Open-access Relação orientador-orientando: o conhecimento multiplicador

Resumos

O artigo resgata a essência da relação orientador-orientado como núcleo de sustentação de um programa de pós-graduação senso estrito e suas influências e implicações no processo atual de formação dos pesquisadores.

Relações Interpessoais; Mentores; Educação de Pós-Graduação


The article captures the essence of the advisor-advisee relationship as the fulcrum of the graduate program, and its influence and implications in the present formation process of new researchers.

Interpersonal Relations; Mentors; Education; Graduate


1-ARTIGO ESPECIAL

Relação orientador-orientando. O conhecimento multiplicador1

Lydia Masako FerreiraI; Fabianne FurtadoII; Tiago Santos SilveiraIII

IChefe do Departamento de Cirurgia, Professora Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica, Professora Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica, UNIFESP, Coordenadora Adjunta da Medicina III, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), São Paulo, Brasil

IIPós-graduanda nível Doutorado, Departamento de Cirurgia, Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica, UNIFESP, São Paulo, Brasil

IIIPós-graduando nível Mestrado, Departamento de Cirurgia, Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica, UNIFESP, São Paulo, Brasil

Correspondence

RESUMO

O artigo resgata a essência da relação orientador-orientado como núcleo de sustentação de um programa de pós-graduação senso estrito e suas influências e implicações no processo atual de formação dos pesquisadores.

Descritores: Relações Interpessoais. Mentores. Educação de Pós-Graduação.

A origem da palavra orientador vem do grego e significa "aconselhar", e, da raiz IndoEuropeia que significa "pensar". Portanto, "Orientador" teria o significado de "aconselhar o pensamento".

Em inglês Mentor (orientador) e mentee (orientando) surgiram da personagem Mentor da obra Odisséia de Homero, que descreve as experiências de Ulisses. Durante a Guerra de Tróia, Ulisses deixou seu filho Telêmaco aos cuidados de seu melhor amigo, Mentor. Passados muitos anos após a Guerra de Tróia, Ulisses não havia regressado e Telêmaco foi em busca de notícias de seu pai. Durante a viagem, Atena, deusa da sabedoria, inteligência e invenção, assumia a forma de Mentor para orientar e encorajar Telêmaco. As vicissitudes dessa viagem ofereceram muitas dificuldades e situações que possibilitaram essa relação orientador-orientando, permitindo o crescimento e o amadurecimento de Telêmaco.

Essa história explica a origem da palavra Mentor e resume o conceito da relação orientador-orientando.

O comitê formado pelas Academias Nacional de Ciências, Nacional de Engenharia e o Instituo de Medicina, definiram por consenso: "Orientação é o relacionamento dinâmico e recíproco profissional e também pessoal entre o docente e o aluno".

O binômio ou díade orientador-orientando é indubitavelmente a base dos Programas de Pós-Graduação (PPG) e o que determina o crescimento e a expansão dos cursos de Pós-Graduação (PG) e a demanda de orientação. É a parte essencial do processo de formação na PG, e é também a mais complexa e delicada relação a ser administrada num PPG senso estrito. Segundo Grant1, "orientar não é somente preocupação com a produção de uma boa tese, mas também com a transformação do orientando em pesquisador independente".

A PG, que concentra quase todo o volume da pesquisa nacional, tem como meta a capacitação profissional de pesquisadores de alto nível, e como parâmetro, o padrão de qualidade do ensino e da pesquisa com ela compatível. Assume-se que o aluno de PG é um pesquisador em potencial, em estágio avançado de desenvolvimento, ou seja, a caminho da autonomia científica, mas ainda depende de um professor, o que justifica as atividades de orientação como efetivamente necessárias2,3.

O processo de construção do conhecimento não é uma atividade isolada e necessita da interação entre os sujeitos professor orientador e aluno orientando2. Desse modo, a orientação se configura como um acompanhamento do pós-graduando nas diversas etapas de seu processo de qualificação acadêmica, não devendo se restringir à leitura e revisão do manuscrito, da dissertação ou da tese2,4.

