Resumos
OBJETIVOS: Verificar características clínicas e achados citogenéticos de pacientes com suspeita de mosaicismo submetidos à avaliação cromossômica por meio do cariótipo por bandas GTG de linfócitos e fibroblastos. MÉTODOS: Realizou-se uma análise retrospectiva dos pacientes avaliados no Serviço de Genética Clínica do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, entre 1975 e 2009, por meio da coleta de dados clínicos e resultados da avaliação citogenética. RESULTADOS: A amostra foi composta de 15 pacientes, seis (40%) do sexo masculino, e idades variando de dez dias a 14 anos. Na análise cromossômica do sangue, alterações foram observadas em quatro pacientes (26,7%), incluindo-se um caso de translocação balanceada [t(2;9)pat] e três de mosaicismo [um caso, respectivamente, de mos 45,X/46,X,+mar; mos 46,XY,r(12)/45,XY,-12/47,XY,r(12),+r(12) e mos 46,XY/47,XY,+9]. Com o objetivo de confirmar ou mesmo identificar um mosaicismo cromossômico, os pacientes foram submetidos posteriormente ao cariótipo de pele. Os principais motivos pelos quais os pacientes com cariótipo do sangue sem mosaicismo apresentaram tal suspeita foram a presença de hemi-hipertrofia (n=5) e de manchas hipocrômicas seguindo as linhas de Blaschko (n=4). Mosaicismo foi confirmado em dois casos e identificado em outros dois (dois casos de mos 46,XX/47,XX,+22). O mos 46,XY/47,XY,+9 não foi verificado no estudo dos fibroblastos. CONCLUSÕES: Os resultados ilustram a variabilidade tecidual característica dos casos de mosaicismo cromossômico, bem como confirmam a importância da avaliação de um segundo tecido para a determinação diagnóstica. Achados clínicos, como assimetria de membros e anomalias pigmentares seguindo as linhas de Blaschko, são fortemente indicativos da presença de mosaicismo.
mosaicismo; aberrações cromossômicas; análise citogenética; transtornos da pigmentação; hipertrofia
OBJETIVOS: Verificar características clínicas y hallazgos citogenéticos de pacientes con sospecha de mosaicismo sometidos a la evaluación cromosómica mediante cariotipo por bandas GTG de linfocitos y fibroblastos. MÉTODOS: se realizó un análisis retrospectivo de los pacientes evaluados en el Servicio de Genética Clíncia de UFCSPA/CHSCPA, en el periodo de enero de 1975 a junio de 2008, mediante la recolección de datos clínicos y resultados de la evaluación citogenética. RESULTADOS: La muestra estuvo compuesta por 15 pacientes, 6 de ellos (40%) del sexo masculino y edades variando entre 10 días y 14 años. En el análisis cromosómico de la sangre, se observaron alteraciones en 4 (26,7%) y se incluyó 1 caso de translocación balanceada [t(2;9)pat] y 3 de mosaicismo [1 caso, respectivamente, de mos 45,X/46,X,+mar; mos 45,XY,-12/46,XY,r(12)/47,XY,r(12),+r(12) y mos 47,XY,+9/46,XY]. Con el objetivo de confirmar, o incluso identificar un mosaicismo cromosómico, los pacientes fueron sometidos posteriormente al cariotipo de piel. Los principales motivos por los que los pacientes con cariotipo de la sangre sin mosaicismo presentaron tal sospecha fueron la presencia de hemihipertrofia (n=5) y de manchas hipocrómicas siguiendo las líneas de Blaschko (n=4). Se confirmó el mosaicismo en 2 casos y se identificó en otros 2 (2 casos de mos 47,XX,+22/46,XX). El mos 47,XY,+9/46,XY no fue verificado en el estudio de los fibroblastos. CONCLUSIONES: Los resultados demuestran la variabilidad tejidual característica de los casos de mosaicismo cromosómico, así como confirman la importancia de la evaluación de un según tejido para la determinación diagnóstica. Hallazgos clínicos, como asimetría de miembros y anomalías pigmentares siguiendo las líneas de Blaschko son fuertemente indicativos de la presencia de mosaicismo.
