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O mundo da criança portadora de asma grave na escola

El mundo del niño portador de asma grave en la escuela

Resumos

OBJETIVO: Compreender o significado que a criança asmática grave e sua família atribuem à doença e suas implicações na escola. MÉTODOS: Estudo de caso qualitativo, desenvolvido no ambulatório de pediatria de um hospital do Município de São Paulo. Foram estudadas três crianças e seus familiares, utilizando observação participante, entrevista e brinquedo terapêutico dramático. RESULTADOS: As demandas do tratamento e as freqüentes crises de asma influenciaram no cotidiano da criança na escola como: falta às aulas; deixar de aprender; restrinção nas brincadeiras e relacionamento conflituoso com colegas. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Tendo em vista as dificuldades encontradas pelas crianças em freqüentar a escola e conviver com os colegas, recomenda-se um trabalho conjunto entre os profissionais de saúde e da educação, assegurando a manutenção da educação formal e do convívio social salutar.

Hospitais escola; Asma; Enfermagem pediátrica; Jogos e brinquedos


OBJETIVO: Comprender el significado que el niño asmático grave y su familia atribuyen a la enfermedad y sus implicancias en la escuela. MÉTODOS: Se trata de un estudio de caso cualitativo, desarrollado en el consultorio externo de pediatría de un hospital del Municipio de Sao Paulo. Fueron estudiados tres niños y sus familiares, utilizando la observación participante, entrevista y juego terapéutico dramático. RESULTADOS: Las demandas del tratamiento y las frecuentes crisis de asma influenciaron en el cotidiano del niño en la escuela como: falta a las clases; dejar de aprender; restricción en los juegos y relación conflictiva con sus colegas. CONSIDERACIONES FINALES: Teniendo en vista las dificultades encontradas por los niños para frecuentar a la escuela y convivir con sus colegas, se recomineda un trabajo conjunto entre los profesionales de salud y de educación, asegurando la manutención de la educación formal y de la convivencia social saludable.

Hospitales escuela; Asma; Enfermeria pediátrica; Juego e implementos de juego


OBJECTIVES: To understand the meaning of asthma and its implications in daily life of children with acute asthma and their family in school settings. METHODS: A qualitative case study with 3 children from a pediatric outpatient clinic of a hospital in the municipal district of São Paulo. Data were collected through participant observation, interviews, and therapeutic play. RESULTS: Treatment demands and frequency of asthma crisis affected the daily life of the children in school settings: missing classes, decreased opportunity to learn, restrictions on type of plays, and conflicting interactions with the other children. FINAL CONSIDERATIONS: There is need for health care providers and teachers to work together in order to guarantee those children formal education and quality social interactions.

Hospitals,teaching; Asthma; Pediatric nursing; Play and playthings


ARTIGO ORIGINAL

O mundo da criança portadora de asma grave na escola* Autor Correspondente: Regina Issuzu Hirooka de Borba R. Napoleão de Barros, 754 - Vila Clementino São Paulo - SP - Brasil - CEP. 04024-002 E-mail: rihborba@unifesp.br

El mundo del niño portador de asma grave en la escuela

Regina Issuzu Hirooka de BorbaI; Circéa Amalia RibeiroII; Conceição Vieira da Silva OharaII; Cynthia Andersen SartiIII

IProfessora Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil

IIProfessora Associada do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil

IIIAntropóloga, Professora Titular da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - Campus de Guarulhos - Guarulhos (SP), Brasil

Autor Correspondente Autor Correspondente: Regina Issuzu Hirooka de Borba R. Napoleão de Barros, 754 - Vila Clementino São Paulo - SP - Brasil - CEP. 04024-002 E-mail: rihborba@unifesp.br

RESUMO

OBJETIVO: Compreender o significado que a criança asmática grave e sua família atribuem à doença e suas implicações na escola.

MÉTODOS: Estudo de caso qualitativo, desenvolvido no ambulatório de pediatria de um hospital do Município de São Paulo. Foram estudadas três crianças e seus familiares, utilizando observação participante, entrevista e brinquedo terapêutico dramático.

