Open-access Qualidade das próteses valvares: estamos tratando bem nossos pacientes no Sistema Único de Saúde?

EDITORIAL

Qualidade das próteses valvares: estamos tratando bem nossos pacientes no sistema único de saúde?

Walter J. Gomes

Professor Associado Livre-Docente da Disciplina de Cirurgia Cardiovascular. Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo. Editor Associado da Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovacular /Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery e do São Paulo Medical Journal. Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular

A cirurgia de correção de valvopatias adquiridas é responsável por cerca de 30% de todas as operações cardíacas realizadas no Brasil e o implante de prótese valvar corresponde a 17,4% dessas cirurgias de alta complexidade, utilizando 25% dos recursos governamentais para a área cardiovascular.

O Sistema Único de Saúde (SUS); que responde pelo atendimento de 75% dos pacientes que necessitam de procedimentos de cirurgia cardiovascular no Brasil; disponibiliza para o tratamento cirúrgico desses pacientes próteses biológicas de fabricação nacional e próteses mecânicas importadas, essas representadas pelos modelos mais utilizados no mundo e com vasta evidência de efetividade e qualidade. Entretanto, por uma carência de estudos, há falta de dados sobre a eficiência e a durabilidade das próteses biológicas nacionais em comparação com as biopróteses importadas, gerando dúvidas sobre a qualidade do produto que o SUS oferece para o tratamento dos pacientes com doença valvar.

O artigo de Almeida et al. [1], publicado nesta edição (pág. 326), oferece a oportunidade de cotejar o desempenho das próteses biológicas nacionais disponibilizadas pelo SUS e assegurar a qualidade do tratamento cirúrgico que estamos oferecendo a nossos pacientes.

Num total de 301 pacientes avaliados em seguimento máximo de 20 anos, o estudo comparou os resultados entre as próteses biológicas nacionais e as próteses mecânicas nos desfechos de mortalidade, eventos hemorrágicos e reoperações em pacientes submetidos à cirurgia para troca valvar aórtica por substituto biológico ou mecânico em um hospital universitário de referência em cirurgia cardíaca.

Os dados de literatura internacional com os estudos realizados até agora mostraram que o tipo de prótese, seja biológica ou mecânica, não determinaram diferenças quanto à mortalidade em longo-prazo. Revelaram ainda que eventos hemorrágicos foram mais fortemente relacionadas a próteses mecânicas e reoperações por disfunção de prótese mais frequente em pacientes com substituto biológicos, após 5 anos de seguimento.

No estudo de Almeida et al. [1], a sobrevivência em 5, 10 e 15 anos após a cirurgia de troca valvar por substituto mecânico foi de 83,90%, 75,40% e 60,20%, respectivamente; e para substituto biológico, foi de 89,30%, 70,40% e 58,40%, respectivamente; não havendo diferença estatisticamente significante na sobrevida dos pacientes dos dois grupos (P=0,939) ao longo do seguimento. Deste modo, as próteses biológicas analisadas no estudo tiveram desempenhos semelhantes àquele observado nos estudos internacionais que compararam as performances em longo-prazo das próteses biológicas e mecânicas. Adicionalmente, na análise multivariada pela regressão de Cox, o tipo de prótese permaneceu sem associação com o desfecho de óbito (P=0,556), tornando os dados encontrados no presente estudo concordantes com a literatura atual.

Como esperado e em consonância com os estudos internacionais, os eventos hemorrágicos maiores tenderam a ser mais freqüentes nos pacientes com substitutos mecânicos (P=0,084). Nos pacientes com substituto biológico houve tendência a maior probabilidade de reoperação, principalmente após os primeiros 10 anos de seguimento.

Sendo o delineamento do estudo observacional e retrospectivo, do tipo coorte histórica e realizado em um centro único, esses dados deverão ser confirmados por estudos randomizados controlados, que constituem o topo da hierarquia das evidências científicas e que guiam nossa prática clinica.

Em conclusão, a partir das evidências geradas pelo estudo agora publicado, os cirurgiões cardíacos brasileiros podem assegurar-se que estão utilizando próteses valvares com performance em longo-prazo comparáveis àquelas utilizados em todo o mundo, realizando uma cirurgia de qualidade que decididamente beneficia os pacientes com doença valvar atendidos pelo SUS.

Referências bibliográficas

  • 1. Almeida AS, Picon PD, Wender OCB. Resultados de pacientes submetidos à cirurgia de substituição valvar aórtica usando próteses mecânicas ou biológicas. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2011;26(3):326-37.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2011
  • Data do Fascículo
    Set 2011
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