mosaicismo; aberraciones cromosómicas; análisis citogenético; trastornos de la pigmentación; hipertrofia
OBJECTIVE: To verify clinical characteristics and cytogenetic findings of patients suspects of having mosaicism and submitted to chromosomal analysis of lymphocytes and fibroblasts through GTG-Banding karyotype. METHODS: This is a retrospective analysis of the patients evaluated in the Genetic Clinic of Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre of the Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, from 1975 to 2009 (clinical data and results of cytogenetic exams were evaluated). RESULTS: Fifteen patients were enrolled, being six males (40%) with ten days to 14 years-old. Alterations in the chromosomal analysis of blood were observed in four patients (26.7%) and included one case of balanced translocation [t(2;9)pat] and three cases of mosaicism [mos 45,X/46,X,+mar; mos 46,XY,r(12)/45,XY,-12/47,XY,r(12),+r(12) and mos 46,XY/47,XY,+9]. The patients were then submitted to skin karyotype to confirm or to identify a chromosomal mosaicism. The main reasons for such suspicion in patients with blood karyotype without mosaicism were the presence of hemihypertrophy (n=5) and skin spots following the Blaschko lines (n=4). Mosaicism was confirmed in two cases and identified in another two (two cases of mos 46,XX/47,XX,+22). The mos 46,XY/47,XY,+9 was not verified in the fibroblast study. CONCLUSIONS: Our results highlight the tissue variability that is characteristic of chromosomal mosaicism, as well as confirm the importance of the evaluation of a second tissue for the diagnosis. Clinical findings, as limb asymmetry and pigmentary anomalies following the Blaschko lines, are strongly indicative of mosaicism.
mosaicism; chromosome aberrations; cytogenetic analysis; pigmentation disorders; hypertrophy
ARTIGO ORIGINAL
Importância da análise cromossômica dos fibroblastos em casos suspeitos de mosaicismo: experiência de um serviço de Genética Clínica
Importancia del análisis cromosómico de los fibroblastos en casos sospechosos de mosaicismo: experiencia de un servicio de Genética Clínica
Giorgio Adriano PaskulinI; Marina Boff LorenzenII; Rafael Fabiano M. RosaIII; Carla GraziadioIV; Paulo Ricardo G. ZenV
IDoutor em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Professor Associado da Disciplina de Genética Clínica da UFCSPA, Porto Alegre, RS, Brasil
IIAcadêmica do Curso de Medicina da UFCSPA, Porto Alegre, RS, Brasil
IIIDoutorando do Programa de Pós-Graduação em Patologia da UFCSPA; Geneticista Clínico do CHSCPA da UFCSPA, Porto Alegre, RS, Brasil
IVDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Patologia da UFCSPA; Professora Assistente da Disciplina de Genética Clínica da UFCSPA, Porto Alegre, RS, Brasil
VDoutor pelo Programa de Pós-Graduação em Patologia da UFCSPA; Professor Adjunto da Disciplina de Genética Clínica da UFCSPA, Porto Alegre, RS, Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Paulo Ricardo G. Zen Rua Sarmento Leite, 245, sala 403 CEP 90050-170 - Porto Alegre/RS E-mail: paulozen@ufcspa.edu.br
RESUMO
OBJETIVOS: Verificar características clínicas e achados citogenéticos de pacientes com suspeita de mosaicismo submetidos à avaliação cromossômica por meio do cariótipo por bandas GTG de linfócitos e fibroblastos.
MÉTODOS: Realizou-se uma análise retrospectiva dos pacientes avaliados no Serviço de Genética Clínica do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, entre 1975 e 2009, por meio da coleta de dados clínicos e resultados da avaliação citogenética.
