RESUMO
Racional: A colecistolitíase é uma das doenças que têm maior indicação cirúrgica. Atualmente a colecistectomia laparoscópica é o padrão-ouro no seu tratamento.
Objetivo: Analisar a cultura da bile de pacientes portadores de colecistolitíase, principalmente na ocorrência de cálculos com pigmentos marrons e mistos.
Métodos: Foi realizado estudo prospectivo de 246 casos de pacientes portadores de litíase biliar, submetidos à colecistectomia laparoscópica eletiva, sendo realizada cultura da bile. Durante a indução anestésica os pacientes receberam dose única de cefazolina 1 g, intravenosa. No final da operação foi puncionada a vesícula biliar, extraído seu conteúdo e imediata colocação em frasco estéril de propileno de 20 ml e prontamente encaminhado para bacterioscopia com semeadura do material coletado em ágar sangue e de Maconkey com posterior incubação em estufa de cultura a 37° C durante 24 h. Foi elaborado um protocolo capaz de englobar os principais fatores potencialmente relacionados à colecistolitíase e a possível presença de infecção bacteriana associada.
Resultados: Dos 246 participantes, 201 tiveram cultura de bile negativa e 45 positiva. Dos 45 pacientes com bacteriobilia, 34 tiveram crescimento de um único tipo de bactéria e 11 mais de uma.
Conclusões: Foi observada relação entre bacteriobilia e a idade, sugerindo que a idade é fator de risco para bacteriobilia. Recomenda-se assim o emprego de antibioticoprofilaxia nos idosos.
DESCRITORES: Colecistectomia laparoscópica; Antibioticoprofilaxia; Bile
ABSTRACT
Background: Cholelithiasis is one of the diseases with greater surgical indication. Currently, laparoscopic cholecystectomy is the gold standard in the treatment of cholelithiasis.
Aim: To analyze the culture of bile from patients with cholelithiasis, mainly in the occurrence of brown and mixed stones.
Methods: Was carried out a prospective study with 246 cases with biliary lithiasis who underwent elective laparoscopic cholecystectomy. Bile culture was performed in all. During anesthetic induction the patients received a single dose of intravenous cefazolin 1 g. At the end of the surgery, the gallbladder was punctured, its contents extracted and immediately placed in a sterile 20 ml propylene flask and promptly sent to bacterioscopy with Maconkey and blood agars. Incubation at 37° C for 24 h was carried out. A protocol was elaborated to include the main factors potentially related to cholelithiasis and the possible presence of associated bacterial infection.
Results: Of the 246 patients, 201 had negative bile culture and 45 positive. Of the 45 patients with bacteriobilia, 34 had growth of a single type of bacterium in bile culture and 11 more than one.
Conclusions: It was observed a relationship between bacteriobilia and age, suggesting that age is a risk factor for bacteriobilia. The use of antibiotic prophylaxis in the elderly is therefore recommended.
HEADINGS: Laparoscopic cholecystectomy; Antibiotic prophylaxix; Bile
INTRODUÇÃO
A colecistolitíase é uma das doenças que têm maior indicação cirúrgica. Os cálculos da vesícula estão presentes em 10% da população ocidental; esta incidência aumenta com a idade e os fatores de risco para o surgimento dos cálculos são: obesidade, diabete, gravidez, doença hemolítica e cirrose. A relação mulher:homem é 4:1 durante idade reprodutiva e se iguala com o envelhecimento7.
Atualmente a colecistectomia laparoscópica é o padrão-ouro no seu tratamento. Inúmeros trabalhos demonstram que ela supera em resultados aquela por laparotomia. O tempo de internação é menor, o paciente sente menos dor, a recuperação é mais rápida, com retorno ao trabalho mais precoce, os custos praticamente se equivalem e as complicações são menores12.
Bacteriobilia pode ser definida como a colonização de bactérias na bile, não sendo, obrigatoriamente, acompanhada por manifestações clínicas ou laboratoriais. A flora bacteriana no trato biliar é considerada como inexistente, em condições normais2.
A proteção das vias biliares contra colonização de microrganismos e infecção é feita por alguns mecanismos de defesa, por exemplo: barreiras anatômicas, mecanismos físicos (fluxo biliar e o muco); fatores químicos (sais biliares) e defesas imunológicas. Quando algum destes mecanismos falha, a colonização de bactérias e a infecção pode se instalar. A rota de chegada das bactérias na via biliar ainda não está completamente esclarecida. Instalada a infecção, o quadro clínico costuma agravar-se, mostrando alta morbidade e mortalidade.
