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Desenvolvimento profissional e preocupações docentes: uma análise com professores de Educação Física brasileiros 1 1 Editor responsável: Silvio Donizetti de Oliveira Gallo. https://orcid.org/0000-0003-2221-5160 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Maria Thereza Sampaio Lucinio thesampaio@uol.com.br

Resumo

O objetivo do estudo foi identificar quais são as preocupações apresentadas pelos professores durante o desenvolvimento da carreira que não estão presentes no constructo de preocupações de Fuller e Bown (1975). Participaram da pesquisa 20 professores de Educação Física em diferentes momentos da carreira. Na coleta e análise de dados, utilizaram-se a entrevista semiestruturada e a análise de conteúdo. Foram evidenciadas duas dimensões de preocupações emergentes: políticas públicas e questões sociais, presentes durante toda a carreira. Foram encontrados dois indicadores para a dimensão consigo: formação docente e saúde. As preocupações emergentes dos professores de Educação Física permeiam as situações existentes entre a escola e o contexto social e que afetam a rotina escolar.

Palavras-chave
Professores; Inquietações; Carreira Docente

Abstract

This study investigates teachers' concerns during career development that are not present in Fuller and Bown's (1975) construct of concerns. Twenty Physical Education teachers at different stages of their careers participated in the research. Semi-structured interviews and content analysis were used to collect and analyze data. Two dimensions of emerging concerns were evidenced: public policies and social issues. Two emerging indicators for the Self dimension were found: teacher education and health. The emerging concerns of Physical Education teachers permeate the existing situations between school and the social context, affecting school routine.

Keywords
Teacher; Concern; Teaching Career

Introdução

A carreira docente constitui-se por meio do desenvolvimento profissional, que reflete um contínuo de experiências dos professores, e é permeada de vivências, momentos de motivação, descontinuidades (Farias, Batista, Graça & Nascimento, 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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). Apesar da complexidade do desenvolvimento profissional, os estudos sobre a carreira docente auxiliam na compreensão de como funciona o mundo profissional dos professores (Gonçalves, 2007Gonçalves, J. A. (2007). A carreira das professoras do ensino primário. In A. Nóvoa. (Org.), A vida de professor (pp. 141-170). Porto Editora.).

Alguns autores que propuseram discussões sobre esse tema estabeleceram fases ou etapas durante a carreira docente, as quais foram elaboradas a partir de características profissionais e pessoais que os docentes possuem durante os diferentes momentos da carreira (Farias et al., 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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; Sikes, 1985Sikes, P. (1985). The Life Cycle of the Teacher in Ball & Goodson, Teachers Lives and Careers. The Falmer Press.).

Assim, compreende-se que as fases da carreira docente e suas características dependem diretamente do contexto social, econômico e político em que os professores estão inseridos. Para a realidade brasileira de professores de Educação Física (EF), Farias et al. (2018)Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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elaboraram um modelo teórico com cinco ciclos de desenvolvimento profissional (CDP). O primeiro ciclo, Entrada na Carreira (EC) (entre 1 a 4 anos de docência), caracteriza-se pelo choque com a realidade da docência e novas situações vivenciadas na carreira. No segundo ciclo, Consolidação das Competências Profissionais na Carreira (CCP) (5 a 9 anos), os professores consolidam ações, competências e comportamentos. O terceiro ciclo, Afirmação e Diversificação na Carreira (ADC) (entre 10 e 19 anos de docência), é considerado a etapa de confirmação das ações docentes na prática pedagógica por meio de diversas formas de obter conhecimento. No quarto ciclo, Renovação na Carreira (RC) (de 20 e 27 anos), encontram-se três perfis docentes: os encantados com a docência, os defensores da causa docente e os renovadores da atuação profissional. No último ciclo, Maturidade na Carreira (MC) (28 anos de docência ou mais), os docentes valorizam a educação pública, os profissionais e as lutas por melhorias de trabalho. Por outro lado, alguns professores tornam-se amargos, devido à percepção negativa das condições da educação.

