RESUMO
Objetivo: Validar o instrumento de avaliação do membro superior, Shriners Hospital Upper Extremity Evaluation (SHUEE), para indivíduos com paralisia cerebral hemiplégica da população brasileira.
Métodos: Estudo de validação no qual foi realizada tradução e adaptação cultural do manual e do instrumento. As propriedades psicométricas avaliadas foram confiabilidade e validade convergente. A confiabilidade foi determinada através da consistência interna (coeficiente α de Cronbach), efeito teto e chão, sensibilidade à mudança e concordância intra e interobservador. A validade convergente foi realizada utilizando-se o Pediatric Motor Activity Log, a escala de autocuidados do Pediatric Evaluation of Disability Inventory e o Manual Ability Classification System.
Resultados: Foram avaliados 21 indivíduos com paralisia cerebral hemiplégica com idade média de 8,7±4,0 anos. Após a tradução do instrumento, não houve necessidade de adaptação cultural. O coeficiente α de Cronbach total foi de 0,887 (intervalo de confiança de 95% [IC95%] 0,745-0,970). A sensibilidade à mudança foi calculada em cinco indivíduos que realizaram aplicação de Toxina Botulínica tipo A e fisioterapia, apresentando diferença significativa entre a avaliação pré e pós-tratamento na Análise Funcional Espontânea e Análise Posicional Dinâmica. A validade convergente mostrou correlação significativa da Análise Funcional Espontânea e Análise Posicional Dinâmica com as escalas avaliadas. Todos os itens do SHUEE apresentaram concordâncias fortes, tanto na avaliação intra quanto na interobservador.
Conclusões: A versão brasileira do SHUEE demonstrou um bom desempenho em relação à confiabilidade e validade convergente, sugerindo ser uma ferramenta adequada e confiável para os indivíduos com paralisia cerebral hemiplégica na população brasileira.
Palavras-chave: Paralisia cerebral; Hemiplegia; Extremidade superior; Mãos; Estudos de validação
ABSTRACT
Objective: To validate the upper limb assessments tool, Shriners Hospital Upper Extremity Evaluation (SHUEE), for individuals with hemiplegic cerebral palsy in the Brazilian population.
Methods: Validation study to translate and culturally adapt the Manual and the instrument. The psychometric properties evaluated were reliability and convergent validity. Reliability was determined by internal consistency (Cronbach’s α coefficient), ceiling and floor effect, sensitivity to changes, and intra- and interobserver agreement. Convergent validity was performed using the Pediatric Motor Activity Log, the self-care scale of the Pediatric Evaluation of Disability Inventory, and the Manual Ability Classification System.
Results: We evaluated 21 individuals with hemiplegic cerebral palsy, with a mean age of 8.7±4.0 years. After the instrument was translated, there was no need for cultural adaptation. The total Cronbach’s α coefficient was 0.887 (95% confidence interval [95%CI] 0.745-0.970). We calculated sensitivity to changes in five subjects who underwent treatment with Botulinum Toxin Type A and physical therapy, with a significant difference between pre- and post-treatment evaluations in the Spontaneous Functional Analysis and Dynamic Positional Analysis. Convergent validity showed a significant correlation of the Spontaneous Functional Analysis and Dynamic Positional Analysis with the scales evaluated. All items of SHUEE presented high intra- and interobserver agreement.
Conclusions: The results revealed that the Brazilian version of the SHUEE demonstrated good reliability and convergent validity, suggesting that it is an adequate and reliable tool for individuals with hemiplegic cerebral palsy in the Brazilian population.
