Open-access CLORORPROMAZINA E FUNÇÃO MITOCONDRIAL NA ISQUEMIA-REPERFUSÃO RENAL

CHLORPROMAZINE AND MITOCHONDRIAL FUNCTION IN KIDNEY ISCHEMIA-REPERFUSION

Resumos

Introdução e objetivo - em transplante renal com doador cadáver, a função do enxerto depende da manutenção da integridade celular e subcelular, principalmente mitocondrial. Neste estudo o objetivo foi analisar a função mitocondrial do rins submetidos a período prolongado de isquemia fria, seguido de reperfusão por uma hora, empregando-se, ou não, a clorpromazina previamente à isquemia. Métodos - utilizando autotransplante renal em cães, subdivididos em dois grupos, foram extraidas mitocôndrias de rins submetidos à isquemia fria de 48 horas, seguida de 1 hora de reperfusão pós-transplante. Um grupo recebeu clorpromazina antes da nefrectomia. A análise da fosforilação oxidativa e do intumescimento osmótico ("swelling") mitocôndrial foi comparada com dados obtidos de rins normais, sem isquemia. Resultados - Os dados obtidos para o estado III e IV da respiração não mostraram diferença significativa entre os grupos experimentais. A primeira fase do "swelling" ocorreu em tempo semelhante em todos os grupos experimentais. Durante a reversão, os grupos I e II se comportaram de maneira estatisticamente semelhante, com frações de reversão de 57%, e 68%, respectivamente, valores significativamente menores que os obtidos para o grupo normal (99%) (grupo I: p = 0,0374 e grupo II: p = 0,0221). Discussão - é conhecida a ação protetora da clorpromazina na isquemia renal normotérmica. Entretanto, os dados aqui obtidos mostram que após 48 horas de isquemia fria, o grupo II (clorpromazina) comportou-se de maneira semelhante ao grupo I (hipotermia isolada) tanto no estudo da fosforilação oxidativa, quanto no "swelling", embora os valores apresentem tendência a serem maiores no grupo II. Isto pode ser devido a alguns fatores, como: 1) a clorpromazina possui efeito protetor mínimo quando o tempo de isquemia é prolongado; 2) seu efeito pode ser afetado ou sua ação protetora sobreposta àquela imposta pela hipotermia; 3) tempo de reperfusão curto para manifestação de seus efeitos.

Transplante; rim; clorpromazina; isquemia-reperfusão renal


The purpose of this study was to evaluate the function of mitochondria obtained from kidneys submmited to 48 hours of cold ischemia followed by 1 hour of reperfusion, with and without the use of chlorpromazine. Sixteen adult mongrel dogs were submitted to unilateral nephrectomy. In 13 animals the kidney was then perfused with Euro-Collins solution and preserved during 48-hours in cold solution. After that time auto-transplantation was performed. Reperfusion time was 1 hour. After that, the transplanted kidney was taken out and samples were obtained for mitochondrial evaluation. The animals were divided into 3 groups: group N - control without ischemia (3 animals); group I - hypothermia (6 animals); group II - hypothermia + IV injection of 2 mg/Kg of chlorpromazine 15 minutes before nephrectomy. The results of mitochondrial phosphorilation and swelling showed no statistical differences. However, group II animals showed higher values during the reversion phase of the swelling. Chlorpromazine action on mitochondrial function has been previously described, providing better mitochondria recovering from ischemic lesion. The results obtained in this study may be related to the short reperfusion time, or we can argue that chlorpromazine has no protection after prolonged ischemic time, or chlorpromazine action may be masqueraded by hypothermia.

Kidney transplantation; chlorpromazine; kidney ischemia-reperfusion


a12v16s1CLORORPROMAZINA E FUNÇÃO MITOCONDRIAL NA ISQUEMIA-REPERFUSÃO RENAL

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CHLORPROMAZINE AND MITOCHONDRIAL FUNCTION IN KIDNEY ISCHEMIA-REPERFUSION

Netto, JMB2; Tucci Jr3, S; Cologna3, AJ; Suaid, HJ3; Martins, ACP3; Molina, CAF2; Roselino, JES4

Resumo: Introdução e objetivo – em transplante renal com doador cadáver, a função do enxerto depende da manutenção da integridade celular e subcelular, principalmente mitocondrial. Neste estudo o objetivo foi analisar a função mitocondrial do rins submetidos a período prolongado de isquemia fria, seguido de reperfusão por uma hora, empregando-se, ou não, a clorpromazina previamente à isquemia.