RESULTADOS: A amostra foi composta de 15 pacientes, seis (40%) do sexo masculino, e idades variando de dez dias a 14 anos. Na análise cromossômica do sangue, alterações foram observadas em quatro pacientes (26,7%), incluindo-se um caso de translocação balanceada [t(2;9)pat] e três de mosaicismo [um caso, respectivamente, de mos 45,X/46,X,+mar; mos 46,XY,r(12)/45,XY,-12/47,XY,r(12),+r(12) e mos 46,XY/47,XY,+9]. Com o objetivo de confirmar ou mesmo identificar um mosaicismo cromossômico, os pacientes foram submetidos posteriormente ao cariótipo de pele. Os principais motivos pelos quais os pacientes com cariótipo do sangue sem mosaicismo apresentaram tal suspeita foram a presença de hemi-hipertrofia (n=5) e de manchas hipocrômicas seguindo as linhas de Blaschko (n=4). Mosaicismo foi confirmado em dois casos e identificado em outros dois (dois casos de mos 46,XX/47,XX,+22). O mos 46,XY/47,XY,+9 não foi verificado no estudo dos fibroblastos.
CONCLUSÕES: Os resultados ilustram a variabilidade tecidual característica dos casos de mosaicismo cromossômico, bem como confirmam a importância da avaliação de um segundo tecido para a determinação diagnóstica. Achados clínicos, como assimetria de membros e anomalias pigmentares seguindo as linhas de Blaschko, são fortemente indicativos da presença de mosaicismo.
Palavras-chave: mosaicismo; aberrações cromossômicas; análise citogenética; transtornos da pigmentação; hipertrofia.
RESUMEN
OBJETIVOS: Verificar características clínicas y hallazgos citogenéticos de pacientes con sospecha de mosaicismo sometidos a la evaluación cromosómica mediante cariotipo por bandas GTG de linfocitos y fibroblastos.
MÉTODOS: se realizó un análisis retrospectivo de los pacientes evaluados en el Servicio de Genética Clíncia de UFCSPA/CHSCPA, en el periodo de enero de 1975 a junio de 2008, mediante la recolección de datos clínicos y resultados de la evaluación citogenética.
RESULTADOS: La muestra estuvo compuesta por 15 pacientes, 6 de ellos (40%) del sexo masculino y edades variando entre 10 días y 14 años. En el análisis cromosómico de la sangre, se observaron alteraciones en 4 (26,7%) y se incluyó 1 caso de translocación balanceada [t(2;9)pat] y 3 de mosaicismo [1 caso, respectivamente, de mos 45,X/46,X,+mar; mos 45,XY,-12/46,XY,r(12)/47,XY,r(12),+r(12) y mos 47,XY,+9/46,XY]. Con el objetivo de confirmar, o incluso identificar un mosaicismo cromosómico, los pacientes fueron sometidos posteriormente al cariotipo de piel. Los principales motivos por los que los pacientes con cariotipo de la sangre sin mosaicismo presentaron tal sospecha fueron la presencia de hemihipertrofia (n=5) y de manchas hipocrómicas siguiendo las líneas de Blaschko (n=4). Se confirmó el mosaicismo en 2 casos y se identificó en otros 2 (2 casos de mos 47,XX,+22/46,XX). El mos 47,XY,+9/46,XY no fue verificado en el estudio de los fibroblastos.
CONCLUSIONES: Los resultados demuestran la variabilidad tejidual característica de los casos de mosaicismo cromosómico, así como confirman la importancia de la evaluación de un según tejido para la determinación diagnóstica. Hallazgos clínicos, como asimetría de miembros y anomalías pigmentares siguiendo las líneas de Blaschko son fuertemente indicativos de la presencia de mosaicismo.
Palabras-clave: mosaicismo; aberraciones cromosómicas; análisis citogenético; trastornos de la pigmentación; hipertrofia.
Introdução
Mosaicismo cromossômico é um fenômeno razoavelmente frequente, porém pouco identificado. Acredita-se que a incidência dos casos que levam a efeitos fenotípicos significativos seja maior do que 1 em 10 mil(1). É definido como a existência de duas ou mais linhagens celulares com diferentes constituições cromossômicas em um mesmo indivíduo(1-3). A descrição do estado de mosaico foi possibilitada pelos avanços genéticos- no que se refere às técnicas de análise cromossômica- ocorridos, sobretudo, a partir da década de 1950. O conhecimento da sua etiologia é de grande importância, pois permite a correta interpretação dos resultados laboratoriais, determinação diagnóstica e conduta clínica, com possível predição do fenótipo em alguns casos. Conhecendo-se o seu mecanismo, é possível afirmar que toda e qualquer doença genética pode existir no estado de mosaico(1).
