Resumos
RACIONAL: Expressivo contingente de pacientes esquistossomóticos com a forma hepatoesplênica e hipertensão portal apresentam hemorragia causada pela ruptura de varizes esofagogástricas, principal causa de alta morbidade e mortalidade da doença. OBJETIVO: Investigar os efeitos da esplenectomia e ligadura da veia gástrica esquerda sobre fatores de risco de sangramento por varizes esofagogástricas em portadores de esquistossomose mansônica, forma hepatoesplênica, com antecedente de hemorragia digestiva alta. MÉTODO: Estudaram-se, de forma prospectiva, 34 pacientes, com idade entre 1 e 74 anos (média 44,14), sendo 18 (53%) mulheres. Analisaram-se: 1) pressão das varizes do esôfago, aferida pela técnica endoscópica do balão pneumático; 2) tamanho, local, cor e sinais de cor vermelha nas varizes do esôfago; 3) varizes gástricas e gastropatia da hipertensão portal. Realizaram-se avaliações no pré-operatório, no pós-operatório imediato e no sexto mês após a ligadura da veia gástrica esquerda. RESULTADOS: A pressão das varizes do esôfago diminuiu de 22,3+/-2,6 mmHg, antes da operação, para 16,0+/-3,0 mmHg no pós-operatório imediato (p<0,001), caindo para 13,3+/-2,6 mmHg no pós-operatório do sexto mês (p<0,001). A proporção de varizes de grosso calibre, varizes no esôfago superior, varizes de cor azul, varizes com sinais de cor vermelha e de gastropatia da hipertensão portal decresceu de forma significante apenas no sexto mês de pós-operatório. CONCLUSÃO: A ligadura da veia gástrica esquerda, em esquistossomóticos hepatoesplênicos, com antecedente de hemorragia digestiva alta, revelou-se eficaz em diminuir alguns dos principais fatores de risco de hemorragia por varizes esofagogástricas, indicando boa perspectiva no controle definitivo do sangramento.
Hipertensão portal; Esquistossomose mansônica; Esplenectomia; Varizes esofágicas e gástricas
BACKGROUND: A significant number of patients with schistosomiasis develop the hepatosplenic form, with portal hypertension, in which bleeding caused by rupture of esophagogastric varices emerged as the leading cause of morbidity and mortality. AIM: To investigate the effects of splenectomy and ligature of the left gastric vein on risk factors for bleeding of esophagogastric varices in patients with schistosomiasis mansoni, hepatosplenic form, with a history of upper gastrointestinal bleeding. METHODS: The main risk factors of bleeding from esophagogastric varices were studied in 34 patients. The following parameters were investigated: 1) esophageal variceal pressure, measured by the endoscopic pneumatic balloon technique; 2) size, fundamental color, extension and red signs of esophageal varices, gastric varices and gastropathy of portal hypertension. The evaluations were performed in the preoperative period, immediate postoperative period (between the sixth and eighth postoperative days) and the sixth month of follow-up. RESULTS: The variceal pressure has fallen from 22.3+/-2.6 mmHg before surgery to 16.0+/-3.0 mmHg in the immediate postoperative period (p<0.001), reaching 13.3+/- 2.6 mmHg in the sixth month of follow-up. A significant reduction of the frequency of the parameters associated with a greater risk of hemorrhage was observed between the preoperative period and six-month follow-up, when the proportion of large esophageal varices (p<0.05), varices extending to the upper esophagus (p<0.05), bluish varices (p<0.01), varices with red signs (p<0.01) and gastropathy (p<0.05) decreased. CONCLUSION: In patients with hepatosplenic schistosomiasis with a previous history of variceal hemorrhage, splenectomy and gastric vein ligation was effective in reducing the main hemorrhagic risk factors until the sixth month of follow-up, indicating a good way to control the bleeding episodes.
Hypertension, portal; Schistosomiasis mansoni. Splenectomy; Esophageal and gastric varices
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ARTIGO ORIGINAL
Esplenectomia e ligadura da veia gástrica esquerda na esquistossomose mansônica: efeitos sobre pressão das varizes do esôfago e indicadores endoscópicos de risco de sangramento por varizes esofagogástricas
João Evangelista-NetoI; Fernanda Fernandez PereiraI; Suênia Tavares FrançaII; Fernando José AmaralI; Carlos Teixeira BrandtII; Olival Cirilo Lucena da Fonseca-NetoI, II ; Cláudio Moura LacerdaI, II
IServiço de Cirurgia Geral e Transplante Hepático do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco
IIPrograma de Pós-Graduação em Cirurgia do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
Correspondência Correspondência: Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto e-mail: olivalneto@globo.com
RESUMO
RACIONAL: Expressivo contingente de pacientes esquistossomóticos com a forma hepatoesplênica e hipertensão portal apresentam hemorragia causada pela ruptura de varizes esofagogástricas, principal causa de alta morbidade e mortalidade da doença.