Métodos – utilizando autotransplante renal em cães, subdivididos em dois grupos, foram extraidas mitocôndrias de rins submetidos à isquemia fria de 48 horas, seguida de 1 hora de reperfusão pós-transplante. Um grupo recebeu clorpromazina antes da nefrectomia. A análise da fosforilação oxidativa e do intumescimento osmótico ("swelling") mitocôndrial foi comparada com dados obtidos de rins normais, sem isquemia.

Resultados - Os dados obtidos para o estado III e IV da respiração não mostraram diferença significativa entre os grupos experimentais. A primeira fase do "swelling" ocorreu em tempo semelhante em todos os grupos experimentais. Durante a reversão, os grupos I e II se comportaram de maneira estatisticamente semelhante, com frações de reversão de 57%, e 68%, respectivamente, valores significativamente menores que os obtidos para o grupo normal (99%) (grupo I: p = 0,0374 e grupo II: p = 0,0221).

Discussão – é conhecida a ação protetora da clorpromazina na isquemia renal normotérmica. Entretanto, os dados aqui obtidos mostram que após 48 horas de isquemia fria, o grupo II (clorpromazina) comportou-se de maneira semelhante ao grupo I (hipotermia isolada) tanto no estudo da fosforilação oxidativa, quanto no "swelling", embora os valores apresentem tendência a serem maiores no grupo II. Isto pode ser devido a alguns fatores, como: 1) a clorpromazina possui efeito protetor mínimo quando o tempo de isquemia é prolongado; 2) seu efeito pode ser afetado ou sua ação protetora sobreposta àquela imposta pela hipotermia; 3) tempo de reperfusão curto para manifestação de seus efeitos.

Descritores: Transplante, rim, clorpromazina, isquemia-reperfusão renal.

Key Words: Kidney transplantation, chlorpromazine, kidney ischemia-reperfusion

Introdução: O transplante renal é considerado, na atualidade, como o melhor método terapêutico para o portador de insuficiência renal terminal. Entretanto, quando se considera a utilização de órgãos provenientes de doador cadáver, a função precoce do enxerto irá depender da lesão celular ocorrida durante o período de anóxia. Com a instalação da anóxia cessa a fosforilação oxidativa, as reservas de Adenosina Trifosfato (ATP) são consumidas e todas as funções dependentes de energia são interrompidas.

Dentre as manobras utilizadas para a preservação de órgãos, a hipotermia exerce efeito benéfico ao diminuir a demanda de oxigênio pelas células. No entanto, um pouco de energia ainda é necessária para manter a integridade celular (ANAISE et al., 1986). Por outro lado, ao mesmo tempo em que a hipotermia causa benefícios como a redução do consumo de oxigênio e do metabolismo, causa também bloqueio de inúmeras reações enzimáticas, porém de maneira não idêntica.

Após o transplante temos, invariavelmente, a reperfusão do órgão. A reperfusão muitas vezes pode acelerar os danos ocorridos durante a fase de isquemia, expondo a célula a ambiente desfavorável à recuperação da função mitocondrial pelas alterações no metabolismo de fosfolípides da membrana e entrada de cálcio no seu interior (MITTNACHT, Jr. et al., 1979).

Atualmente, e apesar do desenvolvimento de técnicas e soluções de preservação de órgãos para transplante, existem ainda dois obstáculos importantes que precisam ser vencidos: o primeiro é a eliminação dos danos causados pela preservação a frio e o segundo, a prevenção dos eventos que levam às lesões durante a reperfusão (STUBENITSKY et al., 1999).

Uma droga que vem sendo amplamente estudada em isquemia celular é a clorpromazina, sendo seus efeitos sobre a função e estrutura da membrana celular e mitocondrial já bem estabelecidos (CHIEN et al., 1977).Assim, neste estudo, tivemos por objetivo a avaliação da função mitocondrial do rim submetido a período prolongado de isquemia fria, seguido de reperfusão por uma hora, empregando-se, ou não, a clorpromazina previamente à isquemia. Para tanto, foi utilizado modelo de auto-transplante renal em cães.

Métodos: Foram utilizados 16 cães mestiços, de ambos sexos, divididos em 3 grupos: Grupo N: normal – 3 animais; Grupo I: controle do experimento – 6 animais; Grupo II: experimental – 7 animais. No grupo N foi feita a avaliação mitocondrial sem isquemia renal. Nos grupos I e II a avaliação mitocondrial só ocorreu após o autotransplante renal.