Usualmente, as investigações clínicas limitam-se à análise cariotípica das células sanguíneas. Entretanto, a dificuldade diagnóstica que ocorre em muitos casos de mosaicismo confirma a importância da análise de um segundo tecido. Nessas situações, faz-se uso principalmente da pele. Contudo, são poucos os laboratórios em nosso meio que apresentam infraestrutura e capacidade técnica adequadas para realizar esse tipo de análise. Além disso, existe uma escassez de estudos relacionados em nosso meio, sendo que os mesmos consistem basicamente de relatos de caso(4-6).
Assim, o objetivo de nosso estudo foi verificar as características clínicas e os achados citogenéticos de pacientes suspeitos de mosaicismo submetidos à avaliação cromossômica por meio do cariótipo por bandas GTG de linfócitos e fibroblastos, atendidos em um serviço de Genética Clínica.
Método
Este estudo incluiu todos os pacientes atendidos no Serviço de Genética Clínica do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) desde a sua criação, entre 1975 e 2009, e que apresentavam suspeita de mosaicismo. Foram incluídos somente os indivíduos submetidos tanto ao cariótipo de sangue periférico como de fibroblastos da pele. Pacientes que apresentavam prontuários com a descrição clínica incompleta ou que não realizaram o cariótipo de pele foram excluídos.
Foi realizada uma análise retrospectiva das características clínicas e citogenéticas dos pacientes a partir de um levantamento sistemático dos seus prontuários médicos e preenchimento de um protocolo padrão. Esses dados consistiram, basicamente, da idade dos pacientes no momento da primeira avaliação; sexo; motivo do seu encaminhamento para a Genética; serviço que realizou o encaminhamento; motivo para realização do cariótipo de pele e resultados das análises cariotípicas.
A análise do sangue é realizada rotineiramente no Laboratório de Citogenética da UFCSPA, por meio do cariótipo por bandas G com tripsina e Giemsa (GTG). Este consiste basicamente na preparação de cultivos celulares com mitogênicos estimulantes dos linfócitos (fito-hemaglutinina), aplicação de colchicina, choque hipotônico, fixação das células com solução de Carnoy e preparação de lâminas para coloração pela técnica de bandas GTG.
Cariótipo de fibroblastos é realizado a partir de biópsias de pele. Após o procedimento, o fragmento de pele excisado é inicialmente colocado em um frasco com meio de cultura para transporte. Este é a seguir transferido para uma placa de Petri pequena, onde é picotado com o uso de bisturi, para a dissociação mecânica das células. Em seguida, o material é semeado em frascos contendo meio de cultura e colocado em uma estufa. Ao final do crescimento das culturas, estas passam pelo mesmo processo realizado com o sangue, iniciando-se pela aplicação da colchicina.
A análise de ambos os tipos de cariótipo foi realizada em um microscópio (Axioskop Zeiss, Carl Zeiss, Inc.). Os resultados foram reavaliados de acordo com as normas publicadas em 2009 do International System for Human Cytogenetic Nomenclature (ISCN), que é o sistema de nomenclatura padrão para a descrição das anormalidades cromossômicas(7). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFCSPA.
Resultados
Dos pacientes avaliados pelo Serviço, 15 realizaram cariótipos de sangue e de pele dentro da sua avaliação citogenética. Seis deles eram do sexo masculino (40%) e nove, do feminino (60%). Suas idades variaram no momento da primeira avaliação de dez dias de vida a 14 anos (mediana: 1,7 ano) (Tabela 1). A maior parte veio encaminhada pela Pediatria (n=11; 73,3%) e quatro (26,7%), por outras especialidades. Os principais motivos de encaminhamento foram: aspecto sindrômico (33%); hemi-hipertrofia (20%), retardo do desenvolvimento neuropsicomotor (20%); crises convulsivas (13%) e incontinência pigmentar (7%).
