Open-access Participação universitária em defesa do Sistema Único de Saúde

University participation in defense of the Unified Health System

RESUMO

Uma das conquistas essenciais da Reforma Sanitária foi a participação social, o principal motor para promoção da igualdade, haja vista que, por meio desta, diferentes grupos na saúde obtiveram voz, preceito valioso da base democrática. No contexto universitário, a temática tem sido incorporada sob diversos aspectos, conformando um ambiente que polariza opiniões e proporciona reflexões que corroboram, ou destoam, os da reforma e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa forma, este estudo teve por objetivo investigar e discutir a participação dos universitários visando à defesa e ao fortalecimento do SUS. Trata-se de um estudo de campo, do tipo exploratório descritivo com abordagem qualitativa, sendo utilizada uma entrevista semiestruturada para coleta de dados, e o software IRaMuTeQ para o processamento. Para a apreciação, seguiu-se a análise categorial temática proposta por Minayo. Observou-se um conhecimento satisfatório quanto à importância da participação social em um contexto de movimentos sociais, porém, a participação ativa não ocorre de forma desejada ainda que seja em conferências e conselhos de saúde. Apesar das fragilidades, vislumbra-se um novo horizonte no qual a universidade seja um espaço que consolide este princípio do SUS.

PALAVRAS-CHAVE Participação social; Universidades; Sistema Único de Saúde

ABSTRACT

One of the essential achievements of Health Reform was social participation, the main driver for promoting equality, given that, through this, different groups in health have gained a voice, a valuable precept of the democratic base. In the university context, the theme has been incorporated in several aspects, forming an environment that polarizes opinions and provides reflections that corroborate, or contradict, those of the reform and consolidation of the Unified Health System (SUS). Thus, this study aimed to investigate and discuss the participation of university students in order to defend and strengthen the SUS. This is a field study, of the exploratory descriptive type with a qualitative approach, using a semi-structured interview for data collection, and the IRaMuTeQ software for processing. For the appreciation, the thematic categorical analysis proposed by Minayo was followed. Satisfactory knowledge was observed regarding the importance of social participation in a context of social movements, however, active participation does not occur in a desired way even if it is at conferences and health councils. Despite the weaknesses, a new horizon is envisaged in which the university is a space that consolidates this principle of SUS.

KEYWORDS Social participation; Universities; Unified Health System

Introdução

O Sistema Único de Saúde (SUS) traz a solidificação de um conceito na saúde idealizado e debatido na Conferência Nacional de Saúde, que trata de princípios fundamentais como a universalidade, a integralidade e a equidade. O SUS, embasado pela Constituição Cidadã de 1988 originada do povo e para o povo, trata as necessidades individuais ou coletivas como de interesse público; e o atendimento, por obrigatoriedade do Estado, resultado de um movimento marcado por lutas sociais que plenamente reformou a saúde pública1.

Um aspecto relevante da consolidação da Reforma Sanitária está na garantia da participação da comunidade nas ações de saúde, por meio da Lei nº 8.142/90, instituindo os conselhos e conferências de saúde, além do funcionamento de recursos financeiros2. A participação popular emerge como um pilar na formação do SUS, no qual os conselhos de saúde devem ser compostos de 50% da população/usuários, 25% entre os trabalhadores, 25% entre prestadores de serviços e governo, destinados a formular políticas e estratégias para melhorar as condições de saúde do País3.

Além dos conselhos, as conferências de saúde, que devem ocorrer a cada quatro anos, também trazem a participação popular, estimulando discussões pertinentes à saúde e contando com a representação de diversos segmentos sociais. É valido afirmar que a participação social mediante o controle social se caracteriza como um importante direito, que, por meio das ações de vigilância e tomada de decisão, como observado nos conselhos de saúde, assegura o objetivo da promoção à saúde de modo coletivo4.

