RESUMO
O objetivo do estudo foi investigar características da estrutura das unidades de saúde e dos processos gerenciais e assistenciais da Atenção Pré-Natal (APN) no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil, em municípios que aderiram ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Trata-se de avaliação normativa com dados de 16.566 equipes de saúde da família que aderiram ao PMAQ-AB. Foi elaborado um modelo lógico dos componentes da APN, composto pelas dimensões de análise, gerencial e assistencial, e de 42 critérios de estrutura e processo e seus respectivos padrões. A estrutura das unidades básicas e as ações prestadas pelas equipes não obedeciam à maioria dos padrões, destacando-se a existência de barreiras estruturais, indisponibilidade de medicamentos e exames essenciais, problemas na oferta do elenco de ações assistenciais, envolvendo a atenção individual e o cuidado clínico, bem como de promoção da saúde e ações coletivas e domiciliares ofertadas. Conclui-se que, apesar da alta cobertura da APN e da sua institucionalização nos serviços de APS, persistem problemas que devem ser alvo de iniciativas governamentais que garantam atenção integral e de qualidade no ciclo gravídico-puerperal e que repercutam na melhoria dos indicadores de saúde materno-infantil.
PALAVRAS-CHAVE Avaliação em saúde; Atenção Primária à Saúde; Estratégia Saúde da Família; Cuidado pré-natal; Saúde materno-infantil
ABSTRACT
The aim of the study was to investigate the characteristics of the structure of the health units and the management and assistance processes of Prenatal Care (PNC) within the scope of Primary Health Care (PHC) in Brazil, in municipalities that joined the National Program for Access and Quality Improvement in Primary Care (PMAQ-AB). This is a normative evaluation with data from 16.566 family health teams that joined the PMAQ-AB. A logical model of the PNC components was elaborated, composed of the analysis, management and care dimensions, and 42 criteria of structure and process and their respective standards. The structure of the basic units and the actions provided by the teams did not comply with the majority of the standards, highlighting the existence of structural barriers, unavailability of medicines and essential tests, problems in the provision of the cast of assistance actions, involving individual attention and clinical care, as well as health promotion and collective and domiciliary actions offered. It is concluded that, despite the high coverage of PNC and its institutionalization in PHC services, problems persist that must be addressed by governmental initiatives that guarantee comprehensive attention and quality in the pregnancy-puerperal cycle and that have repercussions on the improvement of health indicators of maternal and child health.
KEYWORDS Health evaluation; Primary Health Care; Family Health Strategy; Prenatal care; Maternal and child health
Introdução
A Atenção Pré-Natal (APN) é fundamental para que se obtenham bons resultados no desfecho da gestação, e sua qualidade está relacionada com a disponibilidade de recursos em âmbito gerencial e assistencial, bem como ao desenvolvimento de ações de forma rotineira, obedecendo a padrões técnico-científicos de qualidade. Para que seja efetivo, recomenda-se que o pré-natal seja iniciado no início da gestação1 e seja constituído por um conjunto de ações estabelecidas por protocolos assistenciais que orientem as condições e procedimentos necessários ao cuidado das gestantes2,3.
Diversos estudos têm demonstrado a associação da APN com a prevenção de riscos na gestação, redução de complicações no parto e puerpério4 e de complicações perinatais5; melhores condições de saúde do concepto, como melhor crescimento intrauterino6, menor incidência de baixo peso ao nascer7, redução da mortalidade materno-infantil2,3,8 e da morbimortalidade neonatal e perinatal9.
No Brasil, os destacados avanços quanto à ampliação da cobertura da APN observados nos últimos anos10 não se distribuíram de forma homogênea no território nacional, persistindo grandes desigualdades. Vários estudos têm demonstrado dificuldades de acesso para mulheres com menor escolaridade, sem companheiro e multíparas11 e gestantes adolescentes12; ressaltando a manutenção das disparidades sociais e raciais, especialmente, em zonas rurais e áreas indígenas da Região Norte11.
Nos últimos anos, diversas iniciativas foram implementadas para melhorar a qualidade da APN2 e da Atenção Primária à Saúde (APS)13,14, sendo o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) uma das estratégias mais recentes e relevantes. Esse Programa, criado em 2011, foi aderido no primeiro ciclo por 3.935 municípios e por 17.202 equipes de saúde. Ademais, todas as Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos 5.543 municípios do País, foram recenseadas por meio de observação na unidade. Destaca-se que a realização do censo ocorreu de forma independente da adesão do gestor municipal15.