Quanto à análise cromossômica do sangue, alterações foram observadas em quatro pacientes (27%) e incluíram um caso de translocação balanceada entre os cromossomo 2 e 9 de origem paterna [t(2;9)pat] e três de mosaicismo [um de mos 45,X/46,X,+mar (mosaicismo para uma linhagem com monossomia do cromossomo X e outra com ausência de um cromossomo sexual e presença de um cromossomo marcador); um de mos 46,XY,r(12)/45,XY,-12/47,XY,r(12),+r(12) (mosaicismo para três diferentes linhagens com o cromossomo 12 em anel) e um de mos 46,XY/47,XY,+9 (trissomia do cromossomo 9 em mosaico)]. O número de metáfases analisadas variou de 20 a 226 (mediana: 33) (Tabela 1 e Figura 1).
Com o objetivo de confirmar ou identificar um mosaicismo cromossômico, esses pacientes foram submetidos posteriormente ao cariótipo de pele. O motivo pelo qual os pacientes com cariótipo do sangue sem mosaicismo apresentaram tal suspeita foi a presença de hemi-hipertrofia (n=5); manchas hipocrômicas seguindo as linhas de Blaschko (n=4); quadro de malformações múltiplas associado a retardo no desenvolvimento neuropsicomotor (n=3); hipertrofia de membro (n=2); manchas hipercrômicas e verrucosas seguindo as linhas de Blaschko (n= 1) e manchas café-com-leite respeitando a linha média (n=1) (Tabela 1 e Figura 1). Na análise cromossômica dos fibroblastos, identificou-se mosaicismo em dois desses pacientes (16,7%) [dois casos de mos 46,XX/47,XX,+22 (trissomia do cromossomo 22 em mosaico)]. Dentre os que apresentavam mosaicismo no cariótipo de sangue (n=3), dois foram verificados também na análise da pele [mos 45,X/46,X,+mar e mos 46,XY,r(12)/45,XY,-12/47,XY,r(12),+r(12)], enquanto que o mos 46,XY/47,XY,+9 não foi confirmado. O número de metáfases analisadas na análise cromossômica dos fibroblastos variou de dez a 124 (mediana: 48) (Tabela 1), sendo que o principal local de realização da biópsia de pele foi o antebraço.
Discussão
Linhagens celulares anormais tendem a não ultrapassar o crivo da seleção natural. O curto período durante o qual a clivagem do embrião avança pelo estágio de mórula e de blastocisto tende a ser o de maior seleção. Nesse momento, embriões geneticamente anormais são detidos, pois muitas alterações são letais(8,9). Um mosaicismo extenso pode também evitar a progressão a blastocisto(10). As linhagens celulares portadoras de anormalidades que sobrevivem podem estar aptas a continuar até o final do primeiro e início do segundo trimestre, período no qual a pressão da seleção novamente atua, sendo o momento em que a perda da gravidez é reconhecida como aborto clínico. Algumas anormalidades podem somente, ou quase, existir no estado de mosaico, sendo a forma não-mosaico letal no período intraútero. Exemplos disso são os mosaicismos envolvendo uma linhagem normal e outra com trissomia do cromossomo 9 ou trissomia do cromossomo 22, como identificado em três pacientes de nossa amostra.
Um grau pequeno de mosaicismo confinado pode não provocar efeitos fenotípicos muito graves; no entanto, isso depende do tipo de tecido e do quanto ele é anormal. Por exemplo, uma área localizada de um tipo celular em uma parte do cérebro poderia teoricamente causar uma disfunção neurológica; uma anormalidade envolvendo uma gônada ou parte de uma gônada poderia levar à formação de gametas não balanceados e à concepção de uma criança malformada. É plausível imaginar que ilhas desconhecidas de mosaico envolvendo um número pequeno de células possam ser comuns. Talvez todos nós sejamos um mosaico(11). Essa variabilidade tecidual pode também ser ilustrada pelos nossos pacientes com trissomia do cromossomo 9 ou trissomia do cromossomo 22, cujo mosaicismo foi identificado, respectivamente, em apenas um tecido analisado.
