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VIVÊNCIAS, CONDIÇÕES DE TRABALHO E PROCESSO SAÚDE-DOENÇA: RETRATOS DA REALIDADE DOCENTE1 1 Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.

VIVENCIA, CONDICIONES DE TRABAJO Y PROCESO DE SALUD-ENFERMEDAD: RETRATOS DE LA REALIDAD DOCENTE

RESUMO:

As condições de trabalho docente e as vivências dos professores da rede básica de ensino público foram impactadas a partir das reformas educacionais implantadas na década de 1990, com forte influência da política neoliberal. Como resultado dessa influência, houve a precarização da educação pública na educação básica. Repercussões deste cenário educativo, caracterizado por péssimas condições para realização do trabalho e desvalorização da carreira docente têm afetado a história de vida do professor e provocado adoecimentos nesta classe trabalhadora. Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi de compreender os processos envolvidos no adoecimento de professores de escolas públicas da cidade de Montes Claros-MG, a partir de vivências e condições de trabalho. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, fundamentada no Interacionismo Simbólico, realizada por meio do método Grounded Theory, na perspectiva construcionista social. Foram entrevistados 12 professores da educação básica em escolas estaduais. Os dados, no processo de análise, produziram codificações que resultaram em sete categorias axiais, as quais buscam elucidar os pressupostos teóricos desta investigação. As discussões deste estudo apontaram que o adoecimento dos professores da educação básica envolve processos e causas multifatoriais, tais como: a precarização do trabalho docente; as manifestações subjetivas do mal-estar docente e os impasses na superação desse sentimento; o enfrentamento de conflitos com os alunos e familiares na escola; os descompassos na prática pedagógica do professor e as repercussões do trabalho na vida pessoal do professor. Assim, como resultados, todos esses processos apresentaram relação com o adoecimento físico e/ou mental dos professores participantes dessa pesquisa.

Palavras-chave:
Docentes; condições de trabalho; processo saúde-doença; grounded theory.

RESUMEN:

Las condiciones del trabajo docente y las experiencias de los profesores de la red pública de enseñanza básica fueron impactadas a partir de las reformas educacionales implementadas en la década de 1990, con fuerte influencia de las políticas neoliberales. Como resultado de esta influencia, se produjo la precarización de la enseñanza pública en la educación básica. Las repercusiones de este escenario educativo, caracterizado por las malas condiciones de trabajo y la desvalorización de la carrera docente, han afectado la historia de vida de los maestros y provocado enfermedades en esta clase trabajadora. En este contexto, el objetivo de este estudio fue comprender los procesos involucrados en la enfermedad de los profesores de escuelas públicas de la ciudad de Montes Claros-MG, a partir de experiencias y condiciones de trabajo. Se trata de una investigación cualitativa, basada en el Interaccionismo Simbólico, realizada a través del método de la Teoría Fundamentada, desde una perspectiva construccionista social. Fueron entrevistados 12 profesores de educación básica de escuelas públicas. Los datos, en el proceso de análisis, produjeron codificaciones que resultaron en siete categorías axiales, que buscan dilucidar los supuestos teóricos de esta investigación. Las discusiones de este estudio señalaron que la enfermedad de los profesores de educación básica involucra procesos y causas multifactoriales, tales como: la precarización del trabajo docente; las manifestaciones subjetivas del malestar del profesor y los impases en la superación de este sentimiento; el enfrentamiento de conflictos con alumnos y familiares en la escuela; los desajustes en la práctica pedagógica del profesor y las repercusiones del trabajo en la vida personal del profesor. Así, como resultados, todos estos procesos se relacionaron con la enfermedad física y/o mental de los profesores participantes en esta investigación.

Palabras clave:
Facultad; condiciones laborales; proceso salud-enfermedad; grounded theory

ABSTRACT:

The teachers’ working conditions and their experiences in the basic public education network were impacted by the educational reforms implemented in the 1990s, with a strong influence on neoliberal policy. As a result of this influence, there was a precariousness of public education in basic education. The repercussions of this educational scenario, characterized by terrible work achievement conditions and devaluation of the teaching career, have been affecting the teacher's life story and caused illnesses in this working class. In this context, the aim of this study was to understand the processes involved in the illness of public school teachers in the city of Montes Claros-MG, based on experiences and working conditions. This is qualitative research, based on Symbolic Interactionism, carried out through the Grounded Theory, from a social constructionist perspective. Twelve teachers of basic education in state schools were interviewed. The data, in the analysis process, produced encodings that resulted in seven axial categories, which were searched to elucidate the theoretical assumptions of this investigation. The results of this study showed that the illness of basic education teachers involves multifactorial processes and causes. The discussions of this study pointed at the illness of basic education teachers involves multifactorial processes and causes, such as: the precariousness of teaching work; subjective manifestations of teachers' malaise and impasses in overcoming this feeling; facing conflicts with students and family members at school; the mismatches in the teacher's pedagogical practice and the repercussions of work on the teacher's personal life. Thus, as a result, all these processes were related to the physical and/or mental illness of the teachers participating in this research.

Keywords
Teachers; working conditions; health-disease process; grounded theory

INTRODUÇÃO

A categoria trabalho docente engloba os sujeitos/trabalhadores nas suas vivências, complexas dimensões, experiências e identidades, e toda a dinâmica dos processos de trabalho do professor que perpassam pelo ambiente escolar, com repercussões no contexto da comunidade escolar e na vida dos professores. O trabalho na docência, portanto, constitui-se de relações sociais e identidades, uma vez que através do processo ensino-aprendizagem e das relações estabelecidas na escola, os professores interagem na dinâmica social, participando da sociedade, e contribuindo para a formação humana, cidadã e técnica de sujeitos. Dessa forma as atividades docentes compreendem as responsabilidades e relações que se vivenciam na escola para além da regência in loco, demarcadas por uma legislação específica e influenciada por questões históricas e políticas (ASSUNÇÃO; ABREU, 2019ASSUNÇÃO, Ada Ávila. ABREU, Mery Natali Silva. Pressão laboral, saúde e condições de trabalho dos professores da Educação Básica no Brasil. Cad. Saúde Pública, v. 35, 2019. <https:// doi: 10.1590/0102-311X00169517>
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).

O professor do ensino básico deve estar atento à formação dos alunos, com comprometimento, habilidades e competências; e no seu cotidiano deve ter como fio condutor a preparação das aulas e o olhar atento para a execução da sua prática pedagógica contextualizada com a realidade escolar, sempre levando em consideração a formação integral dos estudantes. Para que esta empreitada ocorra, é necessário que estes docentes estabeleçam relações com o “saber” (matéria de ensino, relação teoria e prática, a linguagem e produção do conhecimento); com o “fazer (planejamento, métodos, objetivos, motivação do aluno e avaliação), e também com o “ser” e o “sentir” (prazer, entusiasmo, exigência, princípios e valores) (CUNHA, 2008CUNHA, Maria Isabel. O bom professor e a sua prática. V.20. Campinas: Papirus Editora, 2008.; NEVES; BRITO; MUNIZ, 2019).

Todas essas relações didático-pedagógicas, certamente, deveriam existir numa dinâmica profissional, na qual o objetivo educacional caminhasse de mãos dadas com a redução das desigualdades sociais, num cenário político de valorização dos trabalhadores da educação, com uma infraestrutura escolar adequada e com investimentos na educação pública. Entretanto, o que se percebe na educação pública, no ensino básico no Brasil, é um processo de precarização do trabalho docente com fortes repercussões nas vivências, nas condições de trabalho e no processo de adoecimento dos professores da educação básica. Essa nova realidade caótica da educação brasileira foi fortemente influenciada pelos ideais neoliberais, como uma política de enxugamento do estado, com impactos diretos na escola pública brasileira e na profissão docente. (PAULA; LIMA, 2020PAULA, Wagner Eduardo Estácio de; LIMA, Rita de Cássia Gabrielli Souza. Docência na educação infantil: neoliberalismo, desumanização e adoecimento na república inacabada brasileira. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, e0023060, 2020. <https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00230>
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).

Influenciado pela nova ordem econômica neoliberal, o sistema educacional brasileiro alinhado com esse pensamento, reduziu os gastos com o bem-estar-social, o que aqui podemos compreender como gastos com a saúde, educação e fundos de pensão (ANDERSON, 1996ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo; SADER, Emir(Org.). Pós- neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. V.3. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1996, p. 9-23.; PAULA; LIMA, 2020PAULA, Wagner Eduardo Estácio de; LIMA, Rita de Cássia Gabrielli Souza. Docência na educação infantil: neoliberalismo, desumanização e adoecimento na república inacabada brasileira. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, e0023060, 2020. <https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00230>
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). E no âmbito das reformas educacionais (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394 de 1996), houve a fragilização da profissão docente, tornando o professor, do ponto de vista econômico, um profissional com características de atuação flexível, variável e multifuncional, de regime de contratação precário e os professores de caráter efetivo, com muito menos direitos trabalhistas formais (BRASIL, 1996BRASIL. Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Brasília, 2015.).

A escola passa a ser pensada como empresa privada, com uma gestão gerencialista e os professores são vistos como responsáveis pelas atribuições cumulativas, pelo perfil de rendimento (professores com inúmeras funções) e de avaliação de desempenho contínua. Os recursos destinados ao trabalho do professor, como espaços/infraestruturas escolares, estruturas e materiais didático pedagógicos são reduzidos. Na maioria das vezes, os salários apresentam se incompatíveis com a demanda de trabalho. E na atividade laboral docente de ritmo intenso, repetitivo, repleto de múltiplas tarefas e jornadas de trabalho exaustivas o professor do ensino básico é exposto rotineiramente a situações que comprometem sua saúde física e/ou psíquica, decorrentes da estrutura e organização do seu trabalho (PASINATO; FÁVERO, 2020PAULA, Wagner Eduardo Estácio de; LIMA, Rita de Cássia Gabrielli Souza. Docência na educação infantil: neoliberalismo, desumanização e adoecimento na república inacabada brasileira. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, e0023060, 2020. <https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00230>
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; PREVITALI, 2020PREVITALI, Fabiane. Santana. (Org.). Trabalho e educação na reestruturação produtiva do capital. Uberlândia: Navegando Publicações, 2022.; MORAIS; ABREU; ASSUNÇÃO, 2023MORAIS, Evelin Angelica Herculano de; ABREU, Mery Natali Silva; ASSUNÇÃO, Ada Ávila. Autoavaliação de saúde e fatores relacionados ao trabalho dos professores da educação básica no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, n. 1, p. 209-222, 2023< DOI: 10.1590/1413-81232023281.07022022>
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).

