer que a personalidade se desenvolve ao longo do ciclo vital (Bleidorn et al., 2019), porém, tem-se documentado, também, que as pessoas de um mesmo grupo tendem a manter sua posição relativa no ranqueamento dos traços de personalidade ao longo do tempo. Partindo dessas evidências, a presente pesquisa objetiva investigar a consistência no ranqueamento dos traços ao longo do tempo, testando a continuidade no padrão do funcionamento individual em longo prazo. Esse tipo de estudo permite avançar no conhecimento da temática no Brasil, que tem apresentado poucas publicações nesse âmbito (Gonzatti et al., 2017), e poderá oferecer informações úteis para o processo de avaliação psicológica da personalidade com pessoas adultas e idosas, contribuindo para o planejamento de intervenções relacionadas ao desenvolvimento saudável da personalidade.

É importante salientar que o presente estudo é do tipo transversal e utilizou como método de coleta de dados a coleta retrospectiva. A pesquisa retrospectiva busca dados do passado e os relaciona com dados referentes ao presente. Esse método de pesquisa tem sido utilizado, há algum tempo, na investigação de diversos temas, como maus tratos na infância (Coolidge et al., 2011) e associação entre Alzheimer e traços de personalidade (Tautvydaitė et al., 2017), sendo considerado, portanto, válido (Coolidge et al., 2011).

Hardt e Rutter (2004) apontam que foram registrados questionamentos em relação às pesquisas que envolvem memórias retrospectivas, por quatro aspectos: a) as fantasias da memória estão sujeitas a um grau de esquecimento, de forma que existe a possibilidade de as memórias recuperadas apresentarem vieses; b) as pessoas tendem a procurar significado em suas memórias, c) as pessoas conseguem lembrar apenas das coisas que elas eram conscientes no passado, d) aquilo que as pessoas se lembram pode estar sendo influenciado pelo seu humor no momento do relato retrospectivo. Por conta dessas questões, para Hardt e Rutter (2004), a qualidade da avaliação retrospectiva está ligada à medida que será utilizada para a coleta das memórias no passado e presente. Esses autores concluem que, apesar de as avaliações psicológicas retrospectivas possuírem algum viés inerente, sua validade é adequada quando a medida retrospectiva não é referente a um período muito específico e os comportamentos avaliados são específicos e adequadamente operacionalizados no instrumento.

Em linha com isso, é importante destacar que, na presente pesquisa, utilizamos o método retrospectivo, mesmo considerando as possíveis limitações do método. No entanto, deve-se considerar o fato de que a medida utilizada para avaliação da personalidade conta com muitos estudos que indicam sua boa qualidade psicométrica e viabilidade de uso para públicos com perfis muito variados (Pires et al., no prelo, 2023). Ainda assim, tomamos o cuidado para avaliar a viabilidade de uso dos dados retrospectivos levantando informações sobre a precisão da medida (supondo que se houvesse dificuldade com o entendimento da tarefa ou inconsistências na forma como as pessoas lembram isto se refletiria em uma baixa precisão).

Método

Os dados estão disponíveis mediante solicitação aos autores.

Participantes

Participaram 170 adultos, com idades entre 51 e 93 anos (M = 69; DP = 9,05; Md = 69), sendo a maioria mulheres (n = 133; 78%), todos cisgnênero. Do total, 30 participantes possuem idades entre 51 e 59 anos, outros 63 possuem idades entre 60 e 69 anos, 54 possuem idades entre 70 e 79 anos, ao passo que 23 indicaram idades entre 80 e 93 anos. A maioria dos participantes indicou ter ensino fundamental ou médio como escolaridade máxima (n = 91), enquanto outros 55 relataram possuir ensino superior incompleto ou completo, e outros indicaram possuir mestrado ou doutorado (n = 24). Aqueles que se declararam casados ou em união estável foram a maioria (n = 79), seguidos dos viúvos (n = 47) e dos separados ou divorciados (n = 31). A maior parte da amostra realiza até dois dias de atividade física por semana (n = 69), seguidos por aqueles que realizam de três a cinco dias (n = 53) e dos que não realizam atividade física (n = 36).