OBJETIVO: Investigar os efeitos da esplenectomia e ligadura da veia gástrica esquerda sobre fatores de risco de sangramento por varizes esofagogástricas em portadores de esquistossomose mansônica, forma hepatoesplênica, com antecedente de hemorragia digestiva alta.
MÉTODO: Estudaram-se, de forma prospectiva, 34 pacientes, com idade entre 1 e 74 anos (média 44,14), sendo 18 (53%) mulheres. Analisaram-se: 1) pressão das varizes do esôfago, aferida pela técnica endoscópica do balão pneumático; 2) tamanho, local, cor e sinais de cor vermelha nas varizes do esôfago; 3) varizes gástricas e gastropatia da hipertensão portal. Realizaram-se avaliações no pré-operatório, no pós-operatório imediato e no sexto mês após a ligadura da veia gástrica esquerda.
RESULTADOS: A pressão das varizes do esôfago diminuiu de 22,3+/-2,6 mmHg, antes da operação, para 16,0+/-3,0 mmHg no pós-operatório imediato (p<0,001), caindo para 13,3+/-2,6 mmHg no pós-operatório do sexto mês (p<0,001). A proporção de varizes de grosso calibre, varizes no esôfago superior, varizes de cor azul, varizes com sinais de cor vermelha e de gastropatia da hipertensão portal decresceu de forma significante apenas no sexto mês de pós-operatório.
CONCLUSÃO: A ligadura da veia gástrica esquerda, em esquistossomóticos hepatoesplênicos, com antecedente de hemorragia digestiva alta, revelou-se eficaz em diminuir alguns dos principais fatores de risco de hemorragia por varizes esofagogástricas, indicando boa perspectiva no controle definitivo do sangramento.
Descritores: Hipertensão portal. Esquistossomose mansônica. Esplenectomia. Varizes esofágicas e gástricas.
INTRODUÇÃO
A esquistossomose mansônica acomete, no mundo, cerca de 200 milhões de indivíduos, ocorrendo de forma endêmica em 52 países e territórios, distribuídos pela América do Sul, Caribe, África e Leste do Mediterrâneo, onde expõe 600 milhões de pessoas ao risco de contágio. No Brasil, estima-se a existência de oito milhões de portadores da enfermidade, representando grave problema de saúde pública7.
Um expressivo contingente de pacientes desenvolve a forma hepatoesplênica, com hipertensão portal, na qual a hemorragia causada pela ruptura de varizes esofagogástricas desponta como a principal causa da alta morbidade e mortalidade da doença7,15,19. Entre as opções para controlar a hemorragia digestiva alta, emprega-se, em geral, o tratamento cirúrgico. Todavia, a escolha do tipo de operação ainda desperta controvérsia, uma vez que nenhuma intervenção mostrou-se plenamente eficaz e isenta de efeitos adversos.
Na hipertensão portal esquistossomótica os efeitos deletérios, relacionados com o desvio do sangue portal do fígado, descredenciaram as operações descompressivas não-seletivas, não obstante sua eficácia no controle dos episódios hemorrágicos30. Até mesmo a anastomose esplenorrenal distal40 desenvolvida para descomprimir apenas o território esofagogástrico (local das hemorragias), sem desviar o sangue mesentérico do fígado, revelou-se incapaz de preservar a função hepática em esquistossomóticos. Apesar dos resultados iniciais animadores1,29, as avaliações tardias evidenciaram índices significativos de encefalopatia, arrefecendo o entusiasmo dos adeptos da descompressão portal seletiva na esquistossomose31.
Por outro lado, a indicação da desconexão ázigo-portal associada à esplenectomia, na esquistossomose hepatoesplênica, fortaleceu-se, após a divulgação dos resultados do estudo prospectivo randomizado, realizado pelo grupo de Raia, em São Paulo. Ao término de 85 meses de acompanhamento, a desconexão ázigo-portal associada à esplenectomia, que foi comparada com a anastomose esplenorrenal e a descompressão portal seletiva, mostrou-se superior, pois determinou menor mortalidade tardia, ausência de encefalopatia e índice de recidiva hemorrágica similar ao registrado nas outras intervenções31,36.