O PMAQ-AB tem como objetivo a ampliação do acesso da APS, bem como a garantia de padrões de qualidade no desenvolvimento de ações assistenciais e gerenciais nesse nível de atenção13,14. É composto por quatro fases (adesão voluntária e contratualização; desenvolvimento; avaliação externa e recontratualização), e a avaliação externa, em suma, visa avaliar as condições da infraestrutura das unidades, disponibilidade de insumos, aspectos do processo de trabalho, gerenciais e organizacionais dos serviços de saúde, com vistas à certificação das equipes de saúde que aderiram voluntariamente ao Programa13-15.
Os dados da avaliação externa do PMAQ-AB permitem identificar, em âmbito nacional, aspectos relacionados com a atenção ao pré-natal e puerpério, que podem subsidiar as práticas de planejamento, monitoramento e avaliação. Além disso, são fontes para o desenvolvimento de pesquisas, minimizando lacunas de conhecimento, dada a incipiência de estudos avaliativos que considerem os aspectos de estrutura e processo, em âmbito nacional, que vão além do número de consultas.
Dessa forma, o objetivo do estudo foi investigar características da estrutura das unidades de saúde e dos processos gerenciais e assistenciais da APN no âmbito da APS no Brasil, em municípios que aderiram ao PMAQ-AB.
Métodos
Trata-se de estudo de avaliação normativa com dados secundários relativos às Equipes de Saúde da Família (EqSF) provenientes do PMAQ-AB, em 2012, no Brasil13-15.
Modelo lógico
A primeira etapa deste estudo foi a elaboração do modelo. Adotou-se o referencial teórico de Donabedian16 para a sua construção e buscou-se representar os componentes da APN e suas relações entre si, sendo formuladas duas dimensões de análise, gerencial e assistencial, compostas por atributos de estrutura e processo.
O modelo lógico foi elaborado a partir das normas e legislações que regulamentam a APN, cujos conteúdos foram extraídos de dois manuais elaborados pelo Ministério da Saúde: o 'Caderno de Atenção Básica - Atenção ao Pré-natal de Baixo Risco'2 e o 'Manual de Estrutura Física das UBS'17, essenciais para a elaboração do presente modelo lógico (figura 1).
População e amostra
Este estudo utilizou dados relativos à linha de base do PMAQ-AB - que se refere ao primeiro ciclo da avaliação externa do Programa, incluindo o censo das UBS, no Brasil, realizado em 201214, o qual abrangeu 38.812 estabelecimentos. Do total de municípios brasileiros, 3.935 (70,7%) aderiram ao PMAQ-AB, e 17.202 (51,0%) equipes de saúde participaram da avaliação, sendo a menor adesão entre as equipes da Região Nordeste (23,2%) e maior entre as Regiões Sul e Sudeste (37,9%, respectivamente). Entre as unidades federadas, o percentual variou de 3,1% (Maranhão) a 47,9% (Santa Catarina).
No âmbito da atenção básica, existem diferentes modalidades de equipes de saúde. São consideradas equipes de atenção básica as equipes de saúde da família e as equipes de atenção básica parametrizadas, equipe de saúde bucal e os núcleos de saúde da família. Embora a Estratégia Saúde da Família (ESF) seja a opção basilar para a organização dos serviços de APS no Brasil, existem equipes de atenção básica que se organizam de maneira diferente da ESF. Nestes casos, para a correspondência de carga horária entre as equipes das duas modalidades, foi proposta uma equivalência de equipes de atenção básica por meio da soma da carga horária mínima de médicos e enfermeiros, sendo que, após a equivalência de carga horária, o número dessas cargas horárias poderá fazer correspondência a uma, duas ou três EqSF18.
Do total de equipes participantes, 70% era do tipo EqSF com saúde bucal, 26% de EqSF sem saúde bucal e menos de 4% de equipes de atenção básica de outro tipo ou parametrizadas. A amostra, após a exclusão das equipes de atenção básica de outra modalidade, ficou constituída por 16.566 EqSF que aderiram ao PMAQ-AB e que participaram do censo das UBS, correspondendo 49,6% das equipes implantadas, em 2012, abrangendo 69,3% dos municípios brasileiros.
