Open-access ALTERAÇÕES HISTOPATOLÓGICAS GÁSTRICAS E JEJUNAIS EM PACIENTES SUBMETIDOS À CIRURGIA BARIÁTRICA

RESUMO

Racional:   A obesidade mórbida é doença multifatorial cujo tratamento cirúrgico é cada vez mais indicado.

Objetivo:   Avaliar alterações histopatológicas gástricas em obesos e comparar com os submetidos à bypass gastrojejunal e a mucosa jejunal após a operação.

Método:  Estudo observacional realizado em hospital público terciário avaliando biópsias endoscópicas de 36 pacientes no pré-operatório e 35 no pós-operatório.

Resultados:  No pré-operatório 80,6% apresentaram gastrite crônica, 38,9% em atividade (77,1% e 20,1%, respectivamente, no pós-operatório). O grupo pós-operatório apresentou diminuição significativa na infecção por Helicobacter pylory (p=0,0001). Maior comprimento do coto gástrico e tempo de operação superior a dois anos associaram-se a infecção por Helicobacter pylori. A mucosa jejunal foi normal em 91,4% e apresentava leve inflamação crônica inespecífica em 8,6%.

Conclusão:  Houve diminuição da infecção por Helicobacter pylori após a operação. Maior comprimento do coto gástrico e do tempo de operação associaram-se à infecção por Helicobacter pylori. A mucosa jejunal foi considerada normal na maioria absoluta dos pacientes do grupo pós-operatório.

DESCRITORES: Obesidade; Cirurgia bariátrica; Histologia; Gastrite; Helicobacter pylori

ABSTRACT

Background:  Morbid obesity is a multifactorial disease that increasingly is being treated by surgery.

Aim:   To evaluate gastric histopathological changes in obese, and to compare with patients who underwent gastrojejunal bypass and the jejunal mucosa after the surgery.

Methods:  This is an observational study performed at a tertiary public hospital, evaluating endoscopic biopsies from 36 preoperative patients and 35 postoperative.

Results:  In the preoperative group, 80.6% had chronic gastritis, which was active in 38.9% (77.1% and 20.1%, respectively, in the postoperative). The postoperative group had a significant reduction in H. pylori infection (p=0.0001). A longer length of the gastric stump and a time since surgery of more than two years were associated with Helicobacter pylori infection. The jejunal mucosa was normal in 91.4% and showed slight nonspecific chronic inflammation in 8.6%.

Conclusion:  There was a reduction in the incidence of Helicobacter pylori infection in the postoperative group. A longer length of the gastric stump and longer time elapsed since surgery were associated with Helicobacter pylori infection. The jejunal mucosa was considered normal in an absolute majority of patients.

HEADINGS  Obesity; Bariatric Surgery; Histology; Gastritis; Helicobacter pylori

INTRODUÇÃO

A obesidade é doença crônica caracterizada principalmente pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo no organismo. Sua prevalência cresceu nas últimas décadas, principalmente nos países em desenvolvimento, e praticamente duplicou entre 1980 e 20146,10,28. Ela tem causa multifatorial e depende da interação entre fatores genéticos, metabólicos, sociais, comportamentais e culturais19. A obesidade requer múltipla abordagem para o tratamento, sendo a orientação dietética, a prática regular de atividade física e o uso de fármacos os principais pilares deste tratamento. Entretanto, o tratamento convencional para a obesidade mórbida produz resultados insatisfatórios, com cerca de 95% de recuperação do peso inicial em até dois anos e a indicação de cirurgia bariátrica vem se tornando mais frequente26. Os objetivos da cirurgia bariátrica, além da redução ponderal, são a redução das comorbidades e a melhora da qualidade de vida17.

Apesar do aumento crescente das operações bariátricas nos últimos anos, ainda existem poucos estudos sobre as alterações histológicas na mucosa gástrica dos obesos antes da operação e na mucosa do Y-de-Roux após1,22,24.

O objetivo deste estudo foi avaliar as alterações histopatológicas na mucosa gástrica de pacientes obesos que foram submetidos à cirurgia bariátrica e comparar com as alterações gástricas e jejunais encontradas em pacientes submetidos à cirurgia há pelo menos um ano.