Keywords: Cerebral palsy; Hemiplegia; Upper extremity; Hand; Validation studies
INTRODUÇÃO
Indivíduos com paralisia cerebral (PC) hemiplégica frequentemente apresentam envolvimento do membro superior (MS), levando à limitações na sua funcionalidade. O uso de escalas e avaliações específicas auxiliam os profissionais de saúde na análise dessas limitações e no planejamento do tratamento. A literatura revela diferentes métodos para avaliar o MS na PC hemiplégica, incluindo Melbourne Assessment of Unilateral Upper Limb Function (MUUL), Quality of Upper Extremity Skills Test (QUEST), Assisting Hand Assessment (AHA), ABILHAND-Kids, e Shriners Hospital Upper Extremity Evaluation (SHUEE).1,2 Entretanto, a maioria dos testes publicados leva mais em consideração a capacidade para realizar determinada tarefa, com mensuração do tempo para executar determinada função, do que a forma como ela é realizada, ou seja, os principais aspectos dinâmicos.
No Brasil, a avaliação do MS na PC hemiplégica ainda é limitada, tendo em vista que não existem instrumentos de avaliação da capacidade e desempenho da atividade do MS traduzidos e validados para o idioma português. Os únicos instrumentos validados para o português brasileiro são o Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI), 3,4 o Manual Ability Classification System (MACS), 5,6 e, mais recentemente, o ABILHAND-Kids.7
O SHUEE é um instrumento de avaliação do MS para crianças e adolescentes de três a 18 anos com PC hemiplégica.8 Diferentemente de outros instrumentos, o SHUEE além de avaliar a capacidade do indivíduo em usar o MS para as atividades, avalia a qualidade do movimento nos segmentos do MS e também guia o tratamento a partir do seu escore final.
O uso de SHUEE é superior à avaliação clínica convencional na decisão do plano de tratamento. Um estudo avaliou a concordância do planejamento terapêutico indicado após avaliação convencional com a avaliação proposta pelo SHUEE e encontrou concordância moderada. Ou seja, em 23,5% dos casos, o plano de tratamento mudou, tanto para adicionar procedimentos cirúrgicos quanto para substituir técnicas. Esse achado mostra a importância do uso de uma avaliação quantitativa e de um instrumento baseado em vídeo como o SHUEE para orientar a decisão terapêutica.9
Considerando que o SHUEE é um instrumento de avaliação gratuito que possibilita uma avaliação específica do MS hemiplégico, abordando aspectos funcionais e posicionais das articulações e auxiliando no direcionamento do tratamento, o objetivo deste estudo é validar o SHUEE para indivíduos com PC hemiplégica da população brasileira.
MÉTODO
Trata-se de um estudo de validação com duas fases: fase 1 - tradução e adaptação cultural e fase 2 - validação do SHUEE para a língua portuguesa.
A fase 1 - tradução e adaptação cultural do SHUEE para a língua portuguesa - seguiu as etapas propostas pela Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos.10 Dois tradutores independentes, falantes nativos do português do Brasil (T1, T2), realizaram a tradução em inglês/português; um deles conhecia os conceitos avaliados pelo instrumento, enquanto o outro não atuava na área da saúde. Um comitê com um fisioterapeuta especializado, um neuro-ortopedista, e dois tradutores compararam e discutiram essas duas versões traduzidas. Em caso de divergências, os documentos foram adaptados para elaborar uma versão harmonizada, resultando em um único instrumento em português (T12).
Dois tradutores independentes, falantes nativos de inglês (R1, R2), realizaram a retrotradução da versão harmonizada em português/inglês. Os tradutores não estavam familiarizados com a versão original do instrumento e não possuíam formação na área da saúde relacionada aos conceitos explorados pelo instrumento. A harmonização entre os dois tradutores foi realizada da mesma maneira, resultando em uma única versão em inglês (R12). Dois pesquisadores revisaram e compararam as harmonizações (T12, R12) com a original, a fim de avaliar equivalências semânticas e idiomáticas; os autores originais do instrumento realizaram a harmonização internacional, na qual avaliaram as versões resultantes da primeira e da segunda harmonização. Durante esta fase, o manual e os formulários do SHUEE foram traduzidos, conforme descrito acima.
