A manometria de alta resolução (HRM) é, sem dúvida, uma evolução da manometria convencional. Essa tecnologia foi desenvolvida no início do século, embora tenha chegado à América Latina apenas em 200822. Herbella FAM, Del Grande JC. Novas técnicas ambulatoriais para avaliação da motilidade esofágica e sua aplicação no estudo do megaesôfago. Rev Col Bras Cir; 2008; 35(3), 199-202.. O teste de motilidade esofágica tornou-se pelo menos mais confortável e intuitivo para o não especialista após HRM; no entanto, uma abundância de novos parâmetros e diagnósticos veio com a apresentação agradável aos olhos dos gráficos coloridos. Um consenso tornou-se obrigatório e um painel de especialistas passou a divulgar diretrizes periódicas para a interpretação de HRM, a chamada Classificação de Chicago. Uma nova versão acaba de ser publicada1111. Yadlapati R, Kahrilas PJ, Fox MR, Bredenoord AJ, PrakashGyawali C, Roman S, Babaei A, Mittal RK, Rommel N, Savarino E, et al. Esophageal motility disorders on high-resolution manometry: Chicago classification version 4.0©. Neurogastroenterol Motil. 2021;33(1):e14058. doi: 10.1111/nmo.14058.
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com algumas implicações práticas para os cirurgiões33. Herbella FAM, Patti MG. Chicago classification version 4.0© from surgeons’ point of view. Neurogastroenterol Motil. 2021;33(6):e14090. doi: 10.1111/nmo.14090.
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. Nesta nova versão, o diagnóstico de acalásia ainda é definido pelo relaxamento anormal do esfíncter esofágico inferior (EEI) medido por uma pressão de relaxamento integrada elevada (IRP) e a divisão dos subtipos baseada na pressurização esofágica mantida inalterada. Diferente das versões anteriores, no entanto, algumas situações definem “diagnóstico inconclusivo de acalásia”: a) contratilidade ausente sem peristaltismo apreciável no ajuste de valores de IRP no limite superior do normal; b) evidência de peristalse apreciável com mudança de posição no cenário de um padrão de acalásia do tipo I ou II e c) um IRP anormal com evidência de espasmo e evidência de peristalse no cenário de padrão de acalásia do tipo III. Vamos discutir as implicações dessas afirmações no manejo de pacientes com esofagopatia chagásica (acalasia chagásica), uma vez que a HRM está mais disseminada no Brasil desde o desenvolvimento dos sistemas nacionais55. Mariotto R, Herbella FAM, Andrade VLÂ, Schlottmann F, Patti MG. Validation of a new water-perfused high-resolution manometry system. Arq Bras Cir Dig. 2021;33(4):e1557. doi: 10.1590/0102-672020200004e1557.
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Primeiro ponto de discussão, o diagnóstico conclusivo de acalásia é baseado na aperistalse. O conceito de tudo ou nada ainda é válido para o diagnóstico manométrico conclusivo dela. Alguns autores não têm aplicado esse critério em pacientes com acalásia chagásica11. Dantas RO, Deghaide NH, Donadi EA. Esophageal motility of patients with Chagas’ disease and idiopathic achalasia. Dig Dis Sci. 2001;46(6):1200-6. doi: 10.1023/a:1010698826004.
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. Uma fase “indeterminada” é geralmente citada como um achado comum em pacientes com ela66. Martins P, Ferreira CS, Cunha-Melo JR; Professor EmeritusofSurgery. Esophageal transit time in patients with chagasic megaesophagus: Lack of linear correlation between dysphagia and grade of dilatation. Medicine (Baltimore). 2018;97(10):e0084. doi: 10.1097/MD.0000000000010084.
