Fatores associados à obesidade abdominal em crianças matriculadas na rede pública de ensino, Barbacena, Minas Gerais

RESUMO

Objetivo:

Avaliar os fatores sociodemográficos e de estilo de vida associados à obesidade abdominal em crianças de escolas públicas de Barbacena, Minas Gerais.

Métodos:

Trata-se de estudo transversal realizado com 326 escolares de sete a nove anos, matriculados em escolas da zona urbana da cidade. As variáveis antropométricas avaliadas foram peso, estatura, índice de massa corpórea por idade, circunferência da cintura e relação cintura-estatura. O consumo alimentar foi registrado pelo Questionário Alimentar do Dia Anterior. A obesidade abdominal foi avaliada com base na circunferência da cintura e relação cintura-estatura. As análises bivariada e multivariada foram realizadas por meio de regressão logística, estimando-se a Odds Ratio (OR) bruta e ajustada, com os intervalos de confiança de 95% (IC95%).

Resultados:

A prevalência de excesso de peso foi de 30,7%, enquanto a prevalência de obesidade abdominal foi de 9,2 e 12,6%, de acordo com circunferência da cintura e relação cintura-estatura, respectivamente. Crianças do sexo masculino (OR 2,76; IC95% 1,22–6,25) e de escolas centrais (OR 2,73; IC95% 1,08–6,80) tiveram maior chance de apresentar obesidade abdominal segundo a circunferência da cintura. A obesidade abdominal, de acordo com a relação cintura-estatura, associou-se à localização central das escolas (OR 2,18; IC95% 1,02–4,63) e à omissão da ceia (OR 2,01; IC95% 1,00–4,09).

Conclusões:

Os achados mostraram que ser do sexo masculino, estudar em escola central e omitir a ceia foram os principais fatores de risco associados à obesidade abdominal.

Palavras-chave:
Criança; Obesidade abdominal; Obesidade pediátrica; Consumo de alimentos; Antropometria

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the sociodemographic and lifestyle factors associated with abdominal obesity in children from public schools in Barbacena, state of Minas Gerais, Brazil.

Methods:

This is a cross-sectional study conducted on 326 students aged 7 to 9 years from public schools in the urban area of the city. Anthropometric data included body weight, height, body mass index according to age, waist circumference, and waist-to-height ratio. Food consumption was evaluated using the Previous Day Food Questionnaire. Abdominal obesity was assessed based on waist circumference and waist-to-height ratio. The bivariate and multivariate analyses were performed by logistic regression, estimating the crude and adjusted odds ratio (OR), with 95% confidence interval.

Results:

The prevalence of overweight was 30.7%; whereas the prevalence of abdominal obesity was 9.2 and 12.6% according to waist circumference and waist-to-height ratio, respectively. Boys (OR 2.76; 95%CI 1.22–6.25) and children from central schools (OR 2.73; 95%CI 1.08–6.80) presented an increased chance of abdominal obesity according to waist circumference. Abdominal obesity according to waist-to-height ratio was associated with the central location of the schools (OR 2.18; 95%CI 1.02–4.63) and the habit of skipping supper (OR 2.01; 95%CI 1.00–4.09).

Conclusions:

The findings showed that being a boy, studying in a central school, and skipping supper were the main risk factors associated with abdominal obesity.

Keywords:
Child; Obesity, abdominal; Pediatric obesity; Food consumption; Anthropometry

INTRODUÇÃO

A obesidade é considerada um grave problema de saúde pública, especialmente no público infantil.¹ Crianças e adolescentes são mais vulneráveis a apresentar desvios nutricionais em razão do intenso processo de crescimento e desenvolvimento, que resulta no aumento das demandas energéticas e nutricionais.¹ A obesidade infantil está associada a diversas comorbidades, como dislipidemias, diabetes melito e hipertensão arterial, que podem permanecer até a fase adulta.²

A antropometria é amplamente utilizada na prática clínica por ser um método pouco invasivo, de baixo custo e de boa reprodutibilidade.¹ O índice de massa corpórea (IMC) é o principal instrumento utilizado para diagnosticar a obesidade dos indivíduos. Apesar de não fornecer estimativa precisa da composição corporal, esse índice apresenta boa correlação com gordura corporal e, principalmente, com risco de mortalidade. Já a circunferência da cintura (CC) e a relação cintura-estatura (RCE) são melhores indicadores para estimar a obesidade abdominal e podem ser utilizados como preditores do risco de doenças cardiovasculares (DCV).³ Portanto, o uso em conjunto dos três indicadores antropométricos (IMC, CC e RCE) permite estimativas mais confiáveis da avaliação de obesidade abdominal e, consequentemente, do risco de desenvolvimento de DCV entre o público infantil.¹