RESULTADOS: As demandas do tratamento e as freqüentes crises de asma influenciaram no cotidiano da criança na escola como: falta às aulas; deixar de aprender; restrinção nas brincadeiras e relacionamento conflituoso com colegas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Tendo em vista as dificuldades encontradas pelas crianças em freqüentar a escola e conviver com os colegas, recomenda-se um trabalho conjunto entre os profissionais de saúde e da educação, assegurando a manutenção da educação formal e do convívio social salutar.

Descritores: Hospitais escola; Asma; Enfermagem pediátrica; Jogos e brinquedos

RESUMEN

OBJETIVO: Comprender el significado que el niño asmático grave y su familia atribuyen a la enfermedad y sus implicancias en la escuela.

MÉTODOS: Se trata de un estudio de caso cualitativo, desarrollado en el consultorio externo de pediatría de un hospital del Municipio de Sao Paulo. Fueron estudiados tres niños y sus familiares, utilizando la observación participante, entrevista y juego terapéutico dramático.

RESULTADOS: Las demandas del tratamiento y las frecuentes crisis de asma influenciaron en el cotidiano del niño en la escuela como: falta a las clases; dejar de aprender; restricción en los juegos y relación conflictiva con sus colegas.

CONSIDERACIONES FINALES: Teniendo en vista las dificultades encontradas por los niños para frecuentar a la escuela y convivir con sus colegas, se recomineda un trabajo conjunto entre los profesionales de salud y de educación, asegurando la manutención de la educación formal y de la convivencia social saludable.

Descritores: Hospitales escuela; Asma; Enfermeria pediátrica; Juego e implementos de juego

INTRODUÇÂO

O fenômeno asma envolve não só o aspecto biológico, mas também as relações interpessoais em seus aspectos psicológicos e sociais, transformando-se em experiências difíceis às pessoas envolvidas, permeadas de sofrimento, dor e ameaça de morte. A experiência da doença crônica, como a asma, em crianças envolve todo o mundo que a rodeia e é afetado tanto pelas transformações cotidianas como pelas fantasias que suscita. Assim, trabalhar com a asma implica trabalhar esse mundo, para assegurar a continuidade do tratamento e garantir a qualidade de vida da criança e da família, conforme os preceitos da concepção dinâmica de se entender a doença(1), encarando-a como parte da vida.

Neste contexto, a assistência à criança asmática seja no âmbito ambulatorial ou hospitalar é mais do que um conjunto de ações para a realização de procedimentos. Sendo o cuidado uma condição humana, deve constituir um imperativo moral, pois a atitude ética no cuidar é entendida como uma forma de viver em que seres humanos harmonizam seus desejos de bem-estar, em função do bem-estar dos outros, incluindo a sociedade, o meio ambiente e a natureza(2).

Estudos mostram que a doença e a hospitalização representam uma experiência ameaçadora para a criança, sendo fonte geradora de estresse, a qual pode fazer com que ela fique emocionalmente traumatizada em maior grau do que a doença física. Alertam ainda que, ao ser hospitalizada, a criança encontra-se duplamente doente: primeiro, acometida pela doença física e, segundo, pela própria hospitalização, que se não for adequadamente tratada, deixará marcas em sua saúde mental(3-5). Adicionalmente, a identidade e o papel de ser criança são, muitas vezes, anulados na situação de internação, em que a criança se vê numa realidade diferente da sua vida cotidiana, sufocada pelas rotinas e práticas hospitalares(6).

Pesquisas têm evidenciado a baixa freqüência escolar de crianças acometidas por doenças crônicas(7-9); seu desejo de voltarem a estudar quando estão internadas(3); as dificuldades que têm em acompanhar o curso regular devido ao tratamento(7,9), e, os conflitos que marcam sua vida escolar, sobretudo no relacionamento com os colegas(8-9).