Esses resultados confirmaram as idéias de Kelner15,16,17,20 que, desde a década de 50, defendeu, em Pernambuco, a esplenectomia associada à ligadura das varizes do esôfago em esquistossomóticos. Essa operação tinha como principais bases fisiológicas a redução da pressão portal, promovida pela remoção do baço, e a obliteração das varizes, na denominada "zona vulnerável" no esôfago inferior18. A análise da experiência de 25 anos com a ligadura das varizes do esôfago revelou baixa mortalidade operatória, ausência de encefalopatia e percentual de recidiva hemorrágica aceitável (13,4%)21. Todavia, a mortalidade tardia atingiu o índice elevado de 34,1%, por motivos não muito bem definidos.
Impulsionada por seus resultados favoráveis, a ligadura das varizes do esôfago predominou, na região Nordeste do Brasil, como a operação de eleição no tratamento da hipertensão portal esquistossomótica com passado de hemorragia digestiva alta até o início dos anos 90, quando foi modificada. Após estudo angiográfico e pressórico, Lacerda23 relatou casos em que essa intervenção determinou desvio do sangue portal, através da veia gástrica esquerda, em direção ao sistema ázigos, causando empobrecimento do fluxo portal ao fígado, aumento acentuado da arterialização hepática e elevação da pressão sinusoidal. Assim, seria previsível evolução desfavorável nesses pacientes, com progressiva atrofia e deterioração da função hepática, configurando padrão hemodinâmico e funcional análogo ao das derivações portossistêmicas não-seletivas.
Para evitar tal sequência de eventos, preconizou-se a ligadura da veia gástrica esquerda em sua origem. Tal procedimento teria dupla finalidade: manter o fluxo sanguíneo portal hepatopetal, preservando a função hepática e, ao mesmo tempo contribuir, com a esplenectomia, para reduzir o regime de hipertensão portal e, consequentemente, a pressão nas varizes do esôfago. Diante dessa perspectiva, Lacerda23 propôs a esplenectomia e a ligadura da veia gástrica esquerda. A ligadura das varizes do esôfago, como na ligadura das varizes do esôfago, poderia ser substituída, com vantagens, pela escleroterapia endoscópica, método que se firmou pela sua segurança e eficácia no tratamento das varizes esofagogástricas em esquistossomóticos, quando associado à cirurgia7,32.
Um dos avanços na abordagem da hipertensão portal foi o desenvolvimento de parâmetros objetivos com capacidade de identificar a possibilidade da ocorrência de futuros episódios hemorrágicos. Nesse sentido, destaca-se a pressão das varizes do esôfago, aferida por via endoscópica10, parâmetro que melhor se correlaciona com o risco de hemorragia por varizes esofagogástricas9,11,35. De fato, a pressão das varizes do esôfago mostrou boa correlação com a pressão portal, tendo a vantagem de ser aferida mediante técnica menos invasiva e permitir a avaliação do estado hemodinâmico no sítio do sangramento, conferindo maior sensibilidade4,8,13,25.
O acesso ao risco de sangramento também inclui a avaliação de indicadores endoscópicos. Alguns critérios, conhecidos há bastante tempo, como o tamanho das varizes, foram associados com outros achados e padronizados em classificações endoscópicas, que também mostraram valor preditivo de hemorragia14,27,39.
Como a avaliação do controle da hemorragia digestiva alta pós-tratamento, em portadores de hipertensão portal, requer tempo prolongado de acompanhamento, interessa analisar o comportamento dos fatores preditivos de sangramento, visando identificar com antecedência pacientes com maior risco de recidiva hemorrágica, após a ligadura da veia gástrica esquerda. Essa informação além de avaliar a eficácia da operação, também seria importante, como critério para definir a indicação de tratamento endoscópico complementar no pós-operatório, antes da ocorrência de novos episódios de hemorragia.
Por isso, o presente estudo tem como objetivo investigar em portadores de esquistossomose mansônica na forma hepatoesplênica e com antecedente de hemorragia digestiva alta, os efeitos da ligadura da veia gástrica esquerda no curto e médio prazos sobre os principais fatores de risco de sangramento por varizes esofagogástricas.
MÉTODO
Foram estudados 34 pacientes com diagnóstico de esquistossomose mansônica, na forma hepatoesplênica e com antecedente de hemorragia digestiva alta, internados para tratamento cirúrgico eletivo no Serviço de Cirurgia Geral e Transplante Hepático do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco, Recife, PE, Brasil. Todos foram tratados, antes da intervenção cirúrgica com oxamniquine na dose de 15 mg/kg administrado por via oral.
O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Conselho de Ética Médica da instituição. Todos os participantes autorizaram sua inclusão na pesquisa e assinaram o termo de consentimento informado.