Para a fase 2, a amostra foi selecionada em uma clínica de reabilitação particular no sul do Brasil. A seleção foi realizada em um banco de dados com 626 pacientes com diagnóstico de PC, 55 deles com classificação topográfica de hemiplegia. Os 21 pacientes incluídos na fase 2 foram selecionados aleatoriamente entre os 55 hemiplégicos. Os critérios de exclusão adotados foram crianças e adolescentes com limitações cognitivas evidentes que os impediriam a realização das atividades, além daqueles que haviam sido submetidos a procedimento cirúrgico prévio no MS acometido e/ou aplicação de Toxina Botulínica Tipo A (TBA) nos últimos 6 meses. Para caracterização clínica da amostra, os participantes foram classificados pelo Gross Motor Function Classification System (GMFCS), 11,12,13 MACS, 5,6Functional Mobility Scale (FMS), 14,15 e padrão de marcha hemiplégica.16
Na fase 2, de validação psicométrica, foram avaliadas:
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Confiabilidade, incluindo a avaliação de: a) consistência interna, usando o coeficiente alfa de Cronbach (α-C); b) sensibilidade às mudanças; e c) confiabilidade intra e interobservador. A avaliação de sensibilidade às mudanças foi realizada com todos os pacientes que realizaram o tratamento indicado pelo SHUEE, sendo que nesses casos, um SHUEE pós-tratamento foi realizado de dois a quatro meses depois. Para a confiabilidade inter e intraobservador, vídeos de dez pacientes reandomizados (dos 21 da amostra total) foram entregues para cada um dos cinco fisioterapeutas, que realizaram um treinamento para uso do SHUEE e cegamente avaliaram os dez pacientes em duas ocasiões, em um intervalo de duas semanas. A pesquisadora RDNP administrou o treinamento com os cinco fisioterapeutas ao mesmo tempo, com duração de seis horas, correspondendo a quatro horas de teoria, fornecendo informações e exemplos de casos do Manual SHUEE e duas horas de trabalho prático com exercícios de pontuação do SHUEE, usando os vídeos de estudo de caso fornecidos no Manual.
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Validade convergente, que avaliou se a medida dos construtos do SHUEE se correlaciona com as de outros instrumentos equivalentes, demonstrando se o instrumento é válido para avaliar o que se pretende. Para a validade convergente, o SHUEE e os demais instrumentos (MACS, PEDI, Pediatric Upper Extremity Motor Activity - PMAL) foram realizados e pontuados por uma única fisioterapeuta (RDNP) em uma amostra de 21 crianças e adolescentes. A amostra foi estimada mediante cálculo amostral com base no estudo de validação do SHUEE8 e considerando o PEDI como variável para avaliação convergente. Utilizamos uma correlação mínima detectável de 0,57, com desvio padrão de 11,4 e 20,3, respectivamente, poder de 90% e nível de significância de p <0,05.
O SHUEE8 é uma avaliação baseada em vídeo que consiste em duas sessões. A primeira sessão avalia amplitude de movimento passivo e ativo, espasticidade, história e independência nas atividades da vida diária, além dos objetivos dos pacientes e familiares. A segunda sessão utiliza vídeos de 16 tarefas e inclui três componentes. A Análise Funcional Espontânea (AFE) avalia o uso espontâneo do membro envolvido em nove tarefas comuns, utilizando o sistema de classificação funcional de House modificado.17,18
A análise posicional dinâmica (APD) avalia o alinhamento segmentar da extremidade afetada (polegar, dedos, punho, antebraço e cotovelo) durante a execução de 16 tarefas selecionadas. O componente final, a análise de segurar e soltar (ASS), avalia a capacidade do sujeito para executar a preensão de um objeto com os dedos e soltar, realizando essa atividade com o punho na posição de flexão, neutra e extensão. O SHUEE utiliza uma pontuação numérica, e as avaliações da AFE são pontuadas em uma escala de zero (completa negligência) a cinco (função espontânea, independente) com uma pontuação máxima de 45.
