Open-access Gerenciamento de resíduos em laboratórios de uma universidade pública brasileira: um desafio para a saúde ambiental e a saúde do trabalhador

RESUMO

As instituições de ensino superior, enquanto geradoras e difusoras de conhecimento, precisam cada vez mais assumir seu papel no contexto regional, especialmente na criação de políticas sustentáveis e de preservação do meio ambiente. Neste sentido, o presente artigo objetiva compreender as práticas de gerenciamento de resíduos de serviços de saúde nos laboratórios de ensino-pesquisa do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais - campus Montes Claros. Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa e quantitativa, realizada mediante a aplicação de questionário com os trabalhadores inseridos em atividades dos laboratórios de ensino. Para a análise, foram utilizadas as frequências absolutas e relativas, medidas de posição, tendência central e dispersão. Entre os problemas identificados, ressaltam-se: as não conformidades com a legislação vigente, em relação ao gerenciamento de resíduos nos laboratórios; a ausência relatada pelos trabalhadores, de capacitações para a realização de suas funções, como também de treinamentos para a prevenção de riscos e para o manejo adequado de resíduos; e a cobertura vacinal baixa contra hepatite B e tétano. Apesar de os locais pesquisados realizarem o gerenciamento dos seus resíduos, constata-se que muitas práticas estão em desacordo com a legislação vigente e precisam ser adequadas.

PALAVRAS-CHAVE: Gerenciamento de resíduos; Universidades; Saúde do trabalhador; Saúde ambiental

ABSTRACT

Higher education institutions, as generators and disseminators of knowledge, are increasingly in need to assume their roles in regional context, especially in the creation of sustainable and environment preservation public policies. In this sense, the aim of this article was to understand the management of health care waste practices in teaching and research laboratories of the Institute of Agrarian Sciences of the Federal University of Minas Gerais - Montes Claros campus. It is a research with quantitative and qualitative approaches, carried out through survey application with workers engaged in the activities of the teaching labs. For the analysis, absolute and relative frequencies, position measurements, central tendency and dispersion were used. Among the problems detected, it should be highlighted: non-compliance with current legislation, concerned to laboratories waste management; absence reported by workers, of training for the accomplishment of their functions, as well as education for risk prevention and proper waste management; insufficient immunization coverage against hepatitis B and tetanus. Although the places researched manage their waste, this work concludes that many practices are at odds with the current legislation and need to be adequate.

KEYWORDS: Waste management; Universities; Occupational health; Environmental health

Introdução

Os resíduos sólidos tornaram-se o símbolo de uma sociedade de consumo e de seus defeitos, explicado por sua presença constante em paisagens urbanas e rurais. A produção diária de resíduos sólidos urbanos no Brasil atingiu um total de 214.869 toneladas em 2017. Dados do Panorama da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) apontam que 29,6% dos municípios brasileiros ainda não possuem iniciativas de coleta seletiva1.

A destinação adequada dos resíduos sólidos urbanos pouco avançou em 2017, com relação a 2016. O volume de resíduos enviados para lixões teve um aumento de 3% nesse período, este que é considerado como a pior forma de destinação desses materiais. Outro dado importante diz respeito ao manejo dos resíduos de serviços de saúde, realizado pelos municípios e não pelos geradores. No ano de 2017, os municípios brasileiros coletaram cerca de 256.941 toneladas de resíduos de serviços de saúde. Somando as quantidades sob gestão municipal, verifica-se que as prefeituras brasileiras gerenciaram, naquele ano, aproximadamente 117 milhões de toneladas de resíduos sólidos1.

No ano de 2010, foi instituída, por meio da Lei nº 12.305, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)2, que dispõe sobre os princípios, objetivos e instrumentos, como também sobre as diretrizes para a gestão integrada e o gerenciamento de resíduos sólidos no País. Entre os princípios da PNRS, destacam-se a prevenção, a precaução e o desenvolvimento sustentável, como também uma visão sistêmica na gestão de resíduos sólidos que considere variáveis como a ambiental, a social, a econômica, a cultural e as de saúde pública.

Em seu artigo sétimo, parágrafo primeiro, a PNRS dispõe que a proteção da saúde pública e da qualidade ambiental são objetivos centrais. É interessante observar o entrelaçamento da saúde pública (e aqui não se pode deixar de citar a saúde dos trabalhadores) com a saúde do meio ambiente, tendo elas relação direta com a adequada gestão de resíduos gerados2.