Com a implantação da Política Nacional de Humanização(10), que envolve instâncias públicas e entidades da sociedade civil, foi colocada a dimensão humana e subjetiva, concretizando o cuidado digno, solidário e acolhedor à pessoa hospitalizada, não apenas como direito, mas como etapa fundamental na conquista da cidadania.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por meio do artigo 4º, vem garantir, responsabilizar a família, a sociedade e o Poder Público pela efetivação do direito à educação para todas as crianças e adolescentes(11). Desta forma, a participação da família torna-se fundamental para o desenvolvimento do atendimento educacional dentro do ambiente hospitalar, atuando como mediadores entre o hospital e a escola regular, na qual a criança e o adolescente estão matriculados(12-13). Para tanto, as equipes de saúde e da educação devem atuar em conjunto para assegurar a continuidade da freqüência da criança na escola.

Uma das indagações que trouxe à tona a questão da inserção da criança no mundo da escola e o impacto da doença asma sobre ela foi: Qual o impacto causado pela asma nas relações familiares e sociais da criança e sua família, antes e depois do advento da doença?

O problema era buscar a relação da doença com o mundo onde a criança vive.

Baseado nesses pressupostos, o estudo teve como objetivo: compreender o significado que a criança asmática grave e sua família atribuem à doença e suas implicações na escola.

MÉTODOS

A pesquisa é do tipo qualitativa, abordagem que trabalha com o universo dos significados, motivos, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações(14-15). Adotou-se como referencial teórico os pressupostos da concepção dinâmica da doença, segundo a qual esta não é vista como um desequilíbrio ou desarmonia orgânica que ameaça os valores humanos desejados, mas sim como um esforço que a natureza exerce no homem para obter um novo equilíbrio, como uma reação generalizada com intenção de cura(1). O método utilizado foi o Estudo de Caso, que busca a compreensão abrangente de uma organização ou comunidade, enfatizando a interpretação em contexto e retratando a realidade em todas as suas manifestações(14,16-17).

Antes de ser iniciada, a pesquisa foi autorizada pela instituição onde se deu a coleta dos dados, e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, sob n.º 680/2000 e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O estudo foi desenvolvido no Ambulatório Pediátrico de Alergia, Imunologia e Reumatologia de um hospital de ensino do Município de São Paulo. Constituíram-se como sujeitos três crianças, uma menina de nove anos e dois meninos, um de nove e outro de dez anos e seus familiares, sendo considerados como um caso, cada criança e seu entorno, ou seja, sua família assim como as suas relações com o serviço e os profissionais de saúde, na situação de tratamento em ambulatório, que foram denominados: Caso Gabriela, Caso Marco Antônio e Caso Milton, nomes fictícios de cada criança.

Os dados foram coletados no período entre fevereiro de 2000 e dezembro de 2002 por meio de: consulta ao prontuário da criança com o objetivo de extrair dados de identificação, anamnese, diagnóstico, tratamento e evolução da doença; observação participante, para acompanhar in loco as experiências no atendimento ambulatorial, que foram registradas em diário de campo; entrevista semi-estruturada, com utilização de um roteiro, buscando compreender a história da asma da criança e seu impacto na vida social e familiar; entrevista não estruturada, durante a observação, por meio de uma conversa informal com os sujeitos, buscando aprofundar a história do cotidiano da criança com asma e sua família, não perdendo de vista o objeto do estudo e Brinquedo Terapêutico Dramático (BTD), como modalidade de entrevista não-estruturada, por permitir a descarga emocional e a livre expressão de sentimentos e pensamentos, e por meio da qual puderam ser observadas as relações entre a criança, os familiares e o meio social, seguindo a técnica e utilizando material recomendados na literatura(18-19).

Na condução das duas primeiras modalidades de entrevista foram utilizadas perguntas circulares para investigar os relacionamentos entre os indivíduos, fatos, idéias ou crenças e revelar a compreensão da família sobre a situação vivida(20), visando a favorecer a expressão, reconduzir o foco e facilitar que as revelações emergissem espontaneamente.

Em relação às entrevistas com BTD, foram realizadas quatro sessões no caso Gabriela e Marco Antônio e três no caso Milton, em conjunto com familiar ou com a criança sozinha, seguindo a técnica recomendada na literatura(18-19). As sessões foram filmadas, fotografadas, registradas no diário de campo e na íntegra para serem analisadas.

