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DIFICULDADES INICIAIS COM A TÉCNICA DA AMAMENTAÇÃO E FATORES ASSOCIADOS A PROBLEMAS COM A MAMA EM PUÉRPERAS

RESUMO

Objetivo:

Identificar a prevalência de condições indicativas de dificuldades iniciais com a técnica da amamentação e verificar os fatores associados com a presença de problemas na mama em puérperaso em maternidades de Hospitais Amigos da Criança.

Métodos:

Estudo transversal, conduzido com 276 binômios mãe-lactente, aleatoriamente selecionados entre os atendimentos realizados em maternidades de três Hospitais Amigos da Criança do norte de Minas Gerais. Um protocolo de avaliação da técnica da mamada foi utilizado como instrumento. A associação entre as variáveis estudadas e os problemas com a mama foi identificada por meio do teste qui-quadrado, seguida de análise de regressão logística, admitindo-se o nível de significância de até 5% (p<0,05).

Resultados:

Os principais fatores indicativos de dificuldades iniciais com a técnica da amamentação foram a pega inadequada (25,0%), a resposta do bebê ao contato com a mama (26,1%) e os problemas com a mama (28,3%). No modelo final de regressão múltipla, associaram-se aos problemas na mama no puerpério imediato: mãe adolescente (OR 3,35; IC95% 1,51-7,44; p=0,003); escolaridade ≤8 anos (OR 2,07; IC95% 1,01-4,23; p=0,048); e o fato de ter recebido complemento alimentar na maternidade (OR 2,36; IC95% 1,40-4,92; p=0,003). O fato de trabalhar fora de casa (OR 0,31; IC95% 0,16-0,61; p=0,001) foi um fator de proteção no modelo final de regressão logística.

Conclusões:

Problemas com as mamas representaram a principal dificuldade inicial com a técnica da mamada e os fatores associados incluem variáveis demográficas e sociais ligadas à mãe e variáveis relacionadas às rotinas da maternidade.

Palvras-chave:
Aleitamento materno; Transtornos da lactação; Fatores de risco

ABSTRACT

Objective:

To investigate the prevalence of difficulties in adopting initial breastfeeding techniques and their association with breast disorders in postpartum women.

Methods:

The cross-sectional study was carried out with 276 randomly selected mother-baby pairs in rooming-in in 3 hospitals in a city of Minas Gerais State (southeast Brazil). An assessment protocol was established to evaluate the breastfeeding technique used. The association between the variables studied and breast disorders was determined by the chi-square test followed by logistic regression, with significance level set at 0.05.

Results:

The main factors indicating difficulties to initiate the breastfeeding techniques were inadequate attachment of the baby to the breast (25%), baby response to the contact with the breast (26.1%) and breast disorders (28.3%). Variables associated with postparturm breast disorders were: adolescent mothers (OR 3.35; 95%CI 1.51-7.44; p=0.003); maternal schooling ≤8 years (OR 2.07; 95%CI 1.01-4.23; p=0.048); and supplement provision to the newborn at the hospital (OR 2.36; 95%CI 1.40-4.92; p=0.003). Mothers working outside the household (OR 0.31; 95%CI 0.16-0.61; p=0.001) served as as protective factor on the multivariate model.

Conclusions:

The main difficulties in initial breastfeeding were associated with breast disorders, and the factors associated with this problem included demographic and social, variables, as well as others related to the care routine adopted by maternity hospitals.