Além da participação disposta em lei, é essencial compreender a importância dos movimentos sociais na construção do SUS e a existência de interesse dos universitários sobre esse aspecto. A contemporaneidade da temática defesa do SUS se dá devido aos inúmeros ataques para a desconstrução e possível desmonte do sistema, marcado por aspectos como gestão ineficaz, pouco investimento e um conjunto de forças para que seja desacreditada a relevância de um sistema de saúde público. O desmonte é movido por ideais neoliberais de estado mínimo e meritocracia, em um país evidenciado por desigualdades5.

Os movimentos sociais, em contrapartida ao desmonte, buscam reverter as injustiças causadas por pensamentos contrários à realidade de saúde do País. Esse movimento envolve trabalhadores, gestores, população, alguns parlamentares e aqueles que identificam a necessidade de prover direitos básicos às mais diversas classes ou tipos de indivíduos. Por isso, a universidade e seus alunos, sobretudo em cursos da saúde, devem estar atentos e participar ativamente na luta para a manutenção de um direito previsto na Constituinte5.

Partindo do entendimento de que a existência dos movimentos sociais independe da participação universitária, vale ressaltar as atividades de pesquisa e extensão que, voltadas à sociedade, reafirmam os princípios da democracia de participação ativa em movimentos sociais e gerais da população, capacitando de forma plena os sujeitos que lá estão inseridos. Essa formação global se dá por intermédio do contato com ciência, tecnologia, filosofia e arte, assim como em movimentos estudantis, perpassando o limite de formação profissional6.

Diante do exposto e da afirmação de que a participação social é de suma importância para a manutenção democrática do direito à saúde, surge a seguinte questão norteadora: como se dá a participação universitária no fortalecimento do SUS? Objetivando compreender essa participação no âmbito das conferências e conselhos de saúde, assim como dos movimentos sociais em favor do SUS, de causas políticas ou mesmo das atividades acadêmicas.

Parte-se do entendimento que a participação dos universitários na política, no interesse para movimentos sociais de consolidação do SUS, em conferências e conselhos de saúde e, de modo mais interno, nas atividades acadêmicas que fortalecem o SUS contribui para a formação social individual e coletiva. Ademais, eles atuam na consolidação do SUS.

O posicionamento do estudante pode se configurar como um reflexo de reafirmação ou de esquecimento do movimento da Reforma Sanitária. Portanto, essa percepção do acadêmico estará ligada à noção de saúde da população e poderá determinar o futuro da saúde pública nacional. Estes que estão em processo de formação serão os futuros profissionais da saúde e, mais do que isto, cidadãos civis com possibilidade de tornarem-se líderes sociais e formadores dos que os sucederão; reflexo este que possivelmente persistirá nas demais décadas e motivo de interesse de pesquisa atualmente. Nesse sentido, este estudo busca investigar e discutir a participação dos universitários nos movimentos sociais visando à defesa e ao fortalecimento do SUS.

Material e métodos

Trata-se de um estudo de campo, do tipo exploratório-descritivo com abordagem qualitativa, desenvolvido na Universidade Regional do Cariri (Urca) - Unidade Descentralizada de Iguatu (UDI), no estado do Ceará.

Os participantes da pesquisa foram estudantes do curso de Bacharelado em Enfermagem da UDI. A amostragem se deu de forma não probabilística, por acessibilidade ou por conveniência. A seleção dos acadêmicos se deu por sorteio aleatório simples. Os critérios de inclusão foram: estudantes regularmente matriculados no curso de Enfermagem da Urca-UDI e estudantes que estivessem nos últimos dois anos de conclusão do curso.

O quantitativo de entrevistas coletadas obedeceu à saturação das falas, em que se obteve um número de 90 estudantes para a amostra.