Assim, o mosaicismo pode ser muito abrangente, e a distribuição das diferentes linhagens celulares, muito variável. Isso dependerá do momento em que ocorreu o erro mitótico: quanto mais cedo a mutação acontece na embriogênese, maior a probabilidade de uma fração substancial do soma ser alterada, levando a um crescente afastamento do fenótipo normal(11). No entanto, uma mutação mais tardia pode dar origem a um mosaicismo confinado apenas a alguns tecidos, ou mesmo a um único órgão(3). Outros fatores que podem influenciar são o tipo de mutação; o(s) tipo(s) específico(s) de célula(s) envolvido(s) e o destino da linhagem celular em particular que surgiu (como migração e seleção) (2,11,12).
O mosaicismo cromossômico, por sua vez, pode estar presente clinicamente como um fenótipo reconhecido, como na tetrassomia 12p/síndrome de Pallister-Killian e no mosaicismo da síndrome de Down, ou como um indivíduo dismórfico e intelectualmente afetado com uma análise cromossômica de linfócitos normal, como suspeitou-se nos pacientes 6, 11 e 14 de nossa amostra. Muitas vezes, o estado mosaico pode ser responsável por um abrandamento das características clínicas dos pacientes. Por exemplo, alguns indivíduos com a síndrome de Turner e Klinefelter em mosaico podem ser férteis, ao contrário daqueles que apresentam somente a linhagem celular alterada. Apesar de tudo isso, o diagnóstico clínico de mosaicismo cromossômico pode ser difícil e muitos casos são inicialmente identificados somente pela análise citogenética(1).
Os principais sinais clínicos que levam à suspeita de mosaicismo somático são alterações no crescimento e no padrão de pigmentação da pele. A linhagem celular alterada pode distorcer o padrão de crescimento normal, formando regiões hipoplásicas e assimétricas(1,2). Esse acometimento pode ser altamente variável e envolver parte de um membro, todo membro ou um lado do corpo (hemi-hipertrofia)(2), como observado em cinco pacientes de nossa amostra (Figura 1). A hemi-hipertrofia é realmente o achado mais comumente relatado segundo a literatura. A hemiatrofia, por sua vez, pode também ocorrer, embora a diferenciação na prática com a hemi-hipertrofia do lado contralateral seja difícil(1).
Pacientes com mosaicismo cromossômico podem também apresentar alterações pigmentares (com hiper ou hipopigmentação)(2). O fenótipo típico mostra áreas hipopigmentadas com verticílios e estrias uni ou bilaterais, seguindo as linhas de Blaschko(13). Estas foram primeiramente descritas em 1901, pelo anatomista alemão Alfred Blaschko, e correspondem às linhas de migração das células da pele durante o desenvolvimento normal do organismo. Entretanto, outros tipos de padrões pigmentares, como xadrez, zosteriforme, dermatoforme ou similar a placas, também são observados(13,14). A esse fenótipo é atribuído usualmente o nome de hipomelanose de Ito, sendo que cinco pacientes de nossa amostra o possuíam (pacientes 1, 2, 8, 12 e 15).
Na maioria dos casos de hipomelanose de Ito, as alterações pigmentares da pele são interpretadas como lesões hipopigmentadas, sendo evidente quando grandes áreas de pele não envolvida estão presentes. Mas é difícil decidir se lesões de pele hipo ou hiperpigmentadas estão presentes, especialmente quando as lesões são maiores e misturadas com pele normal(13). A lâmpada de Woods pode auxiliar na detecção, especialmente em indivíduos caucasianos (as manchas são mais bem visualizadas em indivíduos de pele escura)(1). O início das anomalias pigmentares tem sido descrito em alguns casos ao nascimento, mas podem não ser detectadas até os dois a cinco anos (em geral, são mais evidentes após o início da exposição ao sol)(1,2,5,13).
Apesar do uso frequente do termo "síndrome" para a hipomelanose de Ito, sugestiva de uma condição única, o conceito atual é de que ela representa a expressão cutânea (fenotípica) de um mosaicismo cromossômico ou genético(15), ou seja, ela seria um sinal/sintoma e não uma síndrome única(16). A ideia que se tem é de que os dois tipos de pele representariam os dois diferentes genótipos; contudo, a comprovação dessa hipótese é difícil, pois a maioria dos estudos mostra uma mistura de tipos celulares em biópsias de ambos os tipos de pele(16,17). Talvez as desordens seguindo as linhas de Blaschko sejam devidas a mutações em células epidérmicas (no caso, queratinócitos e melanócitos), mais do que em fibroblastos da derme(17).
