Open-access Práticas de leitura e compreensão de texto no 6º e 7º anos do ensino fundamental

Reading practices and reading comprehension in 5th-7th grades of middle school

Resumo

O objetivo deste estudo foi investigar as práticas de leitura de jovens adolescentes e sua relação com o desempenho na compreensão de textos. Participaram 121 estudantes do 6º e 7º anos do ensino fundamental de escolas públicas, com idades variando entre 11 e 14 anos, de ambos os sexos. Foram aplicados três instrumentos: o Questionário de Compreensão de Texto Cloze, o Teste de Compreensão de Leitura e o Questionário sobre Home Literacy. A partir disso, constatou-se que a maioria dos estudantes leem um ou mais livros por ano e que usam bastante a Internet para discussão nas redes sociais. Quanto a associação entre as práticas de leitura e a compreensão textual verificou-se que a leitura prazerosa de gibis e mangás, por exemplo, se relaciona ao baixo desempenho na compreensão de textos, pois grupos que leram mais esse tipo de texto tiveram desempenho inferior na Análise de Variância (F(3, 120) = 2,91; p = 0,03). Além disso, verificou-se que alunos os quais leem as matérias escolares quando chegam em casa tem escores mais altos na interpretação textual (F(3, 120) = 2,92; p = 0,03).

Palavras-chave: Compreensão; Hábitos de leitura; Leitura.

Abstract

The objective of this study was to investigate adolescents' reading practices and the relationship with their reading comprehension performance. One hundred twenty-one 5th-7th graders from public middle schools, both male and female and aged from 11 to 14 years old, participated in this study. Three instruments were applied : a Cloze reading comprehension questionnaire; a Cloze reading practice test; and a Home Literacy questionnaire. The main results showed that most students read one or more books per year and use social networking sites for discussions frequently. As for the association between reading practices and reading comprehension, the results showed that reading for enjoyment, for example, reading comic books and manga, is related to low reading comprehension performance since the students that read more of this type of text had lower performance according to the results of Analysis of Variance (F(3, 120) = 2.91; p = 0.03). In addition, it was found that students who read more school-related texts at home had better performance on reading comprehension tests (F(3, 120) = 2.92; p = 0.03).

Keywords: Comprehension; Reading habits; Reading.

A história da leitura é análoga à de outras práticas culturais humanas. Sendo assim, toda prática de leitura se desenvolve e adquire sentido a partir de um determinado contexto histórico e espaço-temporal, conjugado com a subjetividade e os anseios específicos de cada leitor. Nesse sentido, essa prática se apresenta como uma atividade interpretativa a qual possibilita a produção de múltiplos significados a partir de um texto.

O processo da leitura envolve vários aspectos incluindo não apenas características do texto e do momento histórico em que ele é produzido, mas também características do leitor e do momento histórico em que o texto é lido (Leffa, 1996). O resultado do encontro entre leitor e texto não pode ser descrito, portanto, a partir de um único enfoque. Uma descrição completa do processo da compreensão deve levar em conta, no mínimo, três aspectos essenciais: o texto, o leitor e as circunstâncias em que se dá o encontro. Historicamente, no entanto, o estudo da compreensão de leitura tem se caracterizado pela predominância de um ou outro extremo do processo.

Como outras práticas culturais, a leitura se tornou o foco central de inúmeros estudos que visam compreendê-la. Embora seja vista como um elemento essencial para que o homem construa e efetive as relações que estabelece com o meio no qual se insere, a mesma não se configura como um ato natural, mas antes como uma prática histórica, social e culturalmente demarcada.

Baseando-se nessa concepção, é possível compreender que a leitura de um texto exige muito mais que o reconhecimento de elementos linguísticos. Exige a presença de um sujeito ativo que analise o texto guiado por seus objetivos (seja por lazer, busca de informação ou para cumprir uma obrigação/tarefa) e por seu conhecimento prévio e, para isso, tece-se estratégias de leitura que acabam contribuindo para a extração de significado daquilo que se lê (Dembo, 2000).