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. É indescritível saberse esses casos realmente representam pré-doença para progredir para a aperistalse completa. Por um lado, os pesquisadores têm a chance de estudar pacientes com sorologia positiva para Chagas antes que os sintomas esofágicos se manifestem, o que não ocorre na acalásia idiopática. Por outro lado, os pacientes com doença de Chagas podem nunca desenvolver acalásia chagásica, mas podem apresentar outras doenças do esôfago, como a doença do refluxo gastroesofágico77. Pantanali CA, Herbella FA, Henry MA, Aquino JL, Farah JF, Grande JC. Nissen fundoplication for the treatment of gastroesophageal reflux disease in patients with Chagas disease without achalasia. Ver Inst Med Trop Sao Paulo. 2010;52(2):113-4. doi: 10.1590/s0036-46652010000200010.
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. Chicago 4.0 esclareceu que distúrbios primários da motilidade esofágica só devem ser considerados como tal na ausência da doença do refluxo e, como tal, todos esses casos de fase “indeterminada” devem ser submetidos ao monitoramento de pH. É preciso estar ciente de que o pseudorrefluxo pode ocorrer na acalásia devido à fermentação dos alimentos no esôfago, mas os traçados são muito característicos dessa ocorrência88. Patti MG, Arcerito M, Tong J, De Pinto M, de Bellis M, Wang A, Feo CV, Mulvihill SJ, Way LW. Importance of preoperative and postoperative pH monitoring in patients with esophageal achalasia. J Gastrointest Surg. 1997;1(6):505-10. doi: 10.1016/s1091-255x(97)80065-0.
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Segundo ponto de discussão, o “diagnóstico inconclusivo de acalásia” segundo Chicago 4.0 não contempla os casos usualmente considerados como fase “indeterminada”. A primeira situação de diagnóstico inconclusivo é a presença de aperistalse e valores de IRP no limite superior do normal. Embora não tenha havido definição para limite superior, não é incomum encontrar acalasia chagásica comprovada e valores normais de IRP, especialmente no cenário de EEI hipotônico99. Vicentine FP, Herbella FA, Allaix ME, Silva LC, Patti MG. Comparison of idiopathic achalasia and Chagas’ disease esophagopathy at the light of high-resolution manometry. Dis Esophagus. 2014;27(2):128-33. doi: 10.1111/dote.12098.
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. Além disso, os cirurgiões são usados para tratar pacientes após terapia endoscópica malsucedida, quando o parâmetro do EEI é perdido33. Herbella FAM, Patti MG. Chicago classification version 4.0© from surgeons’ point of view. Neurogastroenterol Motil. 2021;33(6):e14090. doi: 10.1111/nmo.14090.
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. Outra situação é a presença de peristalse quando a manometria é repetida em outra posição (supino vs. em cima-direita). Em nossa opinião, isso pode representar interpretação errônea do teste, em vez de um diagnóstico peculiar. Por último, há referência à situações específicas frente à acalásia tipo III que não é encontrada na acalásia chagásica, pois há influência tônica prejudicada dos nervos colinérgicos sobre a musculatura lisa do esôfago1010. Vicentine FP, Herbella FA, Allaix ME, Silva LC, Patti MG. High-resolution manometry classifications for idiopathic achalasia in patients with Chagas’ disease esophagopathy. J Gastrointest Surg. 2014;18(2):221-4; discussion 224-5. doi: 10.1007/s11605-013-2376-1.
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Os cirurgiões brasileiros sempre acreditaram em uma investigação completa para o manejo da acalásia chagásica, não apenas em um diagnóstico manométrico44. Herbella FA, Aquino JL, Stefani-Nakano S, Artifon EL, Sakai P, Crema E, Andreollo NA, Lopes LR, de Castro Pochini C, Corsi PR, Gagliardi D, Del Grande JC. Treatment of achalasia: lessons learned with Chagas’ disease. Dis Esophagus. 2008;21(5):461-7. doi: 10.1111/j.1442-2050.2008.00811.x.
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, Chicago 4.0 apenas corrobora essa crença.
REFERÊNCIAS
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1Dantas RO, Deghaide NH, Donadi EA. Esophageal motility of patients with Chagas’ disease and idiopathic achalasia. Dig Dis Sci. 2001;46(6):1200-6. doi: 10.1023/a:1010698826004.
» https://doi.org/10.1023/a:1010698826004 -
2Herbella FAM, Del Grande JC. Novas técnicas ambulatoriais para avaliação da motilidade esofágica e sua aplicação no estudo do megaesôfago. Rev Col Bras Cir; 2008; 35(3), 199-202.