Realizou-se estudo prospectivo no qual foram comparados, antes e depois da ligadura da veia gástrica esquerda, os seguintes indicadores: pressão das varizes do esôfago; calibre das varizes; extensão das varizes; cor das varizes; sinais de cor vermelha nas varizes; varizes gástricas e gastropatia da hipertensão portal. As avaliações foram efetuadas no pré-operatório (T0): na semana que antecedeu a operação; no pós-operatório imediato (T1) entre o sexto e o oitavo dia, após a operação; no pós-operatório de médio prazo (T2) seis meses após a operação.
Os critérios de inclusão foram: idade superior a 18 anos; história prévia de hematêmese ou melena, presumivelmente pela ruptura de varizes do esôfago, há mais de cinco dias; ausência de ascite, sinais de insuficiência hepática e de encefalopatia portossistêmica; hematócrito acima de 22%; endoscopia digestiva alta, mostrando varizes do esôfago; ultrassonografia abdominal com sinais sugestivos de esquistossomose hepatoesplênica; fibrose de Symmers na histologia hepática obtida por biópsia durante a operação.
Os critérios de exclusão foram: antecedente de tratamento cirúrgico e/ou endoscópico das varizes do esôfago; vigência de tratamento clínico da hipertensão portal; alcoolismo crônico; trombose no sistema porta, detectada pela ultrassonografia-Doppler e/ou pela angiografia pré-operatória; cirrose hepática ou qualquer outra doença do fígado.
A idade dos pacientes variou de 19 a 74 anos (média de 44,1+/- 14,4). Eram 18 mulheres (53%) e 16 homens (47%). Todos tinham epidemiologia positiva para esquistossomose mansônica. O número de episódios de hemorragia digestiva alta variou de um a dez, com média de 2,9 episódios por paciente. Dezenove indivíduos (55,9%) receberam hemotransfusão, durante o episódio hemorrágico. Os pacientes tinham marcadores sorológicos para hepatite B (HbsAg) e hepatite C (anti-HVC) negativos.
As esofagogastroduodenoscopias foram realizadas pelo mesmo examinador no intuito de manter critério uniforme de avaliação. Os indicadores endoscópicos de risco de sangramento foram avaliados pela classificação da Sociedade Japonesa para a Pesquisa da Hipertensão Portal14. As varizes gástricas foram definidas, de acordo com Sarin e Kumar33. A gastropatia da hipertensão portal foi diagnosticada e classificada pelos critérios estabelecidos por McCormack et al.24.
A pressão das varizes do esôfago foi aferida pela técnica endoscópica do balão, descrita por Gertsch et al.12 utilizando-se unidade Esophageal Varix Manometer (modelo CH 6215 Treier Endoscopie AG, Beromünster, Suíça), balão pneumático (Treier Endoscopie AG, Beromünster, Suíça) e polígrafo (LKG -Suíça).
Após o término da esofagogastroduodenoscopia, administrou-se, via intravenosa, 20mg de n-butil-escopolamina, diluídos em 2ml de água destilada, para diminuir os movimentos peristálticos do esôfago. O endoscópio e o balão pneumático foram lubrificados com lidocaína gel a 10% e introduzidos no esôfago até chegar ao estômago. O balão foi parcialmente insuflado e tracionado de volta ao esôfago, a cerca de 3 cm acima da cárdia. Nessa ocasião, mediu-se o calibre da maior variz, tendo como referência as linhas longitudinais do balão. Em seguida, ele foi esvaziado totalmente e, logo após, insuflado progressivamente a uma velocidade de 2 ml/seg até observar-se, com nitidez o início do colabamento da parede da variz. Nesse exato instante, a pressão no interior do balão, em equilíbrio com a pressão no interior da variz, era transmitida ao manômetro e registrada pelo polígrafo em papel milimetrado na velocidade de 5 mm/seg.
Repetiu-se o procedimento pelo menos três vezes, com obtenção da pressão das varizes do esôfago calculando-se a média aritmética dos valores obtidos nessas curvas pressóricas. Considerou-se o registro da menor pressão para diminuir o efeito de variações pressóricas na luz do esôfago causado pelos movimentos respiratórios e peristaltismo esofágico.
Para a análise estatística empregou-se a variância com medidas repetidas para comparar as variáveis numéricas obtidas nos três períodos de avaliação. Quando se tratou de variáveis binárias, utilizou-se o teste de Cochran. Os testes de comparações múltiplas foram realizados pelo procedimento de Tukey ou de Dunn. Consideraram-se os testes significantes, quando o valor p era inferior a 5%.
RESULTADOS
Na cavidade abdominal encontraram-se sinais de hipertensão portal compatíveis com esquistossomose hepatoesplênica em todos os pacientes. O peso do baço in vitro variou de 200 g a 1.850 g (média 889+/-421 g). Identificou-se a veia gástrica esquerda em todos os casos, alcançando seu calibre a média de 7+/-4 mm (3 mm a 17mm).