MÉTODOS

Trata-se de estudo observacional aprovado pelo comitê de ética institucional e realizado em hospital público terciário no período de abril de 2014 a julho de 2015. Foram avaliados 36 pacientes no período pré-operatório de cirurgia bariátrica (grupo pré-operatório) e 35 submetidos à operação segundo a técnica de bypass gastroduodenal com reconstrução em Y-de-Roux há pelo menos um ano (grupo pós-operatório). Os pacientes que concordaram em participar assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os critérios de inclusão foram obesidade mórbida (IMC>40 kg/m2) e indicação de cirurgia bariátrica ou realização de bypass gastroduodenal com reconstrução em Y-de-Roux há pelo menos um ano. Os critérios de exclusão foram malformações ou operação prévia no trato gastrintestinal superior.

Informes clínicos e demográficos como gênero, presença de diabete melito, hipertensão arterial sistêmica, doença osteoarticular, depressão e índice de massa corporal (IMC) foram coletados durante entrevista antes da realização da endoscopia digestiva alta (EDA). Todos os pacientes foram submetidos à ela usando aparelho de videoendoscopia Olympus (GIF-Q150(r) e GIF-2T160(r)) com um processador Exera-CLV-160. Durante o exame foram colhidas biópsias do corpo gástrico no pré-operatório, no côto gástrico e na mucosa jejunal dos pacientes no pós-operatório. Optou-se por avaliar o corpo gástrico (mucosa tipo oxíntica) no pré-operatório para possibilitar comparação com a mucosa do côto gástrico, que usualmente é deste tipo25.

As biópsias foram fixadas em formol 4% tamponado, processadas, incluídas em parafina e coradas segundo as técnicas de Hematoxilina - eosina, para avaliação geral da biópsia, e de Whartin Starry para a pesquisa de Helicobacter pylori (HP). Avaliou-se a presença ou ausência dos seguintes critérios: erosão/ulceração, cicatriz, folículo linfático, infiltrado inflamatório mononuclear e polimorfonuclear (atividade inflamatória), hipotrofia dos corpos glandulares, metaplasia intestinal, gastropatia reativa e bactérias morfologicamente compatíveis com HP. A intensidade dos achados foi quantificada em ausente, leve, moderada ou intensa, de acordo com o proposto pelo Consenso de Sidney em 199612,13. Um único médico patologista analisou todas as biópsias.

Não houve cálculo estatístico para definição do tamanho da amostra e ela foi definida por acessibilidade devido à dificuldade na composição do grupo pós-operatório. Os resultados obtidos foram lançados em um banco de dados empregando-se o Microsoft Access 2000(r) e analisados através do programa BIOSTAT(r) (versão 5.0) para a análise estatística. Aplicaram-se os testes exato de Fisher e o de Mann-Whitney, que foram considerados significantes quando a probabilidade de rejeição da hipótese foi menor que 5% (p<0,05).

RESULTADOS

A Tabela 1 resume as características demográficas dos pacientes dos dois grupos avaliados. No grupo pré-operatório, apenas 40,0% tinham descrição da EDA como normal. Os 60% restantes apresentavam gastrite, erosiva ou não (54,3%), esofagite (14,3%), duodenite (11,4%), ou pólipo (8,6%).

TABELA 1
Informações clínicas e demográficas dos pacientes nos grupos pré e pós-operatório de cirurgia bariátrica

O tempo pós-cirúrgico no grupo pós-operatório variou entre 1 e 15 anos (mediana de 7): 17,1% entre 1-2 anos, 14,3% entre 2-5 anos e 60% há 5 anos ou mais. O comprimento do côto gástrico residual variou entre 3-10 cm, sendo menor que 4 cm em 2,9% dos pacientes, entre 4-6 cm em 65,7%, e maior que 6 cm em 31,4%. Na EDA, 91,4% dos pacientes no pós-operatório apresentavam descrição da mucosa do côto gástrico e jejunal normais.

A Tabela 2 mostra os achados histopatológicos na mucosa gástrica oxíntica do grupo pré-operatório e pós-operatório. No grupo pré, 80,6% apresentaram inflamação crônica, na mucosa gástrica oxíntica, que foi classificada como leve (44,4%), moderada (30,6%), ou intensa (5,6%). A atividade inflamatória foi vista em 38,9% dos pacientes no pré-operatório e classificada como leve em 25%, moderada em 5,6%, e intensa em 8,3%. A infecção por HP estava presente em 63,9% dos pacientes. No grupo pós-operatório, 77,1% apresentava gastrite crônica, que foi classificada como leve (57,1%), moderada (17,1%) e intensa (2,9%). A atividade inflamatória estava presente em 20,1% dos pacientes no pós-operatório, e foi classificada como leve em 8,6%, moderada em 8,6%, e intensa em 2,9%. A infecção por HP estava presente em 28,6% no pós-operatório.

