Resumos
Ao longo dos últimos anos, as empresas brasileiras de construção civil vêm desenvolvendo ações de diversificação em seus negócios, com especial ênfase no segmento das concessões de obras e serviços públicos. Baseado em uma pesquisa realizada junto a 26 empresas construtoras de porte médio, o presente artigo pretende analisar as reais motivações, interesses, capacidades, formas associativas adotadas e resultados derivados da decisão por diversificar nessas empresas. O objetivo final do artigo é o de apontar eventuais distorções entre interesses e estratégias, e capacidades disponíveis e demandas exigidas para o cumprimento dos programas de diversificação em tais empresas, procurando, ainda, indicar caminhos alternativos para o futuro.
Diversificação; Empresas brasileiras; Privatização; Planejamento estratégico
Throughout the last years, the Brazilian construction companies have been developing diversification programs, especially in the fields of infrastructure privatization. Based on a research took effect with 26 medium companies, this article intends to study the real motivations, interests, capacities, partnership forms and results of the actions developed by these companies. The final purpose of the article is to discuss eventual distortions between interests and strategies, and abilities and demands, trying to point new strategic ways to the future.
Diversification; Brazilian companies; Privatization; Strategic planning
Análise dos movimentos recentes de diversificação nas empresas construtoras de porte médio no Brasil
Analysis of the diversification actions developed by the Brazilian medium construction companies
João Gualberto Coutinho RochaI; José A. A. SallesII; Rosângela Maria VanalleIII
IQG Engenharia e Planejamento Ltda. E-mail:qgplan@terra.com.br
IIPrograma de Pós-Graduação em Engenharia da Produção FEMP UNIMEP. E-mail: jsalles@unimep.br
IIIPrograma de Pós-Graduação em Engenharia da Produção FEMP UNIMEP. E-mail: rvanalle@unimep.br
RESUMO
Ao longo dos últimos anos, as empresas brasileiras de construção civil vêm desenvolvendo ações de diversificação em seus negócios, com especial ênfase no segmento das concessões de obras e serviços públicos. Baseado em uma pesquisa realizada junto a 26 empresas construtoras de porte médio, o presente artigo pretende analisar as reais motivações, interesses, capacidades, formas associativas adotadas e resultados derivados da decisão por diversificar nessas empresas. O objetivo final do artigo é o de apontar eventuais distorções entre interesses e estratégias, e capacidades disponíveis e demandas exigidas para o cumprimento dos programas de diversificação em tais empresas, procurando, ainda, indicar caminhos alternativos para o futuro.
Palavras-chave: Diversificação, Empresas brasileiras, Privatização, Planejamento estratégico.
ABSTRACT
Throughout the last years, the Brazilian construction companies have been developing diversification programs, especially in the fields of infrastructure privatization. Based on a research took effect with 26 medium companies, this article intends to study the real motivations, interests, capacities, partnership forms and results of the actions developed by these companies. The final purpose of the article is to discuss eventual distortions between interests and strategies, and abilities and demands, trying to point new strategic ways to the future.
Key words: Diversification, Brazilian companies, Privatization, Strategic planning.
INTRODUÇÃO
O Brasil, ao longo dos últimos anos, vem desenvolvendo um amplo programa de privatização de sua infra-estrutura econômica, através do instituto da concessão de serviços públicos (PINHEIRO; FUKASAKU, 2000). Tal programa exigiu a constituição de um novo segmento empresarial no País: as concessionárias privadas de serviços públicos.
Dentre os setores que mais se mobilizaram para atuar nos segmentos empresariais nascentes, o de construção civil tem se destacado. Apenas como exemplo, cerca de 80% das concessionárias privadas de rodovias são compostas exclusivamente por empresas construtoras e todas as concessionárias privadas nos segmentos de saneamento e de rodovias recentemente constituídas têm, pelo menos, uma empresa construtora como sócia (QUINA, 1999).
