EDITORIAL
Políticas de admissão de pacientes oncológicos na UTI: hora de rever os conceitos
Intensive care admission policies for critically ill cancer patients: time for a reappraisal
Jorge I. F. Salluh, MScI; Márcio Soares, PhDII
IMédico do CTI do Instituto Nacional de Câncer e do Hospital Barra D'or; Mestre em Clínica Médica/Pneumologia pela UFRJ. E-mail: jorgesalluh@yahoo.com.br
IIMédico do CTI do Instituto Nacional de Câncer, Mestre e Doutor em Clínica Médica pela UFRJ
A incidência de câncer vem aumentando na população brasileira e estima-se que neste ano haverá 472 mil novos casos no Brasil1. Além disso, o câncer é a segunda causa mais comum de óbito na população brasileira, sendo superado apenas pelas doenças cardiovasculares1. Nos últimos anos, avanços nos cuidados dos pacientes com câncer possibilitaram maior probabilidade de controle ou cura da doença. Entretanto, o uso de tratamentos quimioterápicos e cirúrgicos mais agressivos implicam diretamente na maior utilização de leitos de UTI. Também, na última década, estudos têm demonstrado que os avanços recentes nos cuidados intensivos se traduziram na redução da mortalidade de pacientes críticos com câncer, mesmo em populações de maior risco como pacientes com sepse ou submetidos à ventilação mecânica2-5.
Entretanto, a internação na UTI de pacientes com câncer com complicações agudas graves ainda é motivo de controvérsia entre os intensivistas e os oncologistas uma vez que o seu prognóstico é freqüentemente considerado ruim a priori. Este conceito repetidamente gera recusa das internações dos pacientes nas UTI6. Uma avaliação ideal do mérito da internação de paciente com câncer na UTI necessita de complexa interação de fatores clínicos relacionados à complicação aguda, à neoplasia subjacente e às preferências e valores do paciente e seus familiares. Assim sendo, critérios atuais de admissão de pacientes oncológicos à UTI devem ser reavaliados.
Amendola e col.7, abordaram esta questão de modo interessante no subgrupo de pacientes cirúrgicos com câncer. Contudo, chama a atenção de que o grupo de pacientes não oncológicos possuírem mortalidade semelhante a dos pacientes oncológicos, mortalidade esta que esta pode ser considerada elevada em se tratando de intervenções cirúrgicas eletivas. Isto nos faz pensar na possibilidade de vieses de seleção que ocorrem sistematicamente nas UTI e que poderiam dificultar a comparação entre os grupos. Dentre estes possíveis vieses se destacam a possibilidade dos pacientes não oncológicos possuírem maior número e gravidade de comorbidades quando comparados aos oncológicos; e, em especial questões ligadas ao estadiamento da doença. Tais aspectos são de alta relevância uma vez que a presença de comorbidades graves encontra-se associada de modo independente com a letalidade em seis meses8 e a progressão do tumor parece ser um dos principais fatores de mau prognóstico em pacientes críticos com câncer4,9. Tais aspectos são de especial relevância ao considerarmos que há ainda um evidente preconceito à admissão de pacientes oncológicos, confirmado por estudos que demonstram que pacientes com prognósticos semelhantes (DPOC grave, insuficiência cardíaca classe IV-NYHA, cirróticos) possuem menor probabilidade de recusa de admissão na UTI e suporte terapêutico intensivo quando comparados a pacientes oncológicos de prognóstico semelhante10,11.
Outro aspecto a ser considerado é o das diferenças de subgrupos de pacientes oncológicos. Raras são as recusas para internar de pacientes em pós-operatório de intervenção cirúrgica eletiva. Os pacientes cirúrgicos, especialmente aqueles submetidos a cirurgias com intenção curativa, reconhecidamente têm melhor prognóstico quando comparados a pacientes clínicos4,8 e o benefício da internação na UTI é indiscutível. Por outro lado, a gravidade das disfunções orgânicas, o comprometimento da capacidade funcional (performance status) e o estado da neoplasia (estadiamento e fase da doença) são os principais determinantes do seu prognóstico e devem ser consideradas na discussão, propriedades da admissão a UTI.
Além disso, é fundamental expandir o conhecimento sobre o prognóstico dos pacientes com câncer que necessitam de cuidados intensivos. Nesse contexto, é preciso observar que os escores prognósticos não devem ser utilizados individualmente no processo de triagem nas UTI12. Em especial, o desempenho dos escores de prognóstico gerais e específicos em pacientes com câncer é ruim13,14. Entretanto, o conhecimento das características associadas com o prognóstico pode ajudar os profissionais de saúde em discussões sobre os pacientes e no seu aconselhamento e de seus familiares. Neste sentido a discussão atual entre experts na área tem evoluído no sentido de fornecer dados que forneçam informações sobre pacientes com melhor probabilidade de sobrevida, com qualidade de vida, após admissão a UTI. As recomendações que derivam da opinião de especialistas e que tem sido empregadas em centros de referência com UTI oncológicas sugerem sempre admitir a UTI pacientes em que haja dúvida acerca do prognóstico15. Nestes casos tratamentos com suporte pleno e agressivo por um tempo preestabelecido (em geral de aproximadamente cinco dias) em discussão com familiares, oncologistas e outros especialistas assistentes é empregado. Passado esse período o paciente é reavaliado e a evolução das alterações fisiológicas agudas e disfunções orgânicas presentes à admissão deverá nortear a decisão cobre o nível de suporte a ser mantido.
Somente com a solidificação de novos conhecimentos e atualização dos nossos conceitos sobre os pacientes críticos com câncer poderemos evitar que os cuidados intensivos deixem de ser oferecidos aos pacientes que deles possam beneficiar-se.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Abr 2008 -
Data do Fascículo
Set 2006