A incorporação do papel das relações trabalho/ambiente/saúde na determinação do processo saúde-doença da população pode ser identificada no sistema público de saúde brasileiro, desde sua criação. A relação entre saúde e meio ambiente está estabelecida na Lei nº 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), cujo artigo terceiro (redação dada pela Lei nº 12.864/13) aponta que 'os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação'3,4.

A interface saúde do trabalhador/meio ambiente também foi apontada na Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT)5. Neste contexto, entre os objetivos desta política, destaca-se a promoção da saúde, de ambientes e processos de trabalho saudáveis. Para tanto, pressupõe-se o fortalecimento e a articulação das ações de vigilância em saúde, com a identificação dos fatores de risco ambiental, para uma intervenção nos ambientes e processos de trabalho. Além disto, também é proposto o desenvolvimento de estratégias e ações de comunicação sobre riscos, de educação ambiental e em saúde do trabalhador.

Em 2018, foi publicada a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 222, em substituição à RDC 306/2004, dispondo sobre os requisitos acerca das boas práticas de gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. A atual resolução considera como geradores de resíduos de serviços de saúde todos os serviços cujas atividades estejam relacionadas com atenção à saúde humana ou animal. A RDC 222/2018 aborda aspectos que devem ser observados quando da elaboração do Programa de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS), sendo que a elaboração, implantação, implementação e o monitoramento são de responsabilidade do serviço gerador de Resíduos de Serviços de Saúde (RSS)6.

As Instituições de Ensino Superior (IES) passaram a introduzir a temática ambiental em seus processos de gestão a partir da década de 1960. As primeiras experiências nesse sentido foram relatadas nas universidades dos Estados Unidos. Na década de 1980, observou-se o estabelecimento de políticas mais específicas para a gestão de resíduos e eficiência energética nas universidades. A participação mais efetiva das IES nas políticas ambientais aconteceu na década de 1990, a partir de vários documentos, como a Declaração de Taillores (1990), a Declaração de Halifax (1991) e a Declaração de Kyoto (1993), através das quais universidades de vários países declararam a preocupação das IES com a degradação ambiental, estimulando a criação de projetos voltados para a sustentabilidade7.

Nesse cenário, observa-se, nos últimos anos, que o gerenciamento de resíduos tem se tornado uma grande preocupação para as IES do Brasil, principalmente devido ao aumento do número de pesquisas e pela variedade de resíduos gerados nesses locais. Este estudo teve por objetivo compreender o processo de gerenciamento de resíduos de serviços de saúde gerados nos laboratórios de ensino-pesquisa do campus regional de Montes Claros da Universidade Federal de Minas Gerais, considerando que as informações obtidas possam auxiliar nas ações para a melhoria do processo de gerenciamento de resíduos no campus, em especial, visando à proteção à saúde dos trabalhadores e à saúde ambiental.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa e quantitativa, desenvolvida como um estudo de caso no Instituto de Ciências Agrárias (ICA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no município de Montes Claros (MG).

Localizado na região norte do estado, o ICA teve início com o Colégio Agrícola Antônio Versiani Athayde, criado pela Lei nº 4.323, em 11 de abril de 19648, tendo sido incorporado à UFMG através do Decreto nº 63.416, de 11 de outubro de 19689. A unidade conta com seis cursos de graduação (Administração, Agronomia, Engenharia de Alimentos, Engenharia Agrícola e Ambiental, Engenharia Florestal e Zootecnia). O instituto ainda possui o curso de especialização lato sensu em Recursos Hídricos e Ambientais e quatro cursos de pós-graduação stricto sensu, sendo três de mestrado (Produção Vegetal, Produção Animal e Ciências Florestais) e um de doutorado (Produção Vegetal). O ICA também possui o mestrado em Sociedade, Ambiente e Território associado com a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

Para este estudo foram selecionados os laboratórios do campus, levando em consideração as atividades realizadas e a geração de RSS do Grupo A (biológicos) ou do Grupo B (químicos) (RDC 222/2018) nesses locais e, consequentemente, propondo possíveis intervenções sobre fatores de risco, ambientes e processos de trabalho, compreendendo ações de prevenção dos riscos associados. Os laboratórios foram catalogados e, do total de 55, foram excluídos da pesquisa 16 laboratórios, por não gerarem RSS dos grupos A ou B.