Descrição dos critérios e padrões
A matriz de análise utilizada para avaliação contém duas dimensões de análise, gerencial e assistencial, cada uma composta de atributos de estrutura e processo, desdobradas em 20 subdimensões e 42 critérios, com seus respectivos padrões (quadro 1).
Critérios e Padrões das dimensões gerencial e assistencial, subdimensões, atributos de estrutura e processo da APN e categorização dos critérios
Na dimensão gerencial, os atributos de estrutura incluem os critérios: estrutura física, recursos materiais, recursos humanos e protocolo de referência e fluxos. Os atributos de processo constituem-se dos critérios: horário de funcionamento, central de regulação, educação permanente e Sistema de Monitoramento e Avaliação do Pré-Natal, Parto, Puerpério e Criança (SisPreNatal). Na dimensão assistencial, os atributos de estrutura incluem os critérios: estrutura física; recursos materiais; recursos humanos, instrumentos de registro e protocolos. Os atributos de processo englobam os critérios: visita domiciliar, exames laboratoriais, vacina, registro (utilização da caderneta de gestante e registro das informações quanto ao pré-natal) e programação e oferta de ações relativas à consulta, promoção da saúde e classificação de risco. Os critérios estão descritos em detalhes no quadro 1.
Cada critério foi construído, na maioria das vezes, pela agregação de aspectos provenientes de mais de uma questão dos instrumentos do PMAQ-AB18, dicotomizando as alternativas de resposta em sim e não. No caso dos equipamentos, instrumentais, insumos, teste rápido, medicamentos vacinas e material impresso, considerou-se como resposta afirmativa os casos em que os itens estavam em condições de uso, existiam em quantidade suficiente, sempre disponíveis, ou disponíveis quando necessário, no caso de veículos. Para as questões relativas às ações desenvolvidas pelos profissionais de saúde, considerou-se como resposta afirmativa apenas os casos em que foi referida a realização da ação com apresentação de confirmação documental.
Finalmente, as opções de resposta 'nunca disponíveis/às vezes disponíveis', 'não sabe/não respondeu' e 'não se aplica' foram classificadas como 'não'.
Cada critério foi categorizado em 'inadequado', 'intermediário' e 'adequado', com base nos padrões adotados, construídos conforme as normativas adotadas. Os enquadramentos das categorias mencionadas podem ser consultados no quadro 1.
Processamento e análise dos dados
Inicialmente, para construção do banco de dados do presente estudo, foi realizada linkage determinístico que consiste na ligação de dois ou mais bancos de dados que possuem variáveis comuns, e que possibilita o estabelecimento de um banco de dados único. O procedimento de ligação foi realizado no software Stata por meio do merge, correspondendo à ligação do banco de dados do censo das unidades (módulo I) e da avaliação externa das equipes de saúde que aderiram ao PMAQ-AB (módulo II), a partir da variável 'CNES', comum entre os dois bancos. Para 295 (1,78%) unidades, havia inconsistência na informação sobre o número de equipes entre os dois bancos, o que foi corrigido a partir das informações da avaliação externa.
Foram calculadas frequências simples e relativa do número de equipes que alcançaram o nível adequado para cada critério isoladamente e por grupo de critérios, apresentadas sob a forma de gráficos, segundo macrorregiões e Brasil. Os dados foram processados e analisados utilizando pelo software Stata 12.0®.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia e recebeu o Parecer de nº 021-12.
Resultados
Para a dimensão gerencial, em atributos de estrutura, os maiores percentuais de adequação apresentados pelas EqSF foram para os critérios disponibilidade de coordenador (98%, variando de 97,0%, Região Nordeste, a 99,5%, Região Norte) e para sinalização externa nas unidades (84,4% no Brasil, variando de 80,4%, Região Norte, a 86,5%, Região Centro-Oeste). Por outro lado, menos da metade das EqSF foram consideradas adequadas para os critérios disponibilidade de veículo (48,9% das EqSF, variando de 30,8%, na Região Norte, a 60,5%, na Região Sul), equipamentos de informática com acesso à internet (38,75% das EqSF, variando de 16,2%, na Região Nordeste, a 61,8%, na Região Sul), e documentos com referências e fluxos para exames laboratoriais, ultrassonografia obstétrica e local para o parto (33,2% das EqSF, variando de 23,9%, Região Centro-Oeste, a 41,4%, Região Sudeste) (tabela 1).