Os alinhamentos do APD para cada segmento anatômico são pontuados em uma escala de zero (alinhamento patológico) a três (alinhamento normal ou ideal) com uma pontuação máxima de 72. A ASS é pontuada em uma escala de zero (não - não foi possível realizar o segurar e soltar) ou um (sim - capaz de realizar o segurar e soltar) para cada um dos três alinhamentos do punho (flexão, neutra, extensão), com uma pontuação máxima de 6. Para uso clínico, os resultados são expressos como uma porcentagem da pontuação máxima possível para cada seção.8
A análise estatística foi realizada no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0 (SPSS Inc., Chicago, IL). Em todos os casos, o nível de significância estabelecido foi de 5%. A normalidade dos dados foi verificada com o teste Shapiro-Wilk. Como as variáveis apresentaram distribuição simétrica, os dados foram expressos em média e desvio padrão. As variáveis categóricas foram apresentadas em frequência absoluta e relativa. Avaliamos a confiabilidade por meio de consistência interna (α-C), sensibilidade à mudanças (teste t de Student pareado) e coeficiente inter e intraobservador (coeficiente de correlação intraclasse - CCI).
Os valores de α-C foram considerados adequados quando ≥ 0,700. Também foi calculada a proporção de indivíduos com pontuação mínima (efeito de piso) e máxima (efeito de teto). Para determinação da validade convergente avaliando as possíveis correlações dos itens SHUEE (AFE e APD) com o PMAL, o domínio de autocuidado (escala de habilidades funcionais e escala de assistência do cuidador) do PEDI e MACS. Devido às características quanti-qualitativas de SHUEE, foi utilizado o teste de correlação de Spearman e os resultados classificados de acordo com o coeficiente de correlação (r): muito forte (r> 0,9), forte (r de 0,7 a 0,9), moderado (r de 0,5 a 0,7) e fraco (r de 0,3 a 0,5).
Em relação aos aspectos éticos, um dos autores do artigo original do SHUEE foi contatado para obter permissão para traduzir a ferramenta para o português do Brasil e em seguida validá-la. Após a permissão, o Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul aprovou o estudo. Todos os cuidadores dos participantes assinaram o termo de consentimento informado no momento da avaliação.
RESULTADOS
Na fase 1 - tradução e adaptação cultural -, houve apenas discordâncias gramaticais e de vocabulário entre os tradutores, o que não afetou a equivalência semântica do conteúdo. Essas discordâncias foram discutidas e harmonizadas e, devido ao conteúdo prático da avaliação do MS, não houve problemas de equivalência idiomática e cultural (expressões coloquiais), portanto a adaptação cultural não foi necessária.
A fase 2 - validação psicométrica - envolveu um total de 22 indivíduos com PC hemiplégica. Um indivíduo foi excluído por ter sido submetido a cirurgia ortopédica prévia no MS. Assim, a amostra final foi composta por 21 crianças e adolescentes. A tabela 1 apresenta as características gerais da amostra estudada.
A tabela 2 descreve as características psicométricas da versão brasileira do SHUEE.
Confiabilidade
Na análise da consistência interna, o α-C do SHUEE total (todos os itens incluídos) e da APD foi bom, com valores de 0,887 (intervalo de confiança de 95% [IC 95%] 0,745-0,970) e 0,777 (IC 95% 0,415-0,942), respectivamente. Para os itens AFE e ASS, obteve-se excelentes resultados com α-C de 0,988 (IC 95% 0,972-0,997) e 0,933 (IC 95% 0,831-0,983), respectivamente. O efeito teto foi observado nos três itens da SHUEE. No entanto, apenas ASS mostrou efeito chão.
A sensibilidade às mudanças foi avaliada em cinco indivíduos que tinham indicação e realizaram aplicação de toxina botulínica tipo A (TBA) associada à fisioterapia e orientações de exercícios domiciliares. A tabela 3 mostra os resultados do SHUEE realizado antes e após o tratamento. Como esperado, após o tratamento com TBA e fisioterapia, os escores médios da AFE e APD apresentaram alterações significativas, mostrando que o posicionamento do membro superior melhorou durante as atividades e o SHUEE foi capaz de detectar essa mudança. Por outro lado, o escore médio do ASS não apresentou alterações significativas.