As diferenças entre as prevalências de excesso de peso dos alunos de escolas públicas e privadas é bastante estudada;^4,5 no entanto, os estudos que avaliam o estado nutricional de escolares de uma mesma rede de ensino, diferenciando-os pela localização geográfica das escolas da zona urbana de uma mesma cidade, ainda são escassos.⁶ Também são poucos os trabalhos que analisaram os fatores associados ao desenvolvimento de obesidade abdominal entre o público infantil, já que a maioria das pesquisas se concentra em investigar apenas a presença de obesidade geral.^2,4,6 Entre os fatores associados ao desenvolvimento da obesidade infantil, pesquisas apontam características genéticas e ambientais, como sedentarismo, nível socioeconômico, hábitos alimentares inadequados, duração e intensidade do sono.^1,2,7 Entender quais são os fatores ambientais relacionados à obesidade abdominal é importante para identificar grupos de risco e possibilitar a implementação de ações de educação alimentar e nutricional direcionadas especialmente a esse segmento populacional, visando à prevenção e ao tratamento dessa condição clínica.

Nesse contexto, este estudo objetivou avaliar os fatores sociodemográficos e de estilo de vida (alimentação e prática de atividade física — AF) associados à obesidade abdominal em crianças matriculadas na rede estadual de ensino do município de Barbacena, Minas Gerais.

MÉTODO

Trata-se de estudo transversal realizado com escolares matriculados na rede pública de ensino da zona urbana de Barbacena, Minas Gerais. A coleta de dados ocorreu entre julho de 2019 e fevereiro de 2020. Em virtude das diferenças existentes entre os pontos de corte utilizados na avaliação nutricional, crianças com necessidades especiais, como síndrome de Down ou problemas neurológicos, foram excluídas, assim como crianças que apresentavam deficiências físicas (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma de seleção da população do estudo. Barbacena, Minas Gerais, Brasil, 2020.

De acordo com a Superintendência Estadual de Ensino de Barbacena, com base no censo escolar do ano de 2018, em toda a área urbana o número total de estudantes do 1º ao 5º ano do ensino fundamental da rede estadual era igual a 2.823 alunos, divididos em 12 escolas. Foram selecionados aqueles com idade entre sete e nove anos por compreenderem a fase escolar. Primeiramente, realizou-se a amostragem por conglomerado, e, mediante sorteio aleatório em cada região da cidade, escolheram-se quatro escolas. Na sequência, houve a amostragem aleatória simples, em que a seleção dos alunos por escola e série (do 1º ao 5º ano) foi feita por sorteio aleatório simples até completar o número necessário de alunos. O tamanho amostral foi calculado utilizando-se intervalo de confiança de 95% (IC95%), erro amostral de 5% e prevalência de excesso de peso em escolares de 37%,⁸ correspondendo à amostra mínima de 318 escolares. As escolas que participaram do estudo foram divididas em centrais (2) e periféricas (2), de acordo com a sua localização geográfica (Figura 1).

Para a avaliação antropométrica foram utilizadas técnicas propostas por Lohman et al.⁹ Para a aferição do peso, empregou-se balança portátil da marca Balmak Slimbasic® calibrada, com capacidade máxima de 150 kg e subdivisão em 100 g. Para a avaliação da estatura, utilizou-se fita métrica inelástica da marca Cescorf® de 2 m e subdivisão de 1 mm, fixada em uma parede reta, lisa e sem rodapé. O IMC foi calculado pela fórmula peso (kg)/altura² (m²). Para a classificação do estado nutricional, adotou-se o escore Z para os índices IMC/idade (IMC/I) e estatura/idade (E/I), considerando-se as curvas da Organização Mundial da Saúde.¹⁰ De acordo com o IMC/I, os escolares foram divididos em dois grupos: 1) sem excesso de peso, incluindo crianças com baixo peso e eutróficas; 2) com excesso de peso, incluindo os escolares com sobrepeso, obesidade e obesidade grave. A CC foi aferida na menor circunferência por meio de fita métrica inelástica da marca Cescorf®, e a presença de obesidade abdominal foi classificada conforme Freedman et al.¹¹ O cálculo da RCE foi efetuado pela divisão da CC e estatura, e foram considerados indicativos de obesidade abdominal valores ≥0,5.¹²