A análise de cada caso foi realizada separadamente e permitiu identificar os principais eixos de relações que configuram o mundo social da criança com asma: as relações na família; as relações que estabelecem no seu atendimento à saúde; as relações na escola e suas expectativas e sonhos relacionados ao tratamento, à cura da enfermidade e às suas realizações futuras. Neste trabalho serão apresentados os resultados referentes às relações da criança com asma na escola, que configuram aspectos essenciais para a sociabilidade e a construção da cidadania da criança.

RESULTADOS

A relação da escola na vida da criança e as faltas às aulas surgiram das falas espontâneas e das dramatizações do BTD, mais do que na fala dos pais e também como parte da unidade temática relativa às expectativas em torno de seus sonhos e esperanças.

O caso Milton

Milton, no início da pesquisa, tinha dez anos de idade, cursava a quarta série do ensino fundamental; seu diagnóstico era: asma grave, rinite perene e dermatite atópica. A mãe referiu que a asma do filho começou desde que nasceu, sendo internado pela primeira vez aos dois meses de vida, com chiado no peito e quadro de alergia no corpo todo com pouca resposta medicamentosa. Ao completar um ano e dez meses, o menino foi atendido no pronto-socorro com forte crise de broncoespasmo, e após hospitalizado diversas vezes. No ano anterior, sofrera inúmeras crises** ** Crise: refere-se a qualquer sintoma agudo característico da asma que necessita de intervenção terapêutica medicamentosa, seja domiciliar ou no serviço de saúde. de asma, tendo passado por 18 consultas no ambulatório no decorrer do ano. Até novembro de 2002, quando foi encerrada a coleta dos dados, havia passado por apenas oito consultas.

As sessões de BTD permitiram que Milton demonstrasse o quanto a doença o afetava, visto que, na primeira sessão, ao ser proposto que desenvolvesse uma história de família, na qual um dos membros tivesse asma, ele recusou, imediatamente, dizendo não e balançando a cabeça, discorrendo somente sobre uma cena familiar onde os membros conviviam em harmonia, em um local rodeado de árvores e animais domésticos.

A relação da criança com asma e a escola é marcada por conflitos, especialmente, pelo fato de que as muitas crises e as demandas do tratamento determinam que ela falte às aulas e que nem sempre consiga desempenhar as atividades físicas que lá são realizadas, como ocorre com Milton, que no BTD, simulava cenas de uma sala de aula.

Faltar às aulas representa para ele um mal, pois deixa de aprender mais. Menciona a escola como um lugar legal, porque pode brincar e aprender. Ao confirmar essa fala, em vários momentos de espera para a consulta médica, ele protesta veementemente contra os atrasos do atendimento, ou contra o fato de sua consulta estar agendada no horário de aula, dizendo: Está demorando muito! Não quero faltar na escola! Não quero!

Quando foi sugerido pela pesquisadora para marcar os retornos de manhã, uma vez que ele vai à escola à tarde, implorou à mãe: Marca de manhã, manhã, manhã!

Esta apreensão deve-se ao fato de estar ansioso pelo início do ano letivo, pois iria mudar de colégio e reencontrar antigos colegas de quem tinha se separado por ter sido reprovado e ter ficado para trás.

Quanto à possibilidade de desencadeamento da crise, relacionadas ao retorno às atividades esportivas de Milton, paira sempre uma dúvida, assim expressa por sua mãe: Nesse colégio, ele vai ter educação física três vezes por semana. Em casa, ele fica só dentro da casa, jogando videogame. Mas, será que ele pode já fazer esporte? Será que não vai piorar as crises, ter mais crises, porque qualquer coisa está com falta de ar. [...]ele tem medo também de sentir falta de ar e ter crise.

Apesar dos conflitos familiares, dos estresses determinados pelas crises asmáticas e das dificuldades que acompanham o tratamento, consta-se que Milton e sua família cultuam sonhos e esperanças em um futuro mais promissor e sem a convivência com a doença.

A mãe, tem o sonho de que o seu filho seja uma pessoa, gente, o que significa estudar, ter bom emprego, ganhar bem, ser inteligente, não fazer coisa errada e torce que a vontade dele de ser um dia advogado se realize.