A Tabela 4 apresenta os resultados da avaliação da confiabilidade inter e intraobservador da AFE, APD e ASS. Os resultados mostram uma forte confiabilidade inter e intraobservadores.
Validade convergente
A AFE mostrou correlação moderada com o domínio de autocuidado da parte I do PEDI - escala de habilidades funcionais (r=0,68; p=0,00) e com o MACS (r=-0,68; p=0,00); ), porém neste caso inversa. Além disso, houve forte correlação com as escalas de frequência (r = 0,86; p = 0,00), qualidade (r=0,86; p=0,00) e espontaneidade (r=0,80; p=0,00) do PMAL; e com o domínio de autocuidado da parte II da PEDI - escala de assistência do cuidador (r=0,75; p=0,00). Por outro lado, a APD apresentou correlação moderada com as partes I - escala de habilidades funcionais (r=0,62; p=0,00) e II - assistência do cuidador escala (r=0,63; p=0,00) do domínio de autocuidado do PEDI e inversa com o MACS (r=-0,54; p=0,01).Com as escalas de frequência (r=0,83; p=0,00), qualidade (r= 0,83; p=0,00) e espontaneidade (r=0,76; p=0,00) houve forte correlação. Esse achado indica que, quanto maior o uso espontâneo do MS e seu posicionamento nas atividades funcionais, melhor a habilidade manual, maior a habilidade funcional para o autocuidado, menos assistência é necessária do cuidador para as atividades de autocuidado, e maior é a frequência, qualidade e espontaneidade do uso do MS hemiplégica nas atividades cotidianas.
DISCUSSÃO
A versão brasileira do SHUEE mostrou um bom desempenho psicométrico, sugerindo que é uma ferramenta útil no contexto cultural brasileiro. Além disso, o nosso estudo parece ser o primeiro a testar, na análise da confiabilidade, a consistência interna do SHUEE pelo cálculo do coeficiente de alfa de Cronbach. Os resultados demonstraram um bom valor de α-C para a avaliação de todos os itens do SHUEE e da APD, além de excelentes valores para a AFE e ASS. Assim, o SHUEE mostrou-se válido e confiável para AFE, APD e ASS em crianças e adolescentes com PC hemiplégica, com valores semelhantes aos encontrados nos achados originais do instrumento.
Outra análise de confiabilidade realizada em nosso estudo foi a sensibilidade do instrumento para detectar alterações, com AFE e APD mostrando diferenças significativas após o tratamento com TBA e fisioterapia, demonstrando que SHUEE apresentou sensibilidade para detectar essa mudança. Conforme evidenciado na literatura, o tratamento com TBA pode melhorar a posição dos segmentos do MS enquanto uma determinada função é realizada.19No entanto, poucos pacientes da amostra estudada foram submetidos a esse tratamento, resultando em uma amostra relativamente pequena para identificar efetivamente a sensibilidade às mudanças do SHUEE. O estudo original do SHUEE também mostrou resultados interessantes nesse quesito com alterações significativas nesses dois itens do SHUEE, após o tratamento cirúrgico de transferência do tendão flexor ulnar do carpo para o extensor radial curto do carpo, em dezoito indivíduos com PC hemiplégica.8
Nossos achados de excelentes CCI, observados na análise da confiabilidade inter e intraobservador, para AFE e APD foram semelhantes aos do estudo original de SHUEE, bem como a concordância 100% intra e interobservador em ambos os estudos para ASS.8 Ainda, nosso estudo, de forma adicional ao original 8 apresenta a análise de confiabilidade de todos os segmentos que compõem o escore APD e observou excelentes CCI para os segmentos do polegar, dedos, punho e antebraço, além de 100% de concordância no segmento cotovelo (interobservador). Os fisioterapeutas que participaram da avaliação da concordância intra e interobservadores em nosso estudo têm um a dez anos de experiência clínica. Esses profissionais concluíram o treinamento padrão com base no Manual SHUEE, que incluiu o conhecimento do instrumento de avaliação, assistir aos vídeos chaves de interpretação e praticar vídeos de casos clínicos. Esses resultados mostram que, após o treinamento padrão usando o Manual SHUEE, o instrumento é confiável para análise clínica e científica do MS em pacientes com PC hemiplégica.