Durante todo o desenvolvimento da carreira, os professores são influenciados por diversos fatores como tensões no ambiente de trabalho, qualidade de vida, aspectos pessoais (Farias et al., 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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). Além desses aspectos, a atuação dos professores de EF apresenta algumas peculiaridades quando comparada à de docentes de outras áreas, com destaque para a roupa que usam para a prática docente, os materiais utilizados, o local onde ministram a aula, dentre outras (Wittizorecki & Molina Neto, 2005Wittizorecki, E. S., & Molina Neto, V. (2005). O Trabalho Docente dos Professores de Educação Física na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. Revista Movimento, 11(1), 47-70.). Esses elementos que influenciam a prática dos professores podem ser refletidos em preocupações docentes.

Quando se utiliza o termo preocupação, referente à prática docente, faz-se menção aos sentimentos, ações, comportamentos expressos pelos professores relacionados ao contexto do seu trabalho. Nesse sentido, fatores como convivência com os colegas de profissão, infraestrutura, número de alunos por turma, planejamento, entre outros, podem provocar preocupações nos professores (Vieira, 2017Vieira, S. V. (2017). Preocupações dos Professores de Educação Física de Maringá (Paraná), Conforme os Ciclos de Desenvolvimento Profissional [Dissertação de mestrado]. Universidade Estadual de Londrina. Londrina, PR.).

Em 1969, Fuller iniciou os estudos sobre preocupações de professores na realidade americana. Segundo a autora, existem três etapas no processo de formação do professor: a fase anterior a de ser professor (Pre-Teaching), a fase de entrada ou início na função docente (Early Teaching) e a fase posterior ao ingresso na função docente (Late Teaching) (Fuller, 1969Fuller, F. (1969). Concerns of Teachers: A Developmental Conceptualization. American Educational Research Journal, Estados Unidos, (6), 207-226. doi: https://doi.org/10.3102/00028312006002207
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).

Após alguns anos de estudos, Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. aprimoraram o modelo, identificando três dimensões de preocupações que acometem os professores, vinculadas às etapas descritas por Fuller (1969)Fuller, F. (1969). Concerns of Teachers: A Developmental Conceptualization. American Educational Research Journal, Estados Unidos, (6), 207-226. doi: https://doi.org/10.3102/00028312006002207
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e que, atualmente, podem ser relacionadas aos CDP. De fato, os autores descreveram que as três dimensões de preocupações podem mudar conforme o avanço do tempo de experiência na docência.

A primeira dimensão proposta foi a dimensão consigo que se refere às preocupações de sobrevivência do docente no ambiente de trabalho, a qual se evidencia na entrada na docência. Na segunda dimensão, intitulada tarefa, os professores expressam preocupações relacionadas com o ensino e as atividades pedagógicas que lhe são destinadas e, geralmente, aparecem após a diminuição do foco com as preocupações consigo. Por último, a dimensão impacto da tarefa relaciona-se com preocupações relativas às influências de suas ações sobre os alunos e são identificadas na fase posterior à entrada na docência, quando o professor possui maior experiência na profissão (Fuller & Bown, 1975Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. ).

Ao considerar o modelo proposto por Fuller (1969)Fuller, F. (1969). Concerns of Teachers: A Developmental Conceptualization. American Educational Research Journal, Estados Unidos, (6), 207-226. doi: https://doi.org/10.3102/00028312006002207
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e Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. , George (1978)George, A. (1978). Measuring self, task, and impact concerns: A manual for use of the Teacher Concerns Questionnaire. Austin, TX: R & D Center for Teacher Education, University of Texas. criou um instrumento para avaliar as preocupações de professores (Teacher Concerns Questionnaire – TCQ). No entanto, estudos que utilizaram este instrumento com estagiários e professores de EF questionaram o uso do TCQ para avaliar as preocupações da prática de ensino na EF (Behets, 1990Behets, D. (1990). Concerns of Preservice Physical Education Teachers. Journal of Teaching in Physical Education, 10(1), 66-75. doi: https://doi.org/10.1123/jtpe.10.1.66
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; Wendt & Bain, 1989Wendt, J., & Bain, L. L. (1989). Concerns of preservice and inservice physical educators. Journal of Teaching in Physical Education, 8(2), 177-180. doi: https://doi.org/10.1123/jtpe.8.2.177
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). Desta forma, McBride (1993)McBride, R. (1993). The TCQ-PE: An adaptation of the teacher concerns questionnaire instrument to a physical education setting. Journal of Teaching in Physical Education, 12(2), 188-196. doi: https://doi.org/10.1123/jtpe.12.2.188
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realizou um estudo específico adaptando o TCQ, em particular na dimensão tarefa, para ser aplicado na área da EF.