Instrumentos

Questionário sociodemográfico e de perfil. Instrumento elaborado pelos autores desta pesquisa para verificação de variáveis sociais, demográficas e de perfil, tais como: sexo, idade, estado civil, escolaridade, e prática de atividades físicas.

Big Five Inventory (BFI). Trata-se de um inventário com 44 itens de autorrelato, publicado por John e Srivastava (1999), para medir traços de personalidade no modelo dos Cinco Grandes Fatores. O BFI avalia a concordância do respondente em relação aos itens, em uma escala de cinco pontos, sendo 1 “Não tem nada a ver comigo” e 5 “Tem tudo a ver comigo”. Os participantes responderam os itens do BFI de forma retrospectiva. Para isso, a instrução do instrumento foi alterada, sendo que a nova instrução pedia para que o participante respondesse considerando como achava que era quando tinha 30-35 anos de idade. O ponto de corte de 30 anos de idade foi adotado em observância às pesquisas que têm indicado que a partir dessa idade não são observadas mudanças para a maior parte dos traços de personalidade (Terracciano et al., 2006), sugerindo poucas mudanças no padrão do funcionamento individual a partir desse estágio do desenvolvimento. Além da instrução, a redação dos itens do BFI também foi modificada. Os verbos das 44 afirmativas do BFI foram colocados no tempo passado. Como exemplos, o item 1, que originalmente era “Sou falante”, tornou-se “Eu era falante”. E o item 31, “Sou tímido(a)”, tornou-se “Eu era tímido(a)”. Os CGF do BFI apresentaram precisão adequada, com coeficientes alpha de Cronbach variando entre α = 0,78 e α = 0,89.

Big Five Inventory 2 (BFI-2). O Inventário dos Cinco Grandes Fatores 2, refere-se a uma nova versão do BFI, contendo 60 itens de autorrelato. Foi publicada por Soto e John (2012), com o objetivo de medir traços de personalidade, no modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF), tendo recebido evidências favoráveis de validade em diferentes países, incluindo o Brasil (Pires et al., 2023). A principal diferença entre o BFI e o BFI-2 é que o último avalia também facetas de personalidade. Para responder, deve-se indicar a concordância em relação aos itens, em uma escala de cinco pontos, sendo 1 “Não tem nada a ver comigo” e 5 “Tem tudo a ver comigo”. Seus fatores obtiveram precisão adequada, com coeficientes alpha de Cronbach entre α = 0,82 e α = 0,86.

Procedimentos de Coleta de Dados

Após aprovação da pesquisa em um comitê de ética (CAAE 00811018.5.0000.0121), os participantes foram recrutados em universidades e através da rede de contato dos pesquisadores. Também foram contatados serviços (públicos e privados) com grupos voltados para pessoas com mais de 60 anos, localizados na região metropolitana de Florianópolis. Igualmente, convidamos Psicólogos e alunos de cursos de Psicologia para realizarem a coleta dos dados com participantes com mais de 60 anos de sua rede de contato. Antes de coletar dados com terceiros, os psicólogos e estudantes que atuaram como assistentes de pesquisa responderam os instrumentos, para se familiarizarem com os procedimentos da coleta de dados. Essa técnica, conhecida como bola de neve, permitiu o acesso a participantes com mais de 60 anos que não estivessem em Instituições para esse público.