Descrição das técnicas - Após anestesia com pentobarbital sódico na dose de 30mg/Kg, os animais eram colocados em respiração controlada com pressão positiva de oxigênio. Utilizou-se antibioticoterapia profilática com penicilina benzatina (1200000 UI) e penicilina cristalina (400000 UI) administrados por via intramuscular. Em todos os animais realizou-se a aferição da pressão arterial média (PAM) durante o decorrer da cirurgia através da dissecção de artéria periférica.

Nefrectomia - Era realizada através de laparotomia mediana, com exposição e ligadura dos elementos do pedículo renal. No grupo normal (grupo N) a nefrectomia era bilateral, procedendo-se à imediata extração da fração mitocondrial.

Nos dois outros grupos a nefrectomia era realizada de forma asséptica, retirando-se um dos rins aleatoriamente. Os animais do grupo II recebiam 2 mg/Kg de clorpromazina, por via intravenosa, 15 minutos antes da nefrectomia.

Nos grupos I e II, imediatamente após a nefrectomia os rins eram perfundidos com solução de Euro-Collins à temperatura entre 0 e 4ºC, infundida através de catéter introduzido na artéria renal, até que o líquido oriundo da veia renal se tornasse completamente límpido. Terminada a perfusão os rins eram individualmente armazenados em frasco estéril, contendo solução de Euro-Collins, e mergulhado em gelo.

Auto-transplante renal - era realizado cerca de 48 horas após a nefrectomia, implantando-se o órgão na artéria e veia ilíacas. Antes da cirurgia, o rim era novamente reperfundido com cerca de 100 ml de solução de Euro-Collins entre 0 a 4ºC.

Ao final das anastomoses vasculares os rins eram mantidos em reperfusão arterial por 1 hora, sendo então retirados e processados para obtenção da fração mitocondrial.

Os seguintes tempos cirúrgicos e de isquemia foram aferidos: Tempo de Nefrectomia: do início da cirurgia até a nefrectomia; Tempo de Isquemia Quente 1: da ligadura da artéria renal até início da perfusão; Tempo de Isquemia Fria: do início da perfusão até o início da anastomose venosa; Tempo de Isquemia Quente 2: do início da anastomose venosa até o início da reperfusão; Tempo de Transplante: do início da cirurgia até o início da reperfusão e Tempo de Reperfusão: do fim do transplante até a nefrectomia do rim transplantado. Este tempo foi sempre igual a 1 hora.

Imediatamente após a nefrectomia do rim transplantado, este era colocado em placa de Petri mantida sobre gelo e retirado fragmentos em cunha da córtex renal, que eram preparados para obtenção da sua fração mitocondrial.

Obtenção da fração mitocondrial - os rins retirados eram imediatamente transferidos para recipientes contendo solução fisiológica entre 0º e 4º C, onde foi fragmentado. A seguir, os fragmentos foram transferidos para recipiente contendo meio de homogeneização (Tris 100 mM, pH 7.4, manitol 210 mM, sacarose 70 mM e EDTA 10 mM, num volume de cerca de 10 ml). Os fragmentos foram triturados em homogeneizador tipo Turrax por 3 segundos, com intervalos de 1 minuto, por 3 vezes, numa rotação de 100 a 150 rpm. Após a lise celular a suspensão era submetida à centrifugação refrigerada a 4º C ( centrífuga Hitachi – Himac CR 21) por 3 ciclos. O primeiro ciclo é de 750g durante 5 minutos e os outros dois de 11200g durante 10 minutos. O "pellet" resultante da última centrifugação contém a fração mitocondrial.

A amostra mitocondrial era submetida à determinação polarográfica do consumo de oxigênio para avaliar parâmetros do processo de fosforilação oxidativa, à temperatura de 30ºC. Foram determinadas velocidades do estado III e IV da respiração mitocondrial, razão de controle respiratório (RCR) e relações Adenosina Difosfato: Oxigênio (ADP:O) das mitocôndrias em relação ao substrato oxidável succinato. O estado III da respiração era obtido pela adição de 400 nmoles de MgADP às mitocôndrias energizadas.

A determinação espectrofotométrica da variação do volume mitocondrial ("swelling") era feita à temperatura ambiente em espectrofotômetro Hitachi U-2000, determinando-se a absorbância a 520 nm durante 1200 segundos. A solução usada na cubeta para o ensaio continha MOPS [3-(N-Morpholino) propanesulfonic acid] 0,01M; sacarose 0,1M e acetato de sódio e potássio 50mM. A alteração de volume mitocondrial era medida por adição de succinato 7,5mM. A essa solução era adicionado uma quantidade de mitocôndria até se atingir 2 DO (densidade óptica) de absorbância no espectrofotômetro.