Nesse estudo com professores estagiários ingleses de EF, McBride (1993)McBride, R. (1993). The TCQ-PE: An adaptation of the teacher concerns questionnaire instrument to a physical education setting. Journal of Teaching in Physical Education, 12(2), 188-196. doi: https://doi.org/10.1123/jtpe.12.2.188
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incorporou cinco novos itens na dimensão tarefa a ser utilizada na área da EF: falta de continuidade no programa anual de EF; falta de suporte administrativo para o programa de EF; falta de uma política consistente nos anos de ensino na EF; trabalhar com turmas numerosas; e pobreza ou inadequado planejamento das aulas de EF. O estudo realizado com a adaptação do questionário comprovou melhor consistência na dimensão tarefa, o que demonstrou que os novos indicadores pareciam mais adequados para professores de EF.

Além disso, pesquisas verificaram que as preocupações abrangem mais fatores do que aqueles mencionados nas dimensões de Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. . Elementos como os problemas sociais dos alunos, o contexto em que a escola está inserida e a presença da família no ambiente escolar também afetam e provocam preocupações (Favatto & Both, 2019bFavatto, N. C., & Both, J. (2019b). Preocupações dos Professores de Educação Física no Início da Carreira Docente. Revista Motrivivência, 31(58), 01-17, abril/julho.; McBride, 1993McBride, R. (1993). The TCQ-PE: An adaptation of the teacher concerns questionnaire instrument to a physical education setting. Journal of Teaching in Physical Education, 12(2), 188-196. doi: https://doi.org/10.1123/jtpe.12.2.188
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; Riopel, 2006Riopel, M. C. (2006). Novas Regulações Escolares: Quais os impactos sobre as preocupações dos professores? Educação em Revista, 44, 165-184, dez. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-46982006000200009
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; Smith & Sanche, 1993Smith, D. L., & Sanche, R. P. (1993). Interns´ personally expressed concerns: A need to extend the Fuller model? Action in Teacher Education, 15, 36-41. doi: https://doi.org/10.1080/01626620.1993.10463151.
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; Wendt & Bain, 1989Wendt, J., & Bain, L. L. (1989). Concerns of preservice and inservice physical educators. Journal of Teaching in Physical Education, 8(2), 177-180. doi: https://doi.org/10.1123/jtpe.8.2.177
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).

Conforme explicado anteriormente, as preocupações dos professores têm, entre outros fatores, relação com o tempo de experiência na docência. Nesse sentido, estudos relacionaram as dimensões de preocupações propostas por Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. com o tempo de experiência profissional (Conkle, 1996Conkle, T. (1996). Inservice Physical Educators' Stages of Concerns: A test of Fuller's Model and the TCQ-PE. The Physical Educator, 53(3), 122-132.; Folle & Nascimento, 2011Folle, A., & Nascimento, J. V. (2011). Preocupações ao Longo da Carreira Docente: Estudos de Caso com Professores de Educação Física do Magistério Público Estadual. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 33(4), 841-856, out./dez. doi: https://doi.org/10.1590/S0101-32892011000400004
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; Wendt & Bain, 1989Wendt, J., & Bain, L. L. (1989). Concerns of preservice and inservice physical educators. Journal of Teaching in Physical Education, 8(2), 177-180. doi: https://doi.org/10.1123/jtpe.8.2.177
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). Ademais, pesquisas demonstraram que o contexto do exercício da profissão incide nas preocupações dos professores de EF, identificando tanto as dimensões de preocupações propostas por Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. como também novas preocupações (Favatto & Both, 2019bFavatto, N. C., & Both, J. (2019b). Preocupações dos Professores de Educação Física no Início da Carreira Docente. Revista Motrivivência, 31(58), 01-17, abril/julho.; Riopel, 2006Riopel, M. C. (2006). Novas Regulações Escolares: Quais os impactos sobre as preocupações dos professores? Educação em Revista, 44, 165-184, dez. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-46982006000200009
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).

Portanto, é importante destacar a relevância do modelo teórico das preocupações para a compreensão do trabalho docente. No entanto, a teoria foi elaborada em uma realidade e contexto norte-americanos e, consequentemente, permeada pelas condições existentes na época, que podem não ser mais suficientes para explicar a realidade dos professores de EF brasileiros.

Nesse sentido, as questões norteadoras deste estudo foram