Toda a estrutura e organização do trabalho da educação básica foram influenciadas pela política neoliberal, que preconiza o atendimento de maior número de alunos possível (clientelismo e formação para o mundo do trabalho), sem, no entanto, haver investimento compatível na educação pública. Portanto são evidentes as péssimas condições de trabalho da escola pública sempre sobrecarregada com uma quantidade excessiva de alunos por turma e de turmas, e em muitos casos com professores com dupla jornada de trabalho (principalmente as mulheres) para compensar os baixos salários. Muitas professoras, além de cumprir a dupla jornada de trabalho, ainda desempenham as funções para cuidados com a família e o lar. Outro ponto bastante enfatizado é o excesso de atividades que os professores realizam fora do horário de aula (como planejamento de aulas, correções de provas e outras atividades que precisam ser desenvolvidas), com repercussões e prejuízos para os docentes, como por exemplo, a redução do tempo do professor para cuidar de si, vivenciar a sua família e usufruir de atividades de lazer (SOUZA; LEITE, 2011SILVA, Nayra Suze Souza et al. Morbidade autorreferida entre professores da educação básica da rede pública de ensino. Revista Eletrônica Acervo Saúde, n. 6, p. S425-S431, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/7859 >. Acesso em:31/08/2021.
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; ALVES, 2020ALVES, Ursulina Ataíde et al. Proletarização do trabalho docente e o notório saber: desafios e entraves para o resgate da valorização do professor. Educação Profissional e Tecnológica em Revista, v. 4, n. 2, p. 62-79, 2020. <https://doi.org/10.36524/profept.v4i2.535>
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).

A precarização do trabalho docente também é percebida no contexto escolar, com o ambiente de trabalho desfavorável, com instalações bastante precárias, presença de alérgenos, variações de temperatura, muitos ruídos, falta de recursos e de auxiliares, pouca frequência de pausas e posturas desconfortáveis. As realidades das escolas também são bastante diferentes, com a presença de um público de alunos que trazem consigo os reflexos das desigualdades sociais. Dessa forma, o professor acaba desempenhando uma função social, que muitas vezes, vai além do processo ensino- aprendizagem. O professor se depara com situações que requerem atenção e auxílio aos discentes, realizando o papel dos familiares e de outros profissionais, como psicólogos e assistentes sociais no cotidiano da sua prática. Além de toda esta desestruturação e desorganização da atividade laboral docente, o professor percebe a desvalorização do seu trabalho, materializado pela falta de tempo para atualização, e principalmente pela baixa remuneração e desvalorização social (OLIVEIRA; PEREIRA JUNIOR; REVI, 2020OLIVEIRA, Dalila Andrade; PEREIRA JUNIOR, Edmilson Antonio; REVI, Natalia de Santana. Condições de trabalho dos professores e satisfação profissional: uma análise em sete estados do Brasil. Cenas Educacionais, v. 3, n. e9503, p. 1-19, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://www.revistas.uneb.br/index.php/cenaseducacionais/article/view/9503 >. Acesso em:31/08/2021.
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).

É importante destacar que as condições de trabalho desse profissional contribuem sobremaneira para o exercício da desesperança docente com fortes impactações no trabalho docente e na vida pessoal, e nesse contexto todas essas questões apontadas acima convergem para o adoecimento do professor da educação básica (ALVEZ, 2020ALVES, Ursulina Ataíde et al. Proletarização do trabalho docente e o notório saber: desafios e entraves para o resgate da valorização do professor. Educação Profissional e Tecnológica em Revista, v. 4, n. 2, p. 62-79, 2020. <https://doi.org/10.36524/profept.v4i2.535>
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).

A saúde do trabalhador faz parte de um campo interdisciplinar ligado a movimentos sociais que originou por meio de críticas às limitações dos modelos sociais e políticos vigentes em sua época. Essa área de estudo faz parte da saúde coletiva, e apresenta se como lócus de discussão interdisciplinar e pluri-institucional, que constitui o trabalho como um dos principais determinantes sociais da saúde (COSTA et al., 2013COSTA, Danilo et al. Saúde do Trabalhador no SUS: desafios para uma política pública. Revista brasileira de saúde ocupacional, v. 38, p. 11-21, 2013. <https://doi.org/10.1590/S0303-76572013000100003>
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). Nesse direcionamento, a saúde do trabalhador deve estar associada às formas de empoderamento dos sujeitos-trabalhadores, com especial atenção ao bem-estar e qualidade de vida desses profissionais no ambiente de trabalho. Entretanto o que se percebe, na maioria das vezes, é que a realidade da prática social do trabalho, na qual os trabalhadores da educação têm vivenciado, é a perda da saúde biopsicossocial com redução significativa da qualidade de vida (GARCIA et al., 2010GARCIA, Maria Manuela Alves et al. Constituição das doenças da docência. Relatório de pesquisa. Brasília: 2010.; DIAS, NASCIMENTO, 2020DIAS, Marina Abreu; NASCIMENTO, Ruben de Oliveira. Autoestima do professor, satisfação/insatisfação profissional e valorização/desvalorização docente. Perspectivas em Diálogo: revista de educação e sociedade, v. 7, n. 15, p. 74-93, 2020. Disponível em:< Disponível em:https://trilhasdahistoria.ufms.br/index.php/persdia/article/view/9830 >. Acesso em:31/08/2021.
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).

Dessa forma, a atividade laboral da docência, na educação básica, é muito influenciada pelo contexto social e político no Brasil, e por conta dessa influência nas condições de trabalho do professor o adoecimento tem afetado um grande número desses trabalhadores. Esses adoecimentos são processos cumulativos, gerados por uma perene sensação de mal-estar, desilusão e frustação com o próprio trabalho. A falta de identificação com a docência, os estímulos para o trabalho docente e o exercício da desesperança são confluências que resultam nas várias formas de adoecimento dos docentes. O adoecimento físico e mental dos professores tem se tornado um problema de saúde pública e desta forma, faz-se necessário compreender esse processo buscando um entrelaçamento entre saúde-doença, condições sociais e de trabalho dos professores, e a sua relação com a esfera política (BORGES, 2020BORGES, Kamylla Pereira. “Eu vejo o futuro repetir o passado”: BNCC, Neoliberalismo e o retorno aos anos 1990. Revista Pedagógica, v. 22, 2020. < DOI: https://doi.org/10.22196/rp.v22i0.5676>
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; ASSUNÇÃO; ABREU, 2019ASSUNÇÃO, Ada Ávila. ABREU, Mery Natali Silva. Pressão laboral, saúde e condições de trabalho dos professores da Educação Básica no Brasil. Cad. Saúde Pública, v. 35, 2019. <https:// doi: 10.1590/0102-311X00169517>
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; RIBEIRO, et al., 2022PREVITALI, Fabiane. Santana. (Org.). Trabalho e educação na reestruturação produtiva do capital. Uberlândia: Navegando Publicações, 2022.).

O objetivo deste estudo foi de compreender os processos envolvidos no adoecimento de professores de escolas públicas da cidade de Montes Claros-MG, a partir de vivências e condições de trabalho.

METODOLOGIA

Estudo de abordagem qualitativa, baseado no método de Interacionismo Simbólico com o intuito principal de elaborar pressupostos ou uma teoria relativa ao adoecimento de professores da Educação Básica da rede pública de ensino, criando marcos conceituais em relação a esse tema, por meio do método da Grounded Theory ou Teoria Fundamentada em Dados, na perspectiva construcionista social, proposta por Kathy Charmaz (CHARMAZ, 2009CHARMAZ, Kathy. A construção da Teoria Fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.).

Esta pesquisa é derivada do projeto intitulado “Saúde e trabalho docente: Significados, experiências e relações interpessoais”, do grupo de estudos denominado ProfSMoc, composto por professores e estudantes da Universidade Estadual de Montes Claros-MG (Unimontes). Este estudo foi desenvolvido em escolas estaduais da cidade de Montes Claros-MG, com início em março de 2017.

Foram investigados professores, de ambos os sexos, da rede pública estadual da cidade de Montes Claros-MG, atuantes no ensino fundamental completo e ensino médio, das diversas disciplinas que compõem esses módulos de ensino. Como critérios de inclusão foram incorporados a esse estudo professores e professoras da rede pública estadual da educação básica, que participaram de uma pesquisa ocorrida anteriormente, do grupo de estudo ProfSMoc. Assim, a partir dos resultados quantitativos do projeto: “Condições crônicas de saúde e fatores associados entre professores da rede pública: estudo de base populacional”; foram incluídos nessa investigação aqueles professores que apresentaram elevado grau de estresse, depressão, burnout e polipatologias, a partir de cinco condições clínicas autorreferenciadas (SILVA et al., 2017SILVA, Amanda Moreira da; GOMES, Thayse Ancila Maria de Melo; MOTTA, Vânia Cardoso da. Formas e tendências de precarização do trabalho docente e os influxos do empresariamento na educação. Cadernos de Educação, n. 63, p. 137-155, 2020. <https://doi.org/10.15210/caduc.v0i63.17406>
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).

Neste estudo foi estabelecida a amostragem teórica ou intencional, como definida por Strauss e Corbin (2008STRAUSS, Anselm L.; CORBIN, Juliet. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. V.2. Porto Alegre: Artmed, 2008.). O grupo de professores foi dividido em dois grupos amostrais: os professores que possuíam mais de dez anos de trabalho na docência, e os professores que possuíam menos de dez anos de trabalho na docência, contraste importante para gerar o processo de construção de uma teoria fundamentada em dados).

Inicialmente foram feitas as entrevistas com professores e professoras que constituíram o primeiro grupo amostral, e no decorrer do estudo foram feitas as entrevistas que constituíram o segundo grupo amostral.

O processo de saturação dos dados (saturação teórica) ocorreu à medida que as categorias de análise foram sendo refinadas, até chegar ao ponto que não obtivemos mais evidências de novos grupos de categorização. Assim, 12 entrevistas compuseram o grupo amostral final, um grupo composto por 6 (seis) professores que apresentavam mais de 10 anos de trabalho, e outro grupo proposto por 6 (seis) professores que apresentavam menos de 10 anos de trabalho (GLASER; STRAUSS, 1967GLASER, Barney G.; STRAUSS, Anselm L. Discovery of grounded theory. Chicago: Aldine, 1967.; GOMES et al., 2015GOMES, Ingrid Meireles et al. Teoria fundamentada nos dados na enfermagem: revisão integrativa. Revista de Enfermagem UFPE on line, v. 9, p. 466-474, 2015. <http://doi: 10.5205/reuol.5221-43270-1-RV.0901supl201527>
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).

Para coleta dos dados, foi realizado contato com as escolas públicas estaduais da cidade de Montes Claros-MG, que já estavam sendo pesquisadas pelo grupo de estudos ProfSMoc (pesquisa quantitativa descrita anteriormente). Os professores e professoras selecionados para essa pesquisa foram convidados com antecedência para conceder a entrevista. Os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram assinados. As entrevistas ocorreram nas escolas estaduais, sempre com agendamento prévio com cada professor(a), individualmente, em salas reservadas para este fim. As entrevistas foram realizadas no primeiro e segundo semestre de 2017, e tiveram duração média de 1 hora, foram gravadas e posteriormente transcritas.