Esse processo cognitivo complexo reflete-se no desempenho dos alunos. Pesquisas brasileiras têm ressaltado as dificuldades dos adolescentes e dos jovens adultos com a leitura. Joly e Nicolau (2005) realizaram um estudo exploratório das características psicométricas de um instrumento que objetivou definir o desempenho na compreensão em leitura de alunos da 4ª série (atual 3º ano) do ensino fundamental. Os participantes tinham idades variando entre 9 e 14 anos e frequentavam escolas públicas e particulares; estes responderam a uma prova de compreensão de leitura que consistia na aplicação da técnica de Cloze. Os resultados do estudo de Joly e Nicolau (2005) mostraram que 66% dos participantes tinham dificuldade para compreender o que liam e apenas 22% podiam ser considerados competentes. Esses resultados evidenciam as dificuldades que os alunos têm na compreensão de leitura e ressaltam a importância da realização de mais estudos que ajudem a compreender os fatores que afetam o seu desempenho.

Em outra pesquisa, Joly e Istome (2008) investigaram a leitura em adolescentes entre 9 e 15 anos de idade, matriculados em uma escola municipal do interior do Estado de São Paulo e que frequentavam regularmente a 4ª e a 5ª séries (atuais 3º e 4º ano) do ensino fundamental. Os autores observaram que o desempenho na compreensão em leitura obtido por meio do Teste Cloze foi de, em média, 25% dos itens da prova, ou seja, muito abaixo do esperado. Além disso, Joly e Istome (2008) destacam que para atingir a compreensão plena de um texto muitas variáveis estão envolvidas, como, por exemplo, selecionar um esquema mental adequado, saber combinar esquemas prévios e mantê-los ativados por tempo suficiente para relacioná-los à informação que está sendo lida a fim de atribuir-lhe significado.

Oliveira, Suehiro e Santos (2004) mostraram que universitários carregam dificuldades de compreensão de texto. Isso mostra que os problemas encontrados na adolescência persistem até a entrada na universidade. Salientam a importância de conhecer os fatores que afetam o desempenho da leitura de crianças e de adolescentes.

Ao compreender a atividade de leitura como um método de construção de significados percebe-se que a escola tem grande responsabilidade na formação, no desenvolvimento e na competência comunicativa dos alunos enquanto usuários da língua. Além disso, desempenha uma função importante no sentido de torná-los cidadãos críticos e conscientes do seu papel na sociedade. No entanto, atividades desenvolvidas em outros contextos também influenciam as capacidades trabalhadas na escola, como é o caso da leitura. Dessa forma, o que o aluno lê fora dessa instituição contribui para o incremento da atividade no contexto escolar.

O processo de alfabetização de uma criança pode se iniciar antes mesmo de entrar em uma instituição formal de ensino e aprendizagem, onde tem contato com os métodos básicos e tradicionais. Quanto mais cedo ela se aproximar de experiências de leitura e escrita, mais desenvoltura e consciência terá ao desenvolver essas tarefas no futuro (Sénéchal, LeFevre, Thomas, & Daley, 1998). Assim, tanto as experiências que se desenrolam no ambiente familiar quanto as da escola devem ser vistas como potenciais fontes de interferência e influência no processo de aquisição dos conhecimentos de leitura (Peixoto, Silva, Leal, & Cadima, 2006).

É no contexto relacional - família e cultura -, que as crianças aprendem acerca da natureza, das características e das formas da linguagem que são utilizadas dentro do seu meio cultural (Purcell-Gates, 2000). Teoricamente, o ambiente familiar pode contribuir com a instrução nas atividades de leitura e escrita fornecendo oportunidades de familiarização com esses processos, apresentando modelos de leitura e interpretação e acolhendo atitudes positivas em relação ao interesse e à aprendizagem escolar (Leseman & Jong, 2001).