Ações de diversificação no porta-fólio de negócios é uma experiência recente para as empresas do setor de construção civil, em especial para aquelas de porte médio, já que os grandes grupos construtores detinham alguma experiência anterior ao advento das concessões de serviços públicos à iniciativa privada (MORANDI, 1990). Ao contrário dos grandes grupos empresariais nacionais do setor de construção, as empresas de porte médio do setor, especialmente as que atuam no segmento de construção pesada para o setor público, só recentemente vêm desenvolvendo ações de diversificação de sua carteira de negócios, a partir de oportunidades abertas com a privatização dos serviços públicos (QUINA, 1999).
Considerando a importância do setor de construção civil na geração de empregos e no desenvolvimento econômico (BASSUL, 2001), a análise e o acompanhamento das ações e estratégias de investimento, diversificação e crescimento das empresas do setor reveste-se de caráter fundamental como contribuição ao seu desenvolvimento equilibrado e auto-sustentado.
O presente trabalho procura levantar as efetivas motivações, competências, estratégias e resultados das empresas brasileiras de porte médio, do setor de construção civil, ao empreenderem as ações recentes de ingresso nos novos setores empresariais constituídos na forma de concessão de serviços públicos.
O trabalho está baseado em uma pesquisa procedida junto a 26 empresas de construção civil brasileiras que estão empreendendo atividades associadas a um plano de diversificação e procurará analisar os enfoques estratégicos e as ações que estão determinando ou contribuindo com o grau de (in)sucesso alcançado.
A PESQUISA
A pesquisa foi empreendida sobre um universo de 26 empresas que, originalmente concentradas no setor de construção civil, mais recentemente vêm experimentando a condução de novos empreendimentos, em especial no segmento de obras e serviços públicos sob o regime de concessão.
A seleção das empresas integrantes do universo pesquisado obedeceu, inicialmente, a um critério de disponibilidade de acesso às suas informações. Entretanto, quer pela diversificação de seus níveis de faturamento, quer pela sua distribuição geográfica, é possível considerar tal grupamento como uma proxi razoável das empresas construtoras nacionais de porte médio, conforme se poderá observar na Figura 1.
Tomando-se como referência o ranking das maiores construtoras brasileiras de acordo com o publicado na revista O Empreiteiro, 2001, e considerando como 'construtoras médias' aquelas classificadas entre a 11ª posição e a 110ª. posição no referido ranking, observa-se que o conjunto das empresas pesquisadas corresponde, com razoável grau de aproximação, a uma seleção construída através de um sistema de amostragem por quotas (MARCONI; LAKATOS, 1990), observados os critérios geográfico e de faturamento.
Seja como for, vale reiterar que a pesquisa não foi procedida sob um enfoque estatístico, privilegiando-se o acesso às informações como fator determinante na seleção das empresas pesquisadas. Assim, no quesito de distribuição geográfica, mesmo que aproximadamente sessenta por cento das empresas pesquisadas e sessenta por cento das empresas classificadas como médias conforme a revista O Empreiteiro tenham suas sedes na região Sudeste, tal proporção não se mantém para as demais regiões (Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul), onde amostra e população são divergentes em termos de participação nos universos considerados. Dado o peso significativo das empresas da região Sudeste, entretanto, pode-se ainda assim considerar a amostra como uma 'proxi razoável' das construtoras médias brasileiras.
O trabalho de pesquisa foi realizado através de um questionário, submetido a sócios, executivos ou consultores das empresas. O questionário apresentava perguntas, com múltiplas alternativas para as respostas, para cada um dos sete temas a seguir: a motivação, as capacidades, as parcerias preferenciais, o formato organizacional corporativo adotado, os segmentos de interesse, os resultados alcançados e as principais dificuldades enfrentadas no desenvolvimento das estratégias e das ações de diversificação. Para cada questão, caso a caso, admitiu-se a indicação de uma única resposta, ou limitou-se a resposta a duas ou mais distintas alternativas, ou ainda, permitiu-se quantas indicações viessem a ser julgadas verdadeiras (conforme adiante será especificado, questão a questão).
AS MOTIVAÇÕES
Todas as empresas pesquisadas confirmaram ter incrementado de forma significativa suas ações de diversificação ao longo dos últimos cinco anos, em especial dirigindo tais ações aos segmentos de obras e serviços concedidos, pelo poder público, à iniciativa privada, dentro do processo recente de transferência de atribuições do setor governamental para o setor privado.