As coletas ocorreram de forma individual ou coletiva, através de autoaplicação do material ou de entrevista; especialmente para os participantes que indicaram baixa escolaridade ou que relataram baixa visão e/ou nível insuficiente de leitura. Antes de iniciar o processo de resposta à versão retrospectiva do BFI, o pesquisador explicava a mudança na coleta, e indicava que daquele ponto em diante, o respondente deveria pensar em como era quando tinha 30-35 anos. A ordem da aplicação dos instrumentos foi: Questionário sociodemográfico, o BFI-2 e o BFI retrospectiva. Os participantes levaram, em média, 1 hora e meia para responder os instrumentos, sendo que alguns realizaram uma pausa no meio da coleta. Vale destacar que as formas variadas de aplicação dos instrumentos e de coleta de dados foram essenciais para adequar as coletas às possibilidades e necessidades dos respondentes e viabilizar esta pesquisa.

Não foram adotados critérios de exclusão de participantes por parte dos pesquisadores e não realizamos o controle de processos psicológicos básicos dos participantes idosos (pensamento, memória, atenção), ou de condições desfavoráveis de saúde que podem surgir em decorrências da idade. No entanto, nos grupos voltados para pessoas com mais de 60 anos, tínhamos o conhecimento, a priori, daqueles que poderiam participar sem que tivesse alguma característica que pudesse prejudicar a atividade.

Análise dos Dados

Inicialmente, conduzimos análise fatorial exploratória no BFI e no BFI-2, no sentido de verificar se as estruturas internas dos instrumentos eram congruentes na amostra. Também, consideramos as quantidades de fatores que as análises paralelas sugeriam para extração, como indicativo de estabilidade estrutural dos CGF nos dois instrumentos utilizados na presente pesquisa (BFI e BFI-2). As análises foram realizadas no software Stata 14 (Stata Corp, 2013).

Após isso, calculamos escores z para cada um dos fatores de personalidade avaliados com o BFI-2, controlando-se o efeito da aquiescência nas respostas, tal como sugerido por Soto (2008). Esse escore foi chamado de “Atual”. Igualmente, calculamos os escores dos CGF de personalidade coletados retrospectivamente, com o BFI, e controlamos o efeito da aquiescência. Esse escore foi chamado de “Passado”. É importante mencionar que o tempo retrospectivo, ou seja, subtraindo-se a idade atual do respondente, indicada no questionário sociodemográfico, da idade de 35 anos, já que os participantes responderam o BFI considerando o período em que tinham 30-35 anos variou de 16 a 58 anos (M = 33; Md = 33; DP = 9,05).

Na sequência, estimamos a precisão dos cinco grandes fatores (CGF) do BFI e do BFI-2, com o alpha de Cronbach. Com os escores “Passado” e “Atual” foram realizadas correlações do tipo teste-reteste entre cada um dos CGF medidos nos dois instrumentos, cuja magnitude das correlações foi considerada indicativo de continuidade no ranqueamento dos traços de personalidade (Roberts & DelVecchio, 2000; Terracciano et al., 2006). É válido ressaltar que sínteses da literatura evidenciam que as correlações no ranqueamento dos traços têm obtido magnitudes entre 0,40 e 0,60 (Bleidorn et al., 2019; Roberts & DelVecchio, 2000; Robins et al., 2001; Terracciano et al., 2006).

Para complementar essa análise, realizamos ANOVAs com medidas repetidas (within subjects) para cada fator de personalidade, com o intuito de verificar o efeito do tempo sobre as variáveis latentes medidas nos testes de personalidade. Para essa análise, ao invés do escore z, consideramos os valores médios de theta para cada um dos CGF, os quais foram obtidos através do software Winsteps. Antes disso, porém, realizamos a equalização dos itens de cada fator de ambos os testes. Equalizar significa equiparar os parâmetros dos itens, tornando-os comparáveis. Para tanto, inicialmente, os itens de cada fator dos dois instrumentos foram calibrados ao mesmo tempo. Depois, estimamos o theta da versão retrospectiva (BFI) e da versão atual (BFI-2) e fixamos os parâmetros dos itens de cada versão, conforme estimados no primeiro momento (quando os dois testes foram analisados conjuntamente).

