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Educação e direito à alimentação

ALIMENTAÇÃO E EDUCAÇÃO II

Educação e direito à alimentação

José Eduardo Dutra de Oliveira

RESUMO

A alimentação é um direito humano, dever do Estado e de cada pessoa em particular. A Alimentação e a conseqüente Nutrição são áreas sociais e biológicas em seus fundamentos e em suas aplicações. A área é multissetorial: interprofissional e multidisciplinar. Estudos básicos e programas intersetoriais têm sido realizados para a compreensão e solução dos problemas da alimentação no Brasil, usando diferentes indicadores. Eles mostraram desnutrição aguda e crônica, presente em pobres e ricos. Aspectos de conhecimento, cultura, educação têm sido pouco valorizados como causa e solução dessa problemática. Vários programas de alimentação, governamentais e não-governamentais, existem no país. Recentemente, o mais importante e louvável programa de combate à fome no país é ligado aos alimentos, dentro do conceito de Segurança Alimentar e Nutricional. Mas é a educação, o direito à alimentação, à boa alimentação, à segurança da alimentação, nutricionalmente saudável, diária e contínua, a base e a garantia do pleno desenvolvimento físico e intelectual de cada pessoa e, conseqüentemente, de sua qualidade de vida.

Palavras-chave: Alimentação, Nutrição, Segurança alimentar e nutricional, Direito à alimentação, Educação alimentar e nutricional.

A NUTRIÇÃO ou, em seu sentido mais amplo, as ciências nutricionais têm por objetivo estudar todos os mecanismos por meio dos quais os organismos vivos recebem e utilizam as substâncias nutritivas dos alimentos. Essa é uma área intersetorial e transprofissional. É biológica e social nos seus fundamentos e nas suas aplicações. Partindo dessas premissas, é preciso entender seus diferentes aspectos e a realidade na qual ocorrem os problemas nutricionais para que eles sejam solucionados; e é dentro dessa ampla perspectiva que queremos situar alguns dos nossos problemas alimentares e nutricionais, da segurança alimentar, da educação e do direito à alimentação.

A inter-relação da nutrição com a agricultura, a economia, a saúde, a educação, a cultura, a sociologia, a política, a psicologia etc. faz que o diagnóstico, os indicadores, o monitoramento e as soluções dos problemas nutricionais se tornem mais objetivos e efetivos. É muito importante para isso envolver interação e parcerias como aquelas propostas na oficina promovida em agosto de 2005 pelo Instituto de Estudos Avançados da USP, de modo a obter resultados objetivos e práticos para o benefício de todos.

A segurança alimentar e nutricional, por exemplo, bastante discutida na atualidade, deve ser entendida como a coordenação e a integração dos mecanismos governamentais e particulares que garantam a produção, a disponibilidade e o consumo diário e contínuo de alimentos, em quantidade e qualidade capazes de suprir todas as necessidades e o funcionamento normal do organismo humano. Infelizmente, sua importância e seu verdadeiro sentido não têm sido interpretados da mesma maneira por governantes, políticos, administradores, comunidades e, muitas vezes, nem mesmo no âmbito da comunidade acadêmica e científica. Existe, por exemplo, uma preocupação generalizada em garantir o combustível de automóveis, caminhões e máquinas em geral. Usa-se a gasolina, usa-se o álcool, mistura-se gasolina com álcool, sabe-se que as reservas existentes no país são suficientes para dois ou três meses, todos têm medo de falar em racionamento, monitora-se o consumo por máquina e por máquinas, por mês ou por ano. E em relação aos alimentos? O que se diz e o que se quer? Quanto se come e quanto se produz? Há preocupação com a segurança alimentar e o valor nutricional? Com a informação e a orientação sobre o assunto? E com o direito à alimentação?

A falta de conhecimento sobre alimentação e nutrição, sobre o seu papel para o desenvolvimento físico e mental e para a qualidade de vida tem justificado a pouca importância sobre o que se deve fazer para que todos possam ser bem alimentados – um direito humano básico e fundamental. Hoje, felizmente, o problema vem sendo discutido com mais seriedade, sob diferentes aspectos – biológicos, sociais, educacionais, econômicos. Espera-se que maiores conhecimentos e diagnósticos mais apurados da situação alimentar e nutricional levem a melhores soluções. Nesse contexto incluímos a segurança alimentar e nutricional.