Após a coleta, os dados foram organizados, digitados e armazenados no programa Microsoft Office Word® versão 2016. Para dos dados quantitativos que se referem ao perfil do entrevistado, utilizou-se o Microsoft Office Excel®. Foi utilizado o software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), versão 0.7, que permite diferentes processamentos e análises estatísticas de textos produzidos. É importante ressaltar que o uso do software não é um método de análise de dados, mas uma ferramenta para processá-los, em que a interpretação fica a cargo do pesquisador.

Nesse sentido, os resultados encontrados foram categorizados por temática conforme Minayo, em que emergiram três categorias, denominadas: Participação dos universitários em causas políticas, movimentos sociais, conselhos e conferências de saúde; Interesse do estudante na participação em movimentos sociais visando à defesa e ao fortalecimento do SUS; e Participação em atividades acadêmicas e sua contribuição para a formação do ser social. Tais categorias foram confrontadas e discutidas de acordo com as publicações científicas disponíveis, comparando as semelhanças e as diferenças, com o intuito de validar as informações encontradas neste estudo.

Os participantes da pesquisa manifestaram seu interesse em participar do estudo por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE e termo de Consentimento Pós-Esclarecido, atendendo, dessa forma, aos princípios éticos para pesquisa com seres humanos, conforme Resolução nº 466/12 e nº 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

O estudo foi encaminhado para o Comitê de Ética em Pesquisa da Urca por meio do Sistema Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa)/Plataforma Brasil, sendo aprovado sob número de parecer: 3.197.629.

Resultados e discussão

Para compreender a participação dos universitários na manutenção do SUS, é necessário partir do princípio de que esta ocorre de diferentes vertentes e formas. Seja diretamente em conselhos, conferências de saúde e movimentos sociais, seja na própria instituição a qual o estudante integra, a participação se apresenta desde concepções até atuações a serem identificadas e apresentadas.

Participação dos universitários em causas políticas, movimentos sociais, conselhos e conferências de saúde

O principal instrumento para defesa e fortalecimento do SUS é o controle social, exercido pelas conferências de saúde e pelos conselhos, assim como pelos movimentos sociais que contemplam causas políticas e sociais da saúde. Portanto, torna-se necessário investigar e discutir inicialmente se esses alunos participam e compreendem a importância dessas ferramentas sociais.

Esta categoria apresenta as relações de um papel social de caráter ativo, seja em movimentos sociais, causas políticas, seja em conselhos ou conferências de saúde. Após o processamento dos dados, identificaram-se 192 seguimentos de texto, 1.994 ocorrências, 641 formas, 405 hápax definidos por palavras que aparecem apenas uma vez no texto.

O método utilizado para o processamento que mais clarificou a participação social foi a nuvem de palavras. Tal método utiliza o conjunto de palavras mais citadas e as agrupa em forma de nuvem. Os termos de maior frequência são apresentados na nuvem de palavras abaixo (figura 1).

Figura 1
Nuvem de palavras obtida mediante texto produzido pelas falas deste tópico

Pode-se identificar, por meio da organização de cada expressão nessa nuvem de palavras, que a maior parte dos estudantes compreende os termos integrados a participação em movimentos sociais, causas políticas e participação em conselhos de saúde. Porém, a participação ativa ocorre principalmente em movimentos sociais, que são importantes lutas que tratam dos mais diversos problemas de desigualdade e injustiça social, sendo, portanto, os geradores e o propulsores de diversas conquistas de direitos, como observado na Reforma Sanitária por meio da criação do SUS. Atuam de modo articulado e coletivo, tirando os atores sociais do comodismo e criando perspectivas e soluções para tornar a sociedade mais justa7.

[...] para defendê-lo e lutar por esse direito social que a gente muitas vezes acaba esquecendo. (E_4).

Para lutar pelos nossos direitos, e ir à rua lutar e dizer as pessoas o risco que todo mundo está correndo. (E_10).

Pela importância que o SUS tem na sociedade e pelo amor que sinto pela área da saúde. (E_41).