Com a Anova com medidas repetidas foi possível verificar se existem perfis no funcionamento das pessoas ao longo do tempo, no passado e atualmente, considerando os CGF. Nos modelos testados, a variável dependente é o theta em cada um dos CGF e a independente é o tempo da coleta (passado e presente). A variável que identifica o participante na base de dados foi alocada como o erro between subject e os thetas em personalidade (passado [BFI] e atual [BFI-2]) foram os alocados como o erro residual within subject. Para isso, os dados foram colocados em formato longo. A hipótese nula (H0) indica que não há diferença nos perfis dos traços de personalidade entre os escores “Passado” e “Atual”. Portanto, aceitá-lo significa que o perfil foi mantido ao longo do tempo.

Na realização de ANOVAs deve-se garantir que os grupos comparados sejam independentes, entretanto, ao conduzir versões com medidas repetidas esse pressuposto perde o efeito, já que o sujeito é seu próprio controle. Por conta disso, além do procedimento de comparação de médias entre grupos, deve-se garantir alguma correção para a falta desse pressuposto das Anovas, tipicamente nos graus de liberdade. Essas correções são apresentadas no Stata 14 através do Huynh-Feldt epsilon e do Greenhouse-Geisser epsilon; além do teste de Mauchly, que verifica a violação da esfericidade. Uma magnitude de correção sugerida ao nível de 1 é o mesmo que dizer que não há correção a ser realizada (StataCorp, 2013).

Resultados

A estrutura interna dos instrumentos de personalidade (BFI e BFI-2) mostrou-se similar nas versões retrospectiva e atual, à medida que cinco fatores foram sugeridos para extração em ambos os instrumentos (BFI e BFI-2). Esse resultado pode ser visto nos screeplots das análises paralelas, na Figura 1.

Figura 1.
Screeplot das análises paralelas no BFI e no BFI-2

As estatísticas descritivas dos escores referentes aos CGF do BFI e do BFI-2 aparecem na Tabela 1. Essas estatísticas se referem aos escores z e aos Thetas. As correlações produto momento (teste-reteste) entre os CGF no “Passado” e “Atual”, resultaram em magnitudes moderadas entre os CGF, com magnitude entre 0,52 e 0,65. Os traços Abertura e Amabilidade apresentaram as magnitudes mais elevadas de associação, conforme demonstrado na Tabela 2.

Tabela 1
Estatística descritiva dos Thetas e escores Z no BFI e no BFI-2 (n = 170)

Variable	Abertura		Conscienciosidade		Extroversão		Amabilidade		Neuroticismo
	Passado BFI	Atual BFI-2	Passado BFI	Atual BFI-2	Passado BFI	Atual BFI-2	Passado BFI	Atual BFI-2	Passado BFI	Atual BFI-2
Média (Theta)	-0,25	0,11	0,03	-0,05	0,26	0,08	0,12	-0,05	-0,25	-0,05
Desvio Padrão	0,30	0,31	0,41	0,32	0,39	0,26	0,35	0,32	0,30	0,32
Mínimo	-0,95	-0,84	-10,17	-0,87	-0,66	-0,66	-0,92	-0,87	-0,95	-0,87
Máximo	0,59	0,88	2,46	2,03	2,63	0,80	1,03	2,03	0,59	2,03
Escore-Z	-0,01	0,01	0,07	0,08	-0,02	0,02	0,01	0,08	0,04	-0,04
Desvio Padrão	0,61	0,48	0,44	0,54	0,59	0,50	0,48	0,35	0,55	0,51
Mínimo	-1,35	-1,29	-1,18	-1,40	-1,70	-1,35	-1,35	-1,13	-1,07	-0,97
Máximo	2,52	1,13	0,82	0,84	1,33	1,20	0,91	0,91	0,80	1,51

