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Nação e nacionalismo no século XXI

Resumos

Não obstante o processo de globalização, o Estado Nacional, para países dotados de satisfatória condição de autonomia, continua sendo o agente decisório. Integrações regionais, como as da União Européia e do Mercosul , tornaram-se necessárias condições de sustentação dessa autonomia.

Estado Nacional; Autonomia; Integração regional


In spite of the globalization process, the National State still represents the deciding agent in countries with satisfactory autonomy conditions. Regional integrations such as European Union and Mercosur have become necessary conditions to sustain this autonomy.

National State; Autonomy; Regional integration


DOSSIÊ NAÇÃO NACIONALISMO

Nação e nacionalismo no século XXI

Helio Jaguaribe

RESUMO

Não obstante o processo de globalização, o Estado Nacional, para países dotados de satisfatória condição de autonomia, continua sendo o agente decisório. Integrações regionais, como as da União Européia e do Mercosul , tornaram-se necessárias condições de sustentação dessa autonomia.

Palavra-chave: Estado Nacional, Autonomia, Integração regional.

Origens

NAÇÃO, em sentido socioantropológico, é uma comunidade dotada de cultura própria, obedecendo a uma direção comum e, com raras exceções, habitando o mesmo território. Nesse sentido, as nações existem desde o Neolítico.

Na universidade medieval, dava-se o nome de "nação" aos grupos lingüísticos que diferenciavam seus estudantes, que formavam as nações francesa, germânica etc.

A nação, em sentido moderno, surge na Europa, de forma incipiente, com o Renascimento italiano, em que se diferenciam florentinos, milaneses, napolitanos etc. Em seu pleno sentido sociopolítico, as nações européias emergem a partir do século XVI, com a formação ou consolidação de Estados Nacionais, como França, Inglaterra, Castela, Portugal.

O Estado Nacional terá vida longa. Adquire sua forma moderna a partir do século XVIII e se configura em sua plenitude na segunda metade do século XIX, com as unificações da Alemanha e da Itália. Essa modalidade de Estado se generaliza para o restante do mundo a partir daquele século.

Desafios

Desde os fins da Idade Média, as incipientes nações européias se defrontam com sérios desafios externos, como no caso da Guerra de Cem Anos entre a França e a Grã-Bretanha, ou nos conflitos entre o independentismo de Portugal e o imperialismo de Castela. A partir do século XIX, passada a aventura expansionista da Franca napoleônica, as nações européias se confrontaram com o imperialismo britânico e seu poder de interferência em outras nações. A Alemanha unificada se tornou, por duas vezes, com Bismarck, no século XIX, e com Hitler, no século XX, uma séria ameaça para os países europeus tendo, nas duas oportunidades, ocupado parte do território francês.

Mais recentemente, a supercompetitividade do Japão tornou-se grave ameaça econômica para os demais países, incluindo os já extremamente poderosos Estados Unidos. Esses, finalmente, com a implosão da União Soviética, em 1991, se converteram na única superpotência e passaram a desfrutar de incontestável supremacia mundial.

O corrente processo de globalização passou a exercer, sobre a grande maioria dos Estados Nacionais, uma pressão diversificada, em que se combinam fatores econômicos com culturais e informacionais. As corporações multinacionais se tornaram predominantes na maioria dos mercados mundiais. As informações internacionais são controladas por um pequeno número de agências norte-americanas. Algo de semelhante ocorre com a televisão e com o cinema. A globalização unifica econômica e culturalmente o mundo, a partir de padrões norte-americanos e sob a decisiva influência de sua cultura e da língua inglesa.

Ante esses desafios, grande número de Estados Nacionais se converteram em estruturas meramente formais, conservando hino, bandeira e exércitos de parada, mas constituindo, em efetivo, notadamente em suas dimensões econômicas e culturais, meras províncias do "império americano". Esse império, diferentemente dos precedentes impérios históricos, do romano ao britânico, não consiste no exercício direto de uma dominação política, mediante a atuação de um "proconsul" ou "vice-rei", apoiado por contingentes militares e burocráticos da metrópole. Esse império é um "campo", num sentido análogo ao do que são os "campos magnéticos" ou "gravitacionais".