As falas apresentadas pelos universitários apontam para uma confirmação da importância do posicionamento na sociedade, visto que a Reforma Sanitária contou com participação ativa de diversos movimentos sociais, entre eles, o movimento estudantil e o apoio de universidades na construção de um novo capítulo da história do País, visando a um novo período democrático participativo. Essa luta é um marco para além do campo da saúde, mas também de caráter político e de inclusão social8.

Desse modo, é desejável que, para a manutenção do SUS, haja um engajamento social assim como os sanitaristas tiveram em outrora. Não é exclusivamente necessário que os movimentos sociais se oponham aos detentores de poder, mas devem colaborar para criar e implementar políticas públicas. Por intermédio dos movimentos sociais, o cidadão passa a ter o direito, e mais que isso, o dever de participar9.

Isso pode se dar de forma direta ou representativa, em conselhos ou manifestações, nas campanhas, em redes e nas ruas. É necessário promover o empoderamento para que haja um efetivo controle social, haja vista que a conquista desse direito, instituído por meio da Constituição Federal de 1988 e concretizado pela Lei Orgânica da Saúde nº 8.142, de 1990, é muito recente e não deve ser usado apenas como meio de formalizar a participação democrática10.

Os universitários deste estudo demonstraram participar de modo mais efetivo nos movimentos sociais e nas causas políticas que estão indiretamente ligados à saúde, como a causa de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT). Porém, isso não se aplica quando indagados acerca das conferências e dos conselhos de saúde. Esse fato leva a refletir quais as possíveis interferências sofridas por cada aluno e o quanto a universidade contribui para essa formação, sem descartar as contribuições da sociedade para essa construção.

Um aspecto de caráter indispensável quanto à participação dos estudantes no campo da saúde está nas conferências e nos conselhos de saúde, visto que se configura como basilar na política social, por permitir que a população possa decidir, deliberar, avaliar e fiscalizar as políticas de saúde10.

O baixo índice de participação nos conselhos de saúde pode ser explicado inicialmente pelo descompromisso dos gestores em seguir o que é idealizado para a verdadeira função de um conselho, e, por conseguinte, no baixo interesse da população. Os conselhos são parte do controle social no âmbito da gestão no SUS; e, por esse motivo, compor de forma ativa contribui para o seu fortalecimento11.

Sendo as ferramentas do controle social, portanto, o principal instrumento de defesa e fortalecimento do SUS, a participação frágil dos universitários como sociedade civil e futuros profissionais nos conselhos e conferências exige medidas a serem tomadas, sobretudo em instituições públicas que também formam para o SUS. Entre as possíveis medidas, salienta-se uma maior discussão da temática, como proposto neste estudo. Trazer o tema para reflexão instiga a discussão e percepções de análise que potencializam a reconstrução da saúde pública e a manutenção do SUS em um locus circunscrito no ambiente universitário.

Interesse do estudante na participação em movimentos sociais visando à defesa e ao fortalecimento do SUS

A partir da identificação de que os entrevistados relataram maior participação em movimentos sociais, surge a necessidade de uma maior ênfase deste tema, pois compreender a importância desses movimentos na construção do SUS é o primeiro passo para encontrar meios para sua manutenção.

Os movimentos sociais na saúde e em defesa do SUS são o reflexo de uma sociedade civil que compreende a disparidade da realidade vivenciada pelos brasileiros. Na universidade, por intermédio de alunos, gestores e professores, os movimentos de fortalecimento da saúde devem corroborar a manutenção do direito básico de acesso igualitário, equânime e universal à saúde12.

Por mais que não seja um movimento institucional, este tem-se propagado e ganhado forças no cenário político atual. Observou-se, por exemplo, o lançamento da campanha ‘SUS é Vida!’, financiada de forma partilhada pela União Europeia com o apoio da Agência Católica para a Cooperação Internacional de Inglaterra e País de Gales, que busca sensibilizar a sociedade sobre a valorização do SUS e gerar um sentimento de pertencimento. Esse projeto visa ser implementado em um período de três anos por meio de vídeos, posts e gifs nas redes sociais, depoimentos sobre o sucesso do SUS, entre outros12.

Nesse contexto, a árvore de similitude possibilitou uma análise para construção desta categoria (figura 2). No processamento dos dados no IRaMuTeQ, obtiveram-se 165 seguimentos de texto, 2.070 ocorrências, 215 hápax. Na computação estatística, a forma mais frequente foi ‘sim’ com 61 menções, em seguida, ‘SUS’ com 54 referências e ‘não’ registrado com 37 citações.

Figura 2
Árvore de ocorrência da análise de Similitude

A maioria dos universitários referiu positivamente o interesse em participar de momentos em defesa do SUS. As motivações são as mais diversas, predominando: como forma de conhecimento; por que é um direito do usuário; para que o sistema melhore para a população que precisa; ou por acreditar ser importante.

Pode-se entender o interesse nessa específica forma de defesa do SUS como o primeiro passo para ações que, de algum modo, produzam contribuições efetivas contra o possível desmonte. Os alunos percebem ainda o caráter essencial desse sistema, podendo se configurar como princípio basilar de seu fortalecimento, e um posicionamento de grande valia diante da atual política. As falas a seguir ilustram esse contexto:

Justamente por ele ser uma necessidade e algo que as pessoas precisam. A maioria das pessoas são desacreditadas com o SUS, mas precisam. (E_5).

Porque acredito que o SUS está em um momento de fragilidade e sempre bom entender sempre mais o que o SUS tem como benefício. (E_86).

Durante a história nacional, avanços e recuos se seguiram até a firmação da saúde como direito social, entretanto, o SUS possui diversas dificuldades para se firmar como algo importante e essencial na sociedade. É nesse sentido, em que as lutas para defesa do SUS surgem, tanto na criação como atualmente, no combate à privatização e à fragilização da democracia, que ampliam a miséria e encorajam o capitalismo desenfreado13.

Tal compreensão parte diante dos benefícios trazidos por esse sistema, sobretudo para a população mais carente. Diante de estratégias como a regionalização dos serviços de saúde facilitando o acesso, observam-se as ações na vigilância em saúde, na criação de programas como o Programa Nacional de Imunizações (PNI) ou ainda redes que, próximo à realidade de saúde, atuam por meio das equipes de saúde da família13.

Não se podem negar ainda os avanços trazidos com a utilização dos sistemas de informação nos campos da notificação, como mortalidade e internações hospitalares. Atendimento de média e alta complexidade, como criação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), assistência farmacêutica, transplantes13.

Esses são apenas alguns exemplos dos diversos benefícios do SUS em várias áreas da saúde. Em uma população SUS-dependente, de um cenário caótico político, é fato que, com a fragilidade instaurada, a relevância e a necessidade de efetivação dessa política social se tornam mais iminente.

Nesses 30 anos desde a criação o SUS, inúmeros ataques fragilizam e rompem com o entendimento de que é um sistema do povo e para o povo, e não só deve ser mantido, como também melhorado e valorizado. É responsabilidade da população estar a par do que é decidido a respeito de sua qualidade de vida e de seus direitos por meio de uma ativa participação.

Inicialmente, torna-se essencial conhecer o que se defende para então propagar o conhecimento e promover a saúde de modo consciente. Conhecer a história de saúde e os benefícios angariados desde sua instituição está ligado aos sentimentos de inconformismo com o sucateamento da saúde e estímulo para participação, como bem observado pelos alunos.

Porque ele seria uma forma de conhecimento e eu ia aprender, adquirir conhecimento e passar para outras pessoas. (E_81).

Tenho interesse sim acredito que pelo conhecimento que viria agregar [...]. (E_45).