As etapas pelas quais se processa a formação de novos pesquisadores passam pelo Conhecimento Declarado e Processual (teoria, literatura e evidência), Conhecimento Processual (metodologia, análise e redação) que junto levam ao Conhecimento Condicional (desenho da pesquisa e publicação) e finalmente ao Conhecimento Funcional (pesquisador independente)5. No entanto, além da formação do pesquisador independente, uma etapa não descrita, mas de fundamental importância é o Conhecimento que denominamos como Multiplicador, que é a formação de novos líderes e de núcleos para outros ambientes, por meio de ferramentas que permitam estimular outras características dos alunos.

A defesa de tese passa a ser somente uma pequena parte do processo de formação do aluno e, a transformação em pesquisador independente é associada à capacidade em captar recursos humanos e verbas para a continuidade da linha de pesquisa e para o crescimento e perenidade do grupo de pesquisa, possibilitando nuclear outros pesquisadores.

Essa nucleação tem interesse nacional para que haja maior homogeneidade regional de grupos de pesquisa atuantes com aumento da produção científica brasileira.

Além das etapas técnicas na formação do pesquisador, a relação orientador-orientando apresenta etapas:

1. Processo de escolha orientador-orientando: representa fundamentalmente a capacidade do orientador com suas linhas de pesquisa de seduzir e inspirar o aluno. Quanto maior é o impacto da temática e quanto maior a produção intelectual do orientador dentro de sua linha de pesquisa, maior a procura pelos alunos. Quando o aluno procura o Programa e o orientador que lhe ofereça muitas facilidades operacionais durante a tese, muito provavelmente só deseja obter título e terá grandes dificuldades em se manter em atividades de pesquisa. Leite-Filho & Martins3 demonstraram que os orientadores valorizam características técnicas dos alunos, enquanto os orientandos enfatizam as características afetivas e pessoais dos orientadores.

2. Processo seletivo de alunos: é o segredo do sucesso da relação orientador-orientando e do PPG senso estrito. Quando a seleção é adequada (direcionada ao senso estrito) prevalece a concordância mútua em se cumprir compromissos estabelecidos e maior comprometimento do aluno com o PPG. Quando existe amizade prévia entre orientador e orientando, através da iniciação científica ou estágios, há maior probabilidade de êxito na formação do aluno. Na maioria das vezes observa-se reciprocidade e complementaridade, com comunhão de idéias na vida acadêmica, o que pode explicar a ausência de poder e conflito na relação. O alinhamento entre o orientador e orientando é o que vai determinar a qualidade da tese e do programa, mantendo o foco na produção do conhecimento, através de uma estratégia construtiva em relação ao orientador6. Quando estes atores renunciam às suas funções, podem ocorrer rupturas no relacionamento que acabam por influenciar de maneira negativa o processo de construção e a qualidade dos trabalhos da PG.

3. Condução do modelo pedagógico de cada orientador: envolve um conjunto de estratégias e comportamento e, é o que determina o entusiasmo, a participação e o envolvimento do aluno nesse caminho de formação7. O aluno aprende a orientar com o próprio orientador. O PPG deve buscar um modelo que sirva de espinha dorsal para a expansão das suas linhas de pesquisa (foco central de um PPG) agregando o trabalho da universidade e dos institutos de pesquisa e os novos desafios.

Muito além, a orientação pressupõe a indicação e monitoramento de uma série de atividades, tais como leituras, estudos dirigidos, estágios de pesquisa e atendimento a cursos ou disciplinas que possam ampliar ou completar conhecimentos do aluno na área específica de seu interesse2. O orientador deve buscar o equilíbrio entre dependência e independência na orientação aos seus alunos, em que os extremos devem ser evitados (dependência ou independência excessiva)8. O ideal é o modelo sinérgico em que se aplica o conhecimento funcional e multiplicador, e o construtivismo, obtendo como resultado um aumento da capacidade cognitiva e afetiva do aluno, independentemente, se de maneira formal ou informal.

A orientação inclui o encaminhamento e a supervisão do candidato na montagem e execução de sua própria pesquisa, compreendendo, portanto, todas as etapas da investigação, análise crítica e discussão dos resultados e redação final da tese e do artigo científico oriundos2. Essa orientação pode ser confiada a docentes qualificados, detentores dos conhecimentos de uma linha de pesquisa consolidada, com produção científica relevante, quantitativa e qualitativamente e que estejam devidamente familiarizados com a organização e sistemática operacional do Programa ao qual estão vinculados. Essas características e a capacidade de encorajar pesquisa criativa e competitiva são as responsáveis pela orientação de todo o processo educativo, desenvolvimento de uma relação eficaz com o orientando e crescimento profissional do mesmo.