TABELA 2
Achados histopatológicos na mucosa gástrica oxíntica dos pacientes nos grupos pré e pós-operatório

Cortes histológicos representativos dos dois grupos são apresentados na Figura 1.

FIGURA 1
Cortes histológicos de mucosa gástrica oxíntica nos grupos pré (A) e pós-operatório (B) com gastrite crônica caracterizada por grande quantidade de plasmócitos na lâmina própria; C e D mostram atividade inflamatória caracterizada pela permeação do epitélio por neutrófilos (Hematoxilina-eosina; 400X).

Apenas um caso HP positivo tinha comprimento do coto gástrico residual menor que 4 cm (10%), quatro casos comprimento do coto entre 4-6 cm (50%). A análise estatística mostrou relação significativa (p=0.0001), sugerindo que cotos com comprimento maior que 6 cm foram mais frequentemente associados com infecção por HP (Figura 2).

FIGURA 2
Corte histológico de mucosa gástrica oxíntica no grupo pós-operatório mostrando numerosas bactérias espiraladas (em negro) na superfície do epitélio e no interior de criptas, compatíveis com infecção por HP (Wartin-Starry, 400X).

Comparou-se o tempo pós-cirúrgico com a presença de infecção por HP. Nenhum dos pacientes que realizou a operação há menos de dois anos estava infectado por HP. Em contraste, infecção por HP foi encontrada em cinco pacientes operados entre dois e cinco anos, e em cinco operados há mais de cinco anos. A análise estatística mostrou relação significativa (p=0.0014), sugerindo que tempo de pós-operatório igual ou superior a dois anos associou-se mais frequentemente com infecção por HP. Quando compardo o IMC≤30 kg/m2 e ≥35 kg/m2 no grupo pós-operatório com infecção por HP, não encontrou-se diferença estatística significativa (p=0.5835 e 0.6879, respectivamente). Finalmente, quando foi analisada a mucosa jejunal do Y-de-Roux, 91,4% dos pacientes no pós-operatório tinham mucosa histologicamente normal. Os 8,6% remanescentes apresentavam leve inflamação crônica inespecífica.

DISCUSSÃO

A obesidade é uma doença crônica multifatorial cujo tratamento cirúrgico tem aumentado cada vez mais6,10,19,28. Como descrito na literatura10,17,23, encontrou-se elevada ocorrência de comorbidades nos pacientes obesos no pré-operatório. Após a operação, como esperado, houve diminuição significativa no IMC e de comorbidades como o diabete e a hipertensão. Observou-se frequente gastrite crônica nos dois grupos. A infecção por HP, principal causa de gastrite4, apresentou prevalência significativamente maior nos pacientes obesos que nos operados. Esta bactéria tem grande prevalência mundial. Em estudo realizado no Brasil, Ddine et al.11 observaram infecção por HP em cerca de 18,5% dos pacientes obesos, frequência menor que a observada neste estudo. Yang et al.29 analisaram pacientes submetidos à gastroplastia vertical ou bypass gástrico em Y-de-Roux e observaram infecção pelo HP em pacientes sintomáticos (39%) e assintomáticos (39,7%) após a operação.

Obesidade, gastrite e infecção por HP não são obrigatoriamente associados; porém, estudos sugerem que a infecção por HP poderia influenciar, através da grelina que é peptídeo secretado no estômago. Há elevação fisiológica dos níveis de grelina durante o jejum, aumentando o apetite. Com a alimentação, ocorreria diminuição da secreção dela e consequentemente do apetite. A gastrite induzida pelo HP levaria à redução nos níveis de grelina e perda ponderal. Desta forma, a erradicação da bactéria normalizaria os níveis de grelina, aumentando o peso corporal. Entretanto, ainda há controvérsias e outros estudos indicam ganho ponderal com a infecção e outros que não observaram alteração nos níveis de grelina com a infecção por HP5,14. Wang et al.27 relataram que pacientes infectados pelo HP e com gastrite tiveram perda de peso significativamente menor no acompanhamento de 24-48 meses de pós-operatório. Os achados deste esudo não indicam associação entre infecção por HP e maior IMC no grupo pós-operatório.