Os sujeitos da pesquisa foram compostos por doze professores, sendo dez professoras do sexo feminino e dois professores do sexo masculino. Logo podemos perceber que a maioria dos professores dessa pesquisa é composta por mulheres, uma característica marcante no magistério, principalmente nos ensinos básico e médio. As idades dos professores e professoras variaram de 34 anos até 57 anos. Seis professores são casados, cinco professores são solteiros, e uma viúva. Somente quatro professores possuem especialização, e todos são graduados. Os professores e professoras são graduados em diversas áreas do conhecimento. Todos os participantes da pesquisa atuam no trabalho docente somente no ensino público, apenas cinco professores são concursados e sete são contratados/designados. Seis professores atuam nos ensinos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano - Ensino Fundamental I); três professores atuam no ensino fundamental II (6º ao 9º ano), e três professores atuam no ensino médio.

Para fins dessa investigação, utilizamos a entrevista narrativa ou em profundidade que enfocou os processos de adoecimentos dos professores da rede pública de ensino que apresentam relações com as condições de trabalho destes profissionais, com reflexos na vida cotidiana (saúde, trabalho, família, amigos, rotinas de vida etc.) (CHARMAZ, 2009CHARMAZ, Kathy. A construção da Teoria Fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.).

Realizada a primeira entrevista do primeiro grupo amostral, após sua transcrição, imediatamente foi submetida ao processo de leitura exaustiva, fazendo os primeiros destaques de trechos e códigos livres, com vistas à produção de categorias abertas e axiais com auxílio do software Atlas.ti 9.0. Uma vez estabelecidas as primeiras categorias, a entrevista foi lida por dois outros pesquisadores que as validaram por meio do processo de triangulação. Além do mais, a primeira professora entrevistada também confirmou os dados da codificação da entrevista. Assim, passou-se para as demais entrevistas que constituíram a primeira parte da amostragem teórica. Após esse processo, uma pesquisadora externa validou a organização dos dados (codificação focalizada). A partir dessas entrevistas, foi possível estabelecer comparações que permitiram a formulação de pressupostos teóricos com a elaboração de um primeiro diagrama de construção da teoria ou pressupostos, apresentado na figura 1, a seguir.

Figura 1
Diagrama das condições de trabalho e processo saúde-adoecimento.

Após finalizada a primeira etapa de constituição do primeiro grupo amostral, foi realizada nova ida a campo para testar os pressupostos teóricos com o segundo grupo amostral. E desse modo, com a realização dessa etapa, a coleta de dados foi concluída, visto que ela respondeu às questões teóricas propostas para a análise, apontando elementos conceituais que relacionam o adoecimento dos professores com as condições de trabalho nas escolas públicas estaduais.

Em termos de sequência metodológica, as 12 entrevistas seguiram as seguintes etapas: codificação inicial (consiste na leitura atenta de cada linha da entrevista e criação de um código livre para cada linha) - nesta pesquisa foram gerados 1.877 (um mil, oitocentos e setenta e sete códigos abertos ou livres) correspondente à análise das 12 entrevistas; codificação focalizada (reuniu os códigos anteriores mais significativos e frequentes com a criação de subcategorias que buscam estabelecer relações entre códigos produzidos e permitir a formulação de hipóteses e sua verificação). Nessa pesquisa, foram criadas 24 subcategorias, ou 24 famílias de códigos; codificação seletiva ou axial (que visou o

agrupamento de subcategorias focais em categorias axiais, especificando as conexões existentes entre elas). As categorias axiais ampliam a capacidade analítica das ideias emergentes, chegando então às análises emergentes na teoria. Foram elaboradas 7 categorias axiais; e por fim foi feita a codificação teórica, reconhecida como a fase final de categorização, em que foram extraídos conceitos que foram integrados a uma categoria teórica central, permitindo uma compreensão mais aprofundada do mundo empírico. É importante ressaltar que nesse método, todos os códigos foram comparados exaustivamente, até evidenciar este formato.

Ao longo de todo o processo de análise, foram desenvolvidos 35 memorandos, que são escritos sobre os dados e direcionamentos da pesquisa, com base teórica. Nessa pesquisa adotou se o uso apropriado da literatura em todas as fases da pesquisa, e foi realizada a compilação da literatura após a análise dos dados (CHARMAZ, 2009CHARMAZ, Kathy. A construção da Teoria Fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.). Além disso, foram utilizadas as ferramentas do software Atlas.ti 9.0, auxiliando na organização dos dados, para posterior análise do pesquisador.

O projeto do estudo foi previamente avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros-MG (Parecer nº : 1.969.497), em conformidade com a resolução CNS Nº 466, de 12 de dezembro de 2012 (Ética na Pesquisa com seres humanos); e a resolução CNS Nº 510, de 7 de abril de 2016 (Ética na Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os achados aqui reunidos foram extraídos das narrativas dos sujeitos da pesquisa que permitiram a construção de uma teoria substantiva central acerca do adoecimento docente, marcado por processualidades e causalidades, que emergiram do refinamento de conceitos, como representado a seguir:

Figura 2
Diagrama da teoria central da investigação.

Assim, discutiremos o processo de construção dos conceitos, tendo como referência palavras, trechos de falas e categorias relacionadas que permeiam a emergência da teoria central dessa

investigação, reunindo trajetórias subjetivas, espaços de interação e temporalidade. Os professores são identificados ao longo da discussão com a letra “P” e o número de 1 a 12, identificando os 12 professores participantes deste estudo.

Conceito 1: Precarização do trabalho docente: restrição do estado e gestão deficitária na educação básica

Ao longo da codificação dos dados, os conceitos foram emergindo das falas dos professores entrevistados e discutidos à luz da literatura. O primeiro conceito diz respeito à precarização do trabalho docente. Percebe se que as mudanças nos processos de produção capitalista apresentam se constantes, e neste contexto evidenciam etapas que alternam entre declínio e ascensão do sistema (MOURA et al., 2019MOURA, Juliana da Silva et al. A precarização do trabalho docente e o adoecimento mental no contexto neoliberal. Revista Profissão Docente, v. 19, n. 40, p. 01-17, 2019. <http://dx.doi.org/10.31496/rpd.v19i40.1242>
https://doi.org/10.31496/rpd.v19i40.1242...
).

Fato é que Marx (1973) apontava a dinâmica do desenvolvimento capitalista e a acumulação de capital a partir da extração da mais-valia do trabalho. Nesse sentido, através das modificações do mundo capitalista, emerge a ideologia neoliberal, que evidencia a prerrogativa do Estado-mínimo, associada à diminuição da atuação do poder público para as demandas sociais (inclusive a educação), aumento do controle dos gastos públicos, desregulamentação dos direitos trabalhistas, reformas fiscais e investimentos para tornar a economia forte e promover o equilíbrio monetário (ANDERSON, 1996ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo; SADER, Emir(Org.). Pós- neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. V.3. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1996, p. 9-23.; OLIVEIRA; SILVA; BENIGNO, 2021OLIVEIRA, Sônia Maria Soares de Oliveira; SILVA, Carlos Diogo Mendonça da; BENIGNO, Gabriela Gomes Freitas. Privatizar é preciso: o ataque neoliberal à educação pública brasileira. Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 2, n. 4, p. 1-10, 2021. Disponível em:< Disponível em:https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/ Acesso em:31/08/2021.
https://revistas.uece.br/index.php/ensin...
).

Nessa lógica, o período neoliberal é marcado pela busca de estratégias de recuperação de lucro, uma vez que houve o esgotamento do padrão de acumulação fordista/taylorista. As propostas neoliberais eram contrárias às políticas sociais do estado, e as enxergavam como vilãs da economia. Assim, os pensadores do neoliberalismo afirmavam que as despesas do Estado com políticas públicas, e a representatividade sindical exauriam os lucros das empresas (GOMES et al., 2012GOMES, Marcos Antônio de Oliveira et al. As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital e a precarização do trabalho docente. Revista HISTEDBR On-line, n. 47, p. 267-283, 2012. <https://doi.org/10.20396/rho.v12i47.8640051>
https://doi.org/10.20396/rho.v12i47.8640...
, BORGES, 2020BORGES, Kamylla Pereira. “Eu vejo o futuro repetir o passado”: BNCC, Neoliberalismo e o retorno aos anos 1990. Revista Pedagógica, v. 22, 2020. < DOI: https://doi.org/10.22196/rp.v22i0.5676>
https://doi.org/10.22196/rp.v22i0.5676...
).

Isso posto, as reformas neoliberais (implementadas especialmente pelos governantes da década de 1990, e das primeiras décadas do século XXI no Brasil) modificaram o sistema educacional brasileiro, sob orientação dos mecanismos internacionais. Essas modificações visavam à privatização de maneira direta ou indireta do serviço público, a redução dos gastos com educação e demais setores sociais, além do gerenciamento e controle sobre a ação docente (PAULANI, 2005 PASINATO, Darciel; FÁVERO, Altair Alberto. As políticas neoliberais no Brasil e sua influência na educação básica e superior. Revista Atos de Pesquisa em Educação, v. 15, n.3, p. 903-920, 2020. <http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2020v15n3p903-928>
https://doi.org/10.7867/1809-0354.2020v1...
; PAULANI, 2016PAULANI, Leda Maria. Modernidade e discurso econômico. São Paulo: Boitempo, 2005.). Nesse sentido, essas medidas afetaram as condições de trabalho do professor cravejadas pela precarização do trabalho docente, pelas restrições orçamentárias para a educação estatal e pela gestão ineficiente da área de educação (PASINATO; FÁVERO, 2020PAULA, Wagner Eduardo Estácio de; LIMA, Rita de Cássia Gabrielli Souza. Docência na educação infantil: neoliberalismo, desumanização e adoecimento na república inacabada brasileira. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, e0023060, 2020. <https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00230>
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002...
).

Muitos professores entrevistados nesta pesquisa apontaram em seus discursos os impactos desta precarização do trabalho docente no cotidiano das escolas públicas estaduais:

“O governo teria que nos proporcionar condições mínimas de trabalho na escola, mas ele não proporciona. Eu voltei pra cá [escola] em 2010. Desde 2014 a diretora desta escola está pedindo que a escola seja reformada. Essa escola, em época de chuva, se o aluno encostar na parede toma choque.” (P5)

“Temos aqui uma estudante cadeirante e não tem banheiro para ela, temos que mandar embora mais cedo porque não tem um banheiro adaptado para ela.” (P1)

“Às vezes, quando a gente vai fazer uma atividade para a escola, falta dinheiro para comprar papel, e a gente tem que ajudar. Aqui, nós já fizemos até ‘vaquinha’ para merenda de aluno, porque, os alunos dos turnos da tarde, não podem ficar sem merenda. Então é isso.” (P6)

À vista disso, podemos perceber através do relato da P5 a morosidade das instâncias governamentais do estado de Minas Gerais em realizar reformas físicas nesta escola, aumentando sobremaneira as chances de os alunos daquela instituição levarem choques elétricos, com risco iminente de morte. Esse fato evidencia o quanto as escolas públicas estão abandonadas do ponto de vista estrutural, possível reflexo da contenção orçamentária do estado (PASINATO; FÁVERO, 2020PAULA, Wagner Eduardo Estácio de; LIMA, Rita de Cássia Gabrielli Souza. Docência na educação infantil: neoliberalismo, desumanização e adoecimento na república inacabada brasileira. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, e0023060, 2020. <https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00230>
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002...
).