Em alguns estudos foi observado aumento percentual de culturas positivas na bile de portadores de colelitíase, principalmente na ocorrência de cálculos com pigmentos marrons e mistos. Quando presente verifica-se o predomínio de bactérias da flora intestinal no líquido vesicular e/ou na parede da vesícula, com prevalência dos germes Gram-negativos dos gêneros Escherichia sp, Klebsiela sp, e Enterobacter sp, os quais foram responsáveis por 60,4% das bactérias isoladas4. Observou-se também bactérias Gram-positivas e anaeróbicas.
Estima-se, atualmente, que 85% dos pacientes com colecistolitíase mantenham-se assintomáticos por pelo menos 10 anos. Nas últimas duas décadas o conhecimento e o manejo evoluíram de modo significativo, e diversos parâmetros clínicos e microbiológicos têm sido estudados, assim como a forma pela qual antibióticos e sistemas de defesa do trato biliar interferem na evolução da infecção das vias biliares1,4,10,11.
Com o presente estudo, busca-se analisar a flora bacteriana presente na bile dos pacientes portadores de colecistolitíase sintomática submetidos à colecistectomia eletiva bem como as suas correlações clínicas.
MÉTODOS
Foi realizado o estudo prospectivo de 369 casos de pacientes portadores de litíase biliar no período de janeiro de 2010 a agosto de 2014 submetidos à colecistectomia laparoscópica eletiva no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberada, MG, Brasil. Neles foi realizada cultura da bile. Foram excluídos 123 por possuírem pelo menos um fator de exclusão: operação não eletiva, colecistite aguda, pancreatite aguda, coledocolitíase, neoplasia, colangite e pólipo de vesícula. Para a análise proposta, a coleta do material foi feita da seguinte forma: a) na indução anestésica, todos os pacientes receberam dose única de cefazolina 1 g intravenosa; b) ao final da operação, após retirada, a vesícula era puncionada e dela aspirado seu conteúdo com imediata colocação em frasco estéril de propileno de 20 ml e prontamente encaminhada para análise bacteriológica, onde foi realizada semeadura coletado em ágar sangue e de Maconkey; c) incubação em estufa de cultura a 37° C durante 24 h. Colônias bacterianas foram identificadas utilizando provas bioquímicas padronizadas na rotina do laboratório. Com os resultados de cultura, os pacientes constituíram dois grupos: positivo e negativo para cultura de bile. Foi elaborado um protocolo capaz de englobar os principais fatores potencialmente relacionados à colecistolitíase e a possível presença de infecção bacteriana associada. Em seguida, para cada grupo, foram analisados o prontuário médico, os principais sinais e sintomas, os resultados dos exames laboratoriais, exames de imagem, terapêutica adotada, complicações apresentadas, entre outras informações. Em seguida, compararam-se as informações obtidas entre os dois grupos.
Análise estatística
Criou-se um banco de dados no programa Excel, versão 2010. A análise estatística e os gráficos foram feitos com o programa Statview.
RESULTADOS
Dos 246 pacientes participantes, 201 (81,70%) tiveram cultura de bile negativa e 45 (18,29%) positiva. Dos 45 pacientes com bacteriobilia, 34 tiveram crescimento de um único tipo de bactéria na cultura da bile e 11 mais do que uma. Entre as bactérias presentes 25% eram Enteroccocus Sp; 21,42% Escherichia coli; 12,5% Klebsiella Pneumoniae; e 8,92% Staphylococcus sp. coagulase negativa. As outras bactérias encontradas foram: Acinetobacter baumanii; Enterobacter cloacae; Klebsiella oxytoca; Proteus penneri; Proteus vulgaris; Pseudomonas aeruginosa; Serratia marcescens; Staphylococcus aureus; Streptococcus SP; Streptococcus beta-hemolítico, todas em porcentagem menores que 5%. Todas as bactérias encontradas eram sensíveis a pelo menos cinco antimicrobianos diferentes testados.
Na rotina do laboratório não se testam todas as bactérias para antibioticoterapia específica; uma vez identificada uma bactéria sabidamente resistente à cefazolina, ela não era testada para esse antibiótico. Nos casos de cultura positiva para Enteroccocus Sp e Pseudomonas aeruginosa, que são cepas sabidamente resistentes à cefazolina, estes casos tiveram antibiograma com cefazolina.
A idade foi significativamente maior nos pacientes com cultura positiva (mediana de 56 anos) quando comparada aos com cultura negativa (mediana de 43 anos, p=0,0001, Figura 1). Ainda no grupo com cultura positiva 53% apresentava idade acima de 50 anos enquanto que no de cultura negativa a porcentagem acima de 50 anos foi de 35,5%.