Ao tratar o conhecimento e o quanto este afeta aos que são discriminados socioeconomicamente, Freire15 é a principal referência para que se discuta essa correlação. Para o autor, a consciência se configura como uma importante ferramenta para o entendimento da realidade, cujo principal instrumento é a educação. Dessa forma, não há cenário melhor para incluir a universidade do que na propagação desse conhecimento, pois ele é capaz de operacionalizar as mudanças necessárias para o viver democrático16.

Participação em atividades acadêmicas e sua contribuição para a formação do ser social

É sabido que a universidade está pautada em um tripé de ensino, pesquisa e extensão. Este integra a vasta gama de atividades presentes no meio universitário, o ensino por intermédio das atividades de monitoria, a pesquisa por meio de projetos e da relação orientador-orientando e a extensão levando o conhecimento até a comunidade.

A caracterização do tipo de participação acadêmica em que os alunos mais se integram pode contribuir para identificar além da atividade extracurricular que mais está presente do cotidiano dos alunos, como o quanto esta colabora na ampliação do conhecimento e da ótica para o SUS e, por consequência, em sua formação social.

Independentemente de a participação ser voluntária ou remunerada, ser de extensão, pesquisa ou ensino, essas atividades são indissociáveis e se opõem ao método de aprendizagem tradicional. Buscam o desenvolvimento e a proatividade, tornando visível o diferencial entre os alunos que são envolvidos nessas práticas. A razão se encontra no fato de possuírem uma vivência como professor por meio das monitorias, pesquisador mediante pesquisas desenvolvidas e um cidadão social por intermédio da extensão17.

A conformação desta categoria resulta do processo analítico derivado do método de Reinert, no qual se formaram classes por conjuntos de termos que possuíram semelhança léxica por meio da lógica de correlação. Salienta-se que estas são apresentadas por um esquema hierárquico.

As classes foram nomeadas pela pesquisadora como Classe 1: Aspectos de contribuição social; Classe 2: Aprendizagem adquirida; Classe 3: Áreas de participação acadêmica. Segundo o dendograma apresentado (figura 3), da classe 3, derivam a classe 2 e 1. Portanto, por meio da área de participação, há um aprendizado e uma contribuição a ser realizada.

Figura 3
Dendograma obtido por intermédio da CHD

Nesse processo, foram gerados 246 seguimentos de textos, 2.561 ocorrências, 644 formas, 380 hápax. Extensão foi o termo de maior frequência, citado 61 vezes ao longo do corpus.

A classe 3 (41,9%) apresenta o conjunto de respostas por meio das palavras: ‘Extensão’; ‘Voluntário’, ‘Projeto’, ‘Saúde e segurança’, entre outras. Portanto, a maior parte dos entrevistados integra projetos de extensão de forma voluntária. As outras ocorrências são ‘Monitoria’ e ‘Pesquisa’, citadas, respectivamente, 19 vezes e 17 vezes.

As aprendizagens adquiridas no exercício dessas atividades curriculares são identificadas na categoria 2, por expressar palavras como: ‘Gente’, ‘hospital’, ‘saber’, ‘passar’, ‘conhecer’, entre outras. Dessa forma, pode-se estabelecer que os alunos adquirem proximidade com o cenário de atuação profissional e, consequentemente, passam a conhecer mais sobre o funcionamento do SUS, além de enriquecer o saber adquirido durante a graduação, como observado nas falas:

Na formação acadêmica, com certeza, porque a extensão vincula a gente à realidade. (E_09).

Contribui na minha formação acadêmica e no SUS também porque no projeto [...], a gente percebe a dinâmica e como ocorre os processos, e como o SUS age naquela instituição. (E_19).

Com a questão de você fazer as ações dentro do hospital você acaba tendo um contato maior de como fica essa organização do SUS. (E_89).

Enquanto nos processos de contribuição dos alunos para a sociedade, presentes na classe 1, pode-se observar importantes palavras em tal contexto, que inferem a vivência nas atividades extracurriculares, atuam como forma de acrescentar no meio social caraterizado pelos seguintes termos: ‘Contribuir’, ‘Estar’ ‘Forma’ ‘sistema’, ‘Atender’, ‘Interferir’, ‘Precisar’, ‘Olhar’, entre outros.