O tempo médio da operação foi de 157 minutos (90 a 240 min). A intercorrência intra-operatória mais frequente foi o sangramento por lesão venosa do pedículo esplênico, que ocorreu em cinco pacientes, todos controlados sem dificuldades. Dez casos (29,4%) foram submetidos à hemotransfusão. Metade deles recebeu apenas concentrado de plaquetas para correção de importante plaquetopenia evidenciada no pré-operatório.
Não houve mortalidade operatória. Ocorreram complicações, no pós-operatório imediato em três casos (8,8%), sendo íleo paralítico resolvido com tratamento conservador; sangramento na ferida operatória controlado com sutura de vaso subcutâneo, coleção subfrênica esquerda e infecção respiratória tratadas com antibióticos. O tempo de permanência hospitalar foi em média de 11 dias (2 a 18).
Na avaliação do sexto mês de pós-operatório os pacientes encontravam-se em bom estado clínico. Nessa ocasião nenhum deles tinha ascite, sinais de insuficiência hepática ou episódios de hemorragia digestiva.
O resumo estatístico dos resultados das manometrias das varizes do esôfago consta na Tabela 1.
A análise da variância, com medidas repetidas constatou diferença significante entre as médias da pressão das varizes do esôfago ao longo das três ocasiões (p<0,001). A identificação dos momentos entre os quais a pressão das varizes do esôfago apresentou diferença significante foi realizada com o teste de comparações múltiplas de Tukey (Tabela 2). Essa análise constatou uma diminuição significante na pressão das varizes do esôfago entre os três momentos de avaliação (Figura 1).
Calibre e local das varizes do esôfago
A distribuição das frequências do calibre está registrada na Tabela 3. O resultado do teste de Friedman indicou diferença significante entre as distribuições das frequências dos calibres ao longo das três avaliações (p=0,001). O teste de comparações múltiplas de Dunn revelou diferença significante apenas entre as distribuições do pré-operatório e do pós-operatório de médio prazo (p<0,05), com destaque para o aumento percentual do calibre fino que passou de 6,7% para 26,7% e a redução do calibre grosso que diminuiu de 63,3% para 30,0%.
A distribuição das frequências dos locais das varizes encontra-se na Tabela 3. O teste de homogeneidade marginal mostrou diferença significante entre as distribuições dos locais das varizes apenas entre o pré-operatório e o pós-operatório de médio prazo (p = 0,048).
Cor fundamental e sinais de cor vermelha das varizes do esôfago
A distribuição das frequências das cores das varizes do esôfago consta na Tabela 4. O resultado do teste de Cochran evidenciou diferença significante entre as proporções das varizes de cor azul e de cor branca, ao longo das três ocasiões de avaliação (p<0,001). O teste de McNemar mostrou frequência de varizes de cor azul significantemente menor no pós-operatório de médio prazo, do que nos períodos pré-operatório (p=0,002) e pós-operatório imediato (p=0,003).
A distribuição das frequências de sinais de cor vermelha encontra-se registrada na Tabela 4. O resultado do teste de Cochran revelou diferença significante entre as proporções de varizes com sinais de cor vermelha, ao longo das três ocasiões de avaliação (p<0,001). O teste de McNemar evidenciou diferença significante apenas entre o pré-operatório e o pós-operatório de médio prazo (p<0,05).
Varizes gástricas e gastropatia da hipertensão portal
A distribuição das frequências de varizes gástricas é mostrada na Tabela 5. O teste de Cochran não evidenciou diferença significante entre as proporções de varizes gástricas, ao longo das três ocasiões de avaliação (p=0,495).
A distribuição das frequências de gastropatia da hipertensão portal encontra-se na Tabela 5. O teste de Cochran revelou diferenças significantes entre as proporções de gastropatia ao longo das ocasiões de avaliação (p=0,006). A comparação dos pares de ocasião, mediante o teste de McNemar, mostrou diferença significante apenas entre o pré-operatório e o pós-operatório de médio prazo (p<0,05).
DISCUSSÃO
Ao longo das últimas duas décadas, a medida endoscópica da pressão das varizes do esôfago mostrou-se eficiente na identificação de pacientes com maior risco de sangramento, o que permitiu a definição de critérios mais precisos para a prevenção primária de hemorragia digestiva alta, sobretudo em cirróticos. Além disso, revelou-se eficaz como meio de avaliação das diversas modalidades de tratamento. Nesse contexto, utilizou-se a manometria das varizes do esôfago, para investigar os efeitos da ligadura da veia gástrica esquerda sobre um dos principais fatores preditivos de hemorragia, na perspectiva de avaliar a eficácia da operação nos portadores de hipertensão portal esquistossomótica.