A comida é o ponto de partida da cadeia alimentar, e é da agricultura que vêm os alimentos. A agricultura brasileira, como sabemos, vem batendo recordes de produção, exportação e comercialização de seus produtos. Mas é de lamentar que vai bem a agricultura de exportação, vai bem a agricultura do álcool combustível, porém alguém já ouviu falar em agricultura alimentar? A agricultura de alimentos ainda não conseguiu ganhar status e desempenhar o seu papel de garantir o necessário para a boa alimentação da população. A produção de nossos alimentos básicos – arroz e feijão, leite, verduras, carne, entre outros – tem recebido muito pouca atenção, e nem se fala dos insumos e das facilidades que recebem os produtos de exportação...

Os especialistas da área de alimentos, alimentação e nutrição são capazes de calcular as necessidades de alimentos de que necessita a nossa população (identificando-as inclusive por faixa etária, sexo, ocupação etc.) e podem apontar quais alimentos e em qual quantidade precisam ser produzidos para supri-las. Infelizmente não existe em âmbito nacional uma consciência, um organismo que coordene e integre a produção, a distribuição e o controle do consumo de alimentos. Ninguém é diretamente responsável pela alimentação nacional, e soluções para essa grave situação têm sido encaminhadas, na maioria dos casos, por programas assistencialistas e paternalistas: dar comida.

É possível até que o país se impressione quando são publicados dados sobre nossas alta mortalidade infantil, alta repetência escolar, baixa capacidade física de trabalhadores ou presença crescente de sobrepeso, obesidade, moléstias cardíacas, hipertensão, diabetes e até de certos tipos de câncer nas diferentes camadas da população – independentemente da situação econômica –, mas ninguém relaciona direta ou indiretamente essas ocorrências à alimentação.

O contraste entre dois sérios problemas nutricionais começa, entretanto, a chamar mais a atenção: o primeiro, o da fome e da subnutrição; o segundo, o do sobrepeso e da obesidade. E são de fato problemas diretamente relacionados à alimentação. O primeiro, por falta de comida; o segundo, por se comer em excesso. Em ambos, come-se mal.

O que estão comendo e o que deveriam comer diariamente os brasileiros? Leite, carne, ovos, arroz, feijão, verduras, frutas. E em que quantidade e de qual qualidade? Na medida adequada para garantir os valores nutricionais desejáveis?

De modo geral, estamos comendo menos arroz e feijão, o que é ruim, pois, juntos, eles têm um valor nutritivo muito bom e têm sido, por dezenas de anos, fontes de energia e proteínas, responsáveis pela sobrevivência dos brasileiros. Comemos poucas verduras e frutas e estamos aumentando o consumo de produtos industrializados, freqüentemente muito ricos em energia e com excesso de gordura. Estamos ficando gordos e malnutridos! O país passa por uma situação de transição nutricional. A subnutrição, a falta de comida, a fome ainda estão presentes em muitos lugares, enquanto o aumento gradativo de peso, de uma forma generalizada e preocupante, tem sido também detectado em diversas partes do Brasil, e isso tanto nas camadas mais ricas da população quanto nas mais pobres. Fenômeno semelhante já ocorreu em países ricos e industrializados, e nós não aprendemos a lição. Nos Estados Unidos e, em menor grau, em alguns países da Europa, de 30% a 40% da população têm peso acima do desejável, e há projeções de que esse número possa chegar a mais de 80%, se medidas preventivas de educação alimentar não forem implementadas. Vale assinalar que nesses países, por décadas, os programas de alimentação foram basicamente assistencialistas e paternalistas, baseados em distribuição de alimentos. É o que nós também fizemos e continuamos indiscriminadamente a fazer, e por certo também pagaremos pelas conseqüências.

Essa realidade – a desnutrição, a má nutrição de pobres e ricos, a falta de comida para uns, o excesso para outros – nos obriga a procurar entender melhor a problemática inter e transprofissional da alimentação e da nutrição, e é nesse ponto que a segurança alimentar encontra o seu papel. Mas é a segurança dos alimentos ou da alimentação? Ou de ambos?

Segundo a Food and Agriculture Organization (FAO), deve-se entender segurança alimentar como a obtenção de uma disponibilidade nacional de alimentos – disponibilidade suficiente, estável, autônoma e sustentável no longo prazo, e de acesso universal – necessários para o desenvolvimento das potencialidades biológicas e intelectuais de todas as pessoas. O Banco Mundial, também preocupado com a segurança alimentar, acrescenta especificamente ao conceito de acesso universal aos alimentos a idéia de que ele seja fundamental para uma vida ativa e saudável.