A diminuição na ocorrência da infecção por HP nos pacientes operados poderia ser explicada pela realização de tratamento buscando erradicar a bactéria antes da operação e evitar complicações cirúrgicas3,18. No bypass gastrojejunal em Y-de-Roux é confeccionada uma bolsa (côto gástrico) com predomínio da grande curvatura e, por vezes, limitada à cárdia, o que diminui a população de células parietais. No entanto, Siilin et al.25 consideraram ser quase impossível confeccionar uma bolsa que não contenha células parietais. Estes aspectos técnicos levam à diminuição na incidência de úlcera marginal e também de infecção por HP. Csendes et al.7 encontraram infecção por HP em 46.8% dos pacientes antes da gastroplastia e em 31.6% após. Dos pacientes com infecção por HP no pós-operatório, 50% já eram antes portadores da bactéria. Os autores sugerem que a bolsa gástrica, mesmo com poucas células parietais, pode ser novamente colonizada pelo HP. Outro achado interessante foi o aumento significativo da infecção por HP nos pacientes operados há mais de dois anos, sugerindo que com ao longo dos anos aumenta a chance de recolonização da mucosa pelo HP. Estudos após a gastrectomia parcial e reconstrução em Y-de-Roux por doenças gástricas benignas demonstraram que cerca de 41% dos pacientes apresentaram reinfecção por HP no coto gástrico cujo aumento é proporcional ao aumento do comprimento do coto gástrico8. Observou-se percentual muito menor neste estudo. Possível explicação para esta diferença seria o menor tamanho do coto gástrico deixado na operação quando comparado com a realizada por doenças benignas (coto gástrico remanescente 8-10 vezes maior)8. Concordando com esta impressão, encontrou-se diferença significativa quando comparou-se o comprimento do coto gástrico residual com a infecção por HP, sugerindo que cotos maiores que 6 cm são mais associados com esta infecção. Entretanto, novos estudos são necessários. Por outro lado, ainda não está completamente estabelecido se a colonização do coto gástrico por HP após a derivação está associada à complicações8,18. A avaliação do tamanho do côto pela EDA é subjetiva, influenciada pela técnica cirúrgica. Outros autores têm sugerido que o tamanho ideal varia entre 1,8-8,0 cm2,16. Além disso, o número de pacientes com côto gástrico inferior a 3 cm neste estudo foi muito pequeno. Outros autores, analisando a bolsa gástrica e a presença de HP, concluíram que não houve aumento da bolsa gástrica, nem do diâmetro da anastomose gastrojejunal e que o comportamento do HP foi inconsistente e difícil de interpretar9.

A ocorrência de gastrite no côto gástrico varia na literatura. Observa-se gastrite crônica, frequentemente leve, na maioria dos casos. Marano20 encontrou normalidade endoscópica em 30% dos pacientes; porém, todos os pacientes submetidos à EDA eram sintomáticos. Por outro lado, Marcuard et al.21 relataram gastrite aguda ou crônica em todos os pacientes. Flickinger et al.15 realizaram EDA em pacientes com 13-20 meses de pós-operatório e a bolsa foi descrita como endoscopicamente normal em 85%. No entanto, a histologia mostrou normalidade somente em 45%, 23% de gastrite aguda, 30% de gastrite crônica e 13% de metaplasia intestinal. Neste estudo o percentual de gastrite crônica foi superior e o de metaplasia intestinal inferior. Além disso, não encontrou-se casos de gastrite aguda. Analisando o côto gástrico dois anos após a operação, o estudo mostrou normalidade endoscópica em 99% dos pacientes. Entretanto, a histologia era normal em 56%, gastrite estava presente em 28,1% e metaplasia intestinal em 4,0%. Csendes et al.7 também estudaram a mucosa da alça intestinal, que foi normal em todos os pacientes, tanto macroscopicamente quanto histologicamente. Os achados deste estudo foram semelhantes aos descritos por estes autores.

CONCLUSÃO

Houve diminuição significativa nos percentuais de infecção por HP após operação bariátrica. Além disso, o comprimento do côto gástrico residual maior que 6 cm e o tempo de pós-operatório superior a dois anos associaram-se a maior ocorrência de infecção pelo HP. Os achados deste estudo não indicam associação entre infecção por HP e aumento do IMC no grupo pós-operatório. A mucosa jejunal foi considerada normal na maioria absoluta dos pacientes.

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  • Fonte de financiamento: não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2016
  • Aceito
    24 Maio 2016
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