O inquérito dietético utilizado foi o Questionário Alimentar do Dia Anterior (QUADA, versão 3), estruturado em seis refeições (café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde, jantar e lanche da noite), com 21 grupos de alimentos cada.¹³ Trata-se de instrumento ilustrado que obtém dados do consumo alimentar dos escolares do dia anterior.¹³ A aplicação ocorreu segundo a técnica descrita no manual do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina.¹⁴

Os grupos de alimentos presentes no QUADA foram identificados como alimentos protetores (verduras e legumes, sopa de verduras e legumes, frutas e sucos naturais) e alimentos de risco (achocolatados, doces e sobremesas, batatas fritas, lanches tipo fast food, salgadinhos industrializados, sucos artificiais e refrigerantes).^5,15 O consumo de alimentos protetores foi classificado como adequado quando mais frequente ou igual a seis vezes ao dia e como inadequação quando os alimentos listados foram consumidos menos do que cinco vezes ao dia. Já o consumo de alimentos de risco foi classificado como inadequado quando sua ingestão ocorreu mais de três vezes ao dia e como adequado quando ocorreu duas vezes ou menos ao dia.¹⁵

O Questionário de Atividade Física e Alimentação do Dia Anterior (QUAFDA) foi utilizado para a avaliação dos níveis de AF. ¹⁶ Esse instrumento validado fornece escore global sobre a prática de AF por meio da soma dos escores de exercícios que a criança relatou realizar. Nele constam 11 tipos de atividades que podem ser praticadas em três intensidades diferentes (devagar, rápido e muito rápido). Para classificar o nível de AF foram atribuídos três pesos distintos, conforme a intensidade com que os exercícios foram praticados: peso um para as atividades realizadas de forma leve (devagar), peso três para as moderadas (rápidas) e peso nove para as realizadas de forma vigorosa (muito rápido).¹⁶ O escore total variou de 0 a 99 pontos, e os escolares foram classificados como pouco ativos (até 33 pontos), moderadamente ativos (de 34 a 66 pontos) e muito ativos (acima de 67 pontos).¹⁷

Os dados foram tabulados no Microsoft Office Excel® e analisados por meio do software STATA®, versão 13.0. O teste Shapiro-Wilk foi utilizado para a verificação da normalidade das variáveis contínuas. Para avaliar as variáveis categóricas foram empregados os testes qui-quadrado, de Pearson, exato de Fisher e qui-quadrado com correção de Yates. A regressão logística foi adotada para a obtenção da Odds Ratio (OR) bruta e ajustada por idade, a fim de verificar a associação entre excesso de peso, obesidade abdominal e variáveis independentes. Incluíram-se na regressão todas as variáveis que obtiveram p<0,20. Considerou-se o nível de significância de 95% (p≤0,05).

O projeto foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais (parecer número 3.588.082). Para participar da pesquisa, os voluntários foram informados sobre o seu objetivo e foi-lhes repassado o termo de assentimento livre e esclarecido (TALE) e o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Este deveria ser entregue aos pais ou responsáveis para que fosse assinado e que a participação do menor fosse consolidada.

RESULTADOS

Participaram do estudo 326 escolares, a maioria do sexo feminino (51,8%), com faixa etária equilibrada entre as categorias de idade (33% cada), provenientes de escolas mais centrais (61%) e pouco ativos (98,8%) (Tabela 1). A maior parte dos participantes realizava café da manhã (86,2%), almoço (94,2%), lanche da tarde (85%) e jantar (86,8%), mas não realizava lanche da manhã (79,8%) e ceia (56,4%) (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição dos índices estatura/idade e índice de massa corpórea/idade de acordo com sexo, idade, localização geográfica, refeições realizadas, prática de atividade física e consumo de alimentos protetores e de risco. Barbacena, Minas Gerais, Brasil, 2020.