Usamos o teste t-Student para comparação dos grupos dois a dois para amostras relacionadas ou independentes. O nível crítico a partir do qual as diferenças foram consideradas significativas foi de 5% (p<0,05).

Resultados: Dos 16 cães incluídos neste trabalho, 11 eram do sexo masculino e 5 do sexo feminino. O peso corporal médio ± desvio padrão dos cães foi de 16,69 ± 3,10 kg.

A Pressão Arterial Média (PAM) era aferida para excluir hipotensão arterial como causa adicional de dano celular renal por hipoperfusão. Os valores médios ± erro padrão da média obtidos para PAM se mantiveram estáveis e dentro dos valores de normalidade durante todas as fases da cirurgia.

Quando comparamos os valores da PAM obtidos para cada etapa entre os grupos estudados, verificamos que ocorreram diferenças significativas no momento da ligadura dos vasos renais para nefrectomia entre o grupo I (PAM = 110,0 ± 5,6 mmHg) e o grupo II (PAM = 89,3 ± 7,1 mmHg), com valor de p = 0,0490.

Os tempos gastos para realização de cada etapa do experimento (nefrectomia, isquemia quente 1, isquemia fria, isquemia quente 2, transplante renal e reperfusão) também não apresentaram nenhuma diferença estatística, condizendo com a padronização das técnicas cirúrgicas empregadas.

A média ± erro padrão para a RCR de cada grupo foi: grupo N : 8,80 ± 0,96; grupo I: 7,43 ± 1,40; grupo II: 5,81 ± 1,02. Comparando os valores médios da RCR entre os grupos notamos diferenças estatísticas somente entre o grupo N e o grupo II (p = 0,0221). Consideramos essas diferenças de pouca importância, visto que ocorre menor dispersão de valores no grupo II, com tendência a serem menores que no grupo N, e provavelmente devido ao número relativamente pequeno de animais utilizados. Os valores obtidos para o estado III e para o estado IV da respiração também foram comparados e não mostraram nenhuma diferença significativa entre os grupos.

A primeira fase do "swelling" ocorreu em tempo semelhante em todos os grupos experimentais. Durante a fase de reversão, período no qual a mitocôndria

recupera parte de sua absorbância, os grupos I e II se comportaram de maneira estatisticamente semelhante, com frações de reversão de 57%, e 68% (p = 0,4414), respectivamente, valores estes significativamente menores que os obtidos para o grupo N (99%) (grupo I: p = 0,0374 e grupo II p = 0,0221). Entretanto, nota-se que os valores apresentam tendência a serem maiores no grupo II.

Discussão: Para avaliar os efeitos da clorpromazina nas mitocôndrias do córtex renal submetido a autotransplante com cerca de 48 horas de isquemia fria e 1 hora de reperfusão, utilizamos o estudo da fosforilação oxidativa e do "swelling" mitocondrial.

O consumo de oxigênio em mitocôndrias isoladas pode ser estudado através da fosforilação oxidativa, medindo por meio de traçados polarográficos o estímulo ao consumo de O2. Outros fenômenos ocorridos com a mitocôndria após a isquemia também podem ser avaliados através do intumescimento osmótico, ou "swelling" mitocondrial. Este fenômeno representa condição de alteração do controle da permeabilidade da membrana mitocondrial interna, onde ocorrem modificações do conteúdo iônico e de água no seu interior, com subsequente edema ("swelling"). Usualmente, este fenômeno é acompanhado por alteração na capacidade de dispersão da luz devido ao fluxo de solutos e água que se estabelece. As alterações ópticas observadas nesse fenômeno representam um processo que utiliza muito pouca energia acumulada pela membrana mitocondrial, tratando-se de um fenômeno dependente de conformação de componentes protéicos da membrana (KREISEL, 1996).

Assim, através da fosforilação oxidativa analisamos a função mitocondrial de produção de energia, a síntese de ATP. Já a análise do "swelling" avalia a permeabilidade da membrana mitocondrial para realizar trocas iônicas. Fosforilação oxidativa e "swelling" são fenômenos distintos da membrana mitocondrial e sem correlação entre si, apesar de ambos serem dependentes da capacidade de transferência de elétrons e criação de assimetria de prótons.

