Resumos
O prognóstico de gastrosquise permanece adverso nos países em desenvolvimento e os fatores associados a óbito não são conhecidos. O estudo objetivou avaliar os fatores associados com morte neonatal em casos de gastrosquise atendidos no IMIP. Foram incluídos 49 casos de gastrosquise atendidos no IMIP, Recife-Brasil, entre 1995 e 2001. A variável dependente foi morte neonatal e as independentes foram: diagnóstico pré-natal, local e tipo de parto, idade gestacional, peso ao nascer, intervalo entre parto e admissão e parto-cirurgia, correção cirúrgica primária ou em estágios, necessidade de ventilação mecânica e infecção pós-operatória. Calculou-se a razão de prevalência (RP) de morte neonatal com intervalo de confiança a 95%, realizando-se análise de regressão logística para determinar o risco ajustado de óbito. A mortalidade foi de 53% (26 casos), sendo infecção a principal causa de óbito (92%). O diagnóstico pré-natal associou-se com significante redução (74%) do risco de morte. Esse risco foi significantemente aumentado ( > 2 vezes) para RNs, com peso menor que 2,5Kg e provenientes de outros hospitais. Também verificou-se aumento significante do risco para o intervalo entre parto-admissão e parto-cirurgia maior que duas e quatro horas (respectivamente, 2,5 e 3,4). O risco de morte foi 2,6 vezes maior nos casos com ventilação mecânica. Na análise multivariada, persistiram associadas ao óbito a prematuridade e o intervalo entre parto e cirurgia maior que 4h. Observou-se uma elevada mortalidade entre recém-nascidos com gastrosquise, que pode ser explicada por fatores como ausência de pré-natal, prematuridade, baixo peso, parto fora dos centros terciários, longos intervalos entre parto e cirurgia e necessidade de ventilação mecânica.
Gastrosquise; Morte neonatal; Fatores de risco; Defeitos da parede abdominal; Prognóstico
Gastroschisis remains associated with an adverse outcome in developing countries and the factors associated with neonatal death are not known. The aim of this study was to determine the factors associated with neonatal death in cases of gastroschisis managed in a tertiary hospital in Brazil. It was included 49 cases of gastroschisis managed at IMIP, Recife - Brazil, between 1995 and 2001. The dependent variable was neonatal death and the independent variables were: prenatal diagnosis, route and site of delivery, gestational age, birthweight, birth-to-admission interval, birth-to-surgery interval, primary or staged-silo repair, need of mechanical ventilation and postoperative infection. Prevalence ratio (PR) and its 95% confidence interval of neonatal death was determined. Logistic regression analysis was performed to determine adjusted relative risk of neonatal death. Overall mortality was 53% (26 cases) and infection was the main cause of death (92%). Prenatal diagnosis was associated with significant reduction of 74% in the risk of death. This risk was significantly increased ( > twice) among newborns with gestational age below 37 weeks, birthweight below 2.5Kg and outborn babies. A significantly greater risk of neonatal death was observed for birth-to-admission interval of 2h or more and birth-to-surgery interval of 4h or more (2.5 and 3.4 times, respectively). Need of mechanical ventilation was associated with an increased risk of death (2.6 times). In multivariate analysis, variables that persisted strongly associated to neonatal death were gestational age below 37 weeks and birth-to-surgery interval greater than 4h. A high mortality was observed among babies of gastroschisis which is explained by factors like absence of prenatal diagnosis, prematurity, low birthweight, delivery outside the tertiary center, longer birth-to-surgery intervals and need of mechanical ventilation.
Gastroschisis; Neonatal death; Risk factors; Abdominal wall defects; Prognosis
FATORES PROGNÓSTICOS PARA ÓBITO EM RECÉM-NASCIDOS COM GASTROSQUISE
Paulo Carvalho Vilela 1 NOTAS
Melania Maria Ramos de Amorim 2 NOTAS
Gilliatt Hanois Falbo Neto 3 NOTAS
Luiz Carlos Santos4 NOTAS
Ricardo Ventura Henriques Santos 5 NOTAS
Cláudia Correia 5 NOTAS
Vilela PC, Amorim MMR, Falbo Neto GH, Santos LC, Santos RVH, Correia C. Fatores prognósticos para óbito em recém- nascidos com gastrosquise. Acta Cir Bras 2001; 17 (supl. 1):17-20.