O predomínio do império americano se exerce por irresistíveis condicionamentos, econômico-financeiros, culturais, informacionais, políticos e, em alguns casos, militares. Tais condicionamentos compelem as direções locais a seguir, nas coisas essenciais, a orientação dos Estados Unidos, que sejam ou não de seu agrado. Dois são os principais fatores condicionadores das "províncias" dos impérios: o mercado financeiro internacional e tudo o que se refere à informação, bem como à divulgação de imagens pela televisão ou pelo cinema.

A inserção dos países que formam as províncias do império americano no mercado financeiro internacional, incorporando, domesticamente, seus procedimentos e com ele mantendo um aberto intercâmbio, em que predomina o princípio de assegurar condições favoráveis para os investimentos estrangeiros, torna esses países satélites desse mercado, o qual, por sua vez, é dominado e dirigido pelas grandes corporações norte-americanas. O que eram as legiões, para o Império Romano, é o capital financeiro, para o americano, apoiado, adicionalmente, pelo prático monopólio da informação e da visualidade.

Reações

Esse quadro internacional suscitou distintas reações, por parte de países que intentam preservar sua autêntica autonomia cultural, econômica e política. Essas reações se diversificam conforme dois principais casos: o dos países continentais e o das exitosas integrações regionais.

O caso mais importante de bem-sucedida autonomia de país continental é o da China. No curso dos últimos trinta anos, desde Deng Xiaoping, a China vem mantendo uma taxa anual de crescimento da ordem de 10% do PIB. Com isso, um país que hoje tem 1,3 bilhão de habitantes passou de uma das mais pobres economias do mundo à condição de terceira economia mundial, abaixo apenas dos Estados Unidos e do Japão. Tudo indica que a China continuará a manter altas taxas anuais de crescimento, provavelmente não mais de 10% do PIB, mas possivelmente não inferiores a 6%, o que dela fará, em não muito longo prazo, a maior economia do mundo. Concomitantemente, a China se moderniza, aceleradamente, em todas as dimensões relevantes, o que, por sua vez, tenderá a convertê-la, em meados do século, numa segunda superpotência. Um dos efeitos dessa provável condição será a de instituir um novo bipolarismo, com tudo o que isso significa de perigo para o mundo.

A Rússia, outro país semicontinental, está envidando, sob Vladimir Putin, sérios esforços para recuperar suas antigas condições de superpotência, com possibilidade, se mantiver continuidade de esforços, de vir a alcançar tal objetivo em meados deste século. De igual modo a Índia está se modernizando aceleradamente e ocupando um crescente espaço internacional.

Contrastando com o que está ocorrendo com esses países, os países da União Européia alargaram para 27 o número de seus membros. Essa ampliação, em curto e médio prazos, aumenta o potencial econômico da Europa, mas posterga, pela excessiva diversidade que existe entre seus membros, sua possibilidade de assumir satisfatória unidade em política externa. Nela persistirá, por relativamente longo prazo, o contraste entre o gigante econômico e o anão político.

Em escala mais modesta, o Mercosul, contando com satisfatório êxito no curso dos últimos dezesseis anos, se apresenta, a despeito de numerosos problemas, como o núcleo duro de um projeto de integração sul-americano, de que a Comunidade Sul-Americana de Nações, ainda em fase meramente declaratória, é um primeiro passo.

Novo nacionalismo

O que está em jogo ante o atual monopolarismo americano e o provável bipolarismo sino-americano, ainda em formação, é a proporção em que, no restante do mundo, seja possível a constituição de consistentes âmbitos de autonomia doméstica e internacional.