Isquemia, definida como a interrupção do suprimento sangüíneo a determinado tecido, é causa importante de lesão celular. Apesar da isquemia e seus efeitos serem objetos de grande quantidade de estudos e investigações, ainda existem incertezas sobre a seqüência específica de eventos e o momento exato no qual uma lesão isquêmica torna-se irreversível, com subsequente morte celular (HEARSE, 1979).

Os primeiros segundos após a instalação de isquemia grave são inevitáveis na nefrectomia para transplante. Neste período inicial já observamos grande númerode fenômenos bioquímicos, na maioria iônicos, que ocorrem no interior da célula, com alterações da composição do seu meio interno e no transporte de íons transmembrana, assim como alterações iônicas e de transporte no interior das mitocôndrias (HEARSE, 1979).

Em grande parte das células vivas, cerca de 90 % do oxigênio molecular consumido é direcionado à fosforilação oxidativa. Este processo consiste na síntese de adenosina trifosfato (ATP) mantido pela transferência de elétrons ao oxigênio, produzindo energia para a geração do ATP à partir da adenosina difosfato (ADP) e fosfato inorgânico (Pi) no interior das mitocôndrias.

Os efeitos da isquemia que levariam à alterações na atividade fosforilativa ainda não são bem estabelecidos. O que se supõe é que o comprometimento da respiração seja devido à inibição da cadeia transportadora de elétrons. O aumento na permeabilidade da membrana interna aos prótons e inibição do sistema fosforilativo também podem ter contribuição importante (BORUTAITE et al., 1995). Em condições normais, quanto maior a oferta de ADP disponível para a fosforilação oxidativa, maior o aumento da respiração (estado III), gerando ATP. Isso se mantém até que haja normalização dos níveis do quociente de ação das massas, quando diminui novamente a respiração (estado IV). A formação de ATP ocorre apenas na velocidade em que é requerido para manter as atividades celulares que necessitam de energia.

A razão de controle respiratório (RCR) mede a capacidade que a mitocôndria tem de responder de forma regulada à oferta de ADP. Isto é, se houver consumo de ATP haverá oferta de ADP e o aumento da fosforilação (estado III) manterá a energia celular. Se não houver este estímulo, o consumo de oxigênio cai ao valor mínimo necessário para manter o potencial de energia mitocondrial. Valores de RCR, obtidos com mitocôndrias de mamíferos, tipicamente excedem o valor 4, mas estes números podem variar dependendo do tecido estudado, do substrato utilizado, do período de isquemia e também do tipo de técnica de proteção utilizada.

A hipotermia é fator importante na proteção contra lesões isquêmica. Seus efeitos não estão simplesmente relacionados à diminuição de todas as funções metabólicas celulares. O grau de inibição de cada reação enzimática ocorrerá de forma diferente. Algumas enzimas sofrem mudanças conformacionais irreversíveis, enquanto outras são reversíveis após reaquecimento.

Assim, foi muito importante a padronização técnica do experimento para exclusão de períodos adicionais de isquemia que pudessem interferir nos resultados. Essa padronização fica evidente na análise dos tempos cirúrgicos, de isquemia quente e fria e de reperfusão, que se mantiveram estáveis em todos grupos, e através da verificação da PAM. As diferenças encontradas no momento da ligadura dos vasos renais na nefrectomia, quando a PAM no grupo II é estatisticamente mais baixa ao ser comparada ao grupo I, pode ser explicada pela ação vasodilatadora da clorpromazina, infundida 15 minutos antes. Entretanto, ainda assim os valores do grupo II estão dentro da normalidade para a raça.

A clorpromazina é droga que pertence ao grupo das fenotiazinas. Sua ação protetora contra a lesão isquêmica só ocorre quando administrada previamente ao momento da parada do aporte sanguíneo ao tecido (CHIEN et al., 1978; MITTNACHT, Jr. et al., 1979). Desta forma, considera-se que seu mecanismo de ação possa estar relacionado às alterações que ocorrem nos primeiros momentos após instalação da isquemia. A clorpromazina está relacionada à recuperação dos níveis de ATP, alteração no metabolismo do cálcio (CHIEN et al., 1977) e perda de fosfolípides (CHIEN et al., 1978). Durante o período de isquemia não se observam grandes alterações nos níveis intracelulares de cálcio, porém, no momento da reperfusão, ocorre entrada de grande quantidade desse íon no interior da célula, o que não acontece de maneira tão intensa em animais pré- tratados com clorpromazina (CHIEN & FARBER, 1977).