Neste contexto, pesquisou-se de que forma as empresas construtoras motivaram-se a engajar-se no processo, se as decisões estratégicas tomaram por base a percepção de um estreitamento de seu mercado tradicional ou se foram impulsionadas pelas oportunidades que se apresentavam; se as decisões foram realizadas olhando-se "para dentro", ou seja, para as habilidades e dificuldades detidas pela empresa para competir em seu mercado, ou "para fora", nas características competitivas das diferentes oportunidades e/ou no comportamento dos diferentes agentes envolvidos no novos segmentos. A Figura 2 sintetiza as respostas obtidas à questão formulada.
Importante observar que 10 empresas olharam principalmente "para dentro" (da empresa ou de seu mercado tradicional), no momento de tomar a decisão estratégica de ampliar seu campo de atuação, quer observando as dificuldades enfrentadas no mercado de construção, quer vislumbrando capacidades acumuladas na empresa para competir em novos segmentos.
Daquelas que olharam "para fora", a grande maioria (11 em 16) centrou seu foco na qualidade das oportunidades existentes, sendo poucas as empresas que agiram por estímulo de terceiros (entidades públicas ou concorrentes).
Pode-se perceber, assim, com base exclusiva neste primeiro ponto pesquisado, que a decisão por se implementar um programa de diversificação, nas empresas construtoras de porte médio, teve por motivação dois fatores principais conjugados: as dificuldades enfrentadas pelo setor e a abertura de novas oportunidades.
A avaliação das oportunidades abertas e o grau de interesse mobilizado junto às construtoras assume, assim, o segundo aspecto relevante a ser incorporado na análise proposta no âmbito da pesquisa procedida, procurando-se identificar os segmentos focados pelas empresas em suas ações de diversificação
A questão, portanto, que se apresenta a seguir, é se as empresas construtoras são possuidoras das capacidades adequadas para aproveitar as oportunidades existentes.
AS CAPACIDADES
Toda e qualquer organização acumula competências diferenciadas para competir em seu mercado de atuação (DAY, 2000) e tais competências, em maior ou menor monta, permitem que se possa ingressar em outros negócios, aproveitando vantagens competitivas acumuladas.
Os negócios no campo das concessões de serviços públicos demandam, sem qualquer dúvida, algumas competências que são inerentes às atividades das empresas construtoras (ROCHA, 1995). Estas reúnem diversos fatores, de natureza comercial, tecnológica ou financeira, que permitem o ingresso em novas atividades empresariais. A Figura 3 resume as competências entendidas pelas empresas pesquisadas como tendo sido fundamentais à decisão de diversificar e aquelas definidas como complementares, no mesmo sentido (na pesquisa, foi solicitada a indicação de uma única 'competência fundamental' e até três indicações de 'competências complementares').
As respostas obtidas denotam que na coluna de competências fundamentais (ou essenciais) as respostas concentram-se nas quatro primeiras linhas. Nestas, a habilidade destacada é típica de empresas construtoras (linhas 1 e 2) ou associada a aspectos geográficos (linha 3) ou de competências já detidas (linha 4) portanto, as habilidades destacadas associam-se à empresa 'do passado', sem vínculo efetivo com os novos negócios.
As quatro últimas linhas, aquelas que estão mais associadas ao novo negócio, não receberam quase nenhuma indicação como competência fundamental, sendo que as duas últimas foram as menos indicadas, somando-se os resultados das duas colunas, mesmo sendo notória a demanda por fortes investimentos e alto endividamento nos negócios sob regime de concessão (FERREIRA et al., 1997).
Outro ponto a se observar diz respeito às competências complementares que, via de regra, tiveram um comportamento semelhante à competência fundamental, ou seja, o maior volume de indicações recaiu sobre as competências próprias do setor de construção, quase nunca tendo sido demonstrada preocupação com as competências exigidas pelos novos negócios, com exceção para o quesito 'capacidade de agregar parceiros estratégicos', o qual é objeto específico da questão apresentada a seguir.