Apesar da análise tridimensional de movimento ser padronizada para a avaliação dos membros inferiores, 20 seu uso no MS ainda é um desafio, dada a complexidade de seus movimentos.21 Assim, a validade convergente apresentada em nosso estudo foi realizada utilizando-se os instrumentos MACS, PEDI (domínio de autocuidado para as escalas de habilidades funcionais e assistência ao cuidador) e PMAL, por meio das suas correlações com dois itens do SHUEE: AFE e APD. Assim como apresentado no artigo original do SHUEE, 8 também encontramos uma correlação moderada da AFE com o domínio de autocuidado do PEDI. Também encontramos correlações moderadas e fortes com o questionário PMAL e MACS. No entanto, nosso estudo parece ser o primeiro a correlacionar esses instrumentos com o SHUEE, o que dificulta a discussão desses resultados. O PMAL, da mesma forma que o SHUEE, é um instrumento específico para PC hemiplégica e avalia a frequência e a qualidade do uso do MS hemiplégico em atividades, conforme relatado pelos pais ou responsáveis da criança.22 O MACS avalia como as crianças com PC usam suas mãos para manipular objetos em casa, na escola ou na comunidade5,6 e tem sido amplamente utilizado como sistema de classificação em pesquisas sobre o MS na PC.23
Freqüentemente, a avaliação do MS baseia-se no relato da funcionalidade pelo cuidador ou pelo paciente e no exame físico. No entanto, os aspectos funcionais, nos quais as limitações causadas pelas deformidades se tornam mais claras, raramente são analisados de forma objetiva. O SHUEE propõe o uso dessa avaliação usual somada à uma avaliação baseada em vídeo que abrange a análise funcional e do posicionamento dos segmentos durante a função. Nessa perspectiva, o SHUEE tem sido utilizado na literatura para demonstrar os resultados após tratamentos cirúrgicos24,25 e conservadores, como o uso de TBA24 e Terapia da Contensão Induzida 26 em crianças e adolescentes com PC unilateral. O SHUEE tem sido utilizado no Brasil e parece auxiliar no raciocínio clínico e no processo de tomada de decisão, além de possibilitar a mensuração formal dos resultados das terapias empregadas.9,25,27
O fato de o cálculo amostral ter sido estimado a partir da análise de validade convergente e com base no estudo original de SHUEE pode constituir uma limitação deste estudo. No entanto, nenhum estudo anterior calculou o α-C para SHUEE, o que possibilitaria o cálculo amostral com base nesse item. A lém disso, os instrumentos correlacionados com SHUEE em nosso estudo para validade convergente são baseados no relatório da percepção do cuidador sobre a funcionalidade das crianças, e não em outra avaliação técnica. Porém, não existem instrumentos de avaliação técnica do MS de indivíduos com PC que sejam traduzidos, adaptados culturalmente e validados para a população brasileira. Ainda, a análise fatorial para validação de construto e a reprodutibilidade do SHUEE devem ser considerados em estudos futuros.
Concluindo, a versão brasileira do SHUEE demonstrou bom comportamento nas propriedades psicométricas avaliadas: consistência interna, confiabilidade intra e interobservadores e validade convergente. Estudos adicionais podem contribuir para analisar ainda mais a sensibilidade às mudanças do instrumento. Assim, esta versão do SHUEE parece adequada e aplicável a indivíduos com PC hemiplégica na população brasileira. O instrumento está disponível para uso mediante solicitação aos autores.
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Financiamento
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Abr 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
22 Out 2018 -
Aceito
01 Jan 2019 -
Publicado
2020