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Impacto do monitoramento telefônico em pacientes com insuficiência cardíaca: ensaio clínico randomizado

Resumo

Objetivo

Analisar o autocuidado e o conhecimento em pacientes com insuficiência cardíaca monitorados por contato telefônico e analisar a correlação do conhecimento com o autocuidado.

Métodos

Ensaio clínico randomizado, realizado em uma clínica especializada, no período de abril de 2015 a dezembro de 2015. Foram monitorados e randomizados 36 pacientes no Grupo Controle (17) ou no Grupo Intervenção (19). Ambos os grupos participaram do monitoramento convencional, compreendendo três atendimentos (Basal; 2° mês; 4° mês); no Grupo Intervenção houve associação do monitoramento telefônico por meio de um guia padronizado. Foram utilizados os Questionários de Conhecimento e de Autocuidado para avaliação dos desfechos primários e secundários.

Resultados

Houve diferença no conhecimento (12,7±1,7 vs. 10,8±2,2; p=0,009) e autocuidado (25,4±6,6 vs. 29,5±4,8; p=0,04) no 4° mês; correlação negativa entre os escores do conhecimento e autocuidado no 2° mês (r=-0,48; p=0,03).

Conclusão

O monitoramento convencional combinado ao monitoramento telefônico mostra-se eficaz no 4° mês com a melhoria do conhecimento e autocuidado de pacientes com insuficiência cardíaca e correlação significativa desses desfechos no 2° mês.

Descritores
Insuficiência cardíaca; Monitoramento; Telefone; Continuidade da assistência ao paciente

Abstract

Objective

To analyze self-care and knowledge in patients with heart failure who were monitored telephonically, and to analyze the correlation of knowledge with self-care.

Methods

It was a randomized clinical trial, performed in a specialized clinic from April of 2015 to December of 2015. Thirty-six patients were monitored and randomized, with 17 in the control group and 19 in the intervention group. Both groups participated in the conventional monitoring, which included three visits (initial, second and fourth month); the intervention group was associated with telephone support by means of a standardized guide. The Knowledge and Self-Care Questionnaires were used to evaluate the primary and secondary outcomes.

Results

Difference in knowledge (12.7±1.7 vs. 10.8±2.2, p=0.009) and self-care (25.4±6.6 vs. 29.5±4.8, p=0. 04) were identified in the fourth month; and there was a negative correlation between knowledge and self-care scores in the second month (r =-0.48; p=0.03).

Conclusion

The conventional management combined with telephone monitoring was effective in the 4th month with improved knowledge and self-care of patients with heart failure and a significant correlation of these outcomes in the second month.

Keywords
Heart failure; Monitoring; Telephone; Continuity of patient care

Introdução

A Insuficiência Cardíaca (IC) é considerada um problema de saúde pública com elevada morbimortalidade, sendo prevalente em 5,1 milhões de indivíduos nos Estados Unidos entre 2007-2012, com expectativa a aumentar 46% entre os anos de 2012 a 2030.(11. Go AS, Mozaffarian D, Roger VL, Benjamin EJ, Berry JD, Blaha MJ, et al. Heart disease and stroke statistics-2014 update: a report from the American Heart Association. Circulation. 2014; 129(3):e28-e292.) No Brasil, o estudo BREATHE (Registro Brasileiro de Insuficiência Cardíaca - Aspectos Clínicos, Qualidade Assistencial e Desfechos Hospitalares) observou taxa de mortalidade intra-hospitalar de 12,6% em 1245 pacientes avaliados envolvendo 51 hospitais públicos e privados, estes resultados estão relacionados a várias causas, entre elas, com o baixo percentual de orientações médicas na alta hospitalar.(22. Albuquerque DC, Neto JD, Bacal F, Rohde LE, Bernardez-Pereira S, Berwanger O, et al. I Brazilian Registry of Heart Failure - clinical aspects, care quality and hospitalization outcomes. Arq Bras Cardiol. 2015; 104(6):433-42.)