RESUMO
O prognóstico de gastrosquise permanece adverso nos países em desenvolvimento e os fatores associados a óbito não são conhecidos. O estudo objetivou avaliar os fatores associados com morte neonatal em casos de gastrosquise atendidos no IMIP. Foram incluídos 49 casos de gastrosquise atendidos no IMIP, Recife-Brasil, entre 1995 e 2001. A variável dependente foi morte neonatal e as independentes foram: diagnóstico pré-natal, local e tipo de parto, idade gestacional, peso ao nascer, intervalo entre parto e admissão e parto-cirurgia, correção cirúrgica primária ou em estágios, necessidade de ventilação mecânica e infecção pós-operatória. Calculou-se a razão de prevalência (RP) de morte neonatal com intervalo de confiança a 95%, realizando-se análise de regressão logística para determinar o risco ajustado de óbito. A mortalidade foi de 53% (26 casos), sendo infecção a principal causa de óbito (92%). O diagnóstico pré-natal associou-se com significante redução (74%) do risco de morte. Esse risco foi significantemente aumentado ( > 2 vezes) para RNs, com peso menor que 2,5Kg e provenientes de outros hospitais. Também verificou-se aumento significante do risco para o intervalo entre parto-admissão e parto-cirurgia maior que duas e quatro horas (respectivamente, 2,5 e 3,4). O risco de morte foi 2,6 vezes maior nos casos com ventilação mecânica. Na análise multivariada, persistiram associadas ao óbito a prematuridade e o intervalo entre parto e cirurgia maior que 4h. Observou-se uma elevada mortalidade entre recém-nascidos com gastrosquise, que pode ser explicada por fatores como ausência de pré-natal, prematuridade, baixo peso, parto fora dos centros terciários, longos intervalos entre parto e cirurgia e necessidade de ventilação mecânica.
DESCRITORES: Gastrosquise. Morte neonatal. Fatores de risco. Defeitos da parede abdominal. Prognóstico.
Vilela PC, Amorim MMR, Falbo Neto GH, Santos LC, Santos RVH, Correia C. Prognostic factors for death of newborns with gastroschisis. Acta Cir Bras 2001; 17 (supl. 1):17-20.
SUMMARY
Gastroschisis remains associated with an adverse outcome in developing countries and the factors associated with neonatal death are not known. The aim of this study was to determine the factors associated with neonatal death in cases of gastroschisis managed in a tertiary hospital in Brazil. It was included 49 cases of gastroschisis managed at IMIP, Recife - Brazil, between 1995 and 2001. The dependent variable was neonatal death and the independent variables were: prenatal diagnosis, route and site of delivery, gestational age, birthweight, birth-to-admission interval, birth-to-surgery interval, primary or staged-silo repair, need of mechanical ventilation and postoperative infection. Prevalence ratio (PR) and its 95% confidence interval of neonatal death was determined. Logistic regression analysis was performed to determine adjusted relative risk of neonatal death. Overall mortality was 53% (26 cases) and infection was the main cause of death (92%). Prenatal diagnosis was associated with significant reduction of 74% in the risk of death. This risk was significantly increased ( > twice) among newborns with gestational age below 37 weeks, birthweight below 2.5Kg and outborn babies. A significantly greater risk of neonatal death was observed for birth-to-admission interval of 2h or more and birth-to-surgery interval of 4h or more (2.5 and 3.4 times, respectively). Need of mechanical ventilation was associated with an increased risk of death (2.6 times). In multivariate analysis, variables that persisted strongly associated to neonatal death were gestational age below 37 weeks and birth-to-surgery interval greater than 4h. A high mortality was observed among babies of gastroschisis which is explained by factors like absence of prenatal diagnosis, prematurity, low birthweight, delivery outside the tertiary center, longer birth-to-surgery intervals and need of mechanical ventilation.
SUBJECT HEADINGS: Gastroschisis. Neonatal death. Risk factors. Abdominal wall defects. Prognosis
INTRODUÇÃO
O prognóstico dos RNs com gastrosquise apresentou melhora dramática na segunda metade do século XX. Até 1960, a gastrosquise era vista como apenas uma curiosidade teratológica, confundida com a onfalocele, e o prognóstico era sombrio, com praticamente 100% de mortalidade. Atualmente, nos países desenvolvidos, a taxa de sobrevivência atinge quase 100% nos casos não-complicados1-3. O aprimoramento das técnicas de cirurgia neonatal4,5, a nutrição parenteral total6 e a terapia intensiva neonatal são os grandes responsáveis por esses melhores resultados.
Outros pontos fundamentais na evolução da terapêutica da gastrosquise foram a utilização de ventilação mecânica assistida para o tratamento dos distúrbios ventilatórios secundários à prematuridade e o diagnóstico pré-natal por ultra-sonografia, permitindo o parto programado em centros terciários com todas as facilidades tecnológicas disponíveis7-9. Iniciou-se também a discussão sobre a melhor via de parto para os casos com diagnóstico pré-natal10-13.