Sem prejuízo de outros fatores, somente o Estado Nacional tem capacidade, mediante sua atuação regulatória e possíveis iniciativas diretas, para exercer esse papel. O processo de globalização, entretanto, como precedentemente indicado, está de muitas maneiras reduzindo, significativamente, sua capacidade regulatória. O prático monopólio, por parte de agências americanas, da informação e da produção de imagens, submete todas as culturas do mundo – e o faz tanto mais quanto mais abertas e ocidentalizadas forem – à influência americana, que opera desde dentro das fronteiras de cada país.

O mercado financeiro internacional, no qual estão inseridos os mercados domésticos, impõe a esses seus procedimentos, em termos que os Estados Nacionais não têm condições de contrariar. Os ministros da Fazenda e os presidentes dos Bancos Centrais operam assim, independentemente de suas preferências, como agentes da internacionalização das economias nacionais, satelizando-as ao mercado financeiro internacional. Como podem os Estados Nacionais se opor a tais tendências?

O eminente economista argentino Aldo Ferrer tem mostrado, em diversos de seus estudos, que a capacidade regulatória de muitos Estados Nacionais é muito superior à que apregoam as teorias internacionalizantes. Na verdade, a efetiva contribuição investidora do capital estrangeiro é, internacionalmente, da ordem de 5%, continuando a depender do capital nacional o desenvolvimento dos países. A satelização dos mercados financeiros domésticos ao internacional pode ser significativamente reduzida, pelos Estados Nacionais, sempre que se livrem do preconceito dependentista e adotem medidas seletivas contra o capital meramente especulativo, que tende a predominar. Não são as políticas de irrestrita abertura ao capital estrangeiro que geram oportunidades de investimento e sim políticas apropriadas para um poderoso estímulo à poupança doméstica.

É possível, assim, ademais de necessário, um novo nacionalismo, que não seja um mero ufanismo ou um estreito xenofobismo, mas sim um inteligente entendimento das realidades domésticas e internacional. É possível e necessário, além disso, compensar as formas desreguladas da globalização pela formação de regionalismos eficazes. Essa foi a exitosa solução adotada pela Europa. Essa é a solução disponível para o Brasil e demais países sul-americanos, mediante a ampliação e consolidação de Mercosul, num processo orientado para a integração geral da América do Sul. A conversão da Comunidade Sul-Americana de Nações, de seu atual estado meramente declaratório, numa entidade efetivamente operacional, proporcionará aos países da região uma extraordinária ampliação de sua capacidade econômica e tecnológica, gerando um sistema dotado de alto poder internacional de negociação e de elevada margem de autonomia.

A resposta aos aspectos negativos da globalização não consiste na passiva aceitação desses, mas na adoção de um novo nacionalismo, ajustado às condições do século XXI. Um nacionalismo protetivamente regulatório e propiciador de grandes iniciativas novas, concebido, no caso de um país como o Brasil, no âmbito de um inteligente integracionismo sul-americano, vantajoso para todos os partícipes.

Recebido em 16.7.2007 e aceito em 20.7.2007.

Helio Jaguaribe é professor do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (IEPS), Rio de Janeiro. Pertence à Academia Brasileira de Letras. É autor, entre outras, das seguintes obras: Um estudo crítico da história (Paz e Terra, 2001. 2v) e Brasil: alternativas e saídas (Paz e Terra, 2002). @ – hjaguaribe@uol.com.br

  • CHESNAIS, F. (Ed.) La finance mondialisée Paris: Découverte, 2004.
  • JAGUARIBE, H. O nacionalismo na atualidade brasileira Rio de Janeiro: ISEB, 1958.
  • _______. Um estudo crítico da história São Paulo: Paz e Terra, 2001. 2v.
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  • PEDRAZA, L. D. El orden mundial del siglo XXI Buenos Aires: Ed. de la Universidad, 1998.
  • REES, M. Notre dernier siècle? Paris: J. C. Lattés, 2004.
  • REICH, R. B. The Work of Nations New York: Vintage Books, 1992.
  • WATSON, A. The Evolution of the International Society London: Routledge, 1992.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Abr 2008

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2007
  • Aceito
    20 Jul 2007
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