Outra questão bastante delicada foi abordada pela P1, que evidencia a falta de estrutura física com foco em acessibilidade para estudante cadeirante. O artigo 27 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015BRASIL. Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Brasília, 2015.), estabelece a educação como direito constituído à pessoa com deficiência, assegurando sistema de educação inclusivo em todos os níveis. Esse artigo deixa evidente que é dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à criança e ao jovem com deficiência, protegendo os de toda forma de violência, negligência e discriminação. Consequentemente, percebemos a perversidade da precarização da estrutura física escolar pública, que priva os estudantes com deficiência do direito de acesso à educação em tempo integral e aos espaços físicos da escola.

Além de todos estes pontos identificados até então, a P6 aponta que os professores da escola, em algumas ocasiões, precisam fazer doações à comunidade escolar para suprir, por exemplo, falta de material de trabalho, e até alimentos para as refeições dos estudantes. A complexidade das restrições do estado (lógica do Estado mínimo) tem imperado no seio escolar, e mais uma vez o impacto financeiro e a responsabilidade sobre a compra de materiais básicos para o trabalho, e alimentos para os alunos, recaem sobre o trabalhador da educação (FRANCKLIN, 2018FRANCKLIN, Adelino. As implicações do Programa Choque de Gestão para o trabalho docente na Rede Estadual Mineira. Debates em Educação, [S. l.], v. 10, n. 21, p. 89-105, 2018. < DOI: 10.28998/2175-6600.2018v10n21p89-105>
https://doi.org/10.28998/2175-6600.2018v...
).

Outro aspecto informado nos discursos pelos professores diz respeito à precarização e flexibilização dos contratos de trabalho do docente e perdas de direitos. Essas novas relações trabalhistas e formas contratuais precárias também atingem os professores e estão cada vez mais acentuadas pelas influencias neoliberais (SILVA; GOMES; MOTTA, 2020SILVA, Amanda Moreira da; GOMES, Thayse Ancila Maria de Melo; MOTTA, Vânia Cardoso da. Formas e tendências de precarização do trabalho docente e os influxos do empresariamento na educação. Cadernos de Educação, n. 63, p. 137-155, 2020. <https://doi.org/10.15210/caduc.v0i63.17406>
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). A seguir a P11 demonstra se sentir instável o tempo todo, no regime de contratação docente para o setor público de educação:

“Eu estou o tempo todo assim pensando no futuro, porque como não sou efetiva pelo colégio, todo ano sou contratada, e o contrato acaba final do ano. Então procuro emprego de novo, então é uma instabilidade, tenho uma estabilidade durante o ano. Não sabemos se as regras para contratação vão continuar as mesmas, então, gera uma instabilidade sim.” (P11)

Nessa direção, o aumento dos contratos temporários nas redes públicas de ensino no estado de Minas Gerais, o arrocho salarial, a falta de respeito dos governantes, em relação a um piso salarial nacional digno, a inadequação ou ausência, de planos de carreiras e salários, a perda de garantias trabalhistas e previdenciárias oriunda dos processos de reforma do Estado têm tornado cada vez mais agudo o quadro de instabilidade e precariedade do emprego no magistério público (FRANCKLIN, 2018FRANCKLIN, Adelino. As implicações do Programa Choque de Gestão para o trabalho docente na Rede Estadual Mineira. Debates em Educação, [S. l.], v. 10, n. 21, p. 89-105, 2018. < DOI: 10.28998/2175-6600.2018v10n21p89-105>
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; PREVITALI, 2022PAULANI, Leda Maria. Uma ponte para o abismo. In: Por que gritamos golpe?V.1. São Paulo: Boitempo, 2016.).

A existência de diversos vínculos empregatícios no âmbito do magistério público também é outro aspecto que representa estratificação e fragmentação da classe, pois, embora efetivos e temporários sejam professores da rede estadual (por possuírem diferentes vínculos trabalhistas) não comungam dos mesmos interesses. Esses professores, geralmente, não lutam pelos mesmos ideais, o que enfraquece o poder reivindicatório e a organização da categoria, desestabilizando o sindicato do trabalhador docente. Sendo assim, a precarização do trabalho docente, a lógica do estado mínimo e a gestão pública deficitária da educação pública têm gerado nos professores o mal-estar docente (OLIVEIRA, 2004OLIVEIRA, Dalila Andrade. A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização. Educação & Sociedade, v. 25, n. 89, p. 1127-1144, 2004. https://doi.org/10.1590/S0101-73302004000400003>
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; FERREIRA; ABREU, 2014FERREIRA, Denize Cristina Kaminski; ABREU, Claudia Barcelos de Moura. Temporary Teachers: flexibilization of contracts and teacher’s work conditions. Trabalho & Educação, v. 23, n. 2, p. 129-139, 2014. Disponível em:<Disponível em:https://periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/9163 >. Acesso em:31/08/2021.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/tra...
; FERREIRA, 2019FERREIRA, Leda Leal. Lições de professores sobre suas alegrias e dores no trabalho. Cadernos de Saúde Pública, v. 35, e00049018, 2019. < doi: 10.1590/0102-311X00049018>
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).

Conceito 2: Manifestações subjetivas do mal-estar docente: vivências de desvalorização e de frustração na carreira docente

O segundo conceito da teoria foi concebido a partir dos dados coletados junto aos professores e diz respeito às manifestações subjetivas do mal-estar docente, geradas pela realidade do cenário da educação pública no Brasil, bem como pelas vivências de desvalorização e frustração na carreira docente.

Destacamos que a maneira como o professor lida com o cotidiano escolar tem se mostrado diferente, pois as condições de trabalho, impostas a essa classe trabalhadora, têm resultado em mudanças significativamente negativas. Consequentemente, as reformas educacionais aliadas a esse novo cenário de modificações do mundo do trabalho (influências neoliberais) têm causado impacto desfavorável ao professor, provocando fortes abalos na sua valorização profissional (ALVES et al., 2020ALVES, Ursulina Ataíde et al. Proletarização do trabalho docente e o notório saber: desafios e entraves para o resgate da valorização do professor. Educação Profissional e Tecnológica em Revista, v. 4, n. 2, p. 62-79, 2020. <https://doi.org/10.36524/profept.v4i2.535>
https://doi.org/10.36524/profept.v4i2.53...
).

A precarização do trabalho docente (imposta pela reestruturação produtiva, pela reforma administrativa do estado e pela gestão da educação) apresenta vínculos com a flexibilização, com as péssimas condições de trabalho, com a competitividade, com a fragilização, com a perda de autonomia, ausência de apoio à treinamentos e qualificação docente, e com a valorização do saber da experiência em detrimento do saber pedagógico. Assim sendo, como consequência desse processo, observamos a presença de sofrimento, adoecimento, desistência, cansaço excessivo, conflitos e perda de controle do próprio trabalho, por parte dos professores (PENTEADO; SOUZA NETO, 2019). Dentre os diversos discursos colhidos nas entrevistas, destacamos:

“É... (respiração profunda). Eu me sinto frustrada com a docência. Porque, a educação tomou um caminho hoje em dia que a gente não consegue realizar o nosso trabalho.” (P1)

“Estou doida pra sair da sala de aula, logo. Hoje eu me sinto cansada, insatisfeita, porque a gente trabalha muito e não tem retorno financeiro. O nosso sistema não nos valoriza, não temos autonomia, então a gente não tem prazer, a gente trabalha porque a gente tem necessidade de salário. É claro que a gente faz, e por mais que a gente esteja insatisfeita com o trabalho financeiramente, a gente faz nosso trabalho com responsabilidade, [..] mais eu não me sinto satisfeita hoje.” (P8)

Em relação ao que foi dito pelas professoras P1 e P8, percebemos que a frustração e a insatisfação presentes na carreira docente podem ter relação com as mudanças no sistema do ensino a partir da década de 1990. Ao tratarmos dos aspectos legais, no Brasil as políticas educacionais implantadas nas últimas décadas resultaram em mudanças substanciais nos sistemas de ensino, bem como na compreensão das características do trabalho docente. Nesses novos cenários do setor de educação pública (no ensino básico), as escolas passaram a organizar-se para atendimentos de maiores demandas. Houve o aumento de matrículas, acréscimo de turmas, número de alunos e modalidade de ensino. E dentro dessa forma de organização ocorreu a ampliação das tarefas assumidas pela escola, e consequentemente nas funções do trabalho docente. Logo, quanto mais complexas as demandas que as escolas devem responder, os papéis dos docentes também se complexificam. (ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2009ASSUNÇÃO, Ada Ávila; OLIVEIRA, Dalila Andrade. Intensificação do trabalho e saúde dos professores. Educação & Sociedade, v. 30, p. 349-372, 2009. <https://doi.org/10.1590/S0101-73302009000200003>
https://doi.org/10.1590/S0101-7330200900...
; MORAIS; ABREU; ASSUNÇÃO, 2023MORAIS, Evelin Angelica Herculano de; ABREU, Mery Natali Silva; ASSUNÇÃO, Ada Ávila. Autoavaliação de saúde e fatores relacionados ao trabalho dos professores da educação básica no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, n. 1, p. 209-222, 2023< DOI: 10.1590/1413-81232023281.07022022>
https://doi.org/10.1590/1413-81232023281...
).

Fato é que, apesar desta demanda aumentada, não houve melhorias nas escolas, nem tampouco reajuste salarial para esta classe trabalhadora. Nessa visão, no contexto de uma escola sem investimentos, identifica-se um processo de desqualificação e desvalorização sofrido pelos professores do setor público. Estes profissionais da educação passam então a perder a autonomia no seu posto de trabalho, e, como consequência, não são vistos como sujeitos ativos e participativos na concepção e na organização do trabalho docente. Essa classe trabalhadora é sobrecarregada pelas novas políticas de gestão escolar, que demandam aos docentes um trabalho hercúleo, que transcende ao contexto pedagógico, e que extrapola as paredes da sala de aula (OLIVEIRA, 2004OLIVEIRA, Dalila Andrade. A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização. Educação & Sociedade, v. 25, n. 89, p. 1127-1144, 2004. https://doi.org/10.1590/S0101-73302004000400003>
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; OLIVEIRA; PEREIRA JUNIOR; REVI, 2020OLIVEIRA, Dalila Andrade; PEREIRA JUNIOR, Edmilson Antonio; REVI, Natalia de Santana. Condições de trabalho dos professores e satisfação profissional: uma análise em sete estados do Brasil. Cenas Educacionais, v. 3, n. e9503, p. 1-19, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://www.revistas.uneb.br/index.php/cenaseducacionais/article/view/9503 >. Acesso em:31/08/2021.
https://www.revistas.uneb.br/index.php/c...
).