A simples presença de material impresso no ambiente pode despertar espontaneamente nas crianças ideias sobre o processo de literacia - e.g., acerca da função representacional da escrita ou das funções de leitura (Leseman & Jong, 2001). Purcell-Gates (2000) comenta foi realizada pouca investigação para verificar diretamente que o conhecimento dos usos e funções da linguagem, bem como do seu código, é também adquirido no contexto familiar. Num estudo realizado pela própria Purcell-Gates (1996), o conhecimento acerca do material escrito e sua relação com a literacia foi investigado em 24 crianças com idade variando entre quatro e seis anos, usando textos para leitura e interpretação para avaliar a relação entre os tipos e a frequência de letramento, os conhecimentos de alfabetização, a unidade linguística e a complexidade do texto. Os resultados mostraram que o conhecimento sobre a escrita estava significativamente relacionado com a frequência com que os outros moradores da casa liam e escreviam textos num nível de discurso mais complexo, bem como com a maneira como os pais incentivavam a criança a se engajar em atividades como escrever convites ou cartões, ler histórias ou aprender a escrever o próprio nome/letras individuais.

Purcell-Gates (2000) apontam que estudos realizados nessa área identificaram relações positivas entre o conhecimento de vocabulário e as práticas de leitura de livros aos filhos no lar, particularmente a de leitura partilhada. Também no que diz respeito à motivação para a leitura, a família possui um papel relevante. A investigação realizada nesse campo, de acordo com a revisão de Purcell-Gates (2000), sugere que as crianças as quais começam a ler cedo possuem em casa um ambiente de leitura rico e um maior interesse em aprender a ler e escrever (Durkin, 1966; Purcell-Gates, 2000). Além disso, crianças com maior interesse na leitura têm mais livros em casa e seus pais costumam ler histórias com maior frequência (Purcell-Gates, 2000).

O ambiente familiar pode ainda contribuir de forma indireta através de oportunidades de aprendizagem que podem estimular o desenvolvimento do raciocínio em geral e das capacidades de resolução de problemas, a promoção do reconhecimento de palavras e de atitudes socio-emocionais favoráveis à aprendizagem escolar. Além de experiências relacionadas com desenvolvimento de leitura e trocas de linguagem oral, uma parte importante na vida familiar das crianças pequenas relaciona-se com o envolvimento na brincadeira, estando presente em todas as rotinas da casa, no sentido de participação legítima, ainda que periférica (Lave, 1988; Leseman & Jong, 2001).

Assim, o ambiente doméstico tem sido considerado um quesito importante no desenvolvimento precoce das habilidades de alfabetização das crianças (Rashid, Morris, & Sevcik, 2005), no qual os pais, através de suas estratégias de leitura, colaboram com a ampliação do vocabulário (Leseman & Jong, 2001). O desenvolvimento desse vocabulário está ligado à frequência com que pais e filhos leem histórias (Bus, van Ijzendoorn, & Pellegrini, 1995; Scarborough, Dobrich, & Hager, 1991).

Em um estudo, Frijters, Barron e Brunello (2000) usaram um questionário sobre o ambiente de alfabetização em crianças no início do processo de aprendizado da leitura e da escrita para fornecer um composto de atividades desse tipo em casa. Os resultados indicaram que a alfabetização no lar foi significantemente relacionada ao letramento da criança e vocabulário receptivo. No entanto, tem-se uma lacuna na literatura no que diz respeito a indivíduos mais velhos. Assim, as práticas de leitura em casa se relacionariam com o sucesso no desempenho na leitura na adolescência como acontece nos anos iniciais? Essa é uma das perguntas que pretendemos explorar.

Os pais também não são os únicos a influenciar a leitura. As crianças/adolescentes podem ser particularmente motivadas a ler livros que seus amigos leem. Estudos de registros de circulação de alunos do sexto ano em bibliotecas mostram que os livros são frequentemente partilhados entre grupos de amigos e que a leitura de textos "aprovados" podem aumentar a credibilidade da criança junto aos membros desse grupo (Moss & McDonald, 2004). Quando isso acontece a motivação das crianças para ler pode florescer. Da mesma forma, se falam sobre os livros que leem, tornam-se susceptíveis a desenvolver uma melhor compreensão a respeito do que foi lido. Como Ketch (2005) afirma, discutir leitura com amigos e o envolvimento dos pais na educação dos filhos pode serum importante preditor de sucesso acadêmico (Grolnick & Ryan, 1989; Hong & Ho, 2005).