Tabela 2
Teste reteste entre os CGF do BFI e do BFI-2

BFI	BFI-2
	O	C	E	A	N
O	0,65*	0,20**	0,23**	0,12	-0,08
C	0,20	0,63*	0,23	0,27**	-0,15
E	0,32*	0,23**	0,58*	0,14**	-0,20
A	0,12	0,34*	0,14	0,61*	-0,23**
N	-0,32	-0,30*	-0,23	-0,26**	0,52*

• Note. * p < 0,01. ** p < 0,05. BFI = Big Five Inventory [Inventário de Cinco Grandes Fatores]. O = Openness [Abertura]; C = Conscientiousness [Conscienciosidade]; E = Extraversion [Extroversão]; A = Agreeableness [Amabilidade]; N = Neuroticism [Neuroticismo].

No tocante às Anovas com medidas repetidas, observou-se efeito significativo do tempo (within subject) sobre o traço O (F [1; 169] = 129,09; p < 0,001), o traço E (F [1; 169] = 55,67; p < 0,001), o traço A (F [1; 169] = 24,10; p < 0,001), e o traço N (F [1; 169] = 110,68; p < 0,001). Inclusive, não foram sugeridas correções no Huynh-Feldt epsilon (p > 0,99) e no Greenhouse-Geisser epsilon (p > 0,99) para esses quatro traços e o teste de Mauchly indicou que a assunção da esfericidade não foi violada nessas análises. Diferentemente, não foi observado efeito significativo do tempo (within subject) sobre o traço C (F [1; 169] = 2,68; p = 0,10), nem foram sugeridas correções no Huynh-Feldt epsilon (p > 0,99) e no Greenhouse-Geisser epsilon (p > 0,99). Em síntese, as Anovas indicam que não há diferenças nos perfis entre os escores “Passado” e “Atual” para os traços O, E, A e N.

Discussão

Foi possível identificar que o padrão no funcionamento individual tende a se tornar estável ao longo do tempo, conforme hipotetizado, corroborando os resultados reportados na literatura científica (Bleidorn et al., 2019; Nye & Roberts 2019; Roberts & DelVecchio, 2000; Roberts et al., 2008; Terracciano et al., 2006). Contribuindo com o argumento, a estrutura interna dos instrumentos de personalidade mostrou-se invariante ao longo do tempo.

As correlações no teste-reteste resultaram conforme esperadas e suportam os achados reportados na literatura científica (Costa & McCrae, 1988; Costa et al., 2000; Kandler et al., 2015; Lehmann et al., 2013; Lucas & Donnellan, 2011; Marsh et al., 2013; McCrae et al., 1999; Roberts & Wood, 2006; Robins et al., 2001; Smits et al., 2011; Soto et al., 2011; Specht et al., 2011; Terracciano et al., 2005; Wortman et al., 2012), tanto na direção quanto na magnitude das associações. Igualmente, as Anovas com medidas repetidas seguiram as hipóteses estabelecidas e indicam que o nível individual de O, E, A e N, aos 30-35 anos, tende a ser preservado 40 anos depois.

Em conjunto, esses achados corroboram a noção de estabilidade no funcionamento individual ao longo do tempo (Allemand et al., 2008; McAdams & Olson, 2010; Roberts & Caspi, 2003; Roberts & Wood, 2006; Roberts et al., 2015; Soto & John, 2012; Specht et al., 2011; Terracciano et al., 2006). Ou seja, ainda que os traços de personalidade se desenvolvam ao longo do ciclo vital, e ocasionem diferenças entre pessoas nos diferentes estágios do desenvolvimento, as pessoas de um mesmo grupo tendem a manter suas posições relativas no ranqueamento dos traços de personalidade em longo prazo. Dessa forma, pode-se identificar que o funcionamento individual se torna relativamente estável após vários anos (Nye & Roberts, 2019; Roberts & Mroczek, 2008), achado que reitera a hipótese de que as pessoas tenderão a acumular mecanismos estabilizadores em seu funcionamento ao longo do tempo (Roberts & Nickel, 2017), preservando, como consequência, certos atributos de seu funcionamento em longo prazo.