Keywords:
Breastfeeding; Lactation disorders; Risk factors

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo (AME) por seis meses e complementado até os dois anos ou mais, considerando os benefícios comprovados da prática para mãe e filho.11. World Health Organization. Indicators for assessing breastfeeding practices. Geneva: WHO; 2007. O Ministério da Saúde do Brasil divulga a mesma orientação e o país possui uma das mais avançadas legislações de proteção ao aleitamento materno no mundo, garantindo diversos direitos à mulher e propiciando condições favoráveis à amamentação.22. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde. 2nd ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. Apesar das recomendações e das medidas adotadas, o desmame precoce, compreendido como a interrupção do aleitamento materno ao peito antes de o lactente ter completado seis meses, independentemente do motivo, ainda é uma realidade frequente e indesejável.33. Warkentin S, Taddei JA, Viana KJ, Colugnati FA. Exclusive breastfeeding duration and determinants among Brazilian children under two years of age. Rev Nutr. 2013;26:259-69.,44. Vieira GO, Reis MR, Vieira TO, Oliveira NF, Silva LR, Giugliani ER. Tendência dos indicadores de aleitamento materno em uma cidade do Nordeste brasileiro. J Pediatr (Rio J). 2015;91:270-7.

Um facilitador do desmame precoce ainda pouco explorado pela literatura nacional e internacional está relacionado às dificuldades inerentes à técnica da amamentação. Acredita-se que uma má técnica dificultaria a sucção e o esvaziamento da mama, podendo afetar a dinâmica da produção do leite. Como consequência, a mãe pode introduzir precocemente outros alimentos, acarretando assim o desmame.55. França MC, Giugliani ER, Oliveira LD, Weigert EM, Santo LC, Köhler CV, et al. Uso de mamadeira no primeiro mês de vida: determinantes e influência da técnica de amamentação. Rev Saude Publ. 2008;42:607-14.,66. Mannan I, Rahman SM, Sania A, Seraji HR, Arifeen SE, Winch PJ, et al. Can early postpartum home visits by trained community health workers improve breastfeeding of newborns? J Perinatol. 2008;28:632-40.,77. Weigert EM, Giugliani ER, França MC, Oliveira LD, Bonilha A, Santo LC, et al. Influência da técnica de amamentação nas frequências de aleitamento materno exclusivo e lesões mamilares no primeiro mês de lactação. J Pediatr (Rio J). 2005;81:310-6.

Existem alguns aspectos muito relevantes no processo de sucção ao seio que devem ser cuidadosamente avaliados pelos profissionais de saúde nas atividades educativas e de promoção da prática da amamentação. Alguns comportamentos observados durante a amamentação ainda na maternidade são considerados indesejáveis e são tidos como fatores de risco para o desmame.88. Coca KP, Gamba MA, Silva RS, Abrão AC. A posição de amamentar determina o aparecimento do trauma mamilar? Rev Esc Enferm USP. 2009;43:446-52.,99. Gerd AT, Bergman S, Dahlgren J, Roswall J, Alm B. Factors associated with discontinuation of breastfeeding before 1 month of age. Acta Paediatr. 2012;101:55-60. Presença de dor mamilar, ingurgitamento mamário, lesão mamilar, fadiga e sensação de cansaço são exemplos de condições indicativas de dificuldades com a técnica da amamentação, comumente citadas nas primeiras 24 horas pós-parto. Além dessas, outras circunstâncias também interferem negativamente na duração do aleitamento materno, como a presença de dificuldades na pega e na sucção, a agitação do bebê e a percepção de oferta insuficiente de leite pela mãe.99. Gerd AT, Bergman S, Dahlgren J, Roswall J, Alm B. Factors associated with discontinuation of breastfeeding before 1 month of age. Acta Paediatr. 2012;101:55-60.,1010. Giugliani ER. Problemas comuns na lactação e seu manejo. J Pediatr (Rio J). 2004;80 Suppl 5:S147-54.,1111. Mehrparvar S, Varzandeh M. lnvestigation of decreasing causes exclusive breastfeeding in children below six months old, in Kerman City during 2008-2009. J Fasa Univ Med Sci. 2011;1:45-51.