Vários trabalhos mostram a ação dessa droga na recuperação da função mitocondrial do fígado (ROSELINO et al., 1989), na medula espinhal (SADER et al., 1996) e no rim (TUCCI Jr et al., 1997). Neste último estudo, a adição de clorpromazina previamente ao episódio de isquemia renal normotérmica em ratos, com 1 hora de duração, permitiu que além da rápida recuperação funcional das mitocôndrias, ocorresse também normalização da função renal, sendo a mortalidade reduzida a zero. Portanto, é inegável a ação benéfica da clorpromazina na isquemia celular.

Durante a primeira fase do "swelling" ocorre maior troca iônica na membrana mitocondrial. O potássio entra na mitocôndria por via de uniporter e através de antiporter é retirado, em troca de H+. A mitocôndria vai progressivamente se saturando de H+ e se "edemaciando". À medida que isso ocorre, o íon H+ vai sendo retirado da mitocôndria através da cadeia respiratória, porém em velocidade mais lenta que a de sua entrada. Quando acontece a saturação de íons H+, inicia-se a fase de reversão do "swelling", que é quando, através da cadeia respiratória, o H+ é retirado da mitocôndria e seu edema vai diminuindo.

Neste estudo observamos que, após 48 horas de isquemia fria, o grupo II (clorpromazina) comportou-se de maneira semelhante ao grupo I (hipotermia isolada) tanto no estudo da fosforilação oxidativa, quanto no "swelling". Isto pode ser devido a alguns fatores, como: 1) a clorpromazina possui efeito protetor mínimo quando o tempo de isquemia é prolongado; 2) seu efeito pode ser afetado ou sua ação protetora sobreposta àquela imposta pela hipotermia; 3) tempo de reperfusão curto para manifestação de seus efeitos. Ressaltamos que neste estudo foi utilizado longo tempo de isquemia fria (média de 47 horas 28 minutos).

Analisando a reversão do "swelling", vimos que as mitocôndrias dos animais dos grupos I e II apresentam valores semelhantes e com frações de reversão menores que as do grupo N. Porém, a fração de reversão do grupo II, apesar de não ter diferença estatística quando comparada ao grupo I, apresenta tendência a ser mais elevada. Este resultado talvez se mostrasse mais evidente se o tempo de reperfusão tivesse sido mais longo ou, então, se o tempo de isquemia fria tivesse sido menor.

Estes resultados nos levam a crer que a clorpromazina tem ação protetora quando usada previamente à isquemia para transplante renal, provavelmente proporcionando saída mais rápida do íon H+ da mitocôndria por estímulo da cadeia respiratória, não permitindo a ocorrência de "swelling" com amplitude muito intensa e, assim, proporcionando melhor fração de reversão. Entretanto, estudos com maior tempo de reperfusão e menor tempo de isquemia são necessários para essa comprovação.

Abstract: The purpose of this study was to evaluate the function of mitochondria obtained from kidneys submmited to 48 hours of cold ischemia followed by 1 hour of reperfusion, with and without the use of chlorpromazine.

Sixteen adult mongrel dogs were submitted to unilateral nephrectomy. In 13 animals the kidney was then perfused with Euro-Collins solution and preserved during 48-hours in cold solution. After that time auto-transplantation was performed. Reperfusion time was 1 hour. After that, the transplanted kidney was taken out and samples were obtained for mitochondrial evaluation.

The animals were divided into 3 groups: group N - control without ischemia (3 animals); group I - hypothermia (6 animals); group II - hypothermia + IV injection of 2 mg/Kg of chlorpromazine 15 minutes before nephrectomy.

The results of mitochondrial phosphorilation and swelling showed no statistical differences. However, group II animals showed higher values during the reversion phase of the swelling.

Chlorpromazine action on mitochondrial function has been previously described, providing better mitochondria recovering from ischemic lesion. The results obtained in this study may be related to the short reperfusion time, or we can argue that chlorpromazine has no protection after prolonged ischemic time, or chlorpromazine action may be masqueraded by hypothermia.

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  • 1
    Trabalho realizado junto à Disciplina de Urologia do Departamento de Cirurgia e Anatomia da FMRP–USP
    2
    Pós-Graduando da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP
    3
    Prof. Doutor da Disciplina de Urologia do Departamento de Cirugia e Anatomia da FMRP-USP
    4
    Professor Associado do Depto. de Bioquímica da FMRP-USP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jun 2002
    • Data do Fascículo
      2001
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