Manter a estabilidade no padrão do funcionamento individual ao longo do tempo também se mostra em acordo com os argumentos de que, com o passar dos anos, as pessoas se tornam mais confortáveis com seu jeito de ser (Graham & Lachman, 2014). E não apenas isso, a manutenção do próprio funcionamento pode ter um sentido adaptativo na vida. A esse respeito, Graham e Lachman (2014) mencionam que aqueles que se mantém estáveis ao longo do tempo, nos traços O e N, preservam funções cognitivas fundamentais, como o raciocínio indutivo e o tempo de reação aos 70-80 anos. Por outro lado, mudar os escores em E ao longo do tempo, aumentando-os, estaria associado com risco de desenvolvimento da doença coronária e acidente vascular encefálico (Jokela et al., 2013). Sendo assim, manter-se estável em longo prazo nesses atributos da personalidade seria um indicativo positivo. Além desse ganho na manutenção da estabilidade de certos atributos da personalidade ao longo do tempo, tem-se o argumento de que, ao realizar mudança no padrão do funcionamento, o indivíduo indicaria que precisou realizar ajustes em seu funcionamento para conseguir dar conta das demandas e pressões (possivelmente ambientais) vividas ao longo de sua história (Graham & Lachman, 2014).

Por outro lado, essa hipótese não foi corroborada para o traço C e, apesar de não esperado, pode ser interpretado de forma positiva, se observarmos as evidências de que, de todos os CGF, consciencisidade é o único que aumenta linearmente ao longo do ciclo vital (Costa & McCrae, 1988; Damian et al., 2018; Lehmann et al., 2013; McCrae et al., 1999; Roberts & Wood, 2006; Smits et al., 2011; Terracciano et al., 2006; Wortman et al., 2012). Devemos lembrar que o traço C diz respeito a uma unidade organizada de características que descrevem diferenças individuais em termos de propensão ao autocontrole, responsabilidade consigo e com os outros e organização (Srivastava & Das, 2013). O aumento dos níveis de C ao longo do tempo, especialmente em indivíduos que no início da sua vida adulta, que apresentavam níveis baixos nesse traço de personalidade, parece ter função adaptativa a qual, entre outras vantagens, protegem o indivíduo de algumas comorbidades como demência e doença de Alzheimer (Chapman et al., 2011; Tautvydaitė et al., 2017; Terracciano & Sutin, 2019). Dessa forma, sabemos que é fundamental preservar um certo nível em C ao longo do tempo então, se algum indivíduo possuía nível baixo em C no passado, esse indivíduo precisaria aumentar mais o escore nesse fator, em comparação com aqueles que já possuíam um nível mínimo no passado, e eventualmente igualando esse aspecto do funcionamento com os demais. Ao fazer isso, porém, os perfis para esse traço poderiam ser modificados e ocasionariam o reajuste no posicionamento dos indivíduos no ranqueamento desse traço.

Apesar desses achados, deve-se salientar que, especificamente em relação à resposta ao BFI no passado, é possível que uma parte dos participantes não tenha compreendido o exercício retrospectivo de voltar ao passado, principalmente se consideramos o nível de escolaridade dos participantes neste estudo, o que pode ter contribuído para que o nível de C não tenha apresentado mudança ao longo do tempo. É possível também que alguns participantes tenham tentado manter o pensamento no passado, mas não tenham conseguido, por qualquer razão que seja. De toda forma, se esse foi o caso, pode-se pensar que o efeito negativo disso seria o participante passar a responder o instrumento em relação ao momento presente. Entretanto, o valor obtido no teste-reteste entre o BFI e o BFI-2 parece advogar mais em favor de os respondentes terem compreendido a tarefa solicitada, do que o contrário. Porém, ainda assim, sugere-se que estudos futuros repitam essas análises e testem os resultados encontrados correntemente.