Uma revisão sistemática de estudos randomizados encontrou uma redução de 25% no total do número de reinternações com descompensação por IC para tratamentos multidisciplinares, dentre elas, a educação em saúde e monitoramento telefônico. (33. Riegel B, Moser DK, Anker SD, Appel LJ, Dunbar SB, Grady KL, et al. American Heart Association Council on Cardiovascular Nursing; American Heart Association Council on Cardiovascular Nursing; American Heart Association Council on Clinical Cardiology; American Heart Association Council on Nutrition, Physical Activity, and Metabolism; American Heart Association Interdisciplinary Council on Quality of Care and Outcomes Research. State of the science: promoting self-care in persons with heart failure: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2009; 120(12):1141-63.) Como referenciais teóricos para construção da metodologia desta pesquisa, foram selecionadas pesquisas publicadas nos últimos cinco anos.

A educação em saúde é uma prática amplamente utilizada no meio ambulatorial e hospitalar, suas estratégias evidenciam efeitos benéficos na promoção de saúde no tratamento de doenças, sobretudo as crônicas.(44. Dwinger S, Dirmaier J, Herbarth L, Konig HH, Eckardt M, Kriston L, et al. Telephone-based health coaching for chronically ill patients: study protocol for a randomized controlled trial. Trials. 2013; 14:337.) A educação em saúde é um fator influenciador diretamente relacionado com os resultados de cuidados positivos do paciente e sua meta consiste em ensinar as pessoas a viver a vida de forma mais saudável possível, no sentido de atingir o seu potencial de saúde máximo.(55. Smeltzer SC, Bare BG. Tratado de Enfermagem Médico-Cirúrgica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.) A educação dialógica incentiva à autonomia do cuidado em saúde e a participação do indivíduo no controle e fiscalização do serviço de saúde.(66. Strömberg A. The crucial role of patient education in heart failure. Eur J Heart Fail. 2005; 7(3):363-9.)

O monitoramento telefônico tem sido, utilizado por enfermeiros como estratégia para o processo educativo, para a identificação de sinais de decompensação por IC e orientação à procura de atendimento médico. As orientações fornecidas via telefone para os pacientes com IC, fazem parte das estratégias de educação em enfermagem e são efetivos na promoção de saúde com consequente melhora do conhecimento e autocuidado na IC.(77. Mesquita ET, Queluci GC. Abordagem multidisciplinar ao paciente com insuficiência cardíaca. São Paulo: Atheneu; 2013.,88. Arruda CS, Cavalcanti AC. [Teaching the patient with cardiac insuffuciency: strategies used in nursing interventions]. Cogitare Enferm. 2012; 17(2):355-61. Portuguese.)

Apesar da maioria dos estudos demonstrarem eficácia no monitoramento telefônico, muitos deles não esclarecem um protocolo sistematizado da abordagem telefônica, não apresentando, de fato, sua forma clara de abordagem, como quais perguntas foram direcionadas aos pacientes, bem como as possíveis intervenções perante as respostas apresentadas. A relevância deste estudo está no uso de uma abordagem eficiente e padronizada, utilizando um Guia Padronizado Próprio para condução do monitoramento telefônico, refletindo, com clareza, como ocorreu essa abordagem: o que foi perguntado, o que contempla a educação sobre a IC, as habilidades do autocuidado, o seguimento de cada contato, enfim, como ela é conduzida. Acreditamos que a padronização das ligações telefônicas possa melhorar significativamente tanto o conhecimento quanto o autocuidado na IC, isto é, conduzindo ao paciente melhora da qualidade do seu monitoramento convencional.

Com esta perspectiva, a presente pesquisa teve como objetivo principal verificar o efeito do monitoramento telefônico no autocuidado e conhecimento de pacientes com IC. Como objetivo secundário, analisar a correlação do conhecimento com o autocuidado no período de observação.

Métodos

Trata-se de um ensaio clínico randomizado realizado na clínica de IC do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), uma instituição-escola de grande porte situado no município do Rio de Janeiro voltado para o atendimento às diversas patologias. A captação e monitoramento dos pacientes nesta clínica ocorreram no período de abril de 2015 a dezembro de 2015.