O caso Marco Antônio

A vida familiar de Marco Antônio, de nove anos, estudante da terceira série do ensino fundamental, é marcada por experiências de doenças crônicas, sobretudo asma, em todos os membros. Assim, a doença do Marco Antônio, que começou com as crises de broncoespasmo com um ano de idade, representa para a família ter mais um membro doente, pois ela desconhece o que é viver uma situação sem a doença. No decorrer dos quatro primeiros anos em que buscou o serviço, chegou a necessitar de 25 consultas anuais, tendo sido acometido por 21 infecções, dentre as quais, três sinusites, nove amidalites e gripes, dez pneumonias e broncopneumonias.

Nota-se que o desgaste emocional é o produto da soma do contexto geral da vida que a família vem passando ao longo de sua trajetória familiar, social e de enfrentar a doença e o tratamento médico. Os conflitos marcam também a relação de Marco Antônio com a escola, interferindo não só na assiduidade e nas brincadeiras, mas, sobretudo no relacionamento com os colegas, que inclusive recusavam ajudá-lo a recuperar o conteúdo das aulas perdidas. Isto evidencia o quanto a ocorrência de crise de asma interfere em sua vida escolar.

Antes ficava direto, ficava faltando ar e quando fico cansado, com falta de ar, meu pai fala para não ir à escola. Aí eu choro porque eu quero ir. Não gosto de faltar. Quando eu estava na segunda série, eu só ia na quarta-feira, no dia de educação física. Meus colegas falavam que eu ia só brincar. E eu falava que não ia porque às vezes eu ia para médico ou sentia ruim. [...] pedia para meus colegas emprestar o caderno, mas não emprestavam o caderno. [...] E mesmo agora, nenhum colega empresta caderno. Eles falam: "Ó, se vira", ou então falam "Não sei, vai fazer sozinho".

As faltas também determinam conflito com o pai pelo fato dele não levar logo o atestado médico para que elas fossem abonadas.

[...] o atestado meu pai ficou guardando, guardando, todos os atestados [...] ele falou que ia levar e não levava [...] Fiquei uma vez com 33 faltas!

Muitas vezes, Marco Antônio era deixado de lado nas brincadeiras pelos colegas da escola, sendo muito discriminado pelos colegas na época em que necessitava de várias internações, e eles diziam que estava louco.

Não via hora de sair do hospital para mim ir para escola. E quando chego lá, os meus colegas falavam que eu era louco. Meus colegas falavam que eu estava internado porque estava louco. E eu falava: "Não, porque estava com falta de ar." E falavam que eu estava internado porque estava louco.

Dado o estigma de doente que lhe é atribuído pelos colegas da escola, Marco Antônio cria sua própria forma de convivência nesse meio social, pois sem poder contar com o apoio dos mesmos, quando eles pedem sua ajuda, nega-lhes.

Agora eu disfarço, falo: Ah, eu não sei, sou burro, esqueci. Esqueci de fazer essas coisas. Aí já falo: Não vou mais ajudar você porque você não me ajuda. Aí eles não me ajudam. Eu falei que se ninguém me ajudar, não ajudo também.

Sem ter com quem estudar as matérias, estuda sozinho em casa. Pensa que garantindo o bom desempenho escolar, mediante o esforço próprio, visto que não existe colaboração dos colegas, pode provar sua capacidade de realização. A necessidade de provar aos outros sua capacidade impõe uma auto-exigência constante, e levando em consideração que o fator psicoemocional é um importante elemento desencadeante das crises nos pacientes asmáticos, tal fato favorece as constantes crises de asma nesta criança.

Em contrapartida, recebia apoio das professoras da escola que sabiam da situação da asma por intermédio de seu pai e elogiavam seu desempenho e seu comportamento, pois respondia à lição, era um bom aluno, que não fazia bagunça como os outros da classe, e saía bem nas provas.

A professora até adequava o tipo de jogo para que ele pudesse participar uma vez que as crises restringem suas brincadeiras.

Às vezes quando peito ficava chiando, que na friagem tem falta de ar, fica tossindo. Aí meu pai fala para ficar em casa, e tenho que faltar na escola, ou quando vou, a professora outro dia fez outro jogo. Era queimada [...].