Outrossim, parece-nos relevante destacar que as magnitudes das associações obtidas no teste reteste, além de endossarem a estabilidade, sugerem também alguma mudança no perfil, de tal forma que algumas pessoas podem apresentar desenvolvimento diferenciado em alguns traços de personalidade ao longo do tempo (Cobb-Clark & Schurer, 2012; McAdams & Olson, 2010). A esse respeito, ao invés de demonstrar estabilidade nos traços, ou mesmo aumento em O, C, E e A, algumas pessoas poderiam apresentar redução ao longo do tempo, o que poderia ser visto em alguns casos como algo positivo. Isso seria possível se na primeira coleta os níveis de personalidade fossem muito elevados, então, a redução seria, teoricamente, um indicativo de adaptabilidade; ao passo que o aumento indicaria o contrário, pois atingiria um nível mal-adaptativo.

Por exemplo, se considerarmos um determinado indivíduo com escore elevado em E aos 30-35 anos. Se, aos 70 anos, esse indivíduo demonstrar redução de seu escore em E isso poderia ser um indicativo positivo, à medida que aumentar ainda mais seu nível de Extroversão poderia ser mal-adaptativo, considerando que na coleta inicial o sujeito já teria obtido um nível elevado nesse traço; ainda que isso resulte alguma mudança inerente em seu perfil. Pode-se dizer isso porque, em comparações em que o sujeito é seu próprio controle, o respondente que possuir escore elevado em algum dos CGF na coleta inicial, poderá apresentar a maturidade com a redução nesse escore, e não com mais aumento no traço. Dessa forma, estudos futuros devem considerar essas diferenças no nível individual quando realizarem comparações da personalidade ao longo do tempo entre grupos.

Por fim, se concluíssemos que as pessoas não mudam muito após os 30 anos de idade ( Costa & McCrae, 1999) estaríamos afirmando que os padrões de funcionamento seriam geneticamente modelados, e essa corrente de pensamento pode ser descartada ao observar o padrão dos achados na literatura a respeito das comparações normativas da personalidade (Bleidorn et al., 2019). Dessa forma, uma explicação puramente biológica para o ajustamento do funcionamento individual em longo prazo se mostraria contrária às explicações que destacam a reciprocidade entre as predisposições do sujeito e o ambiente na modelação de seu funcionamento, conforme proposta no modelo neo-socioanalítico, descartando-se a possibilidade de mudanças na personalidade em resposta aos eventos significativos de vida (Specht et al., 2011). Sendo assim, ainda que as pessoas adotem mecanismos estabilizadores em seu funcionamento em longo prazo, elas funcionam como sistemas abertos (Roberts & Mroczek, 2008), sendo capazes de realizar ajustes e adequações em seu funcionamento, sempre que necessário, por todo o ciclo vital.

Considerações Finais

Na presente pesquisa foi possível identificar que o funcionamento individual tende a se tornar relativamente estável após atingir os 40 anos de idade, tal como preconiza a literatura científica (Nye & Roberts 2019; Roberts & Mroczek, 2008; Specht et al., 2011) e explicado pelo princípio da continuidade cumulativa. Essa continuidade tem papel protetivo no envelhecimento (Graham & Lachman, 2014) à medida que contribui com a adaptação do indivíduo para responder às demandas do novo estágio do desenvolvimento. Outrossim, ter conhecimento de que o funcionamento individual tende a se tornar estável ao longo do tempo traz aos profissionais da Psicologia indícios de que os efeitos de suas intervenções, especialmente aquelas envolvendo a personalidade, devem ser vistos como sistemáticos, já que mudanças significativas deverão ocorrer de forma não imediata. Dessa forma, deve-se utilizar esse conhecimento, inclusive, para pensar em formas de avaliar e controlar mesmo pequenas mudanças decorrentes das intervenções psicológicas sobre o funcionamento individual.