Os critérios de inclusão foram: pacientes com IC que estiveram sob internação hospitalar e/ou procuraram um serviço de emergência nos últimos três meses devido á descompensação da IC; ambos os sexos e faixa etária ≥18 anos; pacientes em estágio I, II ou III segundo a classificação funcional de IC do New York Heart Association (NYHA);(99. Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Bacal F, Ferraz AS, Albuquerque D, Rodrigues D, et al. Atualização da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica - 2012. Arq Bras Cardiol. 2012; 98 (Suppl 1): 1-33.) não apresentar nenhum problema funcional, que o impeça de falar, escrever ou interfira na cognição, avaliado e indicado pelo clínico; possuir contato telefônico residencial ou celular e disponibilidade para o monitoramento. Foram excluídos pacientes com IC em fase muito avançada sem perspectiva de vida (≤6 meses), e/ou com outras comorbidades em estágio terminal que possam interferir na avaliação.

O calculo amostral foi realizado pelo software G*Power 3.1.5 (Universitat Dusseldorf, Dusseldorf, Germany). OG*Power fornece o calculo amostral baseado na distribuição do desenho do estudo, bem como no tipo de teste estatístico e o poder tipo de análise. Portanto, como o teste estatístico foi a ANOVA de medidas repetidas com interações entre grupo e tempo, o poder para o tipo de análise do n amostral foi a priori (tamanho da amostra calculado como função do nível do poder 1-β, nível de significância α e tamanho do efeito). Doravante o G*Power forneceu o tamanho total da amostra de 36 participantes, proporcionando tamanho de efeito médio f = 0.25, nível α = (err prob 0.05), poder amostral (1-β = 0.90), número de grupos = 2, número de mensurações = 3 (0, 2 e 4 meses), correção da não esfericidade ε = 1. Considerando casos de perdas, o total da mostra foi aumentado em 20% (n=44), 22 alocados em dois grupos.

Após a elegibilidade, os participantes que compareciam à clínica de IC foram automaticamente randomizados em Grupo Controle (GC) ou Grupo Intervenção (GI). A randomização ocorreu por randomização simples, com uso de uma tabela aleatória de alocação previamente numerada sequencialmente identificada como: GC ou GI.

No GC e no GI os pacientes foram monitorados por um enfermeiro na clínica de IC em três momentos: no dia da captação, no 2° e 4° meses após o primeiro atendimento de enfermagem. Cada atendimento durou, aproximadamente, 40 minutos com aplicação dos seguintes questionários e ficha:

1. Ficha de Contato Ambulatorial (acrescido da consulta de enfermagem na captação) incluindo informações sobre alteração de peso corporal, internação desde o último atendimento, mudança no uso e na prescrição de medicamentos e principais dificuldades encontradas para a adesão.

2. Questionário de Conhecimento sobre a IC: Validado para o Brasil, foi aplicado a pacientes com IC (n=153), em acompanhamento ambulatorial (dois anos) com a equipe multidisciplinar de um hospital universitário, indicando ser ferramenta adequada para avaliar o conhecimento de pacientes brasileiros com IC. O questionário engloba questões relacionadas à dieta, líquidos e peso, informações gerais de IC, medicamentos, atividade física, medidas que melhoram a IC e motivos de reinternação, totalizando 14 questões. Para avaliação deste questionário, o escore de conhecimento é determinado pela soma do número de repostas corretas. Considerando que o instrumento adaptado possui 14 questões, e que para a questão correta o paciente recebe 1 ponto, o escore de acertos do instrumento varia de 0-14 pontos sendo considerado com bom conhecimento um escore total mínimo de 7 pontos.(1010. Rabelo ER, Mantovani VM, Aliti GB, Domingues FB. Cross-cultural adaptation and validation of a disease Knowledge and Self-care Quetionnaire for a Brazilian sample of heart failure patients. Rev Lat Am Enfermagem. 2011; 19(2):277-84.)

3. Questionário European Heart Failure Self-care Behavior Scale (EHFScBS): Com o objetivo de avaliar o autocuidado de pacientes com IC, esse instrumento foi baseado nos pressupostos teóricos da Teoria do Autocuidado de Orem. Em 2012, este instrumento foi adaptado para o uso no Brasil, sendo incluídos na adaptação transcultural 124 pacientes com IC com idade de 62,3±12 anos. A consistência interna das questões apresentou um alfa de Cronbach de 0,70 e a reprodutibilidade avaliada pelo coeficiente de correlação intraclasse foi de 0,87, conferindo validade e fidedignidade ao instrumento para uso no Brasil. O instrumento possui um único domínio que está relacionado ao comportamento de autocuidado. As respostas para cada item variam de 1, “concordo plenamente” a 5, “discordo plenamente”, seguindo uma escala tipo Likert, de cinco pontos. A pontuação total é obtida pela soma de todas as respostas, que podem variar de 12 a 60. Os valores mais baixos indicam melhor autocuidado.(1111. Feijó MK, Ávila CW, de Souza EN, Jaarsma T, Rabelo ER. Cross-cultural adaptation and validation of the European Heart Failure Self-care Behavior Scale for Brazilian Portuguese. Rev Lat Am Enfermagem. 2012; 20(5):988-96.)

Os questionários foram preenchidos pelo enfermeiro e, imediatamente após o preenchimento, foi realizada sessão educacional presencial sobre a IC e o autocuidado na doença, além de ser entregue uma cartilha explicativa sobre os principais cuidados na IC.

Entretanto, além do monitoramento ambulatorial, foram associadas ligações telefônicas (n=12) no GI. As ligações foram realizadas na clínica de IC, mediante acordo de dia e horário entre paciente e pesquisador tendo início na semana seguinte após o primeiro atendimento, acontecendo semanalmente, nos dois primeiros meses (8 ligações), e quinzenalmente nos dois meses seguintes (4 ligações). Na abordagem telefônica realizada pelo enfermeiro pesquisador, houve o preenchimento do instrumento denominado Guia Padronizado para Monitoramento Telefônico, instrumento próprio para auxiliar na condução das ligações telefônicas (Anexo 1 ANEXO 1 Guia Padronizado para Monitoramento Telefônico ), construído com base na III Diretriz Brasileira de IC atualizada.(99. Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Bacal F, Ferraz AS, Albuquerque D, Rodrigues D, et al. Atualização da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica - 2012. Arq Bras Cardiol. 2012; 98 (Suppl 1): 1-33.)

Nas ligações telefônicas foram levantadas as principais dificuldades do paciente na adesão farmacológica e não farmacológica do tratamento da IC, fornecidas as orientações específicas e as orientações gerais acerca do conhecimento sobre a doença e autocuidado.

O número e o intervalo entre as ligações telefônicas estipulados nesta pesquisa foram mediante consulta a protocolos de pesquisas anteriores, no entanto, cada pesquisa apresentou desfechos diferentes pois diferiram na abordagem educacional, nos intervalos de consulta presencial e na ênfase as ligações nos primeiros dois meses após descompensação por IC, como essa pesquisa se propôs a realizar.

Ao final desta pesquisa, 36 participantes completaram o seguimento durante os quatro meses, 19 no GI e 17 no GC. Foram um total de 8 perdas de participantes em decorrência de óbito (n=2), internação hospitalar (n=3), abandono do tratamento (n=1) e por dificuldades para contato telefônico (n=2). Foram considerados para análise dos dados, os participantes que receberam no mínimo 7 ligações durante os quatro meses (3 nos dois primeiros meses e 4 nos dois meses seguintes).

Para a análise dos dados as variáveis contínuas são expressas como média ± desvio padrão, e as variáveis categóricas são apresentadas como percentuais, quando confirmado a normalidade pelo teste Shapiro-Wilk. Para testar as diferenças das características da amostra foi utilizado o teste t-Student em amostras independentes para comparar as variáveis contínuas e o teste Qui-quadrado para comparação das variáveis categóricas. Para testar as possíveis diferenças entre os grupos (GI vs. GC) com os desfechos dos escores de conhecimento e o autocuidado na IC, foi utilizada a análise de variância (ANOVA) de medidas repetidas (2 X 3 - grupos X tempos de observação). Para verificar a homogeneidade da variância e esfericidade dos dados, foi realizado o teste de Muchly’s e a correção de Greenhouse-Geiser, quando necessário. Em caso de valores de F-crítico estatisticamente significativos, as Anovas foram complementadas pela análise post hoc de Fisher. Para análise da correlação entre os escores do conhecimento e autocuidado foi utilizado o teste de correlação de Pearson, categorizado pelo valor de r de -1 a +1 (correlação forte negativa/positiva com valores de -1/+1 e correlação fraca valores próximo a 0). Em todos os casos, adotou-se como nível de significância um valor de p≤0,05. Os cálculos estatísticos foram realizados com auxílio do software Statistical Package for Social Sciences, versão 20.0 (SPSS Inc TM; Chicago, IL, EUA).

O estudo foi registrado na Plataforma Brasil sob o número de Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 38268514.8.0000.5259 e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (CEP-HUPE) com protocolo n° 963.111. Todos os pacientes incluídos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com base na Resolução 466/12 que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos.(1212. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n°. 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União, 13 de jun 2013; Seção 1.) Este ensaio clínico foi registrado no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC RBR-8m8tmq) e seguiu as orientações do Checklist CONSORT 2010.

Resultados

A tabela 1 apresenta dados das características da amostra, com seu perfil sociodemográfico e clínico. Na mesma tabela, podemos observar que não houve diferença significativa entre os grupos.

Tabela 1
Características sociodemográficas e clínicas da amostra

A figura 1 exibe a comparação do escore do conhecimento da IC e o autocuidado na IC entre GI vs. GC, durante 4 meses em 3 momentos diferentes (basal, 2° e 4° meses, respectivamente).

Figura 1
Comparação dos escores de conhecimento e autocuidado na IC entre GI vs. GC

Considerando os valores do escore de conhecimento da IC observamos uma diferença significativa entre os grupos (efeito grupo*tempo: f=2,96; p<0,05), sendo significativamente diferente no 4° mês (p=0,009). Além disso, verificamos aumento significativo do conhecimento no GI quando comparado os 2° e 4° meses com a medida basal (p=0,001), análise não caracterizada do GC.

Na comparação dos escores do autocuidado, podemos observar diferenças entre os grupos GI vs. GC (efeito grupo*tempo: f=7,32; p=0,001), sendo constatada significativamente no 4° mês (p=0,04), considerando os valores do escore por período. Além disso, verificamos ao longo do período houve uma melhora significativa no autocuidado na IC no GI quando comparado o 2° e 4° meses com a medida basal (p=0,001), o que não foi expresso no GC.

A análise do objetivo secundário, conforme apresentado na figura 2, demonstra a correlação negativa entre o escore do questionário de conhecimento sobre a IC com o escore do autocuidado na IC nos períodos de observação do 2° e 4° meses em ambos os grupos. Neste sentido, observamos uma significativa correlação negativa no GI no 2° mês de avaliação (r=-0,48; p=0,03) e uma tendência a permanecer no 4° mês (r=-0,37; P=0,11), o que não foi possível observar no GC nenhum período.

Figura 2
Análise da associação dos escores de conhecimento e autocuidado da IC

Discussão

Este estudo teve como limitação a redução do número de ligações telefônicas de 12 para o mínimo de 7 por não ter conseguido concluir o contato telefônico no tempo proposto, acreditamos que pode ter ocorrido por informação inadequada do contato pelo insucesso encontrado.

Os principais resultados desta pesquisa revelam a eficácia da educação em saúde através da abordagem telefônica pela enfermagem na clínica de IC/HUPE, sendo demonstrado quando comparado o GI vs. GC. Destaca-se: melhora significativa dos escores de conhecimento e autocuidado na IC no 4° mês de observação, concomitantemente uma evolução significativa do GI em ambos os escores quando analisado pela medida do tempo (basal vs. 2° e 4° meses); correlação negativa significativa dos escores do conhecimento com autocuidado na IC, no GI no 2° mês e uma tendência similar no 4° mês.

Antes de discutir os achados citados acima, algumas considerações foram primordiais para diminuir os possíveis vieses deste estudo. Não houve diferença significativa na caracterização da amostra, sendo esta uma consequência interessante pela randomização realizada. A perda de oito participantes ao longo do estudo foi previamente calculada considerando 20% acima do cálculo amostral (n=36). Embora este estudo não tenha selecionado somente participantes com fração de ejeção <50%, todos apresentaram resultados <50%, escolaridade diversificada e NYHA com maior representação das classes II e III, classes onde há um maior risco para descompensação, procura aos serviços de emergência, reinternação e óbito.

As estratégias mais comumente utilizadas na educação em saúde para pacientes com IC são: discussão individual, material escrito (panfletos, cartazes, guia de instruções), CD-ROM, vídeo, uso de página da web, conversa telefônica e grupo de orientação. A intervenção mais valorizada é a discussão individual associada a atividades lúdicas que facilitem o aprendizado da clientela.(88. Arruda CS, Cavalcanti AC. [Teaching the patient with cardiac insuffuciency: strategies used in nursing interventions]. Cogitare Enferm. 2012; 17(2):355-61. Portuguese.) Grande parte dos estudos não abordou apenas uma estratégia, integrando muitas vezes duas ou três delas.(1313. Mussi CM, Ruschel K, Souza EN, Lopes AN, Trojahn MM, Paraboni CC, et al. Home visit improves knowledge, self-care and adhesion in heart failure: randomized clinical trial HELEN-I. Rev Lat Am Enfermagem. 2013; 21(Spec):20-8.

14. Domingues FB, Clausell N, Aliti GB, Dominguez DR, Rabelo ER. Education and telephone monitoring by nurses of patients with heart failure: randomized clinical trial. Arq Bras Cardiol. 2011; 96(3):233-9.

15. Zamanzadeh V, Valizadeh L, Howard AF, Jamsshidi F. A Supportive-educational intervention for heart failure patients in Iran: the effect on self-care behaviours [Internet]. Cairo: Hindawi Publishing; 2013. 1-7. [cited 2015 Sep 22]. Available from: https://www.hindawi.com/journals/nrp/2013/492729.
https://www.hindawi.com/journals/nrp/201...
-1616. Heisler M, Halasyamani L, Cowen ME, Davis MD, Resnicow K, Strawderman RL, et al. Randomized controlled effectiveness trial of reciprocal peer support in heart failure. Circ Heart Fail. 2013; 6(2):246-53.) A presente pesquisa corrobora com esses dados, considerando a realidade individual, enfatizando o engajamento do paciente no autocuidado, além de associar a abordagem telefônica ao uso de cartilha explicativa.

Os enfoques dados aos pacientes com IC na educação em saúde são: o conhecimento sobre a doença, a monitorização dos sinais e sintomas de descompensação e a educação para aderência ao tratamento farmacológico e não farmacológico. (1717. Gonçalves FG, de Albuquerque DC. [Health education of patients with heart failure]. Rev Enferm UERJ. 2014; 22(3):422-8. Portuguese.) A avaliação do conhecimento sobre a IC vem crescendo, principalmente por enfermeiros, no monitoramento em clínicas de IC,(1313. Mussi CM, Ruschel K, Souza EN, Lopes AN, Trojahn MM, Paraboni CC, et al. Home visit improves knowledge, self-care and adhesion in heart failure: randomized clinical trial HELEN-I. Rev Lat Am Enfermagem. 2013; 21(Spec):20-8.,1414. Domingues FB, Clausell N, Aliti GB, Dominguez DR, Rabelo ER. Education and telephone monitoring by nurses of patients with heart failure: randomized clinical trial. Arq Bras Cardiol. 2011; 96(3):233-9.) bem como a eficácia da abordagem telefônica como mostra metanálise recente.(1818. Kotb A, Cameron C, Hsieh S, Wells G. Comparative effectiveness of different forms of telemedicine for individuals with heart failure (hf): a systematic review and network meta-analysis. PloS One. 2015; 10(2):e0118681.)

Em um Ensaio Clínico Randomizado (ECR) que empregou a educação e monitorização por telefone (semanal no 1° mês/quinzenal até 3 meses), demonstrou melhora significativa dos escores de conhecimento e autocuidado, independente do contato telefônico. Sendo que 29% dos participantes receberam apenas 1 ou 2 contatos telefônicos em todo período de monitoramento, reduzindo o número das sessões de educação em saúde, o que poderia justificar a ausência de resultados significativamente melhores no grupo intervenção.(1414. Domingues FB, Clausell N, Aliti GB, Dominguez DR, Rabelo ER. Education and telephone monitoring by nurses of patients with heart failure: randomized clinical trial. Arq Bras Cardiol. 2011; 96(3):233-9.) Em outro ECR com intervenção telefônica quinzenal em 3 meses, os escores do autocuidado foram maiores no grupo de intervenção do que no grupo controle em todo período de observação.(1515. Zamanzadeh V, Valizadeh L, Howard AF, Jamsshidi F. A Supportive-educational intervention for heart failure patients in Iran: the effect on self-care behaviours [Internet]. Cairo: Hindawi Publishing; 2013. 1-7. [cited 2015 Sep 22]. Available from: https://www.hindawi.com/journals/nrp/2013/492729.
https://www.hindawi.com/journals/nrp/201...
) Na presente pesquisa foi realizada, no mínimo, 7 ligações telefônicas (3 nos dois primeiros meses e 4 nos dois meses seguintes), possibilitando maior número de abordagens semanais nos dois primeiros meses pós descompensação da IC, aumentando o número das sessões de educação em saúde e orientações em período tão crítico para reinternação hospitalar.

Em outro estudo o tempo de seguimento foi de 9 meses: primeiros três meses com educação em saúde, três meses seguintes com monitoramento telefônico (ligação a cada 3-4 semanas) e últimos três meses sem nenhum tipo de monitoramento. Houve resultados positivos quanto ao autocuidado, qualidade de vida e conhecimento sobre a IC, além de ser avaliada a metamemória (conhecimento que as pessoas têm de sua própria memória e de tudo o que é relevante para a retenção, armazenamento e recuperação de informações). A avaliação da metamemória em estudos que têm como desfecho o conhecimento sobre a IC parece oferecer resultados promissores que devem ser mais bem elucidados em pesquisas futuras.(1919. Clark AP, McDougall G, Riegel B, Joiner-Rogers G, Innerarity S, Meraviglia M, et al. Health status and self-care outcomes after an education-support intervention for people with chronic heart failure. The J Cardiovasc Nurs. 2015; 30(4 Suppl 1):S3-13.)

Apesar de diferentes resultados no monitoramento dos pacientes com IC, como nos estudos anteriormente citados, devemos levar em consideração o número e frequência das ligações telefônicas e as estratégias de ensino-aprendizagem utilizadas. Os estudos não costumam apresentar detalhadamente como ocorre à abordagem telefônica, se contempla todas as recomendações para melhoria do conhecimento e autocuidado.(44. Dwinger S, Dirmaier J, Herbarth L, Konig HH, Eckardt M, Kriston L, et al. Telephone-based health coaching for chronically ill patients: study protocol for a randomized controlled trial. Trials. 2013; 14:337.

5. Smeltzer SC, Bare BG. Tratado de Enfermagem Médico-Cirúrgica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.

6. Strömberg A. The crucial role of patient education in heart failure. Eur J Heart Fail. 2005; 7(3):363-9.

7. Mesquita ET, Queluci GC. Abordagem multidisciplinar ao paciente com insuficiência cardíaca. São Paulo: Atheneu; 2013.

8. Arruda CS, Cavalcanti AC. [Teaching the patient with cardiac insuffuciency: strategies used in nursing interventions]. Cogitare Enferm. 2012; 17(2):355-61. Portuguese.

9. Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Bacal F, Ferraz AS, Albuquerque D, Rodrigues D, et al. Atualização da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica - 2012. Arq Bras Cardiol. 2012; 98 (Suppl 1): 1-33.

10. Rabelo ER, Mantovani VM, Aliti GB, Domingues FB. Cross-cultural adaptation and validation of a disease Knowledge and Self-care Quetionnaire for a Brazilian sample of heart failure patients. Rev Lat Am Enfermagem. 2011; 19(2):277-84.

11. Feijó MK, Ávila CW, de Souza EN, Jaarsma T, Rabelo ER. Cross-cultural adaptation and validation of the European Heart Failure Self-care Behavior Scale for Brazilian Portuguese. Rev Lat Am Enfermagem. 2012; 20(5):988-96.

12. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n°. 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União, 13 de jun 2013; Seção 1.

13. Mussi CM, Ruschel K, Souza EN, Lopes AN, Trojahn MM, Paraboni CC, et al. Home visit improves knowledge, self-care and adhesion in heart failure: randomized clinical trial HELEN-I. Rev Lat Am Enfermagem. 2013; 21(Spec):20-8.

14. Domingues FB, Clausell N, Aliti GB, Dominguez DR, Rabelo ER. Education and telephone monitoring by nurses of patients with heart failure: randomized clinical trial. Arq Bras Cardiol. 2011; 96(3):233-9.
-1515. Zamanzadeh V, Valizadeh L, Howard AF, Jamsshidi F. A Supportive-educational intervention for heart failure patients in Iran: the effect on self-care behaviours [Internet]. Cairo: Hindawi Publishing; 2013. 1-7. [cited 2015 Sep 22]. Available from: https://www.hindawi.com/journals/nrp/2013/492729.
https://www.hindawi.com/journals/nrp/201...
) A divulgação da forma como ocorreu à abordagem telefônica, pode contribuir para as clínicas de IC monitorar seus pacientes de forma confiável e padronizada, para tal, a comunidade científica precisa ter acesso a esses instrumentos, devendo ser previamente testados para futuramente validados.