OS PARCEIROS
Ao ingressar em novos segmentos de mercado, um dos mecanismos usuais para obtenção de competitividade é a formação de parcerias estratégicas (KLOTZLE, 2002). Tais parcerias podem se dar com um ou mais sócios e podem variar de novo mercado para novo mercado. No caso das empresas pesquisadas, todas, sem exceção, formaram algum tipo de parceria para explorar os novos negócios identificados, sendo que para responder à questão formulada algumas delas apresentaram mais de uma resposta, o que redundou na construção do quadro apresentado na Figura 4.
Apesar de na questão anterior diversas empresas terem apontado como uma de suas competências a capacidade de agregar parceiros estratégicos, a análise das parcerias formadas denota que os parceiros identificados, em sua maioria, são empresas do mesmo setor (de mesmo porte ou maiores) ou empresas com capacidade diferenciada apenas na fase da conquista do negócio (fase de licitação). A identificação de um parceiro estratégico, entretanto, deveria privilegiar competências complementares ou habilidades que viessem a proporcionar vantagens ao longo de toda a vida do novo empreendimento (KLOTZLE, 2002), o que aparentemente não se privilegiou na formação das parcerias indicadas na pesquisa.
Competências e habilidades complementares às detidas pelas construtoras poderiam ser definidas como aquelas listadas da terceira à quinta linha da Figura 4, linhas estas que receberam apenas 13 indicações (menos de 30% do total, sendo que algumas dessas o foram pelas mesmas empresas), o que faz com que se perceba, a princípio, uma distorção entre o que se aponta como capacidade (sexta linha da Figura 3) e aquilo que se põe em prática no mesmo quesito (conforme dados da Figura 4).
A partir da seleção do parceiro estratégico, a organização da estrutura empresarial para gestão dos novos negócios surge como outro elemento relevante de avaliação da adequabilidade do formato nos movimentos de diversificação.
FORMATO DE PARTICIPAÇÃO CORPORATIVA
A opção dentre as diferentes alternativas de configuração empresarial para participação nos novos negócios, via de regra, é também um dos fatores determinantes da competitividade das corporações nos novos mercados/setores em que pretendem atuar (KHANNA; PALEPU, 2000). A Figura 5 procura apresentar a opção adotada pelas diferentes empresas quanto ao formato de sua participação nos novos empreendimentos.
A participação nos novos negócios, como demonstrado na Figura 5, denota que, a despeito de se estar tratando do ingresso das empresas em novos segmentos de mercado, 18 das 26 empresas vinculam o novo empreendimento à própria empresa construtora (conforme linhas 2 e 5 da Figura 5), fazendo prevalecer uma relação de subordinação, quando, a princípio, não há vinculação de competências entre controlada e controladora.
Tais formatos adotados pelas diferentes empresas, normalmente, inclusive, não guardam diferenciação em relação ao segmento em que as empresas optaram por atuar, sendo relativamente independentes, conforme será tratado no próximo item.
SEGMENTOS DE ATUAÇÃO
Os negócios ofertados à iniciativa privada, ao longo dos últimos anos, pelo poder público, apresentaram perfis muito variados. Inicialmente concentraram-se no ramo industrial, posteriormente nos segmentos de mineração e só mais recentemente no setor de infra-estrutura econômica (PICCININI, 1996). O setor de construção civil concentrou, neste último, seu interesse de participação, e mesmo nele focou algumas linhas de empreendimentos em detrimento de outras (QUINA, 1999).
Conforme se pode observar na Figura 6, a opção por negócios intensivos em construção civil (rodovias, saneamento, geração de energia) é a marca comum entre quase todas as empresas, pois segmentos como ferrovias, metrô, transmissão e distribuição de energia e telecomunicações (intensivos em outros componentes de investimento) não contam com o interesse e a atuação das empresas construtoras selecionadas (sendo ainda inexpressivo tal fenômeno, se analisado o nível de participação de toda e qualquer construtora no capital de empresas desses segmentos no Brasil (PINHEIRO; FUKASAKU, 2000)).
Assim, fica claro que mesmo não explicitada de forma tão marcante na Figura 2, a crise no mercado tradicional das construtoras teve papel preponderante na sua decisão por diversificar, pois este se mostrou o caminho adequado para reincrementar o mercado de obras. Por outro lado, explica também porque as empresas entendem que a agregação de construtoras nas parcerias formadas lhes parece uma opção estratégica.