			Total		Estatura/idade			IMC/Idade
			n	%	Adequado	Inadequado	p-valor	Sem EP	Com EP	p-valor
Sexo
	Feminino		169	51,80	167	2	0,268	124	45	0,100
	Masculino		157	48,20	157	0		102	55
Faixa etária
	7 a <8 anos		112	34,50	110	2	0,624	81	31	0,467
	>8 a <9 anos		101	31,10	101	0		69	32
	>9 a <10 anos		112	34,50	112	0		75	37
Localização geográfica da escola
	Central		199	61,00	199	0	0,151	133	66	0,222
	Periférica		127	39,00	125	2		93	34
Refeições
	Café da manhã
	Não		45	13,80	45	0	0,743	30	15	0,677
	Lanche da manhã
		Não	260	79,80	258	2	0,636	180	80	0,942
	Almoço
		Não	19	5,80	19	0	0,887	16	3	0,147
	Lanche da tarde
		Não	49	15,00	48	1	0,278	33	16	0,745
	Jantar
		Não	43	13,20	43	0	0,753	31	12	0,673
	Lanche da noite
		Não	184	56,40	183	1	0,682	126	58	0,706
Prática de atividade física
	Pouco ativo		322	98,80	321	1	0,024	222	100	0,229
	Moderado		4	1,20	3	1		4	0
Alimentos protetores
	Adequado		14	4,30	14	0	0,916	10	4	0,562
	Inadequado		312	95,70	310	2		216	96
Alimentos de risco
	Adequado		200	61,40	199	1	0,624	145	55	0,075
	Inadequado		126	38,60	125	1		81	45

• E/I: estatura/idade; IMC/I: índice de massa corpórea/idade; EP: excesso de peso. Sem excesso de peso: crianças com baixo peso e eutrofia; com excesso de peso: crianças com sobrepeso, obesidade e obesidade grave. Foram realizados os testes do qui-quadrado, exato de Fisher e qui-quadrado com correção de Yates.

Observou-se que apenas 0,6% (n=2) dos escolares apresentaram deficit de estatura. A prevalência do excesso de peso foi de 30,7% (n=100), sendo 16% (n=52) sobrepeso, 10,4% (n=34) obesidade e 4,3% (n=14) obesidade grave. O deficit ponderal foi observado para 1,5% (n=5) dos participantes, classificados como com magreza (Figura 2).

Figura 2
Estado nutricional de escolares de sete a nove anos (n=326), de acordo com os índices estatura/idade e índice de massa corpórea/idade. Barbacena, Minas Gerais, 2020.

A prevalência de obesidade abdominal foi de 9,2% (n=30) e 12,6% (n=41), de acordo com CC e RCE, respectivamente (Tabela 2). A maioria dos escolares com inadequações relacionadas ao excesso de peso corporal foram do sexo masculino, considerando-se IMC/I (16,9%; n=55), CC (6,4%; n=21) e RCE (7,4%; n= 24) (Tabelas 1 e 2). A inadequação do índice E/I foi associada à prática de AF (p=0,024) (Tabela 1).

Tabela 2
Distribuição da circunferência da cintura e relação cintura-estatura de acordo com sexo, idade, localização geográfica, refeições realizadas, prática de atividade física e consumo de alimentos protetores e de risco. Barbacena, Minas Gerais, Brasil, 2020.

			Obesidade abdominal segundo CC			Obesidade abdominal segundo RCE
			Ausente	Presente	p-valor	Ausente	Presente	p-valor
Sexo
	Feminino		160	9	0,012	152	17	0,155
	Masculino		136	21		133	24
Faixa etária
	7 a <8 anos		98	14	0,257	99	13	0,773
	>8 a <9 anos		94	7	0,378	87	14	1,000
	>9 a <10 anos		103	9		98	14
Localização geográfica da escola
	Central		175	24	0,025	168	10	0,041
	Periférica		121	6		117	31
Refeições realizadas de acordo com QUADA-3
	Café da manhã
		Não	41	4	0,600	40	5	0,487
	Lanche da manhã
		Não	235	25	0,407	224	35	0,170
	Almoço
		Não	19	0	0,151	18	1	0,282
	Lanche da tarde
		Não	43	6	0,424	44	5	0,393
	Jantar
		Não	41	2	0,210	38	5	0,536
	Lanche da noite
		Não	164	20	0,236	155	29	0,034
Prática de atividade física
	Pouco ativo		292	30	0,678	281	41	0,583
	Moderado ou muito ativo		4	0		4	0
Alimentos protetores
	Adequado (>6 vezes/dia)		11	3	0,128	13	1	0,455
	Inadequado (<5 vezes/dia)		285	27		272	40
Alimentos de risco
	Adequado (<2 vezes/dia)		179	21	0,307	172	28	0,329
	Inadequado (>3 vezes/dia)		117	9		113	13

• CC: circunferência da cintura; RCE: relação cintura-estatura; QUADA-3: Questionário Alimentar do Dia Anterior; E/I: estatura/idade; IMC/I: índice de massa corpórea/idade. Foram realizados os testes do qui-quadrado, exato de Fisher e do qui-quadrado com correção de Yates.