De um modo geral os estudos revistos mostram a importância das experiências de interação com a leitura para o desempenho da alfabetização de crianças pequenas. Mostraram, também, que a qualidade da leitura tem um papel importante no desempenho linguístico e na alfabetização das crianças. O número de estudos sobre esse tema reduz bastante quando o assunto são os anos finais do ensino fundamental. Cantrell, Almasi, Carter, Rintamaa e Madden (2010) ressaltam que os problemas de compreensão de texto muitas vezes persistem após o ensino fundamental. Pesquisas com essa população deveriam utilizar instrumentos apropriados para investigar as experiências de interação com a leitura de adolescentes. É preciso conhecer o que os alunos das diversas faixas etárias leem e se isso se relaciona com o desempenho da leitura. Essas informações podem contribuir para intervenções pedagógicas e para o desenvolvimento de políticas públicas específicas. Dessa forma, o presente estudo busca responder a duas perguntas: 1) Quais as práticas de leitura dos adolescentes investigados? 2) Há uma relação entre essas práticas e o desempenho em leitura?

Método

Participantes

A presente pesquisa contou com a participação de uma amostra de 121 adolescentes do 6º e 7º anos do ensino fundamental, com idades variando entre 11 e 14 anos, sendo que a Média (M) de idade e o Desvio-Padrão (DP) foram de (M = 12,3 anos; DP = 13,2 meses). Os participantes eram de ambos os sexos e provinham de duas escolas públicas da Região Metropolitana dos municípios de Maricá e São Gonçalo, Rio de Janeiro. Para participar do estudo os responsáveis pelos adolescentes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido como indicado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. A presente pesquisa foi aprovada pelo parecer número 32/2011 da Universidade Salgado de Oliveira (Niterói, RJ).

Instrumentos

Questionário de Compreensão de Texto

Esse questionário foi criado para avaliar a compreensão de leitura de estudantes de 11 a 14 anos. É composto por 14 perguntas sobre o texto Os lápis de cor são só meus, de Ruth Rocha, adaptado por Moura (2006), sendo que um ponto foi atribuído a cada resposta correta.

Cloze: Teste de Compreensão de Leitura

Essa tarefa consiste na organização de um texto no qual alguns vocábulos estão suprimidos. Pede-se à criança que preencha os espaços com as palavras que melhor completarem o sentido da passagem. Para o presente estudo foi escolhido um texto já utilizado no Brasil anteriormente (Oliveira, Burochovitch, & Santos, 2007). A validade de critério foi testada por Santos (2005) e discriminou crianças do 4º ao 7º anos. O número máximo de acertos possíveis para o texto é de 40 pontos. A correção utilizada foi a literal.

Questionário sobre Home Literacy

Um questionário com 20 perguntas que avaliavam as práticas de leitura dos adolescentes foi respondido individualmente por cada estudante. Esse instrumento foi uma adaptação feita pelos autores para a faixa etária aqui abarcada a partir de questionários já existentes na literatura, como já explicitado. As perguntas procuraram levantar quais atividades cotidianas de leitura os alunos realizam; por exemplo: "no último mês: Você leu um livro. Você leu mais de um livro. Você não leu nenhum livro. Você começou a ler um livro, mas desistiu de terminar ou não terminou ainda".

Procedimentos

Os estudantes foram avaliados por um aluno de iniciação científica devidamente treinado e um dos pesquisadores. Em um primeiro momento foi aplicado o Teste de Desempenho Escolar (TDE) para medir o nível de leitura de cada aluno. A aplicação do teste foi feita individualmente seguindo as instruções do manual, tendo uma média de duração de 25 minutos.

Na segunda etapa foi aplicada a escala de compreensão de leitura e o teste de Cloze em grupo na sala de aula dos alunos. Para este último foi dada a seguinte instrução: "eu vou dar para você uma estória onde estão faltando alguns fragmentos. Eu gostaria que você lesse a estória e depois completasse os fragmentos que estão faltando, mas lembre-se de que você só pode completar com apenas uma palavra". Para escala de compreensão de leitura foi pedido que lessem e respondessem as perguntas.