O autocuidado na IC é um fator crucial no sucesso do tratamento. Um estudo recente identificou haver associação entre o autocuidado e o número de internações hospitalares de pacientes internados por IC agudamente descompensada.(2020. Linn AC, Azollin K, Souza EN. Association between self-care and hospital readmissions of patients with heart failure. Rev Bras Enferm. 2016; 69(3):469-74.)

Uma pesquisa evidenciou que o esquecimento de verificar o peso diariamente e a falta de uma balança em casa foram as principais barreiras de adesão ao auto monitoramento, e que quanto maior a escolaridade e menor o número de comorbidades, mais o paciente percebe os benefícios do auto monitoramento.(2121. Saccomann IC, Cintra FA, Gallani MC. [Factors associated with beliefs about adherence to non-pharmacological treatment of patients with heart failure]. Rev Esc de Enferm USP. 2014; 48(1):18-24. Portuguese.) Outra pesquisa evidencia que pacientes mais jovens e com mais anos de estudos apresentaram melhores resultados no autocuidado.(1717. Gonçalves FG, de Albuquerque DC. [Health education of patients with heart failure]. Rev Enferm UERJ. 2014; 22(3):422-8. Portuguese.) A presente pesquisa não apresenta diferenças significativas quanto ao nível de instrução dos participantes.

Estudos relatam que a melhora no conhecimento sobre a doença favorece o autocuidado, no entanto, as pesquisas utilizadas no presente estudo não demonstram resultados estatisticamente significativos nesta correlação. Nesta pesquisa foi observada uma correlação de aproximadamente 50% entre o escore de conhecimento sobre a IC com escores do autocuidado no 2° mês, obtendo uma tendência desta associação no 4° mês, não sendo observado no GC em nenhum dos atendimentos. Este dado representa uma informação preciosa, revelando-nos que já no 2° mês de educação em saúde por monitoramento telefônico, os participantes foram influenciados a um benéfico estímulo de ensino-aprendizagem.

Os questionários de conhecimento e autocuidado na IC utilizados nesta pesquisa têm sido utilizados para diversas estratégias de monitoramento como por visita domiciliar, telessaúde e abordagem telefônica apresentando resultados satisfatórios quanto a sua confiança e relevância.(1313. Mussi CM, Ruschel K, Souza EN, Lopes AN, Trojahn MM, Paraboni CC, et al. Home visit improves knowledge, self-care and adhesion in heart failure: randomized clinical trial HELEN-I. Rev Lat Am Enfermagem. 2013; 21(Spec):20-8.,2222. Stut W, Deighan C, Cleland JG, Jaarsma T. Adherence to self-care in patients with heart failure in the Heart Cycle study. Patient Prefer Adherence. 2015; (9):1195-206.,2323. Azzolin KO, Lemos DM, Lucena AF, Rabelo-Silva ER. Home-based nursing interventions improve knowledge of disease and management in patients with heart failure. Rev Lat Am Enfermagem. 2015; 23(1):44-50.)

Sugerimos estudos que apresentem o detalhamento de como é realizada a abordagem telefônica e do processo ensino-aprendizagem utilizado, que correlacionem os possíveis efeitos do conhecimento e autocuidado da IC com desfechos clínicos, como taxa de reinternação e óbito e realizem ECRs, escassos no Brasil para medida de desfechos de conhecimento e autocuidado.

Conclusão

O monitoramento convencional combinado ao Guia Padronizado para Monitoramento Telefônico mostra-se eficaz no 4° mês com a melhoria do conhecimento e autocuidado do GI, além de haver correlação negativa significativa entre o conhecimento e autocuidado evidenciado já no 2° mês de observação.

  • Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC): RBR-8m8tmq
  • Universal Trial Number: U1111-1188-2252

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ANEXO 1 Guia Padronizado para Monitoramento Telefônico


Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2016
  • Aceito
    21 Ago 2017
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