Por outro lado, na hipermelanose nevoide linear e com verticílio, outro tipo de fenótipo neurocutâneo, as lesões de pele, diferentemente da hipomelanose de Ito, são hiperpigmentadas. Entretanto, a análise citogenética frequentemente revela mosaicismo cromossômico tanto na hipomelanose de Ito como na hipermelanose nevoide linear e com verticílio(14). É interessante notar que a paciente 4 de nosso estudo apresentava manchas seguindo as linhas de Blaschko, mas com um aspecto peculiar: eram verrucosas. A soma dos seus achados clínicos levou ao diagnóstico posterior de síndrome do nevo epidérmico, também conhecida como síndrome de Schimmelpenning-Feuerstein-Mims, uma condição que se acredita ser causada por mutação gênica autossômica dominante letal que sobrevive através de mosaicismo somático(18).
Os casos de mosaicismo cromossômico são identificados usualmente por meio do exame de cariótipo, sendo que o diagnóstico requer a investigação cuidadosa das células para que possa ser confirmado. A definição citogenética aceita diz que um mosaico existe se duas ou mais células são encontradas com a mesma alteração estrutural ou com o mesmo cromossomo supranumerário. Por outro lado, se um cromossomo está ausente, a mesma alteração deve ser detectada em ao menos três ou mais células. O cariótipo é comumente realizado a partir da análise de linfócitos de sangue periférico, no qual são avaliadas 15 placas metafásicas para cada paciente. Estas representam cerca de apenas um bilionésimo de 1% do total de células de uma pessoa adulta; no entanto, essa fração diminuta é tida como uma representação válida dos 99,999999999% restantes. Nos casos negativos em que a suspeita de mosaicismo persiste, tal contagem deve ser aumentada para 100 metáfases. Na literatura, existem tabelas associando o número de metáfases analisadas com o grau de mosaicismo detectável para um determinado intervalo de confiança(19).
No entanto, a análise de amostras de um segundo tecido muitas vezes pode ser necessária. Usualmente, utiliza-se a pele devido à sua acessibilidade(2). Anormalidades cromossômicas em fibroblastos de indivíduos fenotipicamente anormais cujos linfócitos eram normais, tal como observado em nossos pacientes com trissomia do 22 em mosaico, têm sido relatadas(1,4,20). Parece lógico realizar uma biópsia da região anormal, em geral com pigmentação ou com crescimento anormal, como foi realizado com os pacientes do presente estudo; contudo, frequentemente as células anormais são encontradas em fibroblastos cultivados tanto da pele normal como anormal(1,17). Além disso, anomalias pigmentares da pele podem ser causadas por defeitos isolados dos melanócitos ou queratinócitos, e não dos fibroblastos. É possível que as linhas de Blaschko representem os tratos de migração dos melanócitos. Assim, culturas de melanócitos deveriam ser a modalidade diagnóstica desejável para acessar casos suspeitos de mosaicismo cromossômico com anomalias pigmentares seguindo as linhas de Blaschko(1).
A principal causa de mosaicismo cromossômico é uma não-disjunção mitótica que pode ocorrer em qualquer etapa da embriogênese e do desenvolvimento do indivíduo (período pós-zigótico)(3). A célula anormal dá origem a uma linhagem celular cromossomicamente alterada, que pode perturbar o desenvolvimento do organismo. Enquanto linhagens normais seguem a sua progressão usual, linhagens monossômicas e trissômicas podem ser geradas, ambas em um mesmo organismo. Na não-disjunção envolvendo cromossomos autossômicos, o crescimento de linhagens monossômicas é desvantajoso, sendo estas suplantadas pelas linhagens normais e trissômicas. Por outro lado, o erro de não-disjunção levando ao mosaicismo pode ocorrer em uma célula inicialmente alterada, trissômica, que, após divisões, dá origem a uma linhagem celular cromossomicamente normal. Tal fenômeno é conhecido como resgate ou recuperação cromossômica. Contudo, pode haver ainda uma anormalidade nessa linhagem dita "normal", quando os dois cromossomos que permanecem possuem origem de um mesmo pai, em uma condição denominada dissomia uniparental. Essa alteração não pode ser identificada por meio do cariótipo, sendo necessários estudos moleculares para a sua determinação(11).