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3Herbella FAM, Patti MG. Chicago classification version 4.0© from surgeons’ point of view. Neurogastroenterol Motil. 2021;33(6):e14090. doi: 10.1111/nmo.14090.
» https://doi.org/10.1111/nmo.14090 -
4Herbella FA, Aquino JL, Stefani-Nakano S, Artifon EL, Sakai P, Crema E, Andreollo NA, Lopes LR, de Castro Pochini C, Corsi PR, Gagliardi D, Del Grande JC. Treatment of achalasia: lessons learned with Chagas’ disease. Dis Esophagus. 2008;21(5):461-7. doi: 10.1111/j.1442-2050.2008.00811.x.
» https://doi.org/10.1111/j.1442-2050.2008.00811.x -
5Mariotto R, Herbella FAM, Andrade VLÂ, Schlottmann F, Patti MG. Validation of a new water-perfused high-resolution manometry system. Arq Bras Cir Dig. 2021;33(4):e1557. doi: 10.1590/0102-672020200004e1557.
» https://doi.org/10.1590/0102-672020200004e1557 -
6Martins P, Ferreira CS, Cunha-Melo JR; Professor EmeritusofSurgery. Esophageal transit time in patients with chagasic megaesophagus: Lack of linear correlation between dysphagia and grade of dilatation. Medicine (Baltimore). 2018;97(10):e0084. doi: 10.1097/MD.0000000000010084.
» https://doi.org/10.1097/MD.0000000000010084 -
7Pantanali CA, Herbella FA, Henry MA, Aquino JL, Farah JF, Grande JC. Nissen fundoplication for the treatment of gastroesophageal reflux disease in patients with Chagas disease without achalasia. Ver Inst Med Trop Sao Paulo. 2010;52(2):113-4. doi: 10.1590/s0036-46652010000200010.
» https://doi.org/10.1590/s0036-46652010000200010 -
8Patti MG, Arcerito M, Tong J, De Pinto M, de Bellis M, Wang A, Feo CV, Mulvihill SJ, Way LW. Importance of preoperative and postoperative pH monitoring in patients with esophageal achalasia. J Gastrointest Surg. 1997;1(6):505-10. doi: 10.1016/s1091-255x(97)80065-0.
» https://doi.org/10.1016/s1091-255x(97)80065-0 -
9Vicentine FP, Herbella FA, Allaix ME, Silva LC, Patti MG. Comparison of idiopathic achalasia and Chagas’ disease esophagopathy at the light of high-resolution manometry. Dis Esophagus. 2014;27(2):128-33. doi: 10.1111/dote.12098.
» https://doi.org/10.1111/dote.12098 -
10Vicentine FP, Herbella FA, Allaix ME, Silva LC, Patti MG. High-resolution manometry classifications for idiopathic achalasia in patients with Chagas’ disease esophagopathy. J Gastrointest Surg. 2014;18(2):221-4; discussion 224-5. doi: 10.1007/s11605-013-2376-1.
» https://doi.org/10.1007/s11605-013-2376-1 -
11Yadlapati R, Kahrilas PJ, Fox MR, Bredenoord AJ, PrakashGyawali C, Roman S, Babaei A, Mittal RK, Rommel N, Savarino E, et al. Esophageal motility disorders on high-resolution manometry: Chicago classification version 4.0© Neurogastroenterol Motil. 2021;33(1):e14058. doi: 10.1111/nmo.14058.
» https://doi.org/10.1111/nmo.14058
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Como citar esse artigo: Herbella FAM, Malafaia O, Patti MG. Nova classificação para transtornos de motilidade esofágicas (Classificação de Chicago, versão 4.0©) e esofagopatia na doença de Chagas (acalásia). ABCD Arq Bras Cir Dig. 2021;34(4):e1624. https://doi.org/10.1590/0102-672020210002e1624
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Fonte de financiamento: nenhum.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
31 Jan 2022 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
23 Abr 2021 -
Aceito
30 Jul 2021