Na última sessão foi aplicado o questionário de experiência sobre a leitura. Aos alunos, foi dada a seguinte instrução: "estamos realizando uma pesquisa que tem como objetivo conhecer as práticas de leitura dos adolescentes. Gostaríamos de pedir sua participação. Se você aceitar participar, pedimos que responda as perguntas abaixo pensando nas suas atividades com a leitura durante um mês". Por exemplo: "durante um mês, com que regularidade você lê?". Para essa pergunta um exemplo de resposta era dado (a resposta poderia ser, por exemplo, todo o dia, nos fins de semana, uma vez por semana, uma vez por mês, etc.). Em seguida, o experimentador aplicou o questionário.

Resultados

Resultados relativos a este estudo serão apresentados de acordo com os objetivos da pesquisa, a saber: 1) investigar as práticas de leitura de adolescentes do ensino fundamental de escolas públicas com idade variando entre 11 e 14 anos; 2) verificar se há uma relação entre as práticas de leitura e a compreensão textual.

As práticas de leitura dos adolescentes

O questionário aplicado visou investigar as práticas de leitura dos adolescentes participantes deste estudo. A Tabela 1 apresenta o resumo dos resultados encontrados. A partir dos dados analisados, é possível apontar que, no último mês, 68,00% dos alunos entrevistados declararam que leram um ou mais livros. Dentro desse mesmo período, 42,00% dos entrevistados afirmaram frequentar bibliotecas. Quando perguntados sobre participação em feira de livros, 58,67% dos alunos afirmaram ter participado de eventos desse tipo no último mês. Quanto à compra e aquisição de livros, 37,00% disseram comprar mais de seis livros por ano.

Tabela 1
Questionário de Home Literacy criado para Avaliação das Práticas de Leitura da amostra Análise descritiva dos itens do questionário. Rio de Janeiro (RJ), 2011

Com relação ao envolvimento com a Internet e redes sociais, 50,00% dos alunos entrevistados afirmaram ter usado a primeira todos os dias no último mês. Dentro desse período, 33,00% confirmaram que acompanharam notícias em sites. Com relação às redes sociais, 55,33% dos alunos afirmaram fazer parte de um grupo social ou de discussão na rede na mesma época.

A relação entre as práticas de leitura e a compreensão de texto

Para comparar a relação entre os diferentes perfis de leitura e a compreensão de texto recorreu-se à Análise de Variância (Anova), para os itens que tiveram mais de duas opções de respostas selecionadas, e o Teste t para amostras independentes, para os itens que tiveram apenas duas opções de resposta selecionadas. Os perfis de leitura foram usados como variável independente e os escores dos testes de compreensão de texto como variável dependente. O nível de significância adotado pela Anova foi de 5%. No caso dos itens em que a diferença foi significativa aplicou-se o teste post hoc LSD - Fisher's Least Significant Difference -, que equivale ao Teste t para amostras independentes. O objetivo nesse caso foi de identificar entre quais categorias (opções de resposta) dos itens estava a diferença nas variáveis analisadas. O nível de significância adotado também foi de 5%. Serão apresentados apenas os resultados descritivos.

Com relação à questão 3 ("você costuma frequentar bibliotecas?"), foram encontradas diferenças significativas entre as opções de resposta apenas na variável Cloze_Acertos (t(119) = 2,05 ; p = 0,04), com aqueles que responderam "Não" (1) obtendo escores superiores àqueles que responderam "Sim" (2). Nas demais variáveis a diferença não foi significativa.

Foram encontradas diferenças significativas entre as opções de resposta da questão 7 ("no último mês, você leu revistas em quadrinhos, mangá e outros materiais desse tipo?") apenas na variável Cloze_Acertos (F(3, 120) = 2,91; p = 0,03). Nas demais variáveis a diferença não foi significativa. Na variável Cloze_Acertos os alunos que responderam "Nunca" (1) obtiveram escores significativamente superiores aos de alunos que responderam "Menos de duas vezes por semana" (2) (p = 0,04) e aos que responderam "Mais de duas vezes por semana" (3) (p = 0,01).

