RESENHAS
Patrícia da Silva Santos
Mestranda em Sociologia pela USP
Theodor W. Adorno, As estrelas descem à Terra - a coluna de astrologia do Los Angeles Times: um estudo sobre superstição secundária. Tradução Pedro Rocha de Oliveira. São Paulo, Editora da Unesp, 2008, 194 pp.
O que poderia haver em comum nas previsões de horóscopo do Los Angeles Times da década de 1950, na literatura de Franz Kafka e na música de Stravinsky? Aparentemente não há nada de substancioso que possa atar coisas tão diferentes. Mas justamente esse "aparentemente" é o empecilho que foi deslocado por Theodor Adorno na sua busca por reconhecer, ler e interpretar a sociedade a partir de elementos como os citados.
As estrelas descem à Terra toma por tarefa a explicitação de fenômenos sociais a partir da leitura atenta, no período de novembro de 1952 até fevereiro de 1953, da coluna de astrologia do Los Angeles Times escrita por Caroll Righter. Diferentemente das grandes obras de arte, a questão não envolve as sutilezas de análise da forma, em que "a referência ao social não deve levar para fora da obra de arte, mas sim levar mais fundo para dentro dela" (Notas de Literatura I). Em compensação, a astrologia só pode ser discutida a partir da análise dialética que envolve os textos da coluna e a sociedade. Essa dialética está centrada, sobretudo, no sujeito configurado pela figura do leitor.
O propósito do livro não é a astrologia em si, mas a "suscetibilidade" (p. 174) à qual estão sujeitas as pessoas, ou seja, a astrologia é usada como "chave para potencialidades sociais e psicológicas muito mais abrangentes" (p. 174). A astrologia é vista como "sintoma" (p. 174) de tendências sociais específicas.
Esse propósito implica, no decorrer do estudo, um procedimento de análise que lança mão, de um lado, de conceitos ligados à psicanálise e à psiquiatria e, de outro, de conceitos sociológicos. Mas essas duas perspectivas aparecem dialeticamente relacionadas por meio de um pensamento filosófico que reconhece nos indivíduos as questões sociais, tendo em vista no entanto que "a sociedade é feita daqueles que ela abarca" (p. 175).
Dessa forma, o autor recorre em grande medida à "abordagem bifásica" que, em psicologia, corresponde ao comportamento neurótico que oscila entre extremos contraditórios, por exemplo, alguém que age em relação a si mesmo por vezes como criança travessa, por outras como disciplinador severo. Para Adorno, a coluna utiliza-se desse instrumento de polaridades para manter a dependência do leitor, ao trabalhar com uma imagem dele como sendo alguém frustrado e, ao mesmo tempo, passível de obter sucesso. Desse modo, a individualidade só é conquistada a partir do sacrifício que o leitor faz de si mesmo em nome de uma crença arbitrária nos ditames da coluna. Nesse sentido, a dependência, a semiformação e outros elementos aparecem associados à suscitação de "disposições paranoicas" (p. 190), no interior das quais a astrologia aparece como um dos sintomas da regressão social. A afirmação do sujeito só ocorre mediante a sua negação diante das potências sociais (trabalho, família, relacionamentos etc.).
No âmbito estritamente sociológico, é interessante destacar a recorrência às observações ligadas às classes sociais, à divisão sexual do trabalho dos leitores da coluna, bem como à manutenção dos sistemas de autoridade por meio da exposição frequente da figura do chefe (aos leitores, aconselha-se sempre a obediência à hierarquia do trabalho).
O livro retoma conceitos centrais da filosofia adorniana de maneira bastante específica. Gostaria de destacar dois desses desenvolvimentos um pouco mais detalhadamente.
O primeiro é a retomada da concepção base da Dialética do esclarecimento: o "entrelaçamento do mito e do esclarecimento". Tal concepção é pontuada em vários momentos na discussão sobre a coluna de astrologia. A crença no zodíaco ilustra muito bem o fato de que "a irracionalidade não é necessariamente uma força que opera em uma esfera externa à racionalidade: ela pode resultar do transtorno de processos racionais de autoconservação" (p. 30). Desse modo, a tensão entre progresso científico e a crença na astrologia é mantida latente por conta do caráter de "superstição secundária" adquirido por essa última em sua configuração moderna. Nesse sentido, a análise da coluna de astrologia não tem relações com o oculto (que seria a "superstição primária"), em sentido individual e de expressões do inconsciente (como a visão de fantasmas, ou a telepatia, exemplos utilizados por Adorno), mas, ao contrário, "o oculto aparece, aqui, institucionalizado, objetivado e amplamente socializado" (p. 32). Essa é uma das especificidades bases da astrologia no período moderno e Adorno procura sublinhar reiteradas vezes esse caráter em seu esforço de articular o estudo da coluna com a interpretação dos processos sociais. Assim, a astrologia moderna aparece pautada num "super-realismo" (p. 36), que releva a "ordem do cotidiano" (p. 91), ordem essa, por sua vez, regulada pelo mundo do trabalho e pelas configurações sociais e familiares modernas. Contraditoriamente, a astrologia está fundada nas bases arbitrárias da determinação dos astros sobre as vidas individuais, no entanto "esse mistério não é mera 'superstição'. Ele é a expressão negativa da organização do trabalho e, mais especificamente, da organização da ciência" (p. 182).
Outra reflexão importante que Adorno retoma no texto sobre a coluna de astrologia é a de "indústria cultural". A forma moderna do zodíaco sob a concepção de "superstição secundária" depende dela, em grande medida. A coluna, assim como o cinema e outras formas de indústria cultural, ajuda a manter uma espécie de "normalidade" social pré-fabricada e fundamentada na esfera da aparência, que impede o indivíduo de chegar a uma reflexão autêntica e o mantém estritamente nos limites da ideologia.
Esses dois aspectos da discussão de Adorno fazem da análise sobre a astrologia um estudo sociológico que articula a totalidade social a aspectos particulares. Trata-se, assim como no caso das análises da literatura ou da música (embora com procedimentos diferentes, ajustados às especificidades dos objetos), de remover a esfera do "aparente" sustentada pela ideologia com o intuito de melhor reconhecer a dialética dos mecanismos sociais.
Por fim, ponto importante e relevante do livro é o seu desenvolvimento sob a forma do ensaio, articulando a observação empírica à análise especulativa, sob a égide da especificidade do pensamento adorniano. No entanto, diferentemente de outros textos considerados mais herméticos, a leitura de As estrelas descem à Terra flui de maneira particular devido à sua escrita menos rebuscada e à argumentação pautada em exemplos. Embora essa característica em si mesma não tenha relação determinante com a qualidade do texto, ela é mais um incentivo à leitura para aqueles que se esquivam do autor alegando a dificuldade da sua escrita.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Ago 2009 -
Data do Fascículo
2009