RESULTADOS
Formuladas as estratégias e feitas as opções necessárias à seqüência das ações de diversificação, muitas empresas pesquisadas passaram a desenvolver seus empreendimentos, estando com projetos já em fase adiantada de operação, e outras ainda estão iniciando os novos negócios. A Figura 7 resume a avaliação de desempenho dos negócios, segundo a visão das diferentes empresas, independentemente do estágio atual dos projetos
A distribuição entre os resultados positivos e os negativos guarda um certo equilíbrio, devendo-se observar que, por alguns negócios estarem em fase inicial, a avaliação procedida deve ser interpretada como preliminar.
Por outro lado, a resposta à questão tratada no item seguinte (quais as principais dificuldades encontradas) alerta para que, mesmo nos casos de sucesso, as dificuldades estiveram presentes em todos os negócios, independente da estrutura de respostas a todas as questões anteriores portanto, independente da linha estratégica adotada, dos movimentos empreendidos ou das diferentes capacidades detidas pelas empresas.
PRINCIPAIS DIFICULDADES ENFRENTADAS
A resposta à questão formulada, conforme a Figura 8, foi livre no sentido de se permitir a opção por quantos quesitos fossem entendidos como merecedores de registro, de modo a deixar consignadas todas as dificuldades enfrentadas pelas empresas na condução de seus programas de diversificação. Procurou-se, entretanto, destacar o principal obstáculo enfrentado, de modo a permitir a análise que será procedida adiante.
Pode-se notar, de imediato, a quase unanimidade na indicação, como fator de dificuldade, da formatação de uma engenharia financeira de suporte aos investimentos e a demanda por recursos próprios para investimento ser o segundo quesito mais assinalado o que pode ser interpretado como natural em um País carente de fontes de financiamento a longo prazo e que experimenta, pela primeira vez, um programa de parceria público-privada de tais características e monta (FERREIRA, 1996).
Por outro lado, todas as empresas afirmaram não terem encontrado dificuldades no relacionamento com usuários e clientes e no desempenho do mercado em relação às expectativas iniciais (o que talvez possa ser explicado, em ambos os casos, pelo pouco tempo de operação dos empreendimentos), e também na contratação de serviços e fornecimentos (o que se deve ao fato de estes serem intensivos em obras civis e de o próprio empreendedor ter se encarregado de realizá-la).
Os demais itens de indicação de dificuldades, por sua vez, merecem uma análise mais acurada, pois como entender como dificuldade o relacionamento com o poder concedente, na medida em que este é o mesmo cliente original das construtoras, com quem gozavam de bom relacionamento? Como tratar a questão da dificuldade de relacionamento com os parceiros, em especial se tantas empresas apontaram como uma de suas habilidades a capacidade em agregar parceiros estratégicos? E, finalmente, como compreender as dificuldades administrativo-operacionais em negócios intensivos em gestão contratual, sendo esta uma das especialidades das construtoras?
Estas questões podem ser melhor interpretadas a partir do cruzamento das perguntas e respostas dos diferentes itens da pesquisa, conforme tratado no item seguinte, no qual se buscará analisar as respostas obtidas através de uma tentativa de comparar causa e efeito entre ações ou opções estratégicas e resultados.
ANÁLISE DO RESULTADO DAS AÇÕES EMPREENDIDAS
A partir do cruzamento dos quesitos integrantes do questionário pode-se tentar criar vínculos entre as decisões tomadas e os resultados alcançados. No quadro constante da Figura 9, procura-se vincular algumas respostas obtidas a outras, o que permite uma interpretação da adequabilidade de determinadas estratégias e ações vis-à-vis seus resultados, da mesma forma que permite identificar pontos comuns ao bom desempenho dos negócios de diversificação no universo de empresas pesquisadas.
As empresas, de modo geral, apontaram como sua principal motivação para diversificar (conforme Figura 2), ou a qualidade das oportunidades ofertadas para diversificação ou as dificuldades enfrentadas em seu segmento original de mercado fatores que, de certa forma, alimentam-se reciprocamente. Apenas três empresas afirmaram motivar-se a uma ação de diversificação a partir das capacidades detidas para enfrentar tal estratégia.