Mais de um terço da amostra (38,7%; n=126) consumia excesso de alimentos de risco. Entretanto, não foi encontrada associação significativa entre as variáveis de consumo alimentar e a classificação quanto às variáveis antropométricas (Tabela 1).

A obesidade abdominal segundo a CC foi associada ao sexo masculino (p=0,012) e à localização central das escolas (p=0,025). A obesidade abdominal segundo a RCE foi associada com a omissão da ceia (p=0,034) e com a localização central das escolas (p=0,041) (Tabela 2).

A Tabela 3 apresenta a análise da OR bruta e a ajustada para a avaliação da obesidade abdominal de acordo com a CC e RCE. Observou-se que ser menino (OR 2,76; IC95% 1,22–6,25) e estudar na região central (OR 2,73; IC95% 1,08–6,80) foram fatores de risco para o desenvolvimento da obesidade segundo a CC, mesmo após ajustes. Conforme a RCE, estudar na região central (OR 2,18; IC95% 1,02–4,63) e omitir a ceia (OR 2,01; IC95% 1,00–4,09) foram considerados fatores de risco para obesidade abdominal.

Tabela 3
Associação entre obesidade abdominal e variáveis independentes nos escolares de sete a nove anos de idade. Barbacena, Minas Gerais, Brasil, 2020.

		Obesidade abdominal de acordo com CC		Obesidade abdominal de acordo com RCE
		OR IC95%	ORa IC95%	OR IC95%	ORa IC95%
Sexo
	Feminino	1	1	1	1
	Masculino	2,74 (1,21–6,19)	2,76 (1,22–6,25)	1,61 (0,83–3,13)	1,60 (0,82–3,10)
Localização geográfica
	Periférica	1	1	1	1
	Central	2,76 (1,09–6,96)	2,73 (1,08–6,89)	2,15 (1,01–4,57)	2,18 (1,02–4,63)
Alimentos protetores
	Inadequado	1	1	–	–
	Adequado	0,34 (0,09–1,32)	0,36 (0,09–1,38)	–	–
Consumo do lanche da manhã
	Sim	–	–	1	1
	Não	–	–	1,96 (0,73–5,21)	1,96 (0,74–5,26)
Consumo do lanche da noite
	Sim	–	–	1	1
	Não	–	–	2,52 (1,01–4,13)	2,01 (1,00–4,09)

• CC: circunferência da cintura; RCE: relação cintura-estatura; OR: Odds Ratio; ORa: Odds Ratio ajustada por idade; IC95%: intervalo de confiança de 95%. Foi realizada regressão logística para obtenção dos valores de Odds Ratio.

DISCUSSÃO

Como principal resultado deste estudo, observamos que ser do sexo masculino, estudar em instituições públicas localizadas na região central e omitir a ceia foram considerados fatores de risco para o desenvolvimento da obesidade abdominal em escolares com idade entre sete e nove anos. Corroborando nossos resultados, estudo realizado na região Sul do Brasil demonstrou que ser do sexo masculino se associou ao IMC elevado e/ou obesidade abdominal em crianças.⁵ A literatura sugere que meninas possuem maior insatisfação com sua imagem corporal em relação aos meninos, comportamento que pode refletir em maior preocupação com o ganho de peso. Além do mais, há forte pressão cultural e midiática pela adoção da magreza como padrão ideal para o sexo feminino.¹⁸ Embora pesquisas demonstrem que os meninos tendem a ser mais ativos que as meninas, aqueles com excesso de peso corporal apresentam menor nível de AF e mais horas em comportamentos sedentários.¹⁹