Certamente o objetivo final do conceito de segurança alimentar mundial é garantir a todas as pessoas o acesso físico, consciente e econômico, a alimentos que incluam todos os nutrientes vitais ao funcionamento normal do organismo. A segurança alimentar se fundamenta então em três aspectos básicos: 1. na produção de alimentos; 2. na estabilidade do fluxo desses alimentos; 3. na garantia aos indivíduos de acesso e consumo dos alimentos de que necessitam. Ela deve incluir necessariamente a cadeia alimentar, começando com a produção de alimentos biológica e nutricionalmente sadios, passando pelo abastecimento, o armazenamento e a comercialização, oferecendo condições higiênicas básicas para a sua preparação e consumo, tendo como resultado final uma boa ou má nutrição. É evidente que cada um desses aspectos tem as suas variáveis e deve obedecer a processos e princípios científicos necessários ao funcionamento do sistema orgânico, e que garantirão a boa nutrição.

Nessa cadeia alimentar, aspectos nutricionais, biológicos, econômicos e políticos são de capital importância, assim como ações educativas e de orientação das comunidades. Dispor de conhecimentos sobre a necessidade dos alimentos e sua produção para autoconsumo é tão fundamental quanto dispor de recursos para comprá-los. Não se pode esperar que programas de doação de alimentos, de cestas básicas ou de dinheiro solucionem o problema diário e permanente da alimentação da população. "Natal sem Fome" não resolve o problema de ninguém... Esses recursos e campanhas devem ser utilizados, e continuarão a sê-lo, mas que o sejam somente em casos especiais e emergenciais.

Uma alimentação balanceada e saudável deve ser o objetivo básico dos programas de alimentação. Os padrões de comportamento alimentar incluem uma variedade de fatores, desde hábitos individuais, cultura, tradições, gosto, prazer e relações sociais, até o modo do seu preparo, o horário e o ambiente adequado às refeições, assim como a disponibilidade e a quantidade necessária dos alimentos. É nesse sentido que as informações a respeito deles – de suas características qualitativas, de seu conteúdo em nutrientes, de seus efeitos não só na saúde, mas na capacidade de trabalho, no aprendizado e em todas as funções orgânicas – têm enorme importância. Mais conhecimento e mais informações certamente ajudam a planejar adequadamente a boa alimentação.

Uma alimentação balanceada deve ser variada, incluindo diversos tipos de alimentos. Além de equilibrada em quantidade e qualidade, deve ser segura, sem contaminação físico-química, sem tóxicos, sem poluentes. Deve também ser segura do ponto de vista nutricional. Temos dito que um prato colorido, com alimentos de diversas cores, já garante a presença de um grande número de nutrientes necessários a uma boa nutrição. A apresentação e o sabor também colaboram para uma boa e saudável refeição. O processamento e a técnica culinária são outros pontos importantes; aquecimento a altas temperaturas e por longo tempo, por exemplo, destrói substâncias nutritivas, como algumas vitaminas.

Deve-se ainda dar às pessoas o direito de escolha do que vão comer, e também por isso é fundamental garantir informações e orientação sobre a necessidade e os efeitos dos alimentos, sobre a importância da alimentação no desenvolvimento físico e psíquico das crianças, no aprendizado, na capacidade de trabalho, no aumento das defesas contra doenças. É preciso falar e ensinar às pessoas que muitas das doenças ligadas à alimentação aparecerão somente na faixa dos 50-60 anos – como as do coração, a hipertensão, o diabetes e mesmo certos tipos de câncer –, mas que elas tiveram seu início praticamente desde o nascimento, estando direta ou indiretamente vinculadas ao tipo de alimentação, ao meio ambiente e à genética.

É preciso nunca esquecer que é a educação que vai garantir e promover uma boa alimentação. Informação, orientação e educação alimentar integram um processo que deve ser desenvolvido diariamente nas mais variadas condições, nas casas, na escola, no trabalho e em toda a comunidade. As pessoas estão diariamente envolvidas com o comer. Os meios de comunicação – rádios, jornais, TV – nos bombardeiam continuamente com propaganda de alimentos, mas não ensinam ou pouco nos dizem sobre o que deve ser uma boa alimentação. Ao mesmo tempo, o estilo de vida atual favorece o sedentarismo e a falta de atividade física, que negativamente influenciam a boa nutrição.