Adequação dos atributos de estrutura e processo, dimensão gerencial, segundo Regiões. Brasil, 2012
Ainda nessa dimensão, apenas cerca de 5% ou menos das equipes referiram desenvolver ações gerenciais em unidades com todas as estruturas físicas administrativas e de apoio presentes (5,1% das EqSF, variando de 7,1%, Região Sul, a 21,1%, Região Norte), acessíveis para usuários que não sabem ler, com deficiência visual ou auditiva (4,5% das EqSF, variando de 21,1%, Centro-Oeste, a 6,4%, Região Sul) e para aqueles com dificuldade de locomoção ou cadeirantes (1,4% das EqSF, variando de 0,1%, Região Centro-Oeste, a 2,8%, Região Sudeste), alcançando os menores níveis de adequação (tabela 1).
No tocante aos atributos de processo da dimensão gerencial, foi para o critério alimentação regular do SisPreNatal (75%, variando de 82,2%, Região Sul, a 90,9%, Região Nordeste) que as equipes apresentaram os melhores percentuais de adequação. Em contrapartida, menos de 50% das equipes foram classificadas como adequadas para os critérios funcionamento em dois turnos e no horário de 12h-14h (45,4%, variando de 28,8%, Região Sul, a 67,8%, Região Sudeste), vínculo à central de regulação (25,7%, variando de 21,5%, Região Nordeste, a 37,6%, Região Sul) e ações de educação permanente no município (23,9%, variando de 8,1%, Região Nordeste, a 35,6%, Região Sudeste) (tabela 1).
Com relação à dimensão assistencial, para os critérios estruturais, mais de 75% das equipes foram classificadas como adequadas por apresentar equipe de atenção básica completa (84,5%, variando de 79,0%, Região Sul, a 86,3%, Região Nordeste) e por contar com instrumentais (sonar etc.), em condições de uso (83,3%, variando de 71,2%, Região Norte, a 88,6%, Região Sul). Nessa dimensão, foi encontrada adequação entre 50% e 75% das equipes para os critérios protocolos com definição para o pré-natal e exames laboratoriais essenciais (71,5%, variando de 60,7%, Região Centro-Oeste, a 80,5%, Região Sudeste), insumos direcionados à saúde da mulher (dispor sempre de lâmina de vidro etc.) (67,0%, variando de 55,1%, Região Nordeste, a 85,3%, Região Sul) e de material impresso (caderneta da gestante etc.) (59,6%, variando de 52,2%, Região Nordeste, a 68,1%, Região Norte).
Observou-se também que menos de 50% das equipes contavam com vacinas (influenza sazonal, hepatite B e tipo adulto dT) (43,5%, variando de 32,6%, Região Sul, a 48,8%, Região Norte), insumos (abaixador de língua etc.) (28,1%, variando de 14,3%, Região Nordeste, a 40,3%, Região Sul) e medicamento essenciais (pelo menos um tipo medicamento em cada grupo, por exemplo, analgésicos etc.) em quantidade suficiente (28,3%, variando de 10,3%, Região Norte, a 43,7%, Região Sul). Os piores resultados, entretanto, foram verificados para os critérios estrutura física para atendimento clínico (consultórios etc. presentes) (8,8%, variando de 2,8%, Região Norte, a 13,2%, Região Sudeste) e teste rápido para diagnóstico de sífilis, HIV e gravidez (1,6%, variando de 0,9%, Região Nordeste, a 3,7%, Região Norte) (tabela 2).
Adequação dos atributos de estrutura e processo, dimensão assistencial, segundo Regiões. Brasil, 2012
Na dimensão assistencial, para os atributos de processo, os maiores percentuais de adequação foram observados apenas para os critérios captação de gestantes faltosas e puérperas (89,6%, variando de 83,9%, Região Centro-Oeste, a 91,2%, Região Nordeste) e orientação quanto à importância da vacina dT e oferta de vacinas do calendário básico (78,6%, variando de 74,2%, Região Sul, a 83,2%, Região Nordeste), para os quais mais de 75% das equipes alcançaram os melhores resultados (tabela 2).
Constatou-se ainda que entre 50% e 75% das equipes referiram programar consultas e ações para usuários de programas ou grupos prioritários, de cuidado continuado e APN (73,4%, variando de 69,5%, Região Centro-Oeste, a 76,8%, Região Nordeste), ofertar serviço, encaminhar gestantes para consultas e exames baseados na avaliação e classificação de risco e vulnerabilidade (67,5%, variando de 64,0%, Região Centro-Oeste, a 71,7%, Região Sudeste) e organizar agenda para oferta de atividades educativas de promoção da saúde sobre aleitamento materno (51,7%, variando de 47,5%, Região Nordeste, a 57,2,%, Região Sudeste). Por outro lado, os resultados mais desfavoráveis, inferiores a 50% do atributo, foram para os critérios cuidado domiciliar mediante o cumprimento de critérios sociais e clínicos (42,2%, variando de 18,7%, Região Sul, a 49,3%, Região Sudeste), realizar, coletar e receber os resultados dos exames em tempo oportuno (37,3%, variando de 19,3%, Região Nordeste, a 52,9%, Região Sudeste), utilizar a caderneta da gestante e possuir o número de gestantes de alto risco no território (30,6%, variando de 26,3%, Região Centro-Oeste, a 34,2%, Região Sudeste), e realizar consulta em qualquer dia e horário da semana para garantir atendimento de puerpério de até dez dias após o parto (27,1%, variando de 15,0%, Região Centro-Oeste, a 32,1%, Região Nordeste) (tabela 2).
Discussão
As evidências encontradas no presente estudo sobre a avaliação da APN na Estratégia Saúde da Família demonstraram que a estrutura das UBS e os processos no desenvolvimento das ações prestadas não atenderam à maioria dos padrões estabelecidos em protocolos nacionais, tanto na dimensão gerencial quanto na dimensão assistencial, revelando baixa qualidade da APN e ao puerpério no Brasil. Esses problemas referiram-se a diversas esferas, desde a acessibilidade a ações e serviços até a realização de ações de promoção da saúde e à qualidade do cuidado clínico, envolvendo não apenas a atenção individual, mas, também, as ações coletivas e domiciliares ofertadas.
No Brasil, a maioria dos estudos relacionados com a APN centraram suas análises em critérios clássicos de adequação. O uso de dados do PMAQ-AB permitiu revelar, à luz da abordagem de Donnabedian, as condições das unidades de saúde da família e o desenvolvimento das ações das EqSF no âmbito da APS, sendo, portanto, um estudo que, do ponto de vista teórico e metodológico, ampliou o escopo das análises relativas à APN no País.
Inicialmente, cabe destacar que diversos estudos de abrangência nacional evidenciaram que o cuidado à gestante é universal no Brasil, persistindo desigualdades sociais e a inadequação da atenção11,12. Estudo recente com dados da avaliação externa do PMAQ-AB com usuárias vinculadas a UBS também encontrou inadequação da assistência12, o que é corroborado pelos baixos percentuais entre as dimensões analisadas.
Também tem sido avaliada a infraestrutura das unidades básicas no País19 que apoiam os resultados do estudo quanto a barreiras arquitetônicas para pessoas com algum tipo de necessidade especial, evidenciando a precariedade estrutural e a inexistência de adaptações básicas para o atendimento de usuários nessas condições nas unidades de saúde da família no Brasil.
Na contramão da ampliação do horário de funcionamento da unidade, que pode garantir maior adesão à APN e às visitas programadas, aumentar a satisfação das gestantes e favorecer a continuidade do acompanhamento pré-natal20, os resultados demonstraram fragilidades no seu funcionamento. Além disso, foram encontradas debilidades na realização de acolhimento, situação descrita em revisão integrativa21.
Foram bastante inexpressivos os percentuais de equipes com recursos materiais disponíveis para a resolubilidade do cuidado pré-natal nas unidades, sendo consistentes com evidências encontradas na literatura quanto insuficiência de medicamentos nas unidades22; dificuldades na realização de exames23, ou da baixa aplicação de testes para HIV e sífilis existentes, com alto percentual de unidades com material fora da validade24; documentos e fluxos pactuados pela gestão municipal25; e, além disso, ausência de diversas estruturas nas unidades investigadas em estudo de abrangência local26.
Um dos achados mais animadores, em síntese, foi a presença de coordenadores para a gerência das unidades e de profissionais de saúde de diversas categorias para o desenvolvimento de atividades clínicas e de promoção da saúde, além disso, o desenvolvimento de ações como captação da gestante e puérpera para início precoce da assistência, orientação quanto à situação vacinal e oferta de vacina do calendário básico, bem como alimentação do SisPreNatal.
Ações de promoção da saúde têm impacto positivo sobre a realização de aleitamento materno e sobre o peso ao nascer27. Entretanto, neste estudo, foi investigada apenas a organização de agendas das equipes para ofertar tais ações, não sendo possível mensurar se elas são, de fato, realizadas. A incipiência de ações de promoção da saúde no âmbito da APS, em geral28, e, especificamente, voltadas para aleitamento materno em gestantes e puérperas29 tem sido descrita em outros estudos.
A literatura internacional tem destacado problemas relativos à qualidade da APN em diversos países de diferentes continentes, o que reforça a relevância de estudos sobre a temática. Na Europa, recente revisão sistemática evidenciou que, apesar dos sistemas de cuidados maternos estarem bem implementados no continente, desigualdades persistem em países da Europa Central e Oriental, que padecem com barreiras no acesso a cuidados maternos, recursos materiais obsoletos, falta de medicamentos e protocolos inadequados e desatualizados, entre outros30. Estudo realizado em região mais populosa e desenvolvida de país da Ásia ressaltou que a qualidade da APN era extremamente inadequada, especialmente, devido a fatores como inadequação e baixa cobertura em níveis gerenciais e assistenciais, especialmente quanto à distância das unidades, deficiência de instalações e horário de trabalho e disponibilidade de recursos humanos, entre outros31. Em contexto latino-americano, no México, foi evidenciado baixo encaminhamento de gestantes para atividades educativas32, e, especificamente no Brasil, a baixa a qualidade da APN tem sido comumente descrita12,33.
Como limitação do estudo, pode ser destacada a utilização de dados secundários devido a possíveis problemas de qualidade dos dados, como, por exemplo, o viés de informação. No caso do PMAQ, como os coordenadores das unidades foram os responsáveis pelas informações prestadas, poderia haver uma superestimação das atividades realizadas pelas equipes. Além disso, a diversidade de instituições envolvidas na coleta dos dados poderia ter comprometido a padronização dos procedimentos. Entretanto, este estudo revelou várias debilidades nas unidades e nos processos assistenciais e gerenciais das equipes, o que não reforça a hipótese de mascaramento dos problemas pelos coordenadores. Ademais, mesmo com a possibilidade de atenuação dos problemas estruturais e assistenciais das equipes, faz-se necessário destacar que, em todas as subdimensões estudadas, embora tenham sido observadas algumas variações percentuais entre as regiões, evidenciou-se que os problemas estavam presentes em todo o território nacional, com padrões regionais muito semelhantes, o que reforça a confiabilidade dos dados e fala a favor da robustez dos resultados apresentados.
Como principal potencialidade do estudo, destaca-se a utilização de uma vasta quantidade de informações sobre características da estrutura das unidades de saúde da família e das ações desenvolvidas pelos profissionais de saúde na APN, abarcando um grande número de municípios, permitindo delinear um quadro da situação atual no Brasil com ampliação do escopo das análises relativa à APN no País. Outro fato positivo foi a utilização de um modelo teórico-lógico, com base em referencial teórico sobre a utilização de atributos de estrutura e processo na avaliação de qualidade15, considerando base normativa e legal sobre a APN.
Finalmente, os resultados apresentados neste estudo demonstram que, apesar da alta cobertura da APN e de sua institucionalização há muitos anos, em normas e protocolos, no Brasil, ainda persistem problemas de diversas naturezas, com potenciais prejuízos à saúde materno-infantil. Estes achados são fundamentais para a compreensão da situação atual de problemas de saúde pública de grande magnitude, como a mortalidade materna, que continua em patamares acima do que foi estabelecido em pactos internacionais, e o aumento da incidência de sífilis congênita, que evidenciam limites na efetividade na APN34-36.
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Suporte financeiro: não houve
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Out 2018
Histórico
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Recebido
30 Jun 2018 -
Aceito
18 Set 2018