Dentre o perfil do aluno de mestrado desejado pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) são listados: ter um bom domínio da língua portuguesa, ler textos técnicos em inglês e escrever pequenos textos neste idioma, ter sido aprovado com boas notas nas disciplinas cursadas, ser confiável, responsável, pontual e organizado, respeitar prazos, ter iniciativa própria, saber trabalhar de forma independente, ser capaz de trabalhar em equipe colaborando com outros alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado, preferentemente deve se dedicar à PG em tempo integral e ter bons conhecimentos na área escolhida. Para o doutorado, a CAPES espera: ser capaz de redigir um plano coerente para a sua pesquisa de doutorado, ter suficiente domínio da língua inglesa para publicar artigos, mostrar que possui senso crítico com relação ao próprio trabalho e ao de outros, ser capaz de formular problemas e resultados de forma rigorosa, ser capaz de fazer um levantamento de trabalhos relacionados de forma independente, ter iniciativa e capacidade de descobrir novos trabalhos relacionados e compará-los à própria abordagem, mostrar disposição para participar ativamente de projetos de pesquisa com outros alunos e professores e assumir responsabilidades nestes projetos.

Os obstáculos ao processo de orientação se resumem: 1. as análises do desempenho dos PPG traduzidas em notas passam a apontar para a importância do orientador; 2. aumento das responsabilidades: a atividade do orientador passa a transcender os limites da relação orientador-orientando para assumir proporções e importância institucionais; 3. Descumprimento das diretrizes e resoluções (professores despreparados, excesso de alunos e carência de orientadores)3; 4. Alguns critérios de avaliação da CAPES: tempo médio de titulação, quantidade de alunos por professores; percentuais de titulação e desistência; 5. Orientação não qualificada3; 6. Relacionados com a capacidade de escrita e construção dos trabalhos dos orientandos deixam fortes evidências de quanto a atividade de orientação qualifica os orientandos para a autoria; 7. Dedicação insuficiente por parte dos orientadores; 8. A autocracia que domina as relações dentro dos PPG dificulta o relacionamento eficaz entre orientador e orientando3,6.

Por tudo já descrito, o ponto central do sistema de PG reside na orientação3,9. Complexa, diversificada e, por vezes difícil de ser definida, a relação orientador-orientando é não apenas extremamente importante para o desempenho de uma PG, mas absolutamente fundamental enquanto parte integrante do processo. Passando por uma gama de pré-condições, da competência à empatia, ela se prende boa parte do sucesso ou insucesso de um pós-graduando, com implicações que podem ser igualmente significativas para seu orientador e para o próprio Programa a que ambos pertencem. Humildade profissional, disposição e compreensão mútuas perpassam a relação2.

A orientação constitui um acompanhamento muito próximo do aluno pelo orientador, embora possa variar, em cada caso, o grau daquela proximidade. Dependendo do nível de autonomia do aluno, vale dizer, de sua experiência em pesquisa, a atuação do orientador será mais ou menos intensa, freqüente e diversificada. Por parte do aluno também, a busca de apoio junto a seu orientador varia com o seu preparo. O "estado de disponibilidade", do orientador é essencial, razão por que se faz necessária a limitação do número de orientandos por orientador.

A relação orientador-orientando resulta em consolidação do conhecimento científico. Todavia, para que este processo seja produtivo, é necessário que os orientadores e os orientandos conheçam as suas prerrogativas, constituindo por meio de um relacionamento construtivo o espaço propício e efetivo para a geração de conhecimento3. Podem interferir na relação orientador-orientando: professores despreparados para a atividade de orientação; excesso de alunos orientandos; carência de orientadores com tempo e disponibilidade, relações autocráticas, expectativas irrealistas das partes; dependência excessiva; barreiras culturais e competição entre orientador e orientando3.

Assim, algumas qualidades tornam-se indispensáveis a um orientador, além do conhecimento e experiência apropriados: profissionalismo, interesse, flexibilidade, paciência, comunicação, criatividade, respeito, honestidade, responsabilidade, organização, o respeito de seus pares e a integração com uma rede internacional de contatos5,9. Por outro lado cabe aos alunos orientandos: motivação, objetividade, curiosidade, entusiasmo, ambição, respeito, auto-disciplina e dedicação2,9.