Na presente investigação, a avaliação pré-operatória revelou pressão média de 22,3+/-2,59 mmHg. Esses resultados indicam a existência de um regime pressórico elevado nas varizes de pacientes com esquistossomose hepatoesplênica e passado de hemorragia digestiva alta, reforçando a necessidade do tratamento cirúrgico, visando ao controle definitivo do sangramento.
Ao contrário da cirrose, a pressão das varizes do esôfago em esquistossomóticos tem sido objeto de poucas pesquisas8,11,23. Os resultados obtidos nas investigações estão próximos aos observados no presente estudo, o que confere confiabilidade à manometria das varizes do esôfago pelo método do balão.
Não obstante o registro de um nível pressórico mais elevado nas varizes, em portadores de hipertensão portal com passado de sangramento, ainda não se reconhece um valor de pressão das varizes do esôfago com capacidade de discriminar, de forma precisa, pacientes com um maior risco de hemorragia. Na hipertensão portal esquistossomótica, não se encontrou nenhuma investigação prospectiva para tal fim. Por isso, utiliza-se, como referência, o estudo de Freire11, com a técnica do balão, que comparou a pressão das varizes do esôfago de 63 pacientes com e sem hemorragia digestiva alta evidenciando pressão das varizes do esôfago significantemente maior no grupo com sangramento (21,7+/-3,0 versus 19,3+/-2,6 mmHg - p<0,05).
Pode-se admitir, assim, que na hipertensão portal esquistossomótica existe maior risco de sangramento quando a pressão das varizes do esôfago atinge valor igual ou superior a 20 mmHg. Considerando-se esse referencial, 85% dos pacientes deste estudo apresentavam nível pressórico acima.
O confronto do estado hemodinâmico das varizes com outros parâmetros preditivos de sangramento - como seus aspectos endoscópicos -, tem mostrado correlação entre eles. Confirmou-se tal fato no presente estudo, que encontrou pressão maior nas varizes de grosso calibre do que nas de calibre médio (23,6+/-1,9 versus 20,6+/-2,3 mmHg - p<0,001). Esse achado confirma a importância do tamanho das varizes como um dos critérios que mais se associa com o risco de hemorragia3,26,27,35.
No que se refere ao efeito da ligadura da veia gástrica esquerda sobre a pressão das varizes do esôfago, evidenciou-se no pré-operatório pressão média de 22,3+/-2,6 mmHg, que diminuiu para 16,0+/-2,9 mmHg no pós-operatório imediato (p<0,001). No pós-operatório de médio prazo (seis meses) a pressão das varizes do esôfago caiu ainda mais, atingindo o valor de 13,3+/- 2,6 mmHg, diferença também altamente significante (p<0,001).
A diminuição da pressão das varizes do esôfago, após a ligadura da veia gástrica esquerda, fundamenta-se em conceitos hemodinâmicos bem conhecidos. Invocando a lei de Ohm, que estabelece a pressão como produto do fluxo pela resistência, poder-se-ia atribuir a queda da pressão intravaricosa à redução do fluxo sanguíneo no território das varizes, após a operação. Para isso, contribuem a ligadura da veia gástrica esquerda, interrompendo uma das principais vias de aporte sanguíneo para a região das varizes, e a esplenectomia, ao diminuir a pressão portal6.
Na análise da pressão das varizes do esôfago, durante o pós-operatório mais tardio (seis meses), observou-se queda percentual média de 39,6%, em relação ao pré-operatório. Importa salientar que os níveis pressóricos nas varizes permaneceram abaixo de 20 mmHg em todos os casos. Com base nesses critérios, evidenciou-se boa resposta à operação pela ausência de recidiva hemorrágica nesse período.
A caracterização endoscópica das varizes do esôfago assume particular importância em virtude de refletir eventos hemodinâmicos e anatômicos locais, que participam da fisiopatologia do sangramento varicoso. No entanto, pelo fato de conter elemento de subjetividade, os critérios de avaliação têm-se modificado e aperfeiçoado27,39.
Nesse contexto, destaca-se a classificação proposta pela Sociedade Japonesa para a Pesquisa da Hipertensão Portal14, que padronizou quatro aspectos das varizes do esôfago (tamanho, cor fundamental, extensão e sinais de cor vermelha) e a presença de esofagite erosiva. Tais aspectos mostraram-se úteis na avaliação do risco de hemorragia, em portadores de hipertensão portal de diversas causas3,27,39.