Foram encontradas diferenças significativas entre as opções de resposta da questão 8 ("você lê as matérias da escola quando chega em casa?") apenas na variável Cloze_Acertos (F(3, 120) = 2,92; p = 0,03). Nas demais variáveis a diferença não foi significativa. Na variável Cloze_Acertos os alunos que responderam "Mais de duas vezes por semana" (3) obtiveram escores significativamente superiores aos alunos que responderam "Nunca" (1) (p = 0,01) e escores aos que responderam "Só quando tem prova" (2) (p = 0,01).

Discussão

A leitura, nos dias de hoje, dada a sua importância, deve tomar um rumo diferente, não se restringindo ao domínio de aspectos mecânicos, de fluência e da boa dicção, os quais mesmo sendo necessários, não são suficientes para que o leitor se torne proficiente. A atividade acontece quando se organizam os conhecimentos a partir de situações impostas pela realidade, quando se estabelece relações entre experiências e, ainda, quando se procura resolver os problemas apresentados. O leitor então tem a impressão de que o mundo está ao seu alcance, que pode compreendê-lo, conviver com ele e até modificá-lo, pois além da inteligência passa a ter consciência crítica.

É fundamental que o professor conheça a maneira como o estudante aprende para se ter condições de propor atividades desafiadoras que provoquem nos alunos reestruturações de conhecimentos prévios, despertando-lhes o interesse pela leitura do mundo, partindo, assim, para a leitura da palavra. Joly e Lomônaco (2003) reforçam que o ato de ler envolve a capacidade de compreender, isto é, decodificar e interpretar, e que a compreensão em leitura é essencial, pois presume a interação do conhecimento prévio do indivíduo com o que está adquirindo por meio da atividade, transpondo o domínio textual e alcançando graus de inferência e elaboração. O papel do professor é coordenar as atividades em andamento, representando a pessoa a quem as crianças devem recorrer se necessário. Sua tarefa deve ser assisti-las e encorajá-las com sugestões para o prosseguimento de suas investigações. Se o professor não se preocupar em resgatar a leitura e estimulá-la enquanto processo de interação, a crise desse domínio tenderá a agravar-se cada vez mais.

O processo de formação do leitor está vinculado, primeiramente, ao contexto familiar, isto é, se há presença de livros, leitores e situações de leitura no lar. As experiências que as crianças têm no ambiente familiar e no primeiro contato com a escola devem ser vistas como potenciais fontes de interferência e influência no processo de aquisição dos conhecimentos de leitura (Peixoto et al., 2006). Essas experiências, as quais continuam durante a adolescência podem continuar a contribuir para o desempenho da atividade. Assim, conhecer as práticas de leitura desses alunos pode oferecer subsídios aos professores para que possam realizar intervenções visando ajudar a desenvolver o gosto e o desempenho na leitura.

Verificou-se que, do total de alunos pesquisados, 68% declararam que leram um ou mais livros e que 43% afirmaram frequentar bibliotecas, feiras de livros e eventos que abordem a questão. Em um estudo realizado com uma amostra de estudantes brasileiros pela Ibope Inteligência/Fundação PróLivro (2012),os adolescentes da mesma faixa etária desta pesquisa declaram ler, em média, 6,9 livros por ano. A obrigação de ler o livro por exigência da escola é a maior motivação de crianças e jovens de acordo com a pesquisa. O índice nesse item começa em 79% para crianças de 5 a 10 anos, cai para 72% na faixa dos 11 aos 13 e para 70% na dos 14 aos 17. O índice de leitura por prazer, gosto ou necessidade espontânea vai de 40 a 47% entre as crianças e jovens ouvidos na pesquisa. Em termos numéricos, os dados deste estudo são compatíveis com os da realidade nacional. Uma limitação da presente pesquisa, no entanto, foi não ter perguntado aos alunos sobre qual seriam suas motivações para buscarem a leitura de livros. Estudos futuros devem ampliar essa questão.