Esteve (1999ESTEVE, José M. Mudanças Sociais e Função Docente. In: NÓVOA, Antônio. (Org.). Profissão Professor. V.1. Portugal: Porto Editora, 1999.) utiliza a expressão “mal-estar docente” para referir se aos efeitos permanentes e de caráter negativo, que afetam a personalidade do professor como resultado das condições psicológicas e sociais em que exercem a docência, tendo em vista as mudanças no setor educacional. Algumas dessas mudanças refletem sobremaneira no cotidiano da prática do professor em sala de aula, e extrapolam para a vida pessoal; por isso, desenvolvem, nesse profissional, sentimentos negativos capazes de modificar o desempenho do seu trabalho (COSTA; CECCIM, 2022COSTA, Cristiane da Silva. CECCIM, Ricardo Burg. Saúde do trabalhador docente e pesquisa: sujeito ou objeto, raramente afeto. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 48, e242423, 2022. <https://doi.org/10.1590/S1678-4634202248242423>
https://doi.org/10.1590/S1678-4634202248...
). Nesse entendimento, nota-se que os sentimentos dos professores são variados e dizem respeito às subjetividades de cada pessoa, entretanto, nesta pesquisa, na maioria das vezes o que se observou foi um misto de frustração e insatisfação por parte dos docentes. Esses aspectos reforçam que o mal-estar docente é presença marcante na vida desses profissionais pesquisados, com possíveis repercussões em sua saúde.

Conceito 3: Impasses na busca da superação do mal-estar docente

A partir dos relatos do mal-estar docente neste estudo, o conceito sobre as tentativas de superação deste sentimento, foi recorrente nos discursos de quase todos os professores, e grande parte dos discursos convergia para o abandono da profissão docente.

Essa profissão não tem sido mais atrativa pela sua desvalorização e pela sobrecarga de trabalho, e nesse contexto o professor tem se sentido cada vez mais impotente, desvalorizado e desinteressado pela educação pública. Os relatos de muitos docentes desta realidade pesquisada apontam para sentimentos de impotência, frustração, desamparo, desvalorização e desinteresse em continuar atuando na área de educação (OLIVEIRA; PEREIRA JUNIOR, 2020OLIVEIRA, Dalila Andrade; PEREIRA JUNIOR, Edmilson Antonio; REVI, Natalia de Santana. Condições de trabalho dos professores e satisfação profissional: uma análise em sete estados do Brasil. Cenas Educacionais, v. 3, n. e9503, p. 1-19, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://www.revistas.uneb.br/index.php/cenaseducacionais/article/view/9503 >. Acesso em:31/08/2021.
https://www.revistas.uneb.br/index.php/c...
).

Os baixos salários, as precárias situações, a insatisfação no trabalho e o desprestígio profissional estão entre os fatores que mais contribuem para que os professores abandonem a profissão docente. Se não houver reversão da insatisfação com o trabalho, provavelmente resultará no abandono da profissão (DIAS; NASCIMENTO, 2020DIAS, Marina Abreu; NASCIMENTO, Ruben de Oliveira. Autoestima do professor, satisfação/insatisfação profissional e valorização/desvalorização docente. Perspectivas em Diálogo: revista de educação e sociedade, v. 7, n. 15, p. 74-93, 2020. Disponível em:< Disponível em:https://trilhasdahistoria.ufms.br/index.php/persdia/article/view/9830 >. Acesso em:31/08/2021.
https://trilhasdahistoria.ufms.br/index....
). A seguir, destacamos recortes de falas em direção à superação do mal-estar docente:

“Em relação à docência, eu pretendo sair da área. Estou aguardando um concurso, eu acredito que o meu tempo na área de educação é curto. Estou procurando por outros caminhos. Eu estou buscando outros concursos e estudando para outros concursos, eu pretendo sair da educação”. (P11)

“E a tendência, se a gente não tiver uma mudança drástica na educação, o que vai acontecer é professor desistir da carreira.” (P2)

Diante disso é notório que há muito tempo os professores vêm sofrendo de uma situação de mal-estar na profissão, que causa desmotivação pessoal com a docência, abandono, insatisfação, indisposição, dentre outros sintomas que demonstram uma autodepreciação da carreira. Portanto, para superar esta realidade, os profissionais da educação têm migrado para diversos caminhos, dentre os quais o abandono da carreira (CABRAL FILHO, 2022CABRAL FILHO, Manoel Gomes. Insatisfação docente: uma análise sobre as principais causas e consequências. Humanas em Perspectiva, [S. l.], v. 4, 2022. < DOI: 10.51249/hp04.2022.862.>
https://doi.org/10.51249/hp04.2022.862....
).

Conceito 4: Enfrentamento de conflitos com os alunos e familiares na escola

O profissional da educação, inserido na práxis pedagógica, vivencia relações com alunos, familiares de alunos, direção escolar e colegas de trabalho. Estas relações, muitas vezes são conflitantes e podem alterar a dinâmica da sala de aula, com reflexos no processo ensino-aprendizagem, na formação humana dos discentes e na vida do professor (desgastes, alterações de saúde, etc.). Neste tópico enfatizaremos as relações dos professores com os alunos e com a família dos alunos.

Através da imersão dos dados desta pesquisa, os professores entrevistados apontaram que os relacionamentos com muitos alunos, no contexto da sala de aula, têm sido difíceis. Os professores ressaltaram a lida diária na escola, com alunos, cujos perfis são cada vez mais complexos, com altas demandas emocionais e afetivas. Os professores descreveram ainda que existem muitos alunos indisciplinados, violentos e em muitos casos violentados, com necessidades que ultrapassam o conhecimento e a formação do docente. Todas essas questões, que passam a fazer parte do trabalho docente, parecem ser naturalizadas pelas instâncias superiores da área da Educação (estado, superintendências, etc.).

E frente a essa nova realidade, o que tem se evidenciado cada vez mais é a sensação de obrigação dos professores em responder às novas exigências pedagógicas e administrativas impostas verticalmente, dando suportes aos alunos, sem mesmo possuírem formação específica e capacitações docentes. Após estes enfrentamentos e vivências de novas tarefas na escola, os docentes expressam sensação de insegurança e desamparo. É perceptível que lhes faltam condições de trabalho dignas e adequadas a realidade da escola pública e, neste contexto, começam também a emergir as subjetividades de cada trabalhador da educação (DIAS; NASCIMENTO, 2020DIAS, Marina Abreu; NASCIMENTO, Ruben de Oliveira. Autoestima do professor, satisfação/insatisfação profissional e valorização/desvalorização docente. Perspectivas em Diálogo: revista de educação e sociedade, v. 7, n. 15, p. 74-93, 2020. Disponível em:< Disponível em:https://trilhasdahistoria.ufms.br/index.php/persdia/article/view/9830 >. Acesso em:31/08/2021.
https://trilhasdahistoria.ufms.br/index....
). As falas a seguir, descrevem algumas angústias em relação ao contato (muitas vezes conflitante) frequente com os alunos:

“Antigamente, você pegava uma turma com trinta e cinco alunos, ou trinta alunos no máximo, três não queriam saber de nada, hoje é o contrário uma sala de trinta e cinco, dois querem alguma coisa, trinta e três não querem nada, então a coisa reverteu. E hoje eles disputam pra tirar nota menor, pergutam e brincam: “quanto você tirou? Um, e você? Zero, ah ganhei então”. Então eles estão disputando pra tirar nota menor, eles não estão tendo consciência por causa da progressão continuada no estado, e o professor tem se deparado com esta triste realidade.” (P3)

“É uma escola muito violenta, é de um teor de violência absurdo e no meu caso era complicado, porque eu trabalho de maneira a pacificar e tentar melhorar a visão do mundo dos alunos. Para aqueles alunos era difícil, pois não estão acostumados a ouvir uma palavra de carinho e afeto. Uma grande parte dos alunos sabe a linguagem de violência, e isso impactava em mim, enquanto professor, porque às vezes saía de lá em frangalhos.” (P7)

“Porque você vê no olhar que o aluno tem algum problema, você percebe se é um problema sério ou não, você se envolve emocionalmente não tem jeito. A gente se envolve mesmo, não consegue manter distância e tudo isso são vários mundos sobre sua cabeça, então é desgastante. Você precisa ser psicólogo, assistente social, pai e mãe ao mesmo tempo.” (P4)

Em consonância com o relato do P3, percebemos que o desinteresse do aluno em relação aos estudos e a sua indisciplina deixam o professor desmotivado com a docência (MORAIS; ABREU; ASSUNÇÃO, 2023MORAIS, Evelin Angelica Herculano de; ABREU, Mery Natali Silva; ASSUNÇÃO, Ada Ávila. Autoavaliação de saúde e fatores relacionados ao trabalho dos professores da educação básica no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, n. 1, p. 209-222, 2023< DOI: 10.1590/1413-81232023281.07022022>
https://doi.org/10.1590/1413-81232023281...
).

A falta de autonomia do docente, presente no contexto escolar, e a amenização do processo de fluxo do aluno, em relação à etapa seguinte (proposta pela progressão continuada dos estudantes), têm respingado na postura dos alunos (aumento da indisciplina), com consequente sobrecarga para o corpo docente. Demo (1998DEMO, Pedro. Promoção automática e capitulação da escola. Ensaio: avaliação e políticas públicas em Educação, v. 6, n. 19, p. 154-190, 1998., p. 159) destaca que [...] “a promoção do aluno à etapa seguinte, tornando-se automática, escamoteia a falta de aprendizagem, levando a escola pública de modo ainda mais rápido e fatal a ser reconhecida como coisa pobre para o pobre”. Esta facilidade no processo de progressão do aluno tem escancarado o desânimo, a falta de compromisso e seriedade dos alunos em relação aos estudos no contexto do processo ensino aprendizagem, e o resultado em sala de aula tem afetado a prática docente (MELO; ROGGERO, 2023MELO, Emanuel Lucas Batista de; ROGGERO, Rosemary. As práticas da progressão continuada como mantenedoras da barbárie. Educação, [S. l.], v. 48, n. 1, p. e1/ 1-21, 2023. DOI: 10.5902/1984644464704. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/64704.
https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/a...
).

Outro fato que tem chamado atenção é que o reflexo das desigualdades sociais tem incidido sobre a escola pública e, por isso várias problemáticas sociais estão presentes no contexto escolar (como exemplos: a falta de apoio da família, o abandono intelectual, a violência presente nas comunidades, os problemas relacionados ao uso de drogas, abuso sexual, etc.). Entretanto o professor, que está na condução dos processos educativos, não consegue atender a todas estas demandas e acaba se angustiando, como afirmaram o P7 e o P4.

Durante a prática pedagógica, e muitas vezes fora do contexto da sala de aula, os docentes, têm desempenhado funções de agente público, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre outras. Essas exigências têm contribuído para um sentimento de perda de identidade profissional, de desprofissionalização, da constatação de que ensinar às vezes não é o mais importante (LIMA et al., 2020LIMA, Ana Maria Freitas Dias et al. Identidade docente: Da subjetividade à complexidade. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 6, p. 33078-33092, 2020. <https://doi.org/10.34117/bjdv6n6-020>
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). As condições socioeconômicas e culturais da população relacionam-se diretamente com a produção da escolarização. Assim, a democratização da educação escolar requer a conquista, para toda a população, de condições socioeconômicas que lhe permitam usufruir o direito à educação e a construção de uma escola capaz de atender à demanda de educar a todos com padrões de qualidade definidos socialmente (JACOMINI, 2009JACOMINI, Márcia. Educar sem reprovar: desafio de uma escola para todos. Revista Educação e Pesquisa, v. 35, n. 3, p. 557-572, 2009. <https://doi.org/10.1590/S1517-97022009000300010>
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).

No que se refere às relações da escola com a família, é preciso destacar que esses dois núcleos de formação da criança/adolescente representam contextos aonde devem ocorrer o processo educativo com papéis complementares. A formação humana, sócio cultural e existencial das crianças e adolescentes reside na convergência dinâmica e dialogada dos valores/direcionamentos de cada uma destes seios sociais(escola e família). Sendo assim, tanto a família, como a escola são corresponsáveis pela educação das crianças e adolescentes, entretanto , o contexto familiar é o primeiro espaço onde ocorrem os processos educativos e formativos do indivíduo (valores). Existem abordagens educativas diferenciadas em cada lócus social referido anteriormente, o que pode ser modificado é o que se ensina na educação (conteúdos) , e os métodos para se ensinar (LOUREIRO, 2017LOUREIRO, Marta Assis. Relação família-escola: educação dividida ou partilhada? International Journal of Developmental and Educational Psychology, v. 3, n. 1, p. 103-113, 2017. Disponível em:<Disponível em:https://www.redalyc.org/pdf/3498/349853365011.pdf >. Acesso em:31/08/2021.
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). Partindo deste pressuposto, a família e a escola podem ser instituições que promovem ou inibem os processos educativos dos indivíduos.

“Mas o pai, ele não está presente na escola. Ele acha que é obrigação da escola, resolver o problema do filho dele. São inúmeras as vezes que você chama o pai na escola e o pai vira e fala assim “oh: esse aí eu já entreguei pra Deus”. Ou seja, entregou para Deus e colocou na escola, né?.” (P3)

“Você não tem o respaldo da família, o apoio da família. A família hoje delegou para a escola, a função de educar o filho.” (P12)

Por meio dos discursos desses professores percebemos que os pais, mães e responsáveis pelos filhos têm atribuído à escola, e em consequência ao professor, a responsabilização pela educação dos filhos na estrutura familiar (formação de valores). Com todas essas mudanças da sociedade atual, que ocorrem a um ritmo vertiginoso, a família enquanto pilar da socialização primária torna-se instável nas suas características de constituição da formação integral dos filhos (COSTA; SILVA; SOUZA, 2019OLIVEIRA, Dalila Andrade; PEREIRA JUNIOR, Edmilson Antonio; REVI, Natalia de Santana. Condições de trabalho dos professores e satisfação profissional: uma análise em sete estados do Brasil. Cenas Educacionais, v. 3, n. e9503, p. 1-19, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://www.revistas.uneb.br/index.php/cenaseducacionais/article/view/9503 >. Acesso em:31/08/2021.
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).

Assim, muitas vezes a condução familiar vem falhando na sua missão educativa, reportando para a escola e outros espaços educativos, “muitas das suas tradicionais responsabilidades como a socialização, a educação e as práticas de cidadania dos seus filhos”. Dessa forma, isso “nos leva a testemunhar a escassez da capacidade socializadora, enquanto crise da família e da comunidade como instituições com responsabilidades” (ENGUITA, 2001ENGUITA, Mariano Fernández. La escuela a examen: un análisis para educadores y otras personas interesadas. Madri: Pirámide, 2001.).

Quando a família e a escola mantêm boas relações, as condições para um melhor aprendizado e desenvolvimento do aluno podem ser maximizadas. Assim, pais e professores devem ser estimulados a discutirem e buscarem estratégias conjuntas e específicas ao seu papel, que resultem em novas opções e condições de ajuda mútua (LEITE; TASSONI, 2002LEITE, Sérgio Antônio da Silva; TASSONI, Elvira Cristina Martins. A afetividade em sala de aula: condições do ensino e a mediação do professor. In: AZZI, Roberta Gurgel; SADALLA, Ana Maria Falcão de Aragão (Orgs.). Psicologia e formação docente: desafios e conversas. V.1. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002, p. 113-142.; SANTOS et al., 2022SANTANA, Thiago Pires. Prática pedagógica tradicional e inovadora. Revista Espaço Acadêmico, v. 19, n. 216, p. 55-62, 4 jul. 2019. < https://ojs.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/46598> Acesso em: 31/08/2021.
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).

Nessa amostra pesquisada, grande parte dos docentes apontou esse distanciamento entre pais e escola. Por isso, os professores (muitas vezes) têm trabalhado sem amparo dos familiares, e para além destas dificuldades, ainda são cobrados pela educação familiar/integral destes alunos. Existe então, aumento da pressão ao professor para que os alunos sejam educados na integralidade, sem, entretanto, haver contrapartida dos pais em auxiliar nos processos formativos dos filhos. Se de fato houvesse o diálogo e cooperação mútua entre os pais dos alunos e a escola, certamente os estudantes já ingressariam nas salas de aula com condições de socialização, educação e respeito aos professores e a toda comunidade escolar. Essa cooperação poderia contribuir muito para a concretização de um processo ensino aprendizagem pontual para os estudantes. Sendo assim, todos esses desgastes relacionais também contribuem para deterioração da saúde do trabalhador da educação.

Conceito 5: Descompassos na prática docente

Neste tópico o conjunto de dados que emergiu das entrevistas dos professores direcionou a esta categoria conceitual que traz reflexões epistemológicas sobre a educação, a prática docente e o processo ensino aprendizagem.

No âmbito da intervenção desse profissional da educação, existe um campo fértil de reflexão que se revela quando nos debruçamos diretamente sobre sua ação concreta em sala de aula e as motivações que orientam tais ações. Segundo Cunha (2008CUNHA, Maria Isabel. O bom professor e a sua prática. V.20. Campinas: Papirus Editora, 2008.), uma visão simplista diria que a função do professor é ensinar e poderia reduzir este ato a uma perspectiva mecânica, descontextualizada. Entretanto, sabe-se que o professor não ensina no vazio, em situações hipoteticamente semelhantes. O ensino é sempre situado, com alunos reais em situações definidas. E nessa definição interferem os fatores internos da escola, assim como as questões sociais mais amplas que identificam uma cultura e um momento histórico-político (ARAÚJO, 2019ARAÚJO, Osmar Hélio Alves. Didática e a prática docente na escola básica em uma perspectiva crítica de educação. Germinal: marxismo e educação em debate, [S. l.], v. 11, n. 1, p. 277-287, 2019. < DOI: 10.9771/gmed.v11i1.28870>
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).

Atentar para essa relação do apontamento de caminhos pode ser uma atitude reveladora de práticas pedagógicas positivas e negativas, reflexo das condutas docentes e também das possibilidades estruturais e de financiamento da educação, oferecidas pelo estado. Na realidade concreta, as condutas docentes são traduzidas pela forma como o professor: organiza seu programa de ensino, elege seus conteúdos, desenvolve seus procedimentos didáticos, avalia a aprendizagem alcançada, relaciona-se com seu aluno, etc. É relevante destacar, que a prática docente está condicionada aos recursos didáticos e materiais disponíveis na escola, à estrutura física e instalações presentes na escola, à oferta de capacitação/atualização didático pedagógica aos professores e, sobretudo, ao conhecimento, criatividade e subjetividade de cada professor no contexto do planejamento e da aplicação prática na sala de aula (SANTANA, 2019RIBEIRO, Beatriz Maria dos Santos Santiago, et al. Associação entre a síndrome de burnout e a violência ocupacional em professores. Acta Paulista de Enfermagem, v. 35, eAPE01902, 2022. <http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2022AO01902>
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). A seguir estão as descrições de alguns discursos sobre a prática docente e seus impasses:

“Às vezes você poderia dar uma aula diferente para o aluno, você acaba desistindo, pois a escola pública não tem recursos, ou pela sala ser muito danada. Então eu vou restringindo, dentro da realidade da escola e da educação, neste país sem investimento. Estou perdendo as esperanças na educação.” (P1)

“A valorização da educação é muito pequena, se é que há. Nós que estamos na ponta do processo, a gente não percebe valorização não. A gente queria tanto ter coisas mínimas e básicas para ministrar uma boa aula, por exemplo sala de vídeo e um quadro que não usasse giz, uma estrutura física que pudesse atender bem os alunos e até nós mesmos.Mas a gente não tem uma sala de computador para acessar internet [...]. E não tem nada na escola, e isso acaba sobrecarregando você como professor, que você tem que rebolar para conseguir atingir o seu resultado do aprendizado, então acaba desgastando muito a gente enquanto, ferramenta da educação.” (P7)

Num primeiro momento, esses discursos destes professores chamam atenção para o exercício de desesperança e descrença sobre o processo educacional brasileiro na escola pública. Num direcionamento aos escritos de Freire (2002FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. V.25. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 1-59.), sobre o exercício da autonomia para os discentes, tão preconizada na prática pedagógica do professor (recheada de “futuro com esperança”, com possibilidades de “sonhar com a transformação da sociedade” através da “problematização do futuro”), o que se vê nesta realidade pesquisada é um exercício de desesperança, descrença e apatia em relação às práticas pedagógicas do corpo docente.

Como vivenciar uma prática pedagógica com educação para a autonomia do aluno, se as condições e meios para o processo de formação/educação são cada vez mais escassos? Como motivar um profissional, com identidade deturpada, e sem estímulos e contrapartidas no seu ambiente de trabalho e na sociedade? “Dizer que a educação vai suprimir todas as injustiças, opressões, e assim mudar completamente a sociedade suprimindo todas heteronomias, é ingenuidade, da mesma forma que dizer que a educação não pode realizar mudança alguma” (FREIRE, 2002FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. V.25. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 1-59.).

As práticas pedagógicas apresentam-se cada vez mais limitadas e limitantes, apesar de todo o esforço e subjetividade do professor da educação pública. E, por conseguinte, o que se tem percebido na atualidade é que os professores não têm recebido o mínimo de incentivo para acreditarem na educação brasileira e trabalharem com dignidade a prática pedagógica. Os governantes não têm destinado a merecida atenção às estruturas educacionais. Aspectos como: investimento em salários dignos para os professores, planos de carreira atualizados, formação de base e formação continuada para os docentes, infraestrutura e oferta de materiais/equipamentos para o bom funcionamento das escolas, etc., têm tornado as práticas pedagógicas inconsistentes e ineficazes, muitas vezes (PREVITALI, 2022PAULANI, Leda Maria. Uma ponte para o abismo. In: Por que gritamos golpe?V.1. São Paulo: Boitempo, 2016.).

Com essa realidade, os professores têm, mesmo sem querer, se apoiado no exercício da desesperança, e infelizmente, o abandono aos compromissos ético e ideológico para com a profissão torna-se frequente e comum, além do abandono da carreira docente. Esses fatos foram evidenciados por quase todos os professores entrevistados nessa pesquisa.

Conceito 6: Repercussões do trabalho na vida pessoal

Nesta seção, os dados analisados nesta pesquisa desvelaram algumas repercussões na vida pessoal dos professores causadas pelo trabalho docente, devido ao acúmulo de tarefas e funções. O excesso e a sobrecarga destinados aos professores da educação básica na atualidade vêm sendo uma realidade diária na vida do professorado.

O que percebemos é que este profissional passa a assumir várias funções e papéis na sua prática profissional, o que tem levado a se perder nos seus processos de formação identitária profissional. É notório que “há um autêntico processo histórico de aumento das exigências que se fazem ao professor, pedindo-lhe que assuma um número cada vez maior de responsabilidades” (ESTEVE, 1999ESTEVE, José M. Mudanças Sociais e Função Docente. In: NÓVOA, Antônio. (Org.). Profissão Professor. V.1. Portugal: Porto Editora, 1999.). Essa multifuncionalidade do docente (fruto das políticas de educação do estado brasileiro) tem impactado diretamente na responsabilização destes profissionais da educação pelo sucesso ou insucesso dos novos programas governamentais das escolas da educação básica. Assim, muitas vezes, esta cobrança por resultados, por parte dos governantes, tem se estendido e também impactado a saúde a as rotinas dos lares/famílias dos docentes (MORAIS; ABREU; ASSUNÇÃO, 2023MORAIS, Evelin Angelica Herculano de; ABREU, Mery Natali Silva; ASSUNÇÃO, Ada Ávila. Autoavaliação de saúde e fatores relacionados ao trabalho dos professores da educação básica no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, n. 1, p. 209-222, 2023< DOI: 10.1590/1413-81232023281.07022022>
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). Os discursos a seguir descrevem alguns sentimentos e acontecimentos em relação às repercussões da docência na vida pessoal de algumas professoras:

“A infância do meu filho eu não participei, por causa do meu trabalho na escola. Então ele cresceu e é uma pessoa de bem, graças a Deus. Mas essa culpa eu tenho comigo, de não ter participado da vida dele na infância. Porque eu trabalhava no meio rural, eu saia de casa de madrugada e chegava em casa à noite. Praticamente não convivi com meu filho. Quem tomava conta dele era a secretária. Hoje eu sinto que ele é um menino carente.” (P8)

“Nesse período, quando eu tinha marido, então eu tinha essa dificuldade. Eu chegava morta de cansada da escola, já ia preparar as coisas para a escola novamente, e ele ficava sem atenção. Tanto ele como meu filho ficavam sem atenção. E isso gerou estresse e acabamos separando por causa disso.” (P9)

“Eu não tinha muito tempo de fazer esporte. Pois trabalhar em dois cargos , cuidar de casa e fazer exercício é impossível para mim. Entao esse período que eu fiquei de licença eu aproveitei pra intensificar um pouco mais.” (P4)

Diante disso, esses discursos relatados por estas três professoras nos fazem refletir sobre os afazeres docentes e como as suas obrigações excederam as suas capacidades e o tempo de trabalho na escola, afetando as relações familiares e o tempo de lazer. As condições de trabalho desempenhadas pelos docentes mobilizam as suas capacidades físicas, cognitivas e afetivas para atingir os objetivos da produção escolar. Essas condições, cada vez mais degradantes, podem gerar sobre esforço de suas funções psicofisiológicas e impactar as relações sociais e familiares de forma avassaladora (GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005GASPARINI, Sandra Maria; BARRETO, Sandhi Maria; ASSUNÇÃO, Ada Ávila. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa, v. 31, n. 2, p. 189-199, 2005. <https://doi.org/10.1590/S1517-97022005000200003>
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; ASSUNÇÃO; ABREU, 2019ASSUNÇÃO, Ada Ávila. ABREU, Mery Natali Silva. Pressão laboral, saúde e condições de trabalho dos professores da Educação Básica no Brasil. Cad. Saúde Pública, v. 35, 2019. <https:// doi: 10.1590/0102-311X00169517>
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).

Sem o ajuste equalizado da quantidade de tarefas nas escolas, as mais recentes demandas resultam numa intensificação do trabalho docente, com muito trabalho extraclasse, já que cada vez mais os professores têm que responder às múltiplas tarefas num menor tempo possível, podendo gerar impactos na vida pessoal. Neste contexto, a P8 aponta que pelo excesso de trabalho sente se culpada por não ter vivenciado a infância do seu filho. Já P9 afirma que se divorciou do esposo por conta da sobrecarga de trabalho escolar; e a P4 diz não conseguir conciliar a prática de esporte/lazer com a docência e os trabalhos domésticos.

Os professores são submetidos às situações adversas cotidianamente e estas vivências podem ser consideradas fontes de prazer e ou sofrimento. Os dados desta pesquisa enfatizam que o sofrimento pelo excesso de trabalho docente tem sido maior nessa realidade analisada, com grandes repercussões na vida pessoal dos professores. Os trabalhos extraclasse dos professores têm adentrado às residências desses profissionais e, em muitos casos, retirado deles o tempo para o autocuidado em saúde (alimentação adequada e equilibrada, tempo para a prática de exercícios e para o lazer, tempo de sono suficiente para o descanso, etc.). Além disso, o tempo para o cuidado e afetividade com os familiares e amigos também tem se tornado cada vez mais reduzido. A resposta a esses fatores tem sido o estresse, e com muita frequência a perda de interesse pelo trabalho, o adoecimento e em muitos casos o abandono da profissão. (TIMM; MOSQUERA; STOBÄUS, 2015TIMM, Edgar Zanini; MOSQUERA, Juan José Mouriño; STOBÄUS, Claus Dieter. O mal-estar na docência em tempos líquidos de modernidade. Revista Mal-Estar e Subjetividade, v. 10, n. 3, p. 865-885, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/271/27117236008.pdf >. Acesso em: 31/08/2021.
https://www.redalyc.org/pdf/271/27117236...
; FERREIRA, 2019FERREIRA, Denize Cristina Kaminski. A reestruturação produtiva e a contratação temporária de docentes das redes públicas no Brasil. Revista Labor, v. 1, n. 22, p. 44-64, 2019. <https://doi.org/10.29148/labor.v1i22.42447>
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)

Conceito 7: Efeitos do processo de trabalho na história de vida: o adoecimento do professor

Os conceitos elencados e discutidos até agora refletem, de certa forma, na alteração da saúde mental e física dos docentes desse estudo, com repercussões no cotidiano da vida dos professores.

A hipersolicitação do corpo, e os desgastes frequentes na prática docente são realidades presentes na vida diária do profissional da educação. Situações de sobreposição de tarefas podem explicar o cansaço físico, vocal e mental do docente. De modo geral, para responder às múltiplas demandas, os trabalhadores elaboram estratégias operatórias que resultam em hipersolicitação do corpo, que acaba resultando em adoecimentos. Essas atividades múltiplas, ocasionadas pelo excesso de trabalho, contribuem para o mal-estar docente, desencadeando problemas de saúde, tais como: dores no corpo, problemas osteomusculares, estresse, depressão, síndrome do pânico, problemas respiratórios, perda de voz, síndrome metabólica e diversos problemas psicossomáticos. (EUGÊNIO; SOUZAS; DI LAURO, 2017EUGÊNIO, Benedito G.; SOUZAS, Raquel; DI LAURO, Angela Dias. Trabalho e adoecimento do professor da educação básica no interior da Bahia. Laplage em revista, v. 3, n. 2, p. 179-194, 2017. https://doi.org/10.24115/S2446-6220201732325p.179-194>
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). A seguir alguns professores relatam repercussões na saúde decorrente do trabalho docente:

“Então a indisciplina dos alunos é desgastante. E você não pode reagir como você queria e você tem que sufocar sentimentos e contornar aquele problema, e isso vai gerando uma gama de emoções que precisa ser liberada. Com isso você vai para sua casa e não tem tempo de liberar, e chega estressado em casa com esse problema e, além disso, em casa encontra outros problemas que você tem que lidar . E isso só vai aumentando e virando uma bola de neve; é o risco de você virar uma bomba-relógio, existe entre os meus colegas processo mais avançado de depressão e síndrome do pânico.” (P7)

“Então quando chegava na terça-feira a tarde, na véspera das aulas nas turmas complicadas da quarta, eu já começava a sentir taquicardia, a cabeça doía, dava ânsia de vômito. Eu fui percebendo que aquilo ali era ansiedade. Então, toda quarta-feira eu não estava bem. Ai eu procurei o médico, que confirmou que era ansiedade e passou a medicação. Eu tomei a medicação durante dois anos.” (P1)

“Então eu tinha que escrever tanto no quadro que eu comecei a sentir muita dor no ombro e não havia outro recurso. É um lugar distante, eu tinha que trabalhar e eu acabei escrevendo com a mão esquerda para poupar o lado direito. Então, comecei a desenvolver uma bursite, que era muito dolorido, foi terrível. Mas assim, por causa do trabalho você não pensa muito, você não consegue se proteger e tem que cumprir seu papel. Porque afinal você está ali para isso, para cumprir uma carga horária, e cumprir aquilo que é demandado, mesmo sentindo dor.” (P9)

“Eu fiquei 7 anos praticamente morando numa escola. Eu entrava 7 horas da manhã e saía 9 horas da noite. Sem sair para almoçar. Por conta disso, apareceram alguns sintomas. Quando eu saí desta escola , eu tive o meu primeiro sintoma de uma doença chamada retocolite ulcerativa. Eu fiquei um mês afastada da escola. Eu nem sabia que doença era. Eu comecei com um sangramento e uma disenteria muito grande. E sangramento, sangramento, sangramento. Aí eu procurei o médico. Fiz os exames e eu estava com esse problema. E de lá pra cá eu venho tratando. Eu tinha uma enxaqueca muito intensa. Aquela enxaqueca mesmo, de ter que ficar no quarto escuro, vomitando, tudo emocional por conta de trabalho.” (P5)

As falas dos P7 e do P1 evidenciam adoecimentos dos professores em relação à saúde mental. O termo “bomba relógio”, utilizado pelo P7 pode denotar , em grande parte, a atual situação dos professores da educação básica das escolas públicas na atualidade. Esses trabalhadores estão prestes a “explodir” por conta das condições de trabalho ruins e impactos severos na saúde. Muitas das vezes atuando em turmas muito cheias , com alunos indisciplinados, com falta de recursos e apoios didático pedagógicos os professores têm sofrido abalos na saúde mental (MOURA, 2019MOURA, Juliana da Silva et al. A precarização do trabalho docente e o adoecimento mental no contexto neoliberal. Revista Profissão Docente, v. 19, n. 40, p. 01-17, 2019. <http://dx.doi.org/10.31496/rpd.v19i40.1242>
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). Em muitos casos de problemas de saúde mental, o uso de medicamentos parece ser a saída mais indicada, como afirma a P1 (mais uma vez, remedia se a situação das péssimas condições de trabalho dos docentes).