O tamanho das varizes do esôfago é considerado o indicador endoscópico que mantém relação mais estreita com o risco de sangramento27,39. Este trabalho confirmou tal evidência, posto que, no pré-operatório, se observou predomínio das varizes de grosso calibre (F3) em 63,3% dos pacientes, enquanto as de fino (F1) e médio (F2) calibres corresponderam a 6,7% e 30% dos casos, respectivamente. O controle endoscópico das varizes do esôfago, após o tratamento cirúrgico na hipertensão portal tem sido utilizado para avaliar a eficácia da operação1,5,38. O desaparecimento ou a diminuição do tamanho das varizes são aceitos como critérios de sucesso terapêutico.
No presente estudo, a análise evolutiva do tamanho das varizes apresentou comportamento diferente, nos dois períodos estudados. As repercussões no pós-operatório imediato (uma semana após a operação), foram sutis e não apresentaram significância estatística. Em relação ao pré-operatório ocorreu leve aumento na proporção de varizes de fino calibre (de 6,7% para 20%) e discreta redução nos percentuais daquelas de grosso calibre (de 63,3% para 53,3%) e de médio calibre (de 30% para 23,3%). Além disso, as varizes permaneceram com calibre inalterado em 66,6%, diminuindo, porém, de tamanho em apenas 26,7% dos casos.
Já no pós-operatório de seis meses, constatou-se redução significativa na proporção de varizes de grosso calibre (de 63,3% no pré para 30% no pós). Também aumentaram significantemente os percentuais de varizes de fino calibre (6,7% para 26,7%) e de médio calibre (30% para 40%). Todavia, considerando-se o aspecto evolutivo do tamanho das varizes, observou-se desaparecimento em um caso (3,3%) e redução em 14 (46,7%), o que perfaz 50% da casuística.
Neste trabalho a ligadura da veia gástrica esquerda a médio prazo mostrou-se eficaz em reduzir o número de varizes com maior risco de sangramento, sobretudo representadas pelas de grosso calibre. Contudo, em termos de redução de tamanho os resultados poderiam ser motivo de preocupação, pois apenas metade dos pacientes teve desaparecimento ou diminuição de tamanho. Em contrapartida, a considerável queda da pressão das varizes do esôfago observada nessa ocasião, poderia neutralizar os efeitos do tamanho das varizes e, assim, diminuir o impacto sobre a tensão intravaricosa (considerada a principal responsável pela ruptura das varizes).
Nessa linha de pensamento, o risco de hemorragia permaneceria baixo após a ligadura da veia gástrica esquerda, inclusive nos portadores de varizes de grosso calibre ou naqueles em que as varizes não diminuíram de tamanho. Tal aspecto ressalta a importância da medida da pressão das varizes do esôfago e ao mesmo tempo suscita questionamento quanto à eficácia do controle endoscópico baseado apenas na dimensão das varizes na monitoração do risco de ressangramento.
Embora reconhecidos há 40 anos, os sinais de cor vermelha tornaram-se mais valorizados nas últimas duas décadas. Depois do tamanho das varizes, são considerados os indicadores que mais se correlacionam com o risco de sangramento3,22,27.
Os sinais de cor vermelha representam distorção anatômica da trama vascular, no território das varizes do esôfago, secundária à regime pressórico elevado, e podem assumir diversas configurações37. A evolução dos sinais de cor vermelha nas varizes, após a ligadura da veia gástrica esquerda, seguiu comportamento idêntico ao do tamanho das varizes. No pós-operatório imediato, diminuiu a proporção de pacientes com sinais de cor vermelha (de 78,6% para 57,1%, diferença estatisticamente não-significante). Já seis meses após a operação, apenas oito casos (28,6%) exibiram sinais de cor vermelha nas varizes do esôfago, com redução significante em relação ao pré-operatório (p<0,001). Esses resultados também podem ser atribuídos à modificação do estado hemodinâmico das varizes, que passou a apresentar regime pressórico bem menor após a operação.
No que se refere à localização, as varizes do esôfago podem-se projetar superiormente alcançando as regiões mais craniais do órgão. É possível que tal fenômeno ocorra por um mecanismo de acomodação a um maior fluxo sanguíneo resultando na formação de cordões varicosos de maior extensão. Na presente pesquisa, observou-se maior frequência de varizes com extensão até o esôfago superior (50%), tendo-se registrado varizes no terço médio em 46,4% e, no terço inferior, em 3,6% dos casos. Após a ligadura da veia gástrica esquerda, a proporção de varizes situadas até o terço superior do esôfago caiu para 39,3% no pós-operatório imediato, atingindo percentual de 28,6% no seguimento de seis meses. Este foi o único período em que se observou diferença com significância estatística em relação ao pré-operatório. Do mesmo modo, a proporção de varizes localizadas no terço inferior do esôfago aumentou de forma significante apenas no pós-operatório de médio prazo. Portanto, a operação mostrou eficiência em diminuir as varizes de maior extensão que são associadas com maior risco de hemorragia.