Observou-se a relação de cultura positiva e os seguintes dados clínicos: hipertensão arterial sistêmica, tabagismo e diabete melito. Os resultados mostram que 18 pacientes eram hipertensos e tinham cultura positiva (7,31%). Aqueles que apresentaram diabete melito e cultura positiva somaram oito (3.25%). Os tabagistas com bacteriobilia eram oito (3,25%). Em relação a estas três comparações não se observou significância estatística (p>0,05) para correlacionarem-se esses dados clínicos com a bacteriobilia.
Na amostra total, 86,58% eram mulheres e 13,41% homens. Essa porcentagem se manteve quando separados os grupos em negativos (86,56% femininos e 13,43% masculinos) e positivos (86,6% femininos e 13,3% masculinos).
Outros dados como tamanho do cálculo ao ultrassom >0,5 cm (p=0,406) ou <0,5 cm (p>0,999), anatomopatológico da vesícula biliar (p=0,2583) não teve diferença na significância estatística.
Em relação ao leucograma (Figura 2) não houve diferença significativa quando associado os valores entre os dois grupos (p=0,9759).
O tempo médio de internação foi de 1,79 dias. Portadores de bacteriobilia apresentaram tempo de internação hospitalar em média de 1,84 dias, enquanto os sem bacteriobilia tiveram média de 1,78 dias.
Em relação à antibioticoprofilaxia utilizada neste serviço, observou-se que dos 45 pacientes com bacteriobilia, 15 (33,3%) apresentaram germe resistente ao utilizado.
DISCUSSÃO
A profilaxia antibiótica é considerada protocolo padrão em colecistectomia laparotômica para reduzir a incidência de complicações infecciosas; porém, a sua utilização é controversa em colecistectomia laparoscópica. Em metanálise recente que incluiu 21 ensaios clínicos randomizados observou que a antibioticoprofilaxia em colecistectomia laparoscópica, reduziu a incidência de infecções do sítio cirúrgico e infecções globais, assim como diminuição do tempo de internação hospitalar. Recomenda-se pelo menos duas doses do antimicrobiano, geralmente cefalosporina, administrada por via intravenosa com a primeira dose na indução anestésica5.
Estudo recente mostra que o índice de resistência, em pacientes com idade maior de 65 anos, é de 53,7% ao antimicrobiano profilático utilizado em colecistectomia laparoscópica15. Este pode ser o fator influente para modificar a evolução pós-operatória especialmente em pacientes de alto risco.
Por outro lado, muitos estudos prospectivos sugerem que a profilaxia antibiótica não seja necessária em casos eletivos, pois a taxa de infecção é baixa e o uso de antibióticos profiláticos não diminui a incidência de complicações pós-operatórias infecciosas16,17,18. Na colecistectomia laparoscópica eletiva não se deve utilizar antibioticoprofilaxia rotineiramente, atentando-se para a antissepsia pré-operatória7.
Outros estudos têm recomendado que a profilaxia antimicrobiana fosse oferecida apenas aos pacientes com características de alto risco; por exemplo: idade avançada, comorbidades ou processo agudo das vias biliares. No presente estudo percebeu-se que a idade foi um fator relevante para a incidência de bacteriobilia e que a presença de diabete melito tem tendência à positividade da cultura de bile. Sendo assim, antimicrobianos poderiam ser empregados como antibioticoprofilaxia nos idosos, evitando seu uso no grupo com baixo risco para infecção, o que diminuiria os custos, riscos de eventos adversos e resistência microbiana.
Estudos prévios já demonstraram que o julgamento baseado apenas na observação clínica não é método suficientemente acurado como guia da presença de bacteriobilia. No presente estudo, quando analisados parâmetros clínicos, laboratoriais e exames de imagem, não se obteve valores de significância estatística, não sendo possível identificar um fator preditivo para o risco de infecção, o que condiz com achados de outros estudos8.
Esta pesquisa teve como achado significante a relação entre bacteriobilia e a idade, sendo que a mediana nas culturas positiva foi de 56 anos. Sugere-se assim que a idade é fator de risco para bacteriobilia e, em consequência, recomenda-se o emprego de antibioticoprofilaxia em idosos.
A escolha do antibiótico profilático e dose devem ser avaliados levando em consideração as cepas prevalentes, assim como o perfil de resistência bacteriana em cada instituição. Recomenda-se autoavaliação, nos moldes desde estudo, em cada hospital ou região, a fim de traçar a melhor forma de utilizar a antibioticoprofilaxia. A reprodução desde estudo em outros serviços é factível e pode melhorar o tratamento global dos pacientes, assim como diminuir tempo e custo de internação.
CONCLUSÃO
Foi observada relação entre bacteriobilia e a idade, sugerindo que a idade é fator de risco para bacteriobilia. Recomenda-se assim o emprego de antibioticoprofilaxia nos idosos.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
2018
Histórico
-
Recebido
26 Abr 2018 -
Aceito
28 Jun 2018