Apesar dos excelentes resultados obtidos com esses avanços tecnológicos, ressalta-se o custo elevado, dificultando a utilização nos países em desenvolvimento, com baixa renda, altas taxas de natalidade e de mortalidade neonatal e sistemas de saúde deficitários. Nesses países, somam-se problemas como a falta de leitos de terapia intensiva neonatal, escassez de centros terciários habilitados para tratar malformações complexas e condições inadequadas para o transporte dos RNs. Assim, é importante para os cirurgiões pediátricos dos países em desenvolvimento compreender os fatores há muito tempo controlados em países desenvolvidos, que comprometem o prognóstico neonatal no terceiro mundo, onde nasce a maioria dos casos de gastrosquise.
No presente estudo, nosso objetivo é determinar a freqüência de morte pós-operatória e identificar variáveis associadas com o óbito em recém-nascidos com gastrosquise atendidos no Instituto Materno-Infantil de Pernambuco, Recife - Brasil.
MÉTODOS
Foram incluídos 49 casos de gastrosquise atendidos no IMIP entre 1995 e 2001. Doze dos casos tiveram diagnóstico pré-natal, todos nascido no IMIP por cesariana. Dos casos sem diagnóstico pré-natal, dois nasceram de parto vaginal no IMIP e os restantes foram encaminhados, depois do parto em outros hospitais de Recife ou outras cidades de Pernambuco. A cirurgia foi realizada o mais rápido possível, porém em diversos casos a correção teve de ser postergada em função das condições clínicas dos RNs (hipotermia, acidose), devido ao transporte inadequado e ao longo intervalo entre parto e admissão. Realizou-se reparo primário em 28 casos (57%) e colocação do silo em 21 casos (43%), de acordo com a decisão do cirurgião, baseando-se na quantidade e no aspecto das alças intestinais evisceradas (edema e serosite), bem como no grau de desproporção entre estas e a cavidade abdominal. Atresia intestinal esteve presente em seis casos. Os cuidados pós-operatórios incluíram antibioticoterapia, nutrição parenteral e, se necessário, ventilação mecânica, 30 pacientes (61%).
As variáveis analisadas foram: dependente; óbito neonatal e independentes; diagnóstico pré-natal, local do parto, idade gestacional, peso ao nascer, intervalo entre parto e admissão e entre parto e correção cirúrgica, fechamento primário ou em estágios, necessidade de ventilação mecânica e infecção pós-operatória.
O diagnóstico pré-natal da gastrosquise foi por ultra-sonografia. O local do parto foi definido de acordo com o hospital de origem (IMIP ou outros hospitais, tanto de Recife como de outras cidades). A idade gestacional foi determinada pelos parâmetros de Capurro14. Consideraram-se prematuros os recém-nascidos com menos de 37 semanas. Definiu-se como baixo peso um peso ao nascer menor que 2.500g.
Determinou-se o intervalo em horas entre o parto e a admissão (considerado zero quando o parto foi assistido no IMIP) e entre o parto e a correção cirúrgica. Infecção pós-operatória foi definida de acordo com critérios clínicos e laboratoriais, realizando-se hemocultura e culturas de urina, líquor, conteúdo gástrico e amostras dos tubos endotraqueais e cateteres intravenosos em todos os recém-nascidos com suspeita de infecção.
A análise estatística foi realizada com os programas Epi-Info 2000 e SPSS 6.0 para Windows. Os testes qui-quadrado de Pearson e exato de Fisher foram utilizados para determinar a associação entre as variáveis dependente e independentes, ao nível de significância de 5%. Calculou-se a razão de prevalência (RP) de óbito neonatal e seu intervalo de confiança a 95% para cada uma das variáveis independentes. Realizou-se análise de regressão logística múltipla para avaliar as interações entre as variáveis independentes, utilizando-se um modelo condicional (stepwise) e determinando-se o risco ajustado de morte neonatal.
RESULTADOS
Ocorreram 26 óbitos de RN com gastrosquise, resultando em uma letalidade de 53%. A principal causa de morte foi infecção (24/26 casos=92%) e esta foi mais freqüente entre os casos que tiveram ventilação mecânica assistida (25/30 casos = 83%).
Encontrou-se significativa redução (74%) do risco de morte na presença de diagnóstico pré-natal (RP=0,26). Por outro lado, a razão de prevalência foi significativamente aumentada (mais de duas vezes) entre recém-nascidos prematuros e com peso ao nascer menor que 2.500g. Mais de 80% dos prematuros morreram (15/18 casos). O risco de morte foi maior em recém-nascidos provenientes de outros hospitais (RP=2,2), porém não se encontrou associação com o tipo de parto. Tabela 1.
Tanto o intervalo entre parto e admissão maior ou igual que duas horas como o intervalo entre parto e correção cirúrgica maior ou igual a quatro horas resultaram em aumento do risco de óbito (2,5 e 3,4 vezes, respectivamente). Verificou-se uma tendência, não significante, para maior risco de morte (56%) quando se realizou correção cirúrgica em estágios (p = 0,09). Tabela 2.
Ao se analisarem os fatores pós-operatórios, encontrou-se o risco de óbito significativamente aumentado quando houve necessidade de ventilação mecânica (quase três vezes maior) e na presença de infecção (mais de cinco vezes maior). Tabela 3.
Na análise multivariada por regressão logística (Tabela 4) as variáveis que permaneceram fortemente associadas com o óbito neonatal foram a idade gestacional menor que 37 semanas e o intervalo entre parto e cirurgia maior ou igual a 4h (gráfico 1), com um risco ajustado de, respectivamente, 6,6 e 5,8. Esse modelo predisse corretamente 96% dos óbitos. Apesar de o peso ao nascer ter aumentado significativamente o risco de óbito, essa variável não foi incluída no modelo porque peso e idade gestacional apresentam multicolinearidade. Por outro lado, a infecção, que representou o principal fator de risco na análise bivariada, também foi excluída do modelo final de regressão por constituir, na verdade, uma variável interveniente. Mais de 90% dos óbitos tiveram associação com infecção, de forma que esta foi o maior fator de risco, a própria causa da morte.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
A elevada letalidade (em torno de 53%) observada nesse estudo contrasta bastante com os recentes relatos de diferentes países, nos quais a mortalidade entre RNs com gastrosquise tem declinado progressivamente, com a adoção de cuidados intensivos neonatais3, 15,16 . Taxas de óbito variando entre 0-10% têm sido descritas em diversos estudos publicados nos anos 902,17.
Por outro lado, taxas de mortalidade mais elevadas (em torno de 65%) foram relatadas em estudos realizados nos países em desenvolvimento, como a Nigéria, um país que apresenta muitas semelhanças econômicas e sociais com o Nordeste do Brasil18.
Deve-se salientar que a maioria das práticas de cuidados neonatais intensivos representam um custo elevado e proibitivo para os serviços de saúde dos países em desenvolvimento.
Apesar dos casos em nossa série serem representados principalmente por pacientes sem gastrosquise complicada (atresia intestinal, volvulo e enterocolite necrosante), mais de 60% necessitaram de ventilação mecânica assistida, sendo infecção a principal causa de óbito. Alguns fatores explicam estes achados, mas o transporte inadequado apresenta contribuição expressiva para a elevada letalidade, principalmente quando se consideram os prematuros, mais susceptíveis à hipotermia e à septicemia.
Ressalta-se, a importante redução do risco de morte na presença de diagnóstico pré-natal (0,26), resultado também descrito em outros estudos7,8,19, embora questionado15,20,21. Infelizmente, esse diagnóstico só foi realizado em 12 dos 49 casos de gastrosquise (24,5%), porque a maioria nasceu em cidades com serviços de saúde precários. Verificou-se ainda que um grande percentual dos casos sem diagnóstico pré-natal eram prematuros (48,6%), enquanto não houve nenhum caso de prematuridade no grupo com diagnóstico pré-natal. A taxa elevada de prematuridade está associada à falta de assistência pré-natal, uma vez que o parto prematuro é comum em gestações complicadas por gastrosquise22,23.
A prematuridade também representou outra condição associada com morte neonatal. De fato, de 18 prematuros, apenas três sobreviveram (16,7%). RNs pré-termo reuniram vários fatores adversos: falta de assistência pré-natal, falta de diagnóstico pré-natal, parto em outros hospitais e transporte inadequado. Em conseqüência, foram geralmente admitidos em nosso serviço em más condições clínicas (hipotermia, acidose), necessitando portanto de ventilação mecânica assistida, com risco elevado de infecção.
Os efeitos deletérios da prematuridade no prognóstico da gastrosquise têm sido descritos por diversos investigadores. Snyder relatou uma significante associação entre prematuridade e sepse3, enquanto na revisão de Simmons & Georgeson (1996) fechamento em estágios e hospitalização prolongada foram mais freqüentes em prematuros24. Apesar de autores sugerirem que o parto prematuro está associado com melhor prognóstico, recomendando a realização de cesárea eletiva pré-termo para evitar as complicações da gastrosquise25, acreditamos que essa sugestão deve ser analisada criticamente. Além de não existirem provas convincentes de que o parto prematuro melhore o prognóstico desses RNs26,27, as complicações específicas da prematuridade podem ser catastróficas, particularmente nos países sem condições satisfatórias de cuidados neonatais.
Por outro lado, não encontramos associação entre via de parto e prognóstico. Este achado não surpreende, quando se consideram as controvérsias quanto ao tipo de parto ideal para os casos de gastrosquise. O efeito protetor da cesárea é reconhecido por alguns autores12,25 e negado por outros10,11,13, 15, 28, 29. Na maioria das séries, não se observa impacto da via de parto sobre a mortalidade, tipo de fechamento cirúrgico e complicações pós-operatórias, porém, esses estudos foram observacionais e retrospectivos, sem controle dos fatores confundidores. Ensaios clínicos comparando cesárea e parto vaginal em casos de gastrosquise nunca foram realizados.
O risco de morte foi maior para os RNs provenientes de outros hospitais. Essa diferença é atribuída ao intervalo mais longo entre parto e cirurgia, bem como ao transporte inadequado agravando as condições dos RNs. Esse achado difere de estudos realizados no Reino Unido, que não encontraram melhor prognóstico para os bebês com gastrosquise nascidos nos centros perinatais regionais, em relação àqueles nascidos na periferia e transportados depois do parto30,31. Tais diferenças devem-se aos contrastes na organização dos serviços de saúde perinatal e do transporte neonatal.
Encontramos, ainda, uma mortalidade aumentada com intervalos entre parto-admissão e parto-cirurgia a partir de 2 e 4h, respectivamente. Apesar de vários estudos não confirmarem uma associação entre estes intervalos e o prognóstico neonatal na gastrosquise17,29-31, é evidente que isso ocorre devido a condições ótimas de assistência e transporte neonatal30. Assim, até na presença de cuidados perinatais adequados, autores descrevem melhor prognóstico para um intervalo mais curto entre o parto e a cirurgia. Coughlin et al. (1993) demonstraram que o reparo imediato depois do parto aumentava a freqüência de fechamento primário, facilitando a extubação precoce, alimentação enteral e encurtando a permanência hospitalar32.
Possivelmente, esses fatores pré-operatórios foram responsáveis pela elevada freqüência de pacientes tratados com fechamento em estágios (quase 43%), uma vez que exercem efeitos indesejáveis sobre o intestino eviscerado, impedindo o fechamento primário do abdome. Encontramos um risco de morte aumentado para o fechamento em estágios (56%), embora essa diferença não tenha sido significativa. Isso é importante porque, apesar das controvérsias em relação ao melhor tratamento cirúrgico para os casos de gastrosquise10,33, vários autores relataram melhor prognóstico com o fechamento primário, como recuperação mais precoce da função intestinal, menor permanência hospitalar e taxas mais baixas de sepse e mortalidade17,32,34. Não está claro se estes resultados ocorrem como efeitos diretos do fechamento primário ou se refletem apenas a presença de melhores condições das alças intestinais e menores defeitos, permitindo o reparo fascial imediato17,23,32,34. Entretanto, a recuperação pós-operatória é afetada desfavoravelmente, prolongando-se a necessidade de ventilação mecânica assistida, um fator que expõe os pacientes a maior risco de óbito35.
Este estudo demonstra, pela primeira vez, fatores que afetam o prognóstico neonatal nos casos de gastrosquise em um país em desenvolvimento, sendo que a maioria desses fatores pode ser melhorada para se obter taxas de sobrevida mais elevadas. Uma estratégia adequada deve incluir a disseminação do diagnóstico pré-natal e a referência materna para um centro terciário com unidade neonatal capacitada para o tratamento de casos cirúrgicos. É fundamental identificar as crianças com defeitos da parede abdominal antes do nascimento e garantir transferência pré-natal adequada. Além disso, os profissionais de saúde nos hospitais da periferia devem receber treinamento e instruções apropriadas acerca dos cuidados iniciais e transporte de recém-nascidos de risco. Todas essas são medidas claramente custo-efetivas, requerendo o mínimo de investimento com o máximo retorno em termos de redução da mortalidade29-31.
1.Prof. Assistente de Cirurgia Pediátrica da UFPE
2. Profa. do Mestrado em Saúde Materno-Infantil do IMIP
3. Coordenador do Serviço de Cirurgia Pediátrica do IMIP
4.Coordenador do Centro de Atenção à Mulher do IMIP
5. Residente de Cirurgia Pediátrica do IMIP
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Out 2002 -
Data do Fascículo
2002