Estas três empresas, apesar de motivarem-se por conta de uma alegada capacitação diferenciada, indicam como resultado de suas ações um panorama frustrante ou insatisfatório nos negócios desenvolvidos conforme primeira linha da Figura 9. Assim, a princípio, é de se supor que os pontos fortes considerados como competência diferenciada não se mostraram eficazes nos novos mercados.
Competências associadas ao bom relacionamento com o poder público ou provenientes de vantagens vinculadas a um posicionamento comercial-geográfico estratégico podem resultar em baixo risco de problemas no relacionamento com o poder concedente, pois das 12 empresas detentoras das habilidades elencadas, apenas cinco enfrentam dificuldades com o poder concedente (sendo que em quatro destes casos as empresas atuam em uma mesma unidade da federação, na qual a gestão do poder concedente sofreu alteração política de comando).
Assim, apesar de relevante tal competência, é importante percebê-la dentro de um contexto político variável ao longo da vida do empreendimento em que se vai ingressar no caso das concessões de serviços públicos estendendo-se por períodos de 15 a até 50 anos.
As dificuldades com parceiros estão centradas nas empresas que optaram por formar parcerias com grupos do mesmo setor, sendo menos comum naquelas que preferencialmente buscaram competências complementares às suas. A participação em sociedade na exploração de um determinado negócio e a convivência como concorrentes no seu segmento de origem, provavelmente, explica boa parte das dificuldades de relacionamento dentro das parcerias formadas no universo de empresas pesquisadas (ROCHA; VANALLE, 2000).
As dificuldades na gestão administrativo-operacional dos novos negócios é enfrentada, na mesma proporção, tanto por aqueles que optaram por um modelo corporativo lastreado em empresas holdings, como nas empresas que preferiram manter um vínculo direto entre a construtora e o novo negócio. A análise dos dados da Figura 9, combinados com os da Figura 5, mostra que aproximadamente 1/3 das empresas atua via uma empresa holding e a mesma proporção, aproximadamente, das empresas com dificuldades na gestão administrativo-operacional dos negócios também atua via holdings, fazendo com que tal característica, a princípio, não se mostre como fator de solução das dificuldades enfrentadas neste quesito.
A mais presente das dificuldades apresentadas, a formatação da engenharia financeira para os investimentos, não se mostra superada por aquelas empresas que apontam entre suas principais capacidades a liquidez de seu caixa ou a disponibilidade de limite para tomada de financiamento. As cinco empresas com tais competências declaradas enfrentam como obstáculo ao sucesso dos negócios a estruturação de sua engenharia financeira. E as duas únicas empresas que não declararam dificuldades associadas à engenharia financeira foram aquelas que, submetidas a uma análise mais ampla (cujos detalhes não são apresentados no presente artigo), permitiram a observação de que são titulares de projetos autofinanciáveis. Portanto, parece que a questão da engenharia financeira é um problema inerente aos negócios sob regime de concessão.
Outro aspecto a considerar é o de que as empresas que diversificaram tendo como principal motivação o estreitamento em seus mercados tradicionais (construção), mantiveram relativa coerência com tal motivação, pois optaram de forma concentrada por atuar nos segmentos de rodovias e/ou saneamento, o que funciona como fator de retomada da demanda por serviços de construção, por serem negócios intensivos em obras civis.
As empresas que foram estimuladas à diversificação por terceiros (poder público ou concorrentes) adotaram uma postura conservadora (atuando nos segmentos intensivos em obras civis), mas mesmo assim não chegaram a colher os melhores resultados.
Os melhores resultados foram obtidos por empresas que focaram sua ação de diversificação na análise das oportunidades que vêm sendo abertas. No sentido inverso, entretanto, o foco da decisão por diversificar voltado 'para fora' (para a qualidade das oportunidades) não se mostrou, de forma geral, como garantidor dos melhores resultados, sendo equivalente ao das demais motivações.