Inúmeros estudos no Brasil têm sido realizados sobre diferentes aspectos da alimentação e da nutrição. Muitas vezes são pontuais, fragmentados; outras vezes não têm continuidade, mas ainda assim nos trazem informações importantes sobre a situação alimentar e nutricional dos brasileiros. Um dos mais interessantes – o Estudo Nacional sobre Despesa Familiar (Endef) – foi realizado em 1974/1975 e levantou dados sobre o consumo de alimentos da população brasileira, trazendo informações que justificavam a alta incidência da desnutrição protéico-calórica encontrada em determinados grupos populacionais e em diversas partes do país.

Quinze anos depois, em 1989, o Ministério da Saúde realizou um levantamento sobre o estado nutricional de crianças, adultos e idosos, a chamada Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSN). Verificou-se uma tendência à redução dos índices de desnutrição infantil, mas também um quadro nutricional complexo, com evidentes diferenças regionais. Um mapa da fome, contendo estimativas das famílias brasileiras em situação de pobreza extrema, mostrava que mais de trinta milhões de brasileiros viviam nessa condição. Note-se que estabelecer a "linha de indigência" pelo custo de uma cesta básica de alimentos tem sido bastante questionado. Esse indicador, a renda, continua a ser apontado quase sempre como o principal responsável pela má alimentação dos pobres. É preciso ter claro, entretanto, que, embora pouco citada, a educação também o é, e precisa ser reconhecida como tal. A desnutrição nas camadas ricas mostra isso: há muita gente que tem dinheiro para comprar comida e come mal, pouco sabe sobre alimentação; conseqüentemente, são pessoas desnutridas.

Indicadores usados há bastante tempo – como disponibilidade de alimentos, poder de compra do salário mínimo, perfil de consumo alimentar por faixa etária, incidência de baixo peso, sobrepeso e obesidade, peso e altura de crianças abaixo de cinco anos – confirmam a presença da desnutrição no país. Alguns estudos chegaram a utilizar mais de quarenta índices para mostrar a má nutrição. O excesso de peso, por exemplo, começou a ser demonstrado no país como um problema de nutrição pública há pouco mais de dez anos. Um estudo nutricional sobre mulheres de quinze a 44 anos, realizado por meio de entrevistas e com avaliação antropométrica de crianças menores de cinco anos, mostrou que a obesidade estava presente em 11% das mulheres e, ao mesmo tempo, um grande número de seus filhos tinha desnutrição crônica.

Um estudo multicêntrico conduzido em sete cidades de diversas partes do país pelo antigo Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan), em 1996-1997, mostrou em detalhe o perfil do consumo de alimentos e a renda familiar de famílias brasileiras. Havia um baixo consumo energético nas faixas de renda per capita até um salário mínimo e risco de deficiência de macro e micronutrientes em famílias com renda de até dois salários mínimos.

Nos últimos anos, alguns outros indicadores sociais relacionados à alimentação têm sido bem caracterizados. Por exemplo, mostrou-se que mesmo entre indivíduos em situação de pobreza há renda suficiente para comprar determinada cesta de bens essenciais, se eles souberem o que precisam comer. Pelos critérios do programa Bolsa Família, "pobreza extrema" corresponde a uma renda per capita equivalente a um quarto de salário mínimo, e "pobreza" corresponde à renda per capita de meio salário mínimo. E bolsa ou dinheiro, sem educação, vai para o biscoito, o doce ou a pinga...

Outro aspecto importante da situação alimentar atual são os estudos sobre segurança alimentar e nutricional e sistemas de monitoramento alimentar e nutricional, os quais, reconhecendo a complexidade da problemática, têm gerado para a área de alimentação múltiplas informações sobre estado nutricional e a implementação de programas como o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan). Esse programa coleta e segue dados antropométricos de crianças e gestantes atendidas em unidades de saúde. Já está implementado num grande número de municípios brasileiros e é, sem dúvida, um mecanismo importante no monitoramento do estado nutricional de mulheres em idade fértil e crianças de até cinco anos, tanto na zona urbana como na rural. Esse monitoramento deve permitir avaliar o efeito dos programas na alimentação e nutrição da população, assim como na produção, oferta e comercialização de alimentos. Necessário se faz que as pessoas o entendam e utilizem.

De qualquer maneira, vários são os programas de alimentação que estão em andamento no país, alguns vigentes há anos, como a Merenda Escolar, a Alimentação em Creches, a Alimentação do Trabalhador, a Bolsa Alimentação, agora incorporada à Bolsa Família, os Restaurantes Populares, os Bancos de Alimentos, os Cheques-Alimentação e outros. Embora especialmente os programas vigentes tenham acentuado sua função emancipadora e de cidadania, infelizmente a educação alimentar séria está longe de ser um de seus objetivos. A meta de dar comida ou de transferir renda prevalece sobre o direito e a necessidade de cada pessoa de se alimentar adequadamente todos os dias.

Por fim, cabe destacar a importância de reuniões nacionais sobre segurança alimentar e nutricional (incluindo indicadores, diagnósticos e programas), como as que foram recentemente realizadas em 2005, no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) e no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em Manaus – XXVI Consórcio das Instituições Brasileiras na Área de Alimentação e Nutrição. Tais reuniões têm colaborado para chamar a atenção para a alimentação e a nutrição. Mas, além do acesso a alimentos seguros e nutritivos, é preciso dizer que seja garantido o Direito à Alimentação, que se materializa no consumo diário e continuado de quantidade e qualidade dos alimentos necessários a uma alimentação e uma nutrição bem balanceadas e saudáveis.

Com bases nesses dados e fatos, é preciso chamar a atenção para o seguinte ponto: o problema básico da alimentação no Brasil é a falta de conhecimento, a ignorância, a falta de educação a respeito do assunto. Esse problema está presente em todos os níveis sociais, entre pobres e ricos. Para a sua solução, é fundamental a informação, a orientação, a educação, a mudança de comportamento no que diz respeito à alimentação. Ao lado e mesmo antes da Segurança dos Alimentos, é preciso garantir o Direito à Alimentação, é preciso lutar pelo direito à educação e pelo consumo diário de uma Boa Alimentação. É preciso que os estudos sobre consumo de alimentos e sobre indicadores de estado nutricional incluam a percepção, os conhecimentos e os conceitos sobre alimentação, e que a implementação dos programas de alimentação inclua sempre informação, orientação e educação alimentar com alimentos seguros, balanceados e nutritivos.

Defendendo e respeitando o Direito Universal à Alimentação e adaptando os conceitos de Segurança Alimentar e Nutricional ao de Boa Alimentação, poderíamos dizer que: "Boa Alimentação significa garantir a todos as condições de acesso e consumo de diversos alimentos seguros em quantidades necessárias e de boa qualidade, de modo permanente e suficiente para atender aos requisitos nutricionais, com bases em práticas alimentares saudáveis, contribuindo assim para uma existência digna, num contexto de desenvolvimento integral do ser humano".

E a educação tem de ser considerada um fator básico e fundamental de qualquer programa alimentar, ao lado de outros aspectos intersetoriais. É fundamental, por exemplo, uma produção sustentada de alimentos básicos e respeito aos hábitos alimentares da população. É preciso tratar e reconhecer assim a alimentação como um direito e um bem público. Obtenção, consumo, manutenção e universalização da Boa Alimentação são responsabilidade do Estado, da sociedade e de cada pessoa. A alimentação exige a articulação convergente de múltiplas áreas e ações políticas e administrativas, com participação e controles sociais.

Há que disponibilizar com a educação a possibilidade de uma boa alimentação necessária para todos, de uma maneira estável (não sujeita a flutuações sazonais, econômicas ou geopolíticas), autônoma (em que cada região possa garantir, ao menos, sua cesta básica típica), sustentável (preservando-se os recursos naturais para que as gerações vindouras também possam ter acesso a alimentos balanceados e saudáveis) e eqüitativa, garantindo-se a todos, sem discriminação, um bom estado nutricional. E a informação, orientação e correta e moderna educação alimentar são os pontos-chave para que tudo isso se materialize.

Concluindo, queremos reafirmar que a educação precisa ser considerada o fator fundamental para a boa alimentação, e que a segurança alimentar e nutricional é, ao lado da educação, outro fator muito importante para garantir o direito a essa alimentação. Conscientes disso, vamos nos unir e enfrentar o desafio de vencer a má alimentação e garantir uma alimentação balanceada e saudável para todas as pessoas.

Recebido em 22.5.2006 e aceito em 10.7.2006.

José Eduardo Dutra de Oliveira é professor titular de Clínica Médica, especialista em Nutrologia e membro do Grupo de Estudos sobre Nutrição e Pobreza do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-SP). Foi presidente da Sociedade Latino-Americana de Nutrição e da União Internacional de Ciências Nutricionais. @ –jeddoliv@fmrp.usp.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2007
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