A OMS juntamente com o United Nations Children´s Fund (Unicef) recomendam a utilização de uma “ficha de avaliação da mamada” como estratégia de monitorização e identificação dessas dificuldades iniciais com a técnica da amamentação.1212. World Health Organization and UNICEF. Breastfeeding management and promotion in a baby-friendly hospital: an 18-hour course for maternity staff. Geneva: WHO and UNICEF; 2009. Embora seja pouco utilizado, esse instrumento permite avaliar comportamentos favoráveis ou não em relação à amamentação, incluindo a postura da mãe e do recém-nascido, as respostas da dupla ao iniciarem a mamada, o estabelecimento de laços afetivos, as características da sucção, as condições anatômicas da mama e a duração e o encerramento da mamada.1212. World Health Organization and UNICEF. Breastfeeding management and promotion in a baby-friendly hospital: an 18-hour course for maternity staff. Geneva: WHO and UNICEF; 2009.,1313. Carvalhaes MA, Corrêa CR. Identificação de dificuldades no início do aleitamento materno mediante aplicação de protocolo. J Pediatr (Rio de J). 2003;79:13-20.,1414. Mosele PG, Santos JF, Godói VC, Costa FM, Toni PM, Fujinaga CI. Instrumento de avaliação da sucção do recém-nascido com vistas a alimentação ao seio materno. Rev CEFAC. 2014;16:1548-57. No presente estudo, buscou-se identificar a prevalência de condições indicativas de dificuldades iniciais com a técnica da amamentação, a partir da utilização da ficha de avaliação da mamada, e os fatores associados com a presença de problemas com a mama entre mães em puerpério em maternidades de Hospitais Amigos da Criança em uma cidade do norte de Minas Gerais.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, observacional e analítico, em que foram avaliados pares de mães-neonatos, nas primeiras 18 a 48 horas pós-parto, selecionados mediante sorteio. O estudo foi conduzido em três hospitais, todos com o título de “Hospital Amigo da Criança”, no norte de Minas Gerais. A cidade sede do estudo tem cerca de 390 mil habitantes e é referência macrorregional para vários setores da economia regional e também na área da saúde. A seleção da amostra para o estudo foi aleatória, restrita aos pares de mães-neonatos atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que após assistência ao parto, permaneceram em alojamento conjunto e que apresentavam condições de receber alta hospitalar conjuntamente.

O cálculo amostral foi conduzido para definir o número mínimo de pares alocados para o estudo, considerando uma população de 3.000 mães ao longo de um período de seis meses, uma prevalência de problemas iniciais com a mama de 20%,1313. Carvalhaes MA, Corrêa CR. Identificação de dificuldades no início do aleitamento materno mediante aplicação de protocolo. J Pediatr (Rio de J). 2003;79:13-20. um erro amostral de 5% e intervalos de confiança de 95% (IC95%). Ao número encontrado, foi acrescido o percentual de 10% para eventuais perdas. Assim, o número mínimo de pares abordados deveria ser de 251. Os dias de coleta de dados em cada hospital foram definidos também de forma aleatória.

Foram considerados critérios de inclusão: mães que receberam assistência ao parto em um dos três hospitais do município, com gestação a termo, que estavam em boas condições de saúde, conforme registro clínico do prontuário, para responder ao inquérito inicial. Em relação aos recém-nascidos, foram assumidos como critérios de inclusão: boas condições de saúde, conforme registro clínico do prontuário, apto para a alta hospitalar e em aleitamento materno exclusivo no momento da alta (o consumo eventual de complemento alimentar na maternidade não foi considerado como interrupção do aleitamento materno exclusivo). Foram definidos como critérios de exclusão: as mães que eventualmente não tenham recebido assistência imediata ao parto (parto domiciliar), mães com gestação gemelar e aquelas cujos filhos não tenham ficado no regime de alojamento conjunto. Os pares foram avaliados em ambiente hospitalar (alojamento conjunto), quando considerados em condições para alta hospitalar. A avaliação foi realizada entre o período de 18 a 48 horas após o parto.