Dentro desse contexto, o estresse crônico típico do cotidiano do trabalho docente, principalmente quando neste existem excessiva pressão, conflitos, poucas recompensas emocionais e reconhecimento, é designado Burnout. Esta síndrome tem sido considerada um problema social de grande relevância, pois se associa a vários tipos de disfunções pessoais, como o surgimento de graves problemas psicológicos e físicos, e pode levar o trabalhador à incapacidade total para o trabalho. Dentro dessa perspectiva, percebe se que cada vez mais o trabalho do professor da educação básica tem gerado problemas psicológicos e adoecimento físico. Os componentes principais da síndrome de burnout estão relacionados a três componentes descritos a seguir: a exaustão emocional, a despersonalização e a redução da realização profissional. (GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005GASPARINI, Sandra Maria; BARRETO, Sandhi Maria; ASSUNÇÃO, Ada Ávila. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa, v. 31, n. 2, p. 189-199, 2005. <https://doi.org/10.1590/S1517-97022005000200003>
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; DIEHL; CARLOTTO, 2015DIEHL, Liciane; CARLOTTO, Mary Sandra. Síndrome de Burnout: indicadores para a construção de um diagnóstico. Psicologia clínica, v. 27, n. 2, p. 161-179, 2015. Disponível em:<Disponível em:https://www.redalyc.org/pdf/2910/291044011009.pdf >. Acesso em:31/08/2021.
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; RIBEIRO et al., 2022PREVITALI, Fabiane. Santana. (Org.). Trabalho e educação na reestruturação produtiva do capital. Uberlândia: Navegando Publicações, 2022.).

As falas de P9 e P5 dizem respeito aos adoecimentos físicos, com influência das condições de trabalho. A P9 descreve um quadro clínico de bursite no ombro pelo excesso de escrita no quadro durante as aulas, e ainda relata trabalhar sentido dor para cumprir as tarefas cotidianas da sala de aula. Já P5 descreve um quadro clínico de úlcera, devido às alterações no horário da refeição (almoço) durante sete anos, que a afastou do trabalho e trouxe alguns transtornos.

Em relação à bursite (inflamação da Bursa do ombro) destacada pela P9, podemos perceber que tal adoecimento pode se relacionar com os fatores biomecânicos, organizacionais e psicossociais do trabalho docente nas escolas públicas. Os fatores biomecânicos da profissão docente estão relacionados com a atividade repetitiva e excessiva, a força muscular excessiva na realização de algumas tarefas, permanência numa mesma postura durante um período prolongado, posturas incorretas ao longo do dia de trabalho, condicionamento físico escasso, entre outros. Os fatores organizacionais estão relacionados à organização de trabalho do professor, e relacionam se com a repetitividade das atividades, com a ausência de rodízios e pausas durante a jornada diária de trabalho, com o posto de trabalho inadequado, ritmo acelerado, jornadas de trabalho prolongadas e duplas, dentre outros. Os fatores psicossociais estão relacionados à ansiedade, depressão, e principalmente ao estresse ocupacional, em professores. Além destes fatores, existe também a possibilidade de predisposição genética para o desenvolvimento de alguma lesão osteomuscular, que pode adiantar e acelerar o processo degenerativo destas lesões (FERNANDES; ALMEIDA, 2021FERNANDES, Geyse Chrystine Pereira Souza; ALMEIDA, Rogério José de. Correlação entre sintomas ostesmusculares e qualidade de vida de professores do ensino fundamental. Revista Labor, v. 1, n. 25, p. 274-296, 2021. <https://doi.org/10.29148/labor.v1i25.60024>
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).

O que chama atenção na fala da P5 diz respeito ao afastamento do trabalho por conta do adoecimento (ulceração). Sendo assim, as queixas/licenças médicas dessa classe de professores vêm demonstrando que a educação está tomando caminhos diferentes e tortuosos. Os professores vivenciam acréscimos nas demandas de trabalho, com jornada exaustiva (em alguns casos, jornada dupla), e os resultados incidem na saúde e na vida cotidiana dos docentes. Assim muitos docentes apresentam alterações nas dinâmicas de vida, e em casos mais graves afastamentos temporários e/ou definitivos do trabalho por adoecimentos. Ora, o trabalho que deveria prover esperança e prosperidade na vida do trabalhador da educação, tem exercido papel oposto, com foco na desesperança e desajustes na vida do professor. O discurso da P10 demonstra os impactos do trabalho docente na sua rotina de vida:

“Porque estou chegando em casa não tendo mais paciência de ficar dando atenção e dialogando com minha filha e meu marido, porque eu já tive um dia excessivo de informações, principalmente, a tarde. Eu trabalho em escola de periferia, enfrento problemas de disciplina muito grave, e fora o pedagógico que tem que dá conta! E aí eu chego em casa cansada, e muito sem paciência, e ainda tendo que resolver coisas dos afazeres domésticos. Tem sido difícil para eu conciliar tudo.” (P10)

O trabalho na docência tem influenciado a rotina de vida do profissional, com repercussões na vida pessoal. A P10 descreve a sensação de falta de paciência para com o seu círculo familiar ao chegar em casa cansada por conta do trabalho. É muito grave perceber que as relações de trabalho vivenciadas por essa professora impactam negativamente em seu relacionamento com os familiares. O acúmulo de trabalho, docente e doméstico, podem contribuir para o adoecimento dessa professora.

Nesse cenário, a atividade laboral docente parece estar exacerbando o risco de diversos desfechos clínicos entre os profissionais da educação, indicando a necessidade de políticas relacionadas à atividade docente e hábitos saudáveis de vida. A cada dia que passa o professor tem sofrido mais impactos nas atividades de vida diária, já que a atividade docente tem sido cada vez mais sobrecarregada, estressora, com fortes tendências ao adoecimento do docente, com implicações físicas e psicológicas (MOTA JUNIOR et al., 2020MOTA JÚNIOR, Rômulo José et al. Síndrome Metabólica e sua associação com fatores de risco cardiovascular em professores. Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, v. 14. n. 86. p. 467-476, 2020. Disponível em:<Disponível em:http://www.rbone.com.br/index.php/rbone/article/view/1296 >. Acesso em: 31/08/2021.
http://www.rbone.com.br/index.php/rbone/...
). Na verdade, há a necessidade premente de políticas públicas que busquem a redução das desigualdades sociais brasileiras para que os processos educativos possam ser satisfatórios e inclusivos, principalmente no setor público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perspectiva da trajetória dos professores, atravessada por contingências extraídas dos discursos, elucida momentos e acontecimentos que fazem parte de processos que contribuem para o adoecimento desta classe trabalhadora analisada nesse estudo. Assim existe uma temporalidade proposta nos conceitos que foram gerados pelos dados, que norteou a condução desta pesquisa.

Todos esses conceitos convergiam para sobrecargas, tensões, impasses e repercussões nas dinâmicas de vida e de trabalho dos professores da educação básica. Consequentemente, do círculo proposto por estes conceitos emergiu o processo de adoecimento. Fato é que os discursos desses professores, participantes desta realidade pesquisada, refletiram angústia e frustração, já que são aqueles que apresentaram alguma doença proveniente das atividades laborativas referentes à docência.

Os professores relataram que o processo de precarização da educação, com severas restrições financeiras e organizacionais do estado, tem impactado negativamente nas condições de trabalho docente. Os discursos dos professores apontaram sensação de desmotivação e frustração com o trabalho, além da percepção de desvalorização social da carreira docente. Esses sentimentos representam a sensação de mal-estar docente.

Nessa realidade pesquisada, os dados que emergiram das narrativas docentes apontaram para os enfretamentos de conflitos cotidianos junto à comunidade escolar, que evidenciam o manejo e condução de diversos problemas relacionados ao corpo discente e aos seus familiares. Muitas dessas tensões extrapolam a indisciplina dos alunos e alcançam os problemas sociais (violência, drogas, etc.) recorrentes em muitas comunidades do Brasil. Sendo assim, muitas tensões são geradas e mais uma vez, a absorção destes problemas incidem sobre o professor.

Os descompassos na prática docente também surgiram através dos dados analisados. Muitos docentes que se preocupavam com o planejamento das aulas, com o processo ensino aprendizagem e com os métodos de aulas, se esbarravam numa estrutura escolar arcaica e sem recursos. É fato que as subjetividades do professor podem ser definidoras de práticas pedagógicas positivas ou negativas, mas é sensato analisar que, por mais que a intenção do planejamento das aulas seja coerente e preciso, não há como aplica-lo numa escola sucateada.

E nesse ambiente de frustrações, desilusões, angústia e desencantamento, os professores ainda vivenciam o excesso de atividades docentes que impactam negativamente a vida pessoal/familiar. Esse impacto inviabiliza o autocuidado dos professores, e também a convivência com os familiares no tempo de lazer. Todos esses conceitos cíclicos, que se materializam na rotina de vida dos professores, se acumulam e trazem à tona o adoecimento do professor.

Ora, o trabalho que dá sentido à vida e que contribui para o empoderamento dos sujeitos-trabalhadores, se torna então um pesar para os trabalhadores da educação. Os discursos dos professores entrevistados apontam para graves repercussões na saúde, no bem-estar e na qualidade de vida destes profissionais da educação.

À vista disso, esta pesquisa conclui que, nessa realidade pesquisada, todo o processo de precarização do estado, orientado pelas políticas neoliberais, tem alterado as condições de trabalho, e aumentado a dimensão do mal-estar docente. O professor tem se deparado cotidianamente com conflitos e tensões no contexto escolar, com impactos negativos na sua vida. Esses fatos têm resultado, na maioria das vezes, em processos de adoecimento físico e ou mental desta classe trabalhadora. Através desta realidade social e política, o que se percebe é a falta de políticas públicas de promoção de saúde dos professores e de investimento em educação.

É importante destacar que como todo método de pesquisa, há limitações metodológicas nesta investigação. Este estudo teve como objetivo obter uma compreensão mais aprofundada sobre: Processo de adoecimento de professores da educação básica: processos/causas multifatoriais, implícitas aí a subjetividade de cada professor/professora e da forma como este processo impacta a vida de cada entrevistado numa realidade específica. Contudo, é possível se deparar com processos de adoecimentos físicos e mentais, através das vivências e condições de trabalho, de docentes de escolas públicas em outros contextos e realidades (escolas públicas de outras regiões do Brasil, por exemplo e/ou até mesmo escolas particulares). Esses processos, em outras realidades, podem apresentar semelhanças ou pontos de divergência em relação ao que foi constatado nesta pesquisa.

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  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2021
  • Aceito
    03 Maio 2023
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