Nos possibilita ter um olhar mais crítico para o que realmente está acontecendo. (E_50).

Projetos de extensão, por exemplo, têm caráter problematizador, sensibilizando o senso crítico dos participantes para resolução de problemas referentes à saúde. (E_64).

A gente passa informação para eles, ajuda eles nos exercícios físicos e tudo mais. (E_75).

O alvo do projeto de pesquisa e extensão. São as pessoas que estão precisando realmente do SUS. (E_78).

A partir das falas, podemos apontar as reflexões de Martins18, em que a extensão se articula com o ensino e a pesquisa, proporcionando ao aluno colocar em prática aquilo que foi aprendido. Sendo a universidade um ambiente de convívio social, os projetos de extensão possuem um importante papel: o de levar conhecimento à sociedade. Outrossim, as implicações presentes na formação do estudante extensionista incluem desde a integralidade do cuidado até o benefício aos diferentes públicos dos projetos.

A participação ativa na própria universidade, desde o processo de formação profissional, demostra o perfil desses estudantes acerca da proatividade individual e do interesse em sair de sua zona de conforto para aprender e contribuir para o meio em que este está inserido. Partindo desse entendimento, cada estudante também está inserido em um contexto de políticas de saúde públicas de uma sociedade; esse comportamento pode ser instigado e observado para além da instituição e aplicado na participação na defesa e no fortalecimento do SUS.

Há uma juventude sendo formada que deve ser orientada quanto à importância que tiveram as lutas passadas, como a Reforma Sanitária e a luta pelo direito democrático, para que haja a manutenção e o fortalecimento de um sistema que é a expressão de um bem comum para uma sociedade mais igualitária. Os novos profissionais devem ser levados ao questionamento, à reflexão crítica e à necessidade de posicionamento diante dos ataques à saúde como direito constitucional.

Quanto ao curso de Enfermagem, público-alvo deste estudo, há uma necessidade maior em participar da saúde nessa perspectiva. Com o mercado de trabalho em alta competitividade, devido ao elevado número de profissionais, há uma urgência na formação de um profissional humanista, crítico e reflexivo, para que atue nos mais diversos níveis de cuidado à saúde, com o olhar social ampliado para lidar com as mais diferentes realidades presentes na sociedade em que o SUS está inserido19.

Considerações finais

A participação universitária no fortalecimento do SUS ocorre, principalmente, por meio dos movimentos sociais e, indiretamente, mediante participação em atividades de ensino, pesquisa e extensão. Apesar de o principal instrumento contribuinte para a manutenção do SUS ocorrer por intermédio do controle social, os estudantes não integram de modo satisfatório os conselhos e as conferências de saúde.

Esse fato se deve tanto pelo desconhecimento da importância de uma participação para sobrevivência da saúde pública quanto pela falta da individualização da responsabilidade social, apontando para uma fragilização de um pilar que sustenta o direito teórico e prático à saúde, que é o reconhecimento do poder e dever social.

A maior dificuldade para discutir essa temática e realizar esta pesquisa é o conhecimento insipiente dos alunos, sobretudo a realidade de saúde e do próprio sistema público quanto aos ataques já mencionados neste estudo.

Considera-se, portanto, que deve ser buscada uma sensibilização dos estudantes para a participação em movimentos sociais de bairro, local ou regional além do estímulo à pesquisa da temática, fortalecendo a formação de seres políticos e, por conseguinte, o SUS.

Há ainda a necessidade de investigação e de produção de novos estudos que discorram de modo mais aprofundado esse tema, seja quanto às possíveis consequências dessa participação efetiva seja no que se refere à inércia dos universitários e das próprias universidades em relação à defesa do SUS.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2019
  • Aceito
    16 Jan 2020
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