Como forma de se rebelar contra a atitude dos colegas, em nenhuma sessão de BTD foi percebida a presença dos colegas da escola nas dramatizações, reforçando a fraca relação social e de amizade que mencionou por ocasião da entrevista. No cenário das sessões sempre estava presente uma boneca menina (que na vida real era a sua irmã) carregando a mochila da escola, vindo visitar o boneco menino hospitalizado, deitado na cama, recebendo oxigênio pelo cateter nasal e infusão de soro pela punção venosa periférica.

Após dois anos, ao final da coleta, Marco Antônio goza de melhor saúde, conseguindo praticar várias modalidades de esporte, sem limitação física o que está determinando o melhor entrosamento com os colegas e aceitação pelo grupo.

Por um tempo joguei vôlei, depois basquete e agora estou jogando futebol duas vezes por semana. [...] Estou bem na escola, entrosado com os colegas da classe, inclusive com os bagunceiros e brinco com todos.

O esforço e bom rendimento escolar de Marco Antônio fazem com que seu pai crie nova expectativa quanto ao futuro dos filhos, relacionada à possibilidade deles estudarem e terem uma vida melhor que a sua.

Ele gosta de estudar mesmo. Com o Antônio e o Marco (irmão) não tenho problemas de escola. Eu acredito neles e tenho esperança que eles sejam alguma coisa na vida. Eu tenho esperança. Porque a minha esperança é o Marco Aurélio e o Antônio, que gostam de estudar. Quem sabe, eles conseguem realizar o sonho que eu não consegui!

O caso Gabriela

Gabriela, de nove anos, cursava a terceira série do ensino fundamental, tendo o diagnóstico asma grave e rinite perene. Apresentou a primeira crise de broncoespasmo com um ano e seis meses de idade e tem história de muitas passagens pelo pronto-socorro, internações e consultas ambulatoriais. Além da Gabriela, a avó materna, a tia paterna e a irmã também são asmáticas.

Gabriela descreve o perfil das pessoas, que gosta ou não, conforme as mesmas se relacionam com ela e com sua mãe. Quando percebe que alguém se aproxima afetivamente de sua mãe, tenta afastá-lo.

O fato de ser asmática grave, com crises frequentes e convivência com inúmeras restrições, parece não ter prejudicado o desempenho de Gabriela na escola e nas atividades esportivas.

Sua mãe refere que a filha está enfrentando bem a doença e que quanto à escola está sem problemas, não interfere na escola, não tem muitas faltas e é nota 10. Gabriela, por sua vez, conta feliz que tirou "P" de parabéns em todas as matérias.

Numa sessão de BTD, Gabriela e sua mãe representaram, alegremente, um cenário escolar que se inicia com a professora da pré-escola ficando irritada porque só uma aluna retornou depois de férias, duas na segunda semana. A professora não sabia o que fazer. Então chamou os pais e disse que ia dar suspensão. Na terceira semana apareceram 20 alunos. Aí a professora ficou alegre e levou as crianças para uma fazenda. Ficaram muito felizes.

Já em relação à convivência com as colegas, nota-se que é conflituosa. Gabriela diz preferir manter distância das mesmas, porque são muito chatas, frequentando uma escola distante.

Ai, é chato, não quero. As meninas são muito chatas. [...] São umas patricinhas. Ficam aí de conversa, ti, ti, ti, blá, blá, blá. Se estudo no colégio perto de casa vai ter amigos que vão quere vir em casa [...] Eu gosto de ficar sozinha.

No entanto, a menina mostra grande preferência pela escola de ginástica olímpica que frequenta e expressa, em vários momentos, que gosta muito e tem a meta de um dia ganhar medalha de ouro. Essa conquista para Gabriela representa uma realização importante em sua vida e seu esforço para alcançá-la é ilimitado.

É. Eu gosto muuito! Por que ela (a mãe) falou que se eu não ganhar nenhuma medalha iria me tirar da aula de ginástica olímpica.

Assim como nos outros dois casos, os sonhos de sarar da asma e de uma vida melhor estão presentes na vida de Gabriela e de sua família.