Para o critério de inclusão dos trabalhadores foi estabelecido que os participantes estivessem diretamente envolvidos nas atividades dos laboratórios de ensino-pesquisa dos locais selecionados ou neles exercessem atividades de coordenação. Participaram deste estudo 24 trabalhadores de um universo de 50 que atendiam ao critério de inclusão. Estes trabalhadores atuam em 20 laboratórios de ensino-pesquisa do campus.

A coleta de dados iniciou-se em novembro de 2018, sendo concluída em janeiro de 2019, mediante um conjunto de questões qualitativas e quantitativas que cobriram temas relacionados ao gerenciamento de resíduos, sendo eles: caracterização do local, funcionários e rotinas de trabalho, geração, segregação, armazenamento, coleta, transporte, tratamento e disposição final de resíduos. Para a elaboração do questionário, foram consultadas pesquisas anteriores realizadas sobre a temática, sobretudo o trabalho de Silva10 e a ferramenta Health-Care Waste Management - Rapid Assessment Tool, da Organização Mundial da Saúde11, utilizada para a avaliação do gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. As questões consideradas importantes para o alcance dos objetivos foram selecionadas e adaptadas, incluindo-se algumas não contempladas nos materiais consultados.

Na análise descritiva, as variáveis categóricas de interesse foram codificadas e agrupadas por temáticas. Para a análise, foram utilizadas as frequências absolutas e relativas, ao passo que, na descrição da variável numérica, foi utilizada medida de tendência central (média). O software utilizado nas análises foi o R (versão 3.5.1).

A presente pesquisa atendeu às exigências éticas e científicas fundamentais, contemplando os preceitos da Resolução nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde12. Antes de iniciar-se o trabalho de campo, este projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), e da Universidade Federal de Minas Gerais, também em conformidade com a Resolução nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado pelo Parecer Consubstanciado nº 2.797.172. Todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Participaram do estudo 24 servidores efetivos do quadro de funcionários da UFMG - campus Montes Claros, que atuavam em laboratórios de ensino-pesquisa do ICA/UFMG, geradores de RSS dos grupos A ou B. Dos entrevistados, 66,67% (n=16) eram técnicos-administrativos em educação, com nível médio ou superior; e 33,33% (n=8) eram docentes coordenadores de laboratórios de ensino-pesquisa do instituto.

Quanto aos eixos das atividades realizadas pelos trabalhadores nos laboratórios pesquisados (tabela 1) - se ensino, pesquisa ou extensão -, os resultados revelaram que: (i) 91,67% dos entrevistados realizavam atividades na área de pesquisa; (ii) atividades da área de ensino foram apontadas por 83,33% dos entrevistados; (iii) em relação à extensão, 75% dos entrevistados realizavam atividades neste eixo.

Tabela 1
Atividades desenvolvidas nos laboratórios. Instituto de Ciências Agrárias/UFMG, Montes Claros, MG, 2019

O número médio de técnicos por laboratório (tabela 2) foi 1 (um), sendo que alguns laboratórios não possuíam servidor técnico. O máximo de técnicos por laboratório foi 3 (três). Quanto à atuação dos técnicos que acompanhavam as atividades nos laboratórios (tabela 2), 41,67% dos trabalhadores não eram exclusivos, ou seja, atuavam em mais de um local durante a jornada de trabalho. Quanto ao treinamento dos servidores para a realização de suas atividades (tabela 2), 45,83% dos entrevistados relataram que os funcionários dos laboratórios pesquisados não receberam treinamento para o exercício de suas atividades na instituição.

Tabela 2
Variáveis relacionadas aos trabalhadores que atuam em laboratórios de ensino-pesquisa. Instituto de Ciências Agrárias/UFMG, Montes Claros, MG, 2019

No que concerne à vacinação dos trabalhadores (tabela 2), foi questionado aos entrevistados sobre sua situação vacinal, para as vacinas hepatite B e tétano, visando à proteção deles quanto aos riscos inerentes à atividade desenvolvida. Em relação à hepatite B, 62,5% dos trabalhadores relataram que estavam imunizados; e 33,33% dos trabalhadores não sabiam ou estavam imunizados parcialmente. Em relação ao tétano, 62,5% dos trabalhadores relataram que estavam imunizados.