É importante lembrar de que os benefícios de uma relação não são unilaterais. Para o orientando, resulta em crescimentos pessoal, profissional e acadêmico, encorajamento, direção, desenvolvimento de senso crítico, independência e auto-confiança. Já para o orientador ocasiona em aumento da satisfação pessoal, estímulo, oportunidade de manter-se atualizado em termos de técnicas e conhecimento, aumento da habilidade para atrair novos colaboradores pra projetos atuais e futuros, além de proporcionar oportunidade para "criar um legado" em gerações futuras na linha de pesquisa6-8.

A relação de convivência é fundamental. Deve estar baseada na parceria, consistência, respeito mútuo e compromisso de ambas as partes12,13. Dela é que surgem os estímulos, os desafios e as proposições de idéias ou das linhas de pesquisa. Se a relação é saudável e reflete o estado de PG, certamente dará bons e contínuos frutos, implicando em responsabilidade social e cidadania4.

"Quem quer colher em curto prazo deve plantar cereais; quem quer colher a médio prazo deve plantar árvores; quem quer colher a longo prazo deve educar pessoas." - Provérbio Chinês

"Não são as espécies mais fortes e nem as mais inteligentes que sobrevivem, mas sim aquelas que melhor respondem às mudanças" - Charles Darwin

References

Referências bibliográficas

  • 1. Grant B. Mapping the pleasures and risks of supervision. Discourse. 2003;24(2):175-90.
  • 2. Galvão MCC. Reflexões: questões sobre as atividades de orientação em pós-graduação. Revista ANPEGE. 2007;3:3-16.
  • 3. Leite-Filho GA, Martins GA. Relação orientador-orientando e suas influências na elaboração de Teses e Dissertações. RAE. 2006;46:99-109.
  • 4. Goldenberg S. Pós-Graduação em cirurgia: mestrado e doutorado. Acta Cir Bras. 1992;7(4):168-71.
  • 5. Ende J. Feedback in clinical medical education. JAMA. 1983;250(6):777-81.
  • 6. Friedman PK, Arena C, atchison K, Beemsterboer PL, Farsai P, Giusti JB, Haden NK, Martin ME, Sanders CF, Sudzina MR, Tedesco LA, Williams JN, Zinser N, Valachovic RW, Mintz JS, Sandmeyer SM. Report of the ADEA President's Commission on Mentoring. J Dent Educ. 2004;68(3):390-6.
  • 7. Bernard P. Mentors. A supporting act. Nurs Times. 1988;84(46):27-8.
  • 8. Lee A, Dennis C, Campbell P. Nature's guide for mentors. Nature. 2007;447(7146):791-7.
  • 9. Silva Junior OC. A pesquisa científica e o binômio orientador & orientando. Acta Cir Bras. 1992;7(4):166-7.
  • 10. Schrubbe KF. Mentorship: a critical component for professional growth and academic sucess. J Dent Educ. 2004;68(3):324-8.
  • 11. Cahill HA. A qualitative analysis of student nurses' experience of mentorship. J Adv Nurs. 1996;24(4):791-9.
  • 12. Wilkes Z. The student-mentor relationship: a review of the literature. Nurs Stand. 2006;20(37):42-7.
  • 13. Bowen D. Were men meant to mentor women? Train Dev J. 1985;39(2):30-4.
  • Correspondence:
    Lydia Masako Ferreira
    Department of Surgery / Plastic Division
    Federal University of Sao Paulo
    Rua Napoleao de Barros, 715/4º andar
    04024-900 Sao Paulo - SP Brazil
    Phone: (55 11)5539-0824
  • 1
    Work performed at Department of Surgery, Post Graduation Program of Plastic Surgery, Federal University of Sao Paulo (UNIFESP), Sao Paulo, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      18 Mar 2009
    • Recebido
      10 Dez 2008
    location_on
    Sociedade Brasileira para o Desenvolvimento da Pesquisa em Cirurgia https://actacirbras.com.br/ - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actacirbras@gmail.com
    rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
    Acessibilidade / Reportar erro