A alocação dos pares foi feita mediante sorteio aleatório dos dias e turnos para visita em cada hospital, incluindo todas as mães que se adequassem aos critérios do estudo e aceitassem participar. A alocação dos binômios para o estudo foi feita segundo a proporção de partos nos seis meses anteriores ao início da coleta de dados em cada hospital. As entrevistas foram conduzidas por equipe previamente treinada e calibrada pela técnica do consenso por enfermeira obstétrica, com vasta experiência em aleitamento materno e monitora do curso de capacitação para Hospital Amigo da Criança e Aconselhamento para Aleitamento Materno.

O instrumento de coleta de dados continha a ficha de avaliação da mamada,1212. World Health Organization and UNICEF. Breastfeeding management and promotion in a baby-friendly hospital: an 18-hour course for maternity staff. Geneva: WHO and UNICEF; 2009. que contempla, entre outros elementos, a avaliação das mamas, preenchida por observação direta da amamentação. Outras variáveis também foram analisadas no instrumento de coleta de informações: dados sociais e demográficos (idade, cor autorreferida, escolaridade, atividade remunerada, renda familiar, estado civil, quantidade de membros na residência e presença de licença maternidade), dados do recém-nascido (sexo, peso ao nascer, Boletim de Apgar no 1º e 5º minuto), além de dados referentes aos aspectos gestacionais, à assistência pré-natal e à assistência ao parto e ao puerpério (paridade, tipo de parto, número de consultas pré-natais, informações sobre cuidados com as mamas, permanência em alojamento conjunto entre outros).

Foi utilizado o pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 18 (SPSS Inc., Chicago, IL, USA) para análise dos dados. As variáveis foram avaliadas de forma descritiva, com apresentação de frequências absolutas e relativas. Para a etapa analítica do estudo, os problemas com as mamas (ingurgitadas e duras; mamilos planos ou invertidos; mamas ou mamilos com escoriações, fissuras ou vermelhidão) foram avaliados de forma conjunta e definidos como uma única variável desfecho (dependente). As variáveis associadas foram identificadas entre as demais características investigadas (independentes) a partir do teste qui-quadrado. As variáveis que se mostraram associadas até o nível de 20% (p<0,2) foram avaliadas conjuntamente por meio da regressão logística binária pelo método Backward Wald. Nessa última etapa, foram calculados os Odds Ratio (OR), com os respectivos IC95%, considerando-se para o modelo final apenas as variáveis associadas até o nível de 5% (p<0,05).

O estudo foi realizado dentro dos preceitos éticos, com estrita atenção às normas da Resolução 466/2012. O projeto foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros com o número 844.557, e todas as mães participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Foram avaliadas 276 duplas ou binômios mãe-lactente. A maioria das mães estava na faixa etária dos 20 aos 29 anos e o percentual de mães adolescentes foi de 11,6%. A cor da pele autorreferida predominante foi a parda. Mais da metade das mães relatou renda familiar de até um salário mínimo. Em relação à escolaridade, a maioria referiu ter concluído a faixa de 5 a 8 anos de estudos. Outros aspectos sociodemográficos estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1:
Características demográficas e socioeconômicas das puérperas; Montes Claros (MG), 2015.

Em relação às características gestacionais e de assistência ao pré-natal (Tabela 2), a maioria das mães era primigesta e 55,1% dos partos foram naturais. O principal sistema de saúde utilizado foi o público. Receberam orientações em relação à amamentação e cuidados com as mamas durante o pré-natal, 57,6 e 55,5%, respectivamente.

Tabela 2:
Características gestacionais e de assistência ao pré-natal das puérperas e características dos recém-nascidos; Montes Claros (MG), 2015.

Menos da metade dos recém-nascidos foi amamentada nos primeiros trinta minutos após o parto (43,5%) e o uso de complemento alimentar para a criança ainda na maternidade foi referido por 25,0% das mães (Tabela 2).