Apesar dos achados, algumas limitações referentes ao método da presente pesquisa merecem ser destacadas. A primeira diz respeito ao número de participantes, que podemos considerar pequeno para pesquisas em personalidade. Igualmente, pode-se mencionar o baixo número de participantes homens, especialmente a partir dos 70 anos de idade. Por isso, espera-se que estudos futuros repliquem as hipóteses e achados da corrente pesquisa, porém, com amostras mais amplas e quantidade de homens e mulheres mais similares. Sendo assim, esperamos que estudos longitudinais possam ser conduzidos futuramente no Brasil, para que seja possível acompanhar o desenvolvimento da personalidade em um grupo de pessoas ao longo de anos, realizando mais do que duas coletas ao longo do tempo; e que essas informações possam contribuir para o planejamento e realização de intervenções psicológicas com pessoas nas diferentes etapas do ciclo vital.

Outra característica desta pesquisa que deve ser mencionada é que o período retrospectivo, ou seja, a distância entre a idade atual do participante e quando ele tinha 35 anos, mostrou-se bastante variada. Nesse sentido, a magnitude das associações encontradas na presente pesquisa se mostra mais elevada do que aquela sugerida por Ardelt (2000), considerando que o período entre as idades ultrapassa 20 anos na maioria dos casos. Porém, deve-se destacar que a presente pesquisa coletou dados referentes ao passado e atuais em um mesmo momento e, por caracterizar-se como transversal, o padrão das magnitudes pode ter sido afetado pelo método correntemente empregado. Apesar dessa característica possivelmente limitante, deve-se lembrar que esse estudo contribui com a escassez de pesquisas que verificaram a consistência dos traços de personalidade por várias décadas (Terracciano et al., 2006), principalmente quando nos referimos ao contexto brasileiro. Dessa forma, deve-se estar atento ao fato de que o método empregado no presente estudo é uma limitação, já que não podemos afirmar que os participantes responderam o BFI como realmente eram aos 30-35 anos. Em função disso, portanto, sugerimos fortemente que sejam realizados, no futuro, estudos transversais com o intuito de verificar se os padrões de correlação obtidos na presente pesquisa são mantidos.

Por isso, em parte concordamos com Hardt e Rutter (2004) quando mencionam que muitos pesquisadores podem questionar a utilização de memórias retrospectivas nas pesquisas em Psicologia. No entanto, considerando os desafios de conduzir estudos para avaliar mudanças da personalidade ao longo do tempo no Brasil, controlar e padronizar o método de coleta de dados pareceu-nos uma forma legítima de tentar reduzir possíveis vieses inerentes à pesquisa retrospectiva. Dessa forma, estamos cientes de que apesar de a avaliação retrospectiva ter se mostrado relevante para obtenção de informações não atuais (Coolidge et al.,2011) e ter se mostrado útil para o presente projeto, as informações obtidas sofrem a influência da capacidade dos participantes a recuperarem características apresentadas por eles anos atrás. Esse aspecto da pesquisa pode limitar o uso do método em pessoas que apresentam algum quadro que acarrete comprometimento na memória (talvez em quadros demenciais).

Por outro lado, entendemos que o fato de termos selecionado o BFI, que é um instrumento reconhecido internacionalmente para avaliação da personalidade, sendo composto por itens que indicam comportamentos altamente objetivos; associado ao fato de que a idade que os participantes deveriam recuperar retrospectivamente não era referente a um período tão específico (30-35 anos), sejam características que contribuem para a validade do método empregado para atingirmos os objetivos da presente pesquisa (Hardt & Rutter, 2004).

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  Este artigo foi extraído da tese de doutorado do primeiro autor.

Editado por

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Jean von Hohendorff

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  07 Jun 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  13 Jul 2020
• Aceito
  19 Abr 2023