Finalmente, um último ponto a destacar é que as empresas de construção, a despeito do esforço de diversificação recentemente empreendido, não conseguiram afastar-se do seu segmento tradicional, pois dos 62 empreendimentos diversificados conduzidos dentro do universo das empresas pesquisadas, cerca de 90% guardam forte ligação com a construção civil, seja por gerar-lhe encomendas de forma maciça, seja, em outros casos, por gerarem produtos a serem consumidos na construção, o que caracteriza, principalmente, o vínculo da estratégia de diversificação (futuro desenhado) com a atuação tradicional das empresas (passado arraigado).
CONCLUSÃO
A pesquisa procedida demonstra que a maioria das empresas de construção civil de porte médio, tomando a amostra trabalhada como uma proxi razoável do setor, vem desenvolvendo um programa de diversificação em suas atividades, em especial nos segmentos sob concessões de serviços públicos, de acordo com os mesmos prismas, estratégias e capacidades que detinham no seu mercado de origem. Avaliam suas competências à luz das exigências competitivas do mercado de construção civil e procuram aliar esforços com organizações que, ao invés de complementarem suas competências, apenas sobrepõem capacidades às que a empresa já possui.
A ação de diversificação divide sua motivação entre o reconhecimento de dificuldades no setor de origem e numa pré-avaliação de qualidade para os novos negócios. De qualquer sorte, parece não haver absoluta independência entre os dois elementos de motivação, dada a grande concentração de novos negócios justo nos segmentos fortemente geradores de encomendas ao setor de origem das empresas. Ao contrário, o que se pode preliminarmente depreender da pesquisa é que, antes de serem observados como oportunidade de diversificação, os novos negócios têm sido tratados como solução para incrementar o mercado tradicional das empresas.
Neste contexto, não é surpreendente o volume de dificuldades que as empresas vêm enfrentando e o grau de insatisfação apresentado (em quase 50% dos casos) apesar de os negócios sob concessão terem sido conquistados em processos concorrenciais onde, previamente, se deveria conhecer a rentabilidade expectada.
Fica evidente que o caminho a percorrer, daqui para frente, por este grupamento de empresas, será o de focar seus projetos de diversificação cada vez mais a partir da compreensão clara das exigências dos negócios em que se ingressa, ao invés de olhar as competências reunidas no passado imaginando o 'novo negócio' como inserido em um ambiente equivalente ao de uma reprodução do processo competitivo prevalecente no mercado de construção.
O fato de os negócios sob concessão serem intensivos em obras civis, a conquista de cada oportunidade se dar via um processo de licitação pública e a gestão dos empreendimentos ser baseada em uma relação contratual com o Poder Público, todos estes, elementos componentes do know-how das construtoras (ROCHA; VANALLE, 2000), não é suficiente para assegurar o pleno sucesso e satisfação em um programa de diversificação desenvolvido com base apenas nestes aspectos.
O sucesso efetivo e pleno neste novo mercado também depende de uma adequada engenharia financeira, de capacidade de endividamento e liquidez para investimentos, de competência gerencial para condução de um negócio que envolve questões técnicas e administrativas específicas, etc. Assim, o posicionamento das construtoras de porte médio diante das novas oportunidades deve ter tais elementos em conta.
A formação de parcerias, neste contexto, parece assumir um papel relevante como elemento estratégico de competitividade nos novos mercados. As construtoras devem emprestar suas competências e buscar empresas parceiras que as complementem, em especial quanto a capacidade de mobilização de funding, quanto à experiência na gestão de negócios semelhantes, etc.
A opção pela promoção de um programa de diversificação, para as empresas construtoras de porte médio, parece ter sido um caminho natural e até obrigatório, quer pelas dificuldades enfrentadas pelo setor, quer pelo perfil das oportunidades que se apresentavam, porém, após um período em que as primeiras ações foram empreendidas, de certa forma, "olhando-se para trás", é chegado o momento de "se olhar para a frente", para os novos negócios, entendidos como empreendimentos com demandas específicas e, portanto, merecedores de uma abordagem estratégica comprometida em atender tais demandas e em cumprir os seus condicionantes próprios de sucesso.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Maio 2007 -
Data do Fascículo
2002