Em nosso estudo, a localização geográfica central das escolas constituiu-se em fator de risco para obesidade abdominal nos escolares. Estudo realizado em Sorocaba, São Paulo,⁶ com crianças de escolas públicas municipais, revelou maior prevalência de obesidade entre as crianças matriculadas em escolas centrais em comparação às que estudavam em escolas periféricas. Uma possível explicação para a maior prevalência de obesidade abdominal nas escolas centrais de Barbacena, Minas Gerais, é que o ambiente do entorno e de dentro dessas escolas pode conter limitações para a prática de atividades não sedentárias, para a alimentação adequada e/ou para a escolha de hábitos saudáveis, constituindo-se em ambiente obesogênico.²⁰ Lourenço et al.,²⁰ ao avaliarem a influência da ambiência escolar no estado nutricional de pré-escolares da rede pública de Macaé, Rio de Janeiro, observaram que as crianças maiores de cinco anos das escolas com ampla rede social de apoio no entorno tiveram menores chances de apresentar excesso de peso corporal. Por outro lado, a escola com mais lanchonetes e propagandas de alimentos no território teve maior proporção de obesidade.²⁰ A escola, assim como a família, desempenha grande influência na causalidade da obesidade infantil e é um local privilegiado de promoção da alimentação saudável e da AF.²⁰ Políticas públicas de prevenção e controle da obesidade podem ser elaboradas com base na avaliação do estado nutricional segundo a localização geográfica e, sobretudo, considerando-se os fatores relacionados ao ambiente obesogênico nas escolas.²⁰

O hábito de omitir refeições foi observado como fator de risco para o desenvolvimento de obesidade abdominal em nossa pesquisa. A omissão de refeições é considerada como um comportamento de risco, visto que as refeições omitidas podem ser substituídas por lanches não saudáveis (principalmente provenientes de alimentos processados e ultraprocessados), que contribuem para o aumento da ingestão calórica e o consequente ganho de peso corporal.²¹ A omissão do café da manhã, por exemplo, pode prejudicar o desempenho escolar, a saciedade e o controle de peso e favorecer o desejo de consumir lanches calóricos,⁷ porém dados que revelem as consequências e riscos associados ao hábito de não fazer o lanche noturno (ceia) ainda são escassos na literatura. Silva et al.²¹ observaram que a ceia foi a refeição mais omitida por 708 crianças (66%) e adolescentes (77,3%) com idade entre sete e 14 anos de Juiz de Fora, Minas Gerais, e que a menor frequência de refeições se associou a valores aumentados de IMC. Os autores sugeriram que o consumo frequente de refeições se relaciona ao melhor controle ponderal pelo aumento do gasto energético pós-prandial, com o efeito térmico global dos alimentos aumentado em padrões de refeições regulares. Além disso, a não omissão das refeições poderia contribuir para manter glicemia e insulinemia constantes ao longo do dia, promovendo melhor controle do apetite e saciedade.²¹

Elevada prevalência de excesso de peso corporal (30,7%) foi observada na população estudada, com valor semelhante ao encontrado pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) (33,5%)²² e também pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) (29,5%).²³ A prevalência de sobrepeso e obesidade encontrada neste trabalho foi maior que a observada em Campina Grande (PB) (21,5%)⁷ e em oito municípios-polo de Santa Catarina (Florianópolis, Joinville, Blumenau, Chapecó, Criciúma, Jaraguá do Sul, Lages e Joaçaba) (20,9%);⁴ porém, foi menor que a encontrada em outro estudo realizado em Itajaí, Santa Catarina (44%), para a mesma faixa etária.²⁴ A obesidade, caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal, representa riscos à saúde humana, particularmente durante a infância, por causa das grandes chances de essa condição se manter durante a vida adulta e acarretar o aparecimento precoce de complicações tais como diabetes tipo 2, hipercolesterolemia, hipertensão arterial, síndrome de apneia obstrutiva do sono, comprometimentos osteomioarticulares e outras enfermidades.²⁵ O aumento da prevalência da obesidade infantil e o consequente aumento do risco do desenvolvimento de DCV entre a população mais jovem vem se tornando um problema de saúde pública no Brasil e no mundo, refletindo o quadro de transição nutricional.^4,24

Em nosso estudo, apenas 0,6% dos alunos apresentaram deficit de estatura, sendo essa prevalência inferior à encontrada pela POF (6,8%)²² e por um estudo realizado em Campina Grande (PB) (2,4%).⁷ Deficits na estatura revelam um problema multicausal, que resulta da interação entre padrões alimentares e problemas de saúde em pessoas com condições socioeconômicas desfavoráveis. É importante mencionar que a baixa estatura pode estar associada a padrões genéticos, o que nem sempre significa risco nutricional. No entanto, a expressão do potencial genético resulta da sua interação com os fatores ambientais.²⁶