Em relação ao futuro da filha, Mirtes expressa o desejo de que seja uma pessoa de bem e arrume um serviço próximo de casa.

Eu luto pra ela, pelo futuro para que não seja igual ao meu. Corrido, assim, né? Tanta preocupação. Por isso que eu falo: Estuda as duas [...] Porque não adianta, se matando numa máquina costurando, né?

Essa expectativa da mãe é igualmente compartilhada por Gabriela que diz eufórica: ... quando eu crescer eu vou ser médica, vou ser uma pediatra! Foi muito bom eu montar essa história hoje!

Desenvolver a atividade de BTD para Gabriela foi muito prazerosa

Foi legal! Foi a melhor atividade que eu já fiz em toda a minha vida. Nunca tinha feito isto, fiquei assim, ah, não sei como dizer, feliz!

DISCUSSÃO

No que diz respeito ao mundo da criança portadora de asma grave na escola, observa-se que, nos três casos estudados, esta instituição é valorizada tanto pela criança como pela família.

Embora precisem faltar às aulas em função das crises e das consultas, o que desagrada muito às crianças, elas têm um desempenho escolar satisfatório. Apenas no caso Milton, há história pregressa de reprovação, num ano em que a criança apresentou muitas crises.

A relação da escola na vida da criança e as faltas às aulas surgiram das falas espontâneas e das dramatizações do BTD, mais do que na fala dos pais que, provavelmente, priorizam a prevenção da crise e o atendimento à saúde da criança. Assim, qualquer sintoma que indique um possível desencadeamento da crise ou a marcação de consulta no mesmo horário são motivos de falta às aulas.

Milton evidencia o terror de se ausentar da escola na vigência das consultas médicas que, frequentemente, coincidem com o horário das aulas regulares pela possibilidade de significar um atraso em relação aos colegas.

Uma das características marcantes da idade escolar, é o desenvolvimento do senso de industriosidade ou de produtividade ou estágio de realização, adquirido principalmente por meio da educação formal(5,21-22), motivo pelo qual os dados desta pesquisa apontam o quanto as crianças valorizam a escola e se esforçam para não faltar à mesma. A criança obtém grande satisfação a partir do comportamento independente, na manipulação de seu ambiente, desenvolve habilidades necessárias para se tornar membro útil e contribuinte de sua comunidade social.

No entanto, quanto ao relacionamento com os colegas, observa-se que é bastante conflituoso e marcado por fracos vínculos de amizade. Especialmente, no caso Marco Antônio, fica evidente a discriminação sofrida pela criança, por parte dos colegas da classe em função de sua doença, que é estigmatizada como "loucura". Sabendo que sua presença é rejeitada pelos mesmos, ele exige de si um bom desempenho escolar que lhe permita provar sua capacidade e auto afirmar-se.

A sociedade estabelece meios de categorizar as pessoas, pelos atributos considerados comuns e naturais que se tornam a referência. Quando se apresenta um estranho, os aspectos revelados no primeiro impacto permitem situar a categoria a que pertence o sujeito, conferindo-lhe seus atributos e sua identidade social. Caso ele não se enquadre nos moldes estabelecidos, o estranho é excluído, deixa de ser uma criatura "comum" e passa a ser uma pessoa "estragada" e "diminuída", ou seja, portadora de um defeito, uma fraqueza ou uma desvantagem. Assim, ela carrega o peso do estigma e vive num conflito constante entre a identidade social virtual e a identidade social real(23). Talvez esta seja a causa do afastamento dos colegas, que negam auxílio inclusive nas atividades escolares.

O período escolar traz, também, importante contribuição para o aprendizado das práticas culturais e para o desenvolvimento de competência e da auto-estima, sendo uma época que marca o crescimento intelectual, de investimento no trabalho e do primeiro compromisso com um grupo social(5,22).

A motivação, o encorajamento e o reforço destas atitudes decorrem principalmente da aprovação e do reconhecimento dos membros do grupo de convívio, motivo pelo qual devemos facilitar a manutenção desta interação com os colegas e amigos da mesma faixa etária. A privação destas oportunidades, devido a alguma situação, como processo de adoecimento e hospitalização prolongada, ou quando não lhes são proporcionadas condições pedagógicas adequadas, pode resultar em sentimento de inferioridade, perpetuando na vida adulta(5,22), afetando sua auto-estima, com reflexo no desempenho profissional e mesmo nas atividades cotidianas da pessoa.