Geração de resíduos nos laboratórios do campus

Sobre os tipos de resíduos gerados, foram encontrados os seguintes resultados (tabela 3): (i) os resíduos biológicos eram gerados nos laboratórios de 62,5% dos entrevistados; (ii) os resíduos perfurocortantes eram gerados nos laboratórios de 87,5% dos trabalhadores; (iii) os resíduos químicos e comuns eram gerados em todos os laboratórios; (iv) resíduos orgânicos e farmacêuticos eram gerados nos locais de trabalho de 83,33% e 20,83% dos entrevistados, respectivamente. Resíduos radioativos não foram gerados em nenhum laboratório.

Tabela 3
Frequência de trabalhadores que informaram a geração de resíduos nos laboratórios, por tipo de resíduo. Instituto de Ciências Agrárias/UFMG, Montes Claros, MG, 2019

Segregação e acondicionamento de resíduos nos laboratórios

Quanto à segregação dos resíduos no local de origem (tabela 4), em relação ao resíduo biológico, os entrevistados que geravam esse tipo de resíduo durante as suas atividades (n=15) afirmaram que não realizavam a segregação conforme a RDC 222/2018. O resíduo químico era segregado dos outros tipos de resíduos por 87,5% (n=21) dos entrevistados (n=24). Quanto aos resíduos perfurocortantes, 79,17% (n=19) afirmaram que realizavam a segregação desse tipo de resíduo. A segregação do resíduo comum apresentou o percentual mais alto entre os entrevistados (91,7%).

Tabela 4
Segregação e acondicionamento de resíduos nos laboratórios de ensino-pesquisa. Instituto de Ciências Agrárias/UFMG, Montes Claros, MG, 2019

Com relação ao recipiente utilizado para o acondicionamento de resíduos biológicos (tabela 4), o mais utilizado foi a lixeira de plástico rígido (33,33%). Contudo, o resíduo biológico era armazenado no mesmo recipiente destinado ao resíduo comum, prática em desacordo com a RDC 222/2018. Apenas 12,5% dos entrevistados relataram utilizar saco plástico apropriado para o acondicionamento desses resíduos. No que tange aos resíduos perfurocortantes, a pesquisa identificou que nenhum local possuía coletor de material perfurocortante, e que foram utilizados outros tipos de recipientes para o acondicionamento. Entre os recipientes mais utilizados, 50% dos entrevistados citaram a caixa de papelão.

Tratamento e disposição final dos resíduos

A tabela 5 demonstra que nenhum trabalhador respondeu que o resíduo gerado era totalmente tratado; 33,33% dos trabalhadores responderam que os resíduos eram parcialmente tratados. Um percentual considerável de trabalhadores (29,17%) não soube responder à pergunta.

Tabela 5
Tratamento e disposição final de resíduos dos laboratórios de ensino-pesquisa. Instituto de Ciências Agrárias/UFMG, Montes Claros, MG, 2019

Os trabalhadores também foram questionados sobre quem realizava o tratamento de resíduos. A maior parte deles (54,17%) não soube responder à pergunta ou afirmou que não existia tratamento. Quanto ao tratamento dos resíduos biológicos, 25% dos trabalhadores afirmaram realizar a autoclavação antes do descarte, contudo, esses resíduos eram descartados juntamente com os resíduos comuns.

Foram verificadas, no estudo, as atitudes dos trabalhadores quando se deparavam com um resíduo que não possuía opção de tratamento (tabela 5). A maioria dos trabalhadores (45,83%) respondeu que, diante dessa situação, realizava o armazenamento do resíduo. O descarte dos resíduos na rede de esgoto ou no meio ambiente foi informado por 25% dos entrevistados. Com relação às opções de tratamento oferecidas pela instituição, 50% dos entrevistados responderam que estavam insatisfeitos. Apenas 25% dos trabalhadores estavam satisfeitos com as opções de tratamento de resíduos na instituição.

Discussão

Entre os problemas identificados, ressaltam-se: (i) as não conformidades com a legislação vigente, em relação ao gerenciamento de resíduos nos laboratórios; (ii) a ausência relatada pelos trabalhadores, de capacitações para a realização de suas funções, como também de treinamentos para a prevenção de riscos e para o manejo adequado de resíduos; (iii) cobertura vacinal baixa contra hepatite B e tétano; (iv) acesso às informações sobre legislações e procedimentos operacionais padrão para o adequado gerenciamento de resíduos; (v) infraestrutura precária nos laboratórios para a realização do correto gerenciamento dos resíduos. Entre os riscos identificados à saúde humana e ao meio ambiente, destacam-se os relativos a acidentes com material perfurocortante nos locais pesquisados; à contaminação ambiental; de explosão, devido à natureza dos produtos químicos utilizados; e de intoxicação humana e eventuais acidentes.

O Decreto nº 5.707/06134 instituiu a política e as diretrizes para o desenvolvimento de pessoal da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, com a finalidade de desenvolver permanente o servidor público, como também adequar as competências a eles requeridas para o atendimento aos objetivos das instituições.

A política possui como diretriz:

oferecer e garantir cursos introdutórios ou de formação, respeitadas as normas específicas aplicáveis a cada carreira ou cargo, aos servidores que ingressarem no setor público, inclusive àqueles sem vínculo efetivo com a administração pública.

Diante do exposto, 50% dos entrevistados relataram que não receberam treinamento para exercerem suas atividades na instituição. Sendo assim, verifica-se discrepância entre os pressupostos da legislação, com os resultados da pesquisa. Siqueira (2014) aponta que um dos desafios na UFMG para a efetividade do correto manejo dos resíduos sólidos depende de capacitação constante, comprometimento e legitimação de todos os procedimentos pelos atores envolvidos.

Sangioni et al.14, com relação à prevenção de acidentes nos laboratórios, afirmam que, como o fator humano está implicado às causas de acidentes, o maior esforço deve ser direcionado aos aspectos de educação em biossegurança, que devem estar presentes no cotidiano das instituições de ensino.

Quanto à situação vacinal dos trabalhadores, 62,5% dos entrevistados nesta pesquisa relataram vacinação completa para hepatite B. Estudo realizado em 2015, sobre a situação vacinal de trabalhadores da saúde contra a hepatite B, identificou que a prevalência da vacinação completa foi de 59,9%15,16. E em um estudo transversal realizado sobre a exposição ocupacional e a vacinação para hepatite B, 59,7% dos trabalhadores investigados relataram vacinação completa. Esses resultados são semelhantes ao encontrado no presente estudo.

A Norma Regulamentadora (NR) 3217, que dispõe sobre o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), estabelece que este deve indicar como será realizada a vigilância dos trabalhadores potencialmente expostos e abordar o programa de vacinação. Observa-se que um percentual elevado de trabalhadores (41,67%), do total de entrevistados, esteve suscetível a doenças imunopreveníveis, o que aponta falhas na vigilância da saúde dos profissionais.

Com relação à geração de resíduos em laboratórios, em pesquisa sobre o diagnóstico da situação de gerenciamento de resíduos perigosos nos laboratórios/serviços do campus da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto (SP), em 2010, quanto às frequências de geração de resíduos, identificou-se: (i) resíduo biológico em 65,3% dos laboratórios; (ii) resíduos comuns em 97,5% dos laboratórios; e (iii) resíduo químico em 80,9% dos entrevistados. Esses dados são semelhantes aos da presente pesquisa18.

No que diz respeito ao acondicionamento de resíduos perfurocortantes, a RDC 222/2018, no artigo 86, orienta que esses materiais devem ser descartados em recipientes identificados, rígidos, providos com tampa, resistentes a punctura, ruptura e vazamento. A pesquisa identificou que em nenhum dos locais pesquisados existem coletores de materiais perfurocortantes, e que são utilizados outros tipos de recipientes para o seu acondicionamento (tabela 4). Entre os recipientes alternativos mais utilizados, 50% dos entrevistados citaram a caixa de papelão6.

Os resíduos líquidos devem ser acondicionados em recipientes constituídos de material compatível com o líquido armazenado, resistentes, rígidos e estanques, com tampa que garanta a contenção do RSS e identificação adequada6. Na tabela 4, verifica-se que os recipientes mais utilizados para o acondicionamento de resíduos químicos são o plástico rígido (45,83%) e o vidro (50%).

Com relação ao tratamento dos resíduos químicos (Grupo B), 20,83% dos entrevistados responderam que realizam o descarte na rede de esgoto. Esta prática está em desacordo com a RDC 222/2018. Muitos reagentes utilizados nos laboratórios são tóxicos para o ser humano e o meio ambiente, então, o descarte destes resíduos na rede de esgoto pode causar sérios prejuízos à saúde humana e à ambiental.

Quanto aos resíduos biológicos, 25% dos trabalhadores afirmaram realizar a autoclavação antes do descarte, contudo, eles são descartados juntamente com os resíduos comuns, ou seja, não se realiza uma disposição final ambientalmente adequada. De acordo com a RDC 222/2018, os resíduos biológicos (Grupo A) - especificamente os subgrupos A1 e A2 - devem ser submetidos a tratamento, utilizando processos que devem ser validados para a obtenção de redução ou eliminação da carga microbiana, em equipamento compatível com o nível III de inativação microbiana, para uma disposição ambientalmente adequada de tais rejeitos6.

Considerações finais

Em atendimento à Lei nº 12.305/10, é fundamental o estabelecimento do PGRSS no ICA - campus Montes Claros, não somente nos laboratórios, mas em todos os setores geradores de RSS da instituição. Apesar de, nos locais visitados, existirem práticas de gerenciamento de resíduos, foi constatado que muitas delas estão em desacordo com a legislação vigente e precisam ser adequadas. As maiores dificuldades foram relacionadas ao descarte e tratamento dos resíduos biológicos nos laboratórios e ao armazenamento inadequado de resíduos químicos.

A PNSTT5 tem como um de seus objetivos a realização da análise da situação de saúde e identificação das necessidades, demandas e problemas de saúde dos trabalhadores no território. Com relação à imunoprevenção, faz-se necessário que o Setor de Saúde Ocupacional do ICA mantenha atualizada a situação vacinal dos trabalhadores do instituto.

A presente pesquisa foi idealizada com a finalidade de contribuir para a implementação de ações para a melhoria das condições ambientais e de saúde dos trabalhadores da UFMG - campus Montes Claros. Cabe ressaltar que, durante seu desenvolvimento, a presente pesquisa propiciou discussões sobre o tema, e algumas ações foram promovidas pela administração, como a nomeação de um gestor de resíduos para o campus, visando à melhoria do gerenciamento de resíduos nos laboratórios.

No ano de 2018, foi instituída a Comissão de Gestão Socioambiental no campus Montes Claros. A comissão é multidisciplinar e conta com docentes e técnicos-administrativos de diferentes áreas de formação. Foi instituída com o objetivo de tornar o campus ICA/UFMG um modelo de gestão ambiental em regiões semiáridas, além de implementar, formalizar, ampliar e aprimorar o gerenciamento de resíduos sólidos. Por intermédio da Comissão, foram realizados a coleta e o tratamento de resíduos químicos que estavam armazenados no instituto. Existia um grande passivo acumulado, e muitos frascos estavam sem qualquer tipo de identificação ou data do acondicionamento. Essa foi a primeira vez que os resíduos químicos tiveram uma destinação adequada.

Com relação à capacitação para manejo adequado de resíduos, em 2019 foi realizado o 'Curso de manejo de resíduos, saúde e segurança', após a identificação, na presente pesquisa, da necessidade de treinamentos voltados para o gerenciamento de resíduos. Como público do curso, foram convidados os trabalhadores que atuavam em laboratórios do campus, sendo o evento aberto também para as comunidades acadêmica e externa O curso contou com debates sobre segurança ocupacional, reciclagem de materiais descartados e consumo consciente, além da PNRS, de inventários de resíduos químicos e da RDC 222/2018.

O curso utilizou uma metodologia participativa, através da qual os próprios trabalhadores foram responsáveis pela condução da maior parte das temáticas. Dessa forma, eles adquiriram conhecimentos que podem vir a ser aplicados em seus locais de trabalho. Ao mesmo tempo, foi gerada uma rede de apoio entre os profissionais, para auxiliar na adequação de suas práticas.

As instituições de ensino superior, enquanto geradoras e difusoras de conhecimento, precisam cada vez mais assumir seu papel no contexto regional, como agentes de inovação e de articulação com a sociedade, na criação de políticas sustentáveis e de preservação do meio ambiente. Sendo assim, é imprescindível que as universidades tenham uma postura coerente, implantando programas de gestão de resíduos em consonância com outros setores da sociedade, na busca de novas soluções para a reciclagem e o tratamento de resíduos.

  • Suporte financeiro: não houve
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2019
  • Aceito
    12 Ago 2019
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