Entretanto, uma grande variedade de anormalidades citogenéticas tem sido relatada em casos de mosaicismo e incluem deleções, inserções e translocações cromossômicas. Isso é um dos motivos pelos quais a hipomelanose de Ito não é considerada uma entidade única. Anormalidades do cromossomo X estão entre as mais comuns(21). Contudo, qualquer cromossomo pode estar afetado(1,13-15). Relatos de mosaicismos para trissomias dos cromossomos 9 e 22, como observado em três pacientes de nossa amostra, são considerados raros(20,22,23). Descrições de mosaicismo para o cromossomo 12 em anel também são incomuns, sendo que o paciente pertencente à nossa amostra foi relatado anteriormente por Zen et al(24). Mosaicismo mos 45,X/46,X,+mar, usualmente em associação com alterações pigmentares de hipo ou hiperpigmentação em estrias distribuídas ao longo das linhas de Blaschko, déficit cognitivo e outros achados fenotípicos não usuais para a síndrome de Turner (como na paciente 8 de nossa amostra) são anormalidades cromossômicas mais frequentes(25). A translocação balanceada verificada no paciente 5 também foi identificada no pai. Nesse caso, não é possível excluir a chance de que a hemi-hipertrofia apresentada pelo paciente seja decorrente de um mosaicismo cromossômico baixo para uma alteração específica, não detectado em nossa análise, ou mesmo que, no caso da criança, a translocação tenha sofrido algum pequeno rearranjo não detectável pelas técnicas cariotípicas utilizadas. Anormalidades cromossômicas são tipicamente demonstradas em somente 30-60% de todos os pacientes diagnosticados clinicamente com hipomelanose de Ito ou com hipermelanose nevoide linear e com verticílio(14). Em nossa amostra, três dos cinco pacientes com esses fenótipos (60%) foram identificados como portadores de alterações cromossômicas.
Contudo, mesmo com análises em diferentes tecidos, um mosaicismo cromossômico pode escapar da detecção seja por apresentar um grau muito baixo ou por estar mais confinado a um tecido ou região não estudada. Outros motivos incluem: a) amostra biopsiada contendo somente células normais; b) seleção contra as células anormais durante o cultivo celular; e c) mutação não detectável citogeneticamente, como uma mutação em um único gene ou uma alteração submicroscópica identificável apenas por meio de estudos de citogenética molecular como a hibridização in situ fluorescente (FISH, do inglês fluorescent in situ hybridization) ou hibridização genômica comparativa por microarranjos (array CGH)(2,13,14,16).
Assim, nossos resultados ilustram a variabilidade tecidual característica dos casos de mosaicismo cromossômico, bem como confirmam a importância da avaliação de um segundo tecido para a sua determinação diagnóstica. Além disso, o médico precisa estar ciente do espectro clínico que o mosaicismo cromossômico pode causar(1). Como ressaltado por Hall(12) e Ferreira et al(4), as alterações pigmentares seguindo as linhas de Blaschko e a assimetria corporal são pistas sugestivas da presença de mosaicismo.
Recebido em:23/2/2010
Aprovado em:9/6/2010
Conflito de interesse: nada a declarar
Instituição: Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre (CHSCPA) da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS, Brasil
- 1. Woods CG, Bankier A, Curry J, Sheffield LJ, Slaney SF, Smith K et al Asymmetry and skin pigmentary anomalies in chromosome mosaicism. J Med Genet 1994;31:694-701.
- 2. Devriendt K, Fryns JP. Diagnostic evaluation for asymmetry: consider genetic mosaicism. Eur J Pediatr 2004;163:634-5.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Abr 2011 -
Data do Fascículo
Mar 2011
Histórico
-
Recebido
23 Fev 2010 -
Aceito
09 Jun 2010