Quanto a Gabriela, rejeita as colegas da escola regulamentar, valoriza a escola de ginástica olímpica, sua modalidade esportiva predileta, na qual busca um desempenho excelente, almejando ganhar uma medalha. Como a ginástica olímpica representa para ela a possibilidade de cura, ganhar a medalha não significaria, precisamente, livrar-se da asma?

Estas manifestações de afastamento dos colegas ou o isolamento espontâneo fazem pensar em uma possível insegurança ou ansiedade da criança, gerada não só pelas incertezas da própria doença, como pela superproteção recebida da família que ao protegê-la da crise, priva-a da liberdade para crescer e desenvolver-se normalmente(23). Isto não estaria determinando sua dificuldade em conviver em um meio de crianças que, obviamente, não lhes fornecerá tal benevolência?

Há casos relatados na literatura de crianças asmáticas que, ao perceberem a fraqueza dos pais que satisfazem todas as suas vontades para compensar o sofrimento que a doença causa, começam a usar a doença para conseguir aquilo que desejam(24).

Assim, vemos que os problemas relacionais e o risco de perceber-se inferior a seus pares, por não conseguir acompanhar o desenvolvimento do conteúdo escolar, em decorrência das faltas por crises asmáticas, ou pela necessidade de seu tratamento é um fantasma que ronda a criança com asma grave.

Neste sentido, é importante que o profissional de saúde pense o cuidado da criança com asma de uma forma holística, ultrapassando o aspecto biológico e preocupando-se em atender as demandas de desenvolvimento dessa criança. Tendo em vista as dificuldades encontradas pelas crianças em freqüentar a escola e conviver com os colegas, reveladas neste estudo, recomenda-se um trabalho conjunto entre profissionais de saúde e da educação, buscando assegurar a manutenção da educação formal e do convívio social salutar.

A interface de atuação dos equipamentos assistenciais de saúde e educação é alvo de reconhecimento pelo Ministério da Saúde, desde a década de 1970, quando define o hospital como um centro de educação, considerando que: é preciso deixar claro que tanto a educação não é elemento exclusivo da escola quanto a saúde não é elemento exclusivo do hospital(25).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em consonância com os pressupostos metodológicos desta pesquisa, não se teve a intenção de dar um fechamento de caráter conclusivo a este trabalho, mas, levantar questões consideradas relevantes para compreender melhor a relação entre a asma grave infantil e o mundo da criança na escola, ao contribuir com elementos para entender o quanto as ocorrências neste universo interferem em seu estado de saúde e refletir sobre as práticas assistenciais e educacionais à essa população.

A análise dos dados aponta para a necessidade de que na assistência à criança com asma grave seja valorizada a educação formal, processo fundamental no desenvolvimento e no crescimento como pessoa.

Verificou-se que a oportunidade de falar, propiciada pelo método adotado nesta pesquisa, foi intensamente explorada pelos pais. Por outro lado, o brinquedo terapêutico possibilitou a expressão de desejos, traduzidos em "sonhos" não concretizados, o que, frequentemente, é atribuído às agruras da doença.

Acreditamos que a postura do profissional de saúde em uma perspectiva holística, que insira a enfermidade, o doente e sua família no contexto sociocultural em que vivem, pode contribuir favoravelmente para encarar a condição do doente como parte do processo dinâmico da vida e ajudar em seu desenvolvimento.

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  • Autor Correspondente:
    Regina Issuzu Hirooka de Borba
    R. Napoleão de Barros, 754 - Vila Clementino
    São Paulo - SP - Brasil - CEP. 04024-002
    E-mail:
  • *
    Extraído da tese de doutorado apresentada à Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil; em 2003.
  • **
    Crise: refere-se a qualquer sintoma agudo característico da asma que necessita de intervenção terapêutica medicamentosa, seja domiciliar ou no serviço de saúde.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      2009
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