A cor fundamental das varizes, definida como branca ou azul pela JSRPH14, traduz o grau de congestão vascular nos blocos varicosos. Vale salientar que as varizes de cor azul são reconhecidas como um dos fatores independentes de risco de sangramento, ao lado dos sinais de cor vermelha. Nesta investigação, registrou-se elevada prevalência de varizes de cor azul (92,3%) antes da operação, evidenciando boa correlação entre esse indicador e a ocorrência de hemorragia digestiva alta, constatada em todos os casos. Ao contrário dos outros parâmetros endoscópicos, a proporção de varizes de cor azul diminuiu significantemente nos dois períodos após a operação (89,3%, no pós-operatório imediato e 50%, na avaliação do sexto mês). Em compensação, observou-se aumento no percentual das varizes de cor branca (10,7% e 50%).
A classificação da JSRPH14, adotada neste trabalho, também inclui a avaliação da esofagite erosiva, que não foi encontrada em nenhum caso durante a pesquisa. De certa forma, esse aspecto sugere a integridade nos mecanismos de contenção do refluxo gastroesofágico no paciente esquistossomótico e com antecedente de hemorragia digestiva alta. Além disso, enfraquece a teoria erosiva e fortalece a da explosão na fisiopatologia do sangramento pela ruptura das varizes do esôfago, na hipertensão portal, conforme observações de outros autores28.
No presente estudo, identificaram-se varizes gástricas em 53,3% dos casos no pré-operatório. Todas apresentavam continuidade com as varizes do esôfago e foram classificadas como varizes esofagogástricas tipo 133. Não foram vistas, portanto, varizes de fundo gástrico na presente casuística. Sob esse aspecto, os resultados divergem dos encontrados por outros autores, que relataram varizes de fundo gástrico com frequência de 33,3% a 55%, em esquistossomóticos com passado de hemorragia digestiva alta8,23.
Em contraste com os efeitos sobre os indicadores endoscópicos das varizes do esôfago, a ligadura da veia gástrica esquerda determinou apenas tênue repercussão sobre as varizes gástricas. A proporção dessas varizes diminuiu de 53,3%, no pré-operatório para 50% no pós-operatório imediato e chegando a 40%, no pós-operatório de seis meses. Não obstante a tendência de queda, nos valores percentuais, as diferenças não foram significantes.
A gastropatia da hipertensão portal tem sido associada ao maior risco de sangramento digestivo, tanto em cirróticos39 quanto em esquistossomóticos. Na presente casuística, encontrou-se gastropatia da hipertensão portal em 73,3% dos casos, sendo 53,3% na forma leve e 20% na intensa. Esses resultados aproximam-se dos observados em outros estudos2,8.
Convém ressaltar que a prevalência da gastropatia da hipertensão portal varia de acordo com os critérios de diagnóstico, dificultado pela coexistência de outras lesões da mucosa gástrica, particularmente comuns na hipertensão portal34. A frequência de gastropatia da hipertensão portal diminuiu, de forma gradual, após a ligadura da veia gástrica esquerda, tendo sido registrada discreta queda no pós-operatório imediato (66,7%) e redução mais acentuada na avaliação do sexto mês (43,5%), diferença estatisticamente significante em relação ao pré-operatório. A intensidade da gastropatia também diminuiu no pós-operatório de médio prazo.
Esse comportamento, também observado em outros indicadores endoscópicos, reflete a diminuição da congestão venosa no território esplâncnico, decorrente da redução da pressão portal pela esplenectomia. Adicionalmente, há de considerar-se o efeito da ligadura da veia gástrica esquerda, ao interromper parte do aporte sanguíneo para o estômago proximal, descomprimindo o território vascular dessa região.
CONCLUSÃO
Em portadores de esquistossomose mansônica na forma hepatoesplênica e com antecedentes de hemorragia digestiva alta, a ligadura da veia gástrica esquerda determinou redução significante da pressão das varizes do esôfago e dos indicadores endoscópicos de risco de sangramento, propiciando condições favoráveis para o controle da hemorragia causada por varizes esofagogástricas.
Fonte de financiamento: não há
Conflito de interesses: não há
Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral e Transplante Hepático do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco, e Programa de Pós-Graduação em Cirurgia do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Maio 2012 -
Data do Fascículo
Mar 2012