Quase a totalidade da amostra deste estudo (98,8%) foi classificada como pouco ativa ou sedentária, frequência maior do que a observada em outros trabalhos nacionais incluídos em uma revisão sistemática sobre nível de AF e estado nutricional de crianças brasileiras, a qual encontrou prevalência de inatividade física de 22,6 a 93,5%.¹⁹ A alta variabilidade dos questionários utilizados, o uso de instrumentos não validados e a falta de consenso sobre os pontos de corte para definir a inatividade física contribuem para as divergências nos resultados. Alguns estudos caracterizam como comportamento sedentário o tempo de televisão, videogames, tablets, aparelhos celulares e computador.^19,27 No entanto, o tempo de exposição a telas compreende apenas parte do tempo de pouca atividade, pois exclui outras atividades sedentárias, como o tempo sentado na escola e no deslocamento, por exemplo.²⁷ O instrumento utilizado em nossa pesquisa foi validado para crianças e contempla o meio de transporte utilizado para ir à escola e as AF praticadas durante o dia. O aumento do sedentarismo entre crianças é preocupante, pois apresenta associações positivas com o excesso de peso corporal.²⁷ A prática regular de AF auxilia na diminuição dos níveis de adiposidade corporal e lipídeos sanguíneos, além de contribuir para o aumento da densidade mineral óssea e a melhora da saúde mental.¹⁶

A baixa ingestão de alimentos in natura e de alimentos minimamente processados bem como o elevado consumo de alimentos processados e ultraprocessados foram observados neste e em outros estudos.^4,7,20,25 O reduzido consumo de verduras, legumes e frutas pelas crianças é alarmante do ponto de vista nutricional, pois esses alimentos são essenciais para a qualidade da dieta e auxiliam na manutenção do peso corporal saudável.^15,28 Em longo prazo, a ingestão inadequada desses alimentos contribui para o aparecimento de carências nutricionais e para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis como, por exemplo, hipertensão arterial, diabetes, dislipidemias, obesidade e neoplasias.²⁸ Diante disso, torna-se importante incentivar a adoção de hábitos alimentares saudáveis desde a infância, já que esse é um comportamento que favorece a promoção e a manutenção da saúde na vida adulta²⁹ e auxilia na prevenção e no controle do excesso de gordura corporal.²⁹

Entre as limitações deste estudo, podemos citar o delineamento transversal, que dificulta o estabelecimento de relações causais entre as variáveis avaliadas. Outra limitação foi a não avaliação da renda e da ambiência escolar para caracterizar a população, visto que essas variáveis podem influenciar no desenvolvimento de doenças e agravos à saúde, resultando em alterações no estado nutricional.³⁰ A maturidade cognitiva da faixa etária em estudo também deve ser levada em consideração, já que muitas crianças apresentam dificuldades para se comunicarem, comprometendo a qualidade das informações fornecidas. Ressaltamos também como limitação o uso do QUADA-3 para a avaliação da ingestão alimentar, já que esse instrumento não fornece dados sobre a quantidade exata dos alimentos ingeridos e foi aplicado em apenas um dia, o que não reflete o consumo alimentar habitual dos escolares. No entanto, destaca-se que todos os questionários utilizados foram validados para a faixa etária avaliada e o inquérito alimentar aplicado considera o fato de crianças ainda não terem alcançado o estágio de raciocínio abstrato e, por isso, apresentarem capacidade reduzida para citar informações sobre frequências e quantidades.¹³

Concluímos com este estudo que, entre todas as variáveis avaliadas, ser do sexo masculino, estar matriculado em escola com localização central e omitir a ingestão da ceia aumentaram as chances de inadequações antropométricas relacionadas ao acúmulo de gordura na região abdominal. Esse achado ajuda a direcionar as políticas públicas e as ações de intervenção nutricional para grupos com maior risco cardiovascular, indicado pelo acúmulo de gordura na região abdominal.

• Financiamento
  O estudo não recebeu financiamento.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos às diretoras das escolas, às crianças que participaram do estudo e aos seus pais e/ou responsáveis, que autorizaram a participação das crianças. Agradecemos também ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais (IF Sudeste MG).

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  04 Out 2021
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  09 Set 2020
• Aceito
  17 Jan 2021