Investigou-se também a relação entre as práticas de leitura dos adolescentes e a compreensão de texto. Inesperadamente, alunos que frequentavam mais a biblioteca se saíram pior na tarefa de compreensão de texto. Seria interessante investigar, posteriormente, se a ida à biblioteca é uma imposição da escola e se isso acaba desmotivando-os na tarefa de leitura ou, ainda, se esses alunos frequentam mais a biblioteca justamente por apresentarem dificuldades e, portanto, precisarem de mais apoio nos estudos. Os dados desta pesquisa não permitem o estabelecimento de relações causais, mas sugere-se que esse tema seja mais bem explorado.

Em relação à questão "no último mês, você leu revista em quadrinhos, mangá e outros materiais desse tipo?", encontrou-se uma diferença significativa. Quem nunca lê esse tipo de material tem melhor rendimento na compreensão de leitura do que os que leem com certa frequência. Por outro lado, os alunos que leem as matérias escolares todos os dias tem melhor desempenho na leitura. Juntos esses resultados podem apontar a hipótese de que esses alunos estejam, provavelmente, substituindo o estudo do material escolar pela leitura de mangás e gibis o que explicaria a diminuição no rendimento na compreensão de texto.

Ao observar essas informações, pode-se desenvolver algumas ideias sobre o panorama da leitura desses adolescentes. Percebeu-se que os dados mostram que a leitura por prazer está associada ao baixo desempenho e a escolar ao alto. A biblioteca pode ter sido um elemento desmotivador para os alunos, uma vez que os que frequentam mais têm pior desempenho. Além disso, o uso intenso da Internet não está associado ao melhor desempenho na leitura. Os resultados e o panorama esperados eram diferentes: esperava-se que alunos os quais leem por prazer apresentassem melhor resultado ao final das atividades de compreensão. Por conta disso, sugere-se que as escolas criem métodos e procedimentos para incentivar e motivar o aluno a ter um interesse maior pelos livros e o processo de leitura como um todo, para ajudar a reduzir e impedir que esses índices negativos aumentem contribuindo para o fracasso escolar.