A observação da mamada permitiu identificar condições indicativas de dificuldades iniciais com a técnica em todos os aspectos avaliados, com destaque para a pega inadequada (25,0%), resposta ao contato com a mama (26,1%) e problemas com a mama (28,3%) (Tabela 3).

Tabela 3:
Prevalência de condições indicativas de dificuldades iniciais com a técnica da amamentação entre puérperas; Montes Claros (MG), 2015.

A Tabela 4 registra o resultado das análises bivariadas entre as características maternas e assistenciais e a presença de problemas com a mama. As variáveis dessa tabela que se mostraram associadas até o nível de 20% (p<0,2) foram avaliadas de forma conjunta e permaneceram no modelo multivariado final como variáveis associadas a problemas com a mama: o fato de ser mãe adolescente (OR 3,35; IC95% 1,51-7,44; p=0,003), a escolaridade igual ou inferior a 8 anos (OR 2,07; IC95% 1,01-4,23; p=0,048), o fato de ter recebido complemento alimentar na maternidade (OR 2,36; IC95% 1,40-4,92; p=0,003) e o fato de trabalhar fora de casa, que se mostrou fator de proteção (OR 0,31; IC95% 0,16-0,61; p=0,001) no modelo final de regressão logística.

Tabela 4:
Associação entre dificuldades para amamentar e variáveis estudadas (análise bivariada); Montes Claros (MG), 2015.

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos na pesquisa evidenciam uma elevada prevalência de condições indicativas de dificuldades iniciais com a técnica da amamentação. Embora existam poucos trabalhos descritos na literatura com a mesma abordagem, outros autores revelaram também alta prevalência de dificuldades iniciais na amamentação por meio da aplicação da ficha de avaliação da mamada da Unicef.88. Coca KP, Gamba MA, Silva RS, Abrão AC. A posição de amamentar determina o aparecimento do trauma mamilar? Rev Esc Enferm USP. 2009;43:446-52.,1313. Carvalhaes MA, Corrêa CR. Identificação de dificuldades no início do aleitamento materno mediante aplicação de protocolo. J Pediatr (Rio de J). 2003;79:13-20.,1414. Mosele PG, Santos JF, Godói VC, Costa FM, Toni PM, Fujinaga CI. Instrumento de avaliação da sucção do recém-nascido com vistas a alimentação ao seio materno. Rev CEFAC. 2014;16:1548-57.,1515. Pereira MA, Levy L, Matos ME, Calheiros JM. Influência da correção da pega no sucesso do Aleitamento Materno: resultados de um estudo experimental. Rev Referência. 2008;2:27-38. É possível que esse resultado reflita o caráter holístico do instrumento utilizado, pois a ficha de avaliação da mamada inclui diversos aspectos, não se limitando somente àqueles relacionados à sucção.

Carvalhaes et al., em trabalho desenvolvido em uma maternidade pública que atende a partos de baixo risco, avaliaram 50 binômios mãe-lactente e apontaram que de 18 a 34% dos binômios apresentaram alguma dificuldade com o início da amamentação em pelo menos um dos aspectos da mamada observado.1313. Carvalhaes MA, Corrêa CR. Identificação de dificuldades no início do aleitamento materno mediante aplicação de protocolo. J Pediatr (Rio de J). 2003;79:13-20. Pereira, em 2008, observou prevalência de 50% de dificuldades na amamentação ainda na maternidade, em amostra de 60 díades mães-lactentes.1515. Pereira MA, Levy L, Matos ME, Calheiros JM. Influência da correção da pega no sucesso do Aleitamento Materno: resultados de um estudo experimental. Rev Referência. 2008;2:27-38. Há que se ressaltar que, embora o autor também tenha utilizado a ficha da Unicef, algumas mães recebiam orientações quanto à técnica de amamentação por profissionais de saúde já no terceiro trimestre da gestação e esse treinamento prévio pode ter influenciado os números encontrados. Mosele et al. também aplicaram o protocolo de avaliação da Unicef e demonstraram, a partir da análise de 152 binômios mãe-lactente internados em alojamento conjunto, que 55% das duplas apresentaram pelo menos uma dificuldade no aleitamento materno, sendo que as principais dificuldades encontradas foram: “mãe com ombros tensos e inclinada sobre o bebê”, “bebê não mantém a pega da aréola”, “tecido mamário com escoriações, lesão mamilar ou vermelhidão” e “sucção: a boca quase fechada fazendo um bico para frente, lábio inferior voltado para dentro, não se vê a língua do bebê e bochechas tensas ou encovadas”.1414. Mosele PG, Santos JF, Godói VC, Costa FM, Toni PM, Fujinaga CI. Instrumento de avaliação da sucção do recém-nascido com vistas a alimentação ao seio materno. Rev CEFAC. 2014;16:1548-57.

Classicamente, os problemas com a mama puerperal mais prevalentes, ou seja, o ingurgitamento mamário e as lesões mamilares, são atribuídos à inadequação da posição para amamentar e/ou à pega do bebê ao seio.1010. Giugliani ER. Problemas comuns na lactação e seu manejo. J Pediatr (Rio J). 2004;80 Suppl 5:S147-54. Em estudo caso-controle realizado com mulheres internadas em um hospital universitário do estado de São Paulo, nos binômios em que as crianças mostravam pescoço torcido, queixo longe da mama e lábio inferior virado para dentro, houve chance de apresentar algum trauma mamilar durante o aleitamento de 1,9 vezes, 2,9 vezes e 4,2 vezes maior, respectivamente, comparando-se aos binômios com ausência dessas características.88. Coca KP, Gamba MA, Silva RS, Abrão AC. A posição de amamentar determina o aparecimento do trauma mamilar? Rev Esc Enferm USP. 2009;43:446-52. Tais resultados destacam a relevância da utilização da ficha de avaliação da mamada para auxiliar a identificar problemas com a técnica da amamentação, principalmente os relacionados à pega inadequada, à resposta do bebê ao contato com a mama e aos problemas com a mama.

Problemas com a mama podem comprometer o sucesso do aleitamento materno. Um estudo nacional chegou a identificar uma taxa de incidência de lesões mamilares na maternidade bastante elevadas, de 43,6%.77. Weigert EM, Giugliani ER, França MC, Oliveira LD, Bonilha A, Santo LC, et al. Influência da técnica de amamentação nas frequências de aleitamento materno exclusivo e lesões mamilares no primeiro mês de lactação. J Pediatr (Rio J). 2005;81:310-6. Em estudo prospectivo realizado na Malásia, dificuldades na amamentação devido a problemas com a mama, como lesão e dor mamilar, apresentaram-se como fator preditivo importante para a interrupção do aleitamento materno exclusivo.1616. Tengku AT, Wan MW, Mohd IB. Factors Predicting Early Discontinuation of Exclusive Breastfeeding among Women in Kelantan, Malaysia. HEJ. 2013;4:42-54.

No presente estudo, a opção dos autores foi de avaliar especificamente os fatores associados à presença de problemas com as mamas em mães nas primeiras 24 horas pós-parto, ainda nas maternidades, pelo fato de serem as alterações mais facilmente identificadas, tendo pequenas chances de avaliação subjetiva por parte dos avaliadores. Assim, as variáveis que se mostraram associadas à presença de dificuldades com a mama foram a idade e a escolaridade da mãe, o fato de o recém-nascido ter recebido complemento alimentar ainda em ambiente hospitalar e o relato da mãe de que trabalhava fora de casa, sendo esse último um fator de proteção. Não foram identificados, na literatura, estudos que associam a idade materna e problemas com a mama em lactação. Há, entretanto, registro de que mães adolescentes amamentam menos seus filhos em relação às demais e também têm mais dificuldades para iniciarem a prática da amamentação.1717. Apostolakis-Kyrus K, Valentine C, DeFranco E. Factors associated with breastfeeding initiation in adolescent mothers. J Pediatr. 2013;163:1489-94.,1818. Sipsma HL, Jones KL, Cole-Lewis H. Breastfeeding among adolescent mothers: a systematic review of interventions from high-income countries. J Hum Lact. 2015;31:221-9.,1919. Faleiros FT, Trezza EM, Carandina L. Aleitamento materno: fatores de influência na sua decisão e duração. Rev Nutr. 2006;19:623-30. Todavia, as pesquisas não se referem a aspectos da mama em lactação para as adolescentes avaliadas. É possível que fatores anatômicos da mama puerperal de adolescentes possam implicar em maior vulnerabilidade para as dificuldades apresentadas, mas esse aspecto não foi avaliado no presente estudo. Considerando que a idade materna é um fator não modificável para a amamentação, o resultado observado destaca que a educação a respeito dos cuidados com a mama lactacional deve ser reforçada entre as mulheres mais jovens, com o objetivo de melhorar as práticas de aleitamento materno.

Também não foram identificados artigos científicos que associem o uso de complemento alimentar, ainda em ambiente hospitalar, com problemas na mama, embora já tenha sido observada sua associação com piores escores na ficha de amamentação.1313. Carvalhaes MA, Corrêa CR. Identificação de dificuldades no início do aleitamento materno mediante aplicação de protocolo. J Pediatr (Rio de J). 2003;79:13-20. Chantry et al. demonstraram que o uso de suplemento alimentar ainda no hospital estava relacionado à presença de dor ao amamentar.2020. Chantry CJ, Dewey KG, Peerson JM, Wagner EA, Nommsen-Rivers LA. In-Hospital Formula Use Increases Early Breastfeeding Cessation Among First-Time Mothers Intending to Exclusively Breastfeed. J Pediatr. 2015;164:1339-45. Não é possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre os dois eventos e a associação observada pode ser decorrente do fenômeno de causalidade reversa, isto é, o fato de apresentar problemas com a mama seria o desencadeador da utilização de complemento alimentar ainda na maternidade. De qualquer forma, o consumo de qualquer outro alimento durante os primeiros meses de amamentação, além de ser um importante fator de risco para o desenvolvimento de doenças comuns na infância como pneumonia e doenças diarreicas, também aumenta as chances de desmame precoce por interferir em alguns aspectos da técnica da mamada.2121. Hanieh S, Ha TT, Simpson JA, Thuy TT, Khuong NC, Thoang DD, et al. Exclusive breastfeeding in early infancy reduces the risk of inpatient admission for diarrhea and suspected pneumonia in rural Vietnam: a prospective cohort study. BMC Public Health. 2015;15:1166.,2222. Lamberti LM, Zakarija-Grkovic L, Walker CL, Theodoratou E, Nair H, Campbell H, et al. Breastfeeding for reducing the risk of pneumonia morbidity and mortality in children under two: a systematic literature review and meta-analysis. BMC Public Health. 2013;13 Suppl 3:S18. Esse fato ressalta a necessidade de maior rigor das instituições hospitalares na oferta de complementos alimentares para neonatos.

Quanto à associação entre problemas com a mama e a escolaridade materna, registra-se que outros estudos já apontaram uma relação intrínseca entre a prática da amamentação e a escolaridade.1919. Faleiros FT, Trezza EM, Carandina L. Aleitamento materno: fatores de influência na sua decisão e duração. Rev Nutr. 2006;19:623-30.,2323. França GV, Brunken GS, Silva SM, Escuder MM, Venancio SI. Determinantes da amamentação no primeiro ano de vida em Cuiabá, Mato Grosso. Rev Saude Publ. 2007;41:711-8. Mulheres com maior grau de escolaridade tendem a ter maior motivação para amamentar por mais tempo, talvez por possuírem maior acesso às informações a respeito dos benefícios e vantagens que o aleitamento materno proporciona ao binômio.1919. Faleiros FT, Trezza EM, Carandina L. Aleitamento materno: fatores de influência na sua decisão e duração. Rev Nutr. 2006;19:623-30. É possível que mulheres com melhor escolaridade também tenham maior motivação para cuidados com as mamas durante a gestação e, por conseguinte, mulheres com baixa escolaridade apresentariam mais problemas com a mama nos momentos iniciais da amamentação.

No presente estudo, foi observado que o relato materno de trabalhar fora de casa atua como um fator protetor para a ocorrência de problemas com a mama puerperal. Apesar de não terem sido encontrados estudos que abordam esse tema, a circunstância observada pode ser explicada pelo fato de que as mães que trabalham fora têm maior oportunidade de acesso a informações positivas sobre os cuidados com a mama fora do ambiente domiciliar.

Segundo Roig et al., as informações relacionadas aos cuidados com as mamas e à técnica de amamentação, oferecidas pelos profissionais de saúde durante a assistência pré-natal, estão intimamente relacionadas ao êxito do aleitamento materno, assim como à presença de experiências positivas de amamentações anteriores.2424. Roig AO, Martínez MR, García JC, Hoyos SP, Navidad GL, Alvarez JC, et al. Fatores associados ao abandono do aleitamento materno durante os primeiros seis meses de vida. Rev Latino-Am Enfermagem. 2010;18:80-6. Entretanto, neste estudo não se registrou associação e significante entre o fato de a mãe receber orientações durante o pré-natal sobre a amamentação ou mesmo sobre cuidados com a mama e a prevalência de problemas iniciais com a mama nas primeiras 18 a 48 horas pós-parto. Esse fato pode se justificar pela ausência de parâmetros que caracterizassem uma oferta adequada ou não de informações e comunicação entre o pré-natalista e a gestante. O primeiro pode ter passado as orientações, mas sem destaque significativo ao longo das consultas ou, até mesmo, pode ter ocorrido a limitação de memória por parte da gestante em relação a essas orientações.

Os resultados do presente estudo devem ser considerados à luz de algumas limitações, como, por exemplo, o fato de não terem sido levadas em consideração as informações em relação às experiências prévias de lactação. Esse fato poderia se associar a uma menor prevalência de dificuldades iniciais em multíparas, mas tal dado não foi isoladamente mensurado. Outra das limitações é o fato de que foram avaliadas apenas puérperas atendidas no Sistema Único de Saúde, ainda que várias delas tenham recebido assistência pré-natal no sistema privado ou em ambos. Assim, a prevalência das dificuldades iniciais pode ter sido mensurada apenas para os estratos sociais mais inferiores da população e os resultados deste estudo não podem, portanto, ser extrapolados para binômios assistidos pela rede privada ou conveniada de saúde.

A avaliação das dificuldades técnicas da mamada, ainda dentro do ambiente hospitalar, é uma forma simples, sem custos e que não demanda profissional especializado para sua realização, de maneira que poderia ser incorporada aos critérios de alta hospitalar, a fim de identificar e auxiliar os binômios que apresentam algum impedimento no exercício do processo de amamentação, provendo as devidas orientações que retifiquem essas dificuldades e que fortaleçam o vínculo entre mãe-lactente.

Como perspectiva futura, a determinação do impacto das dificuldades iniciais com a técnica da mamada na duração do aleitamento materno exclusivo deverá, agora, ser avaliada com a observação longitudinal dos binômios mãe-lactente, o que talvez pode mostrar quais exatamente são os fatores relacionados à técnica da mamada que podem estar associados ao desmame precoce.

REFERÊNCIAS

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  • Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) financiou bolsas de iniciação científica para a realização do estudo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2017
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2016
  • Aceito
    25 Nov 2016
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