Referências

  • Bus, A. G., van Ijzendoorn, M. H., & Pellegrini, A. D. (1995). Joint book reading makes for success in learning to read: A meta-analysis on intergenerational transmission of literacy. Review of Educational Research65(1), 1-21.
  • Cantrell, S., Almasi, J., Carter, J., Rintamaa, M., & Madden, A. (2010). The impact of a strategy-based intervention non the comprehension and strategy use of struggling adolescent readers. Journal of Educational Psychology102(2), 257-280.
  • Dembo, M. H. (2000). Motivation and learning strategies for college success: A self-management approach Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates.
  • Durkin, D. (1966). Children who read early. New York: Teachers College.
  • Frijters, J. C., Barron, R. W., & Brunello, M. (2000). Direct and mediated influences of home literacy and literacy interest on pre readers' oral vocabulary and early written language skill. Journal of Educational Psychology 92(3), 466-477.
  • Grolnick, W. S., & Ryan, R. M. (1989). Parent styles associated with children's self-regulation and competence in school. Journal of Educational Psychology 81(2), 143-154.
  • Hong, S.,& Ho, H. (2005). Direct and indirect longitudinal effects of parental involvement on student achievement: Second-order latent growth modeling across ethnic groups. Journal of Educational Psychology 97(1), 32-42.
  • Ibope Inteligência/Fundação Pró-Livro. (2012). Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Recuperado em março 28, 2012, de http://g1.globo.com/vestibular-eeducacao/noticia/2012/03/criancas-e-adolescentesestao-lendo-menos-indica-pesquisa.html
    » http://g1.globo.com/vestibular-eeducacao/noticia/2012/03/criancas-e-adolescentesestao-lendo-menos-indica-pesquisa.html
  • Joly, M. C. R. A., & Istome, A. C. (2008). Compreensão em leitura e capacidade cognitiva: estudo de validade do teste de Cloze Básico - MAR. Psic, 9(2), 219-228.
  • Joly, M. C. R. A., & Lomônaco, J. F. B. (2003). Avaliando a compreensão de leitura no ensino fundamental: uma comparação entre o instrumento eletrônico e o impresso. Boletim de Psicologia53(119), 131-147.
  • Joly, M. C. R. A., & Nicolau, A. F. (2005). Avaliação de compreensão em leitura usando cloze na 4ª série. Temas sobre Desenvolvimento14(83-84), 14-19.
  • Ketch, A. (2005). Conversation: The comprehension connection preview. Reading Teacher, 59(1), 8-13.
  • Lave, J. (1988). Cognition in practice: Mind, mathematics and culture in everyday life New York: Cambridge University Press.
  • Leffa, V. J. (1996). Fatores da compreensão na leitura. Cadernos do IL, 15(15),143-159.
  • Leseman, P., & Jong, P. (2001). How important is home literacy for acquiring literacy in school? In L. Verhoeven & C. Snow (Eds.), Literacy and motivation reading engagement in individuals and groups (pp.71-93).. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates
  • Moura, I. C. S. (2006). A comprensão da leitura textual de alunos com Síndrome de Asperger: um estudo exploratório (Dissertação de mestrado não-publicada). Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro.
  • Moss, G., & McDonald, J. (2004). The borrowers: Library records as unobtrusive measures of children's reading preferences. Journal of Research in Reading, 27(4), 401-412.
  • Oliveira, K. L., Suehiro, A. C. B., & Santos, A. A. A. (2004). Avaliação da aprendizagem no ensino superior: estudo da relação com a compreensão em leitura. In C. Machado, L. S. Almeida, M. Gonçalves, & V. Ramalho (Orgs.), Avaliação psicológica: formas e contextos (pp.217-23). Braga, Portugal: Psiquilíbrios Edições.
  • Oliveira, K. L., Boruchovitch, E., & Santos, A. A. A. (2007). Compreensão de leitura em alunos de sétima e oitava séries do ensino fundamental. Psicologia Escolar e Educacional11(1), 41-49. http://dx.doi.org/10.1590/ S1413-85572007000100005
  • Peixoto, C., Silva, M., Leal, T., & Cadima, J. (2006). Desenvolvimento da literacia emergente: competências em crianças de idade pré-escolar Comunicação apresentada no 6º Encontro Nacional (4º Internacional) de Investigação em Leitura, Literatura Infantil e Ilustração, Braga, Portugal.
  • Purcell-Gates, V. (1996). Stories, coupons, and the TV guide: Relationship between home literacy experiences and emergent literacy knowledge. Reading Research Quarterly31(4), 406-428.
  • Purcell-Gates, V. (2000). Family literacy. In M. L. Kanil, P. B. Mosenthal, P. D. Pearson, & R. Barr (Eds.), Handbook of reading research (pp.853-70). Mahwah: Lawrence Erlbaunm Associates.
  • Rashid, F. L., Morris, R. D., & Sevcik, R. A. (2005). Relationship between home literacy environment and reading achievement in children with reading disabilities. Journal of Learning Disabilities, 38(1), 2-10.
  • Santos, A. A. A. (2005). O Cloze na avaliação da compreensão em leitura com alunos de 5ª a 8ª série (Manuscrito não-publicado).
  • Scarborough, H. S., Dobrich, W., & Hager, M. (1991). Preschool literacy experience and later reading achievement. Journal of Learning Disabilities 24(8),508-511.
  • Sénéchal, M., LeFevre, J. A., Thomas, E. M., & Daley, K. E. (1998). Differential effects of home literacy experiences on the development of oral and written language., Reading Research Quarterly 33(1), 96-116.
  • 2
    Artigo elaborado a partir da dissertação de R.M. BAPTISTA, intitulada: "Perfis de leitores e desempenho na leitura". Universidade Salgado de Oliveira, 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2014
  • Revisado
    10 Nov 2014
  • Aceito
    20 Jan 2015
location_on
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas Editora Splendet, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campus I, Rua Prof. Dr. Euryclides de Jesus Zerbini, 1516, Pq. Rural Fazenda Santa Cândida, Telefone: (55 19) 3343-7223. - Campinas - SP - Brazil
E-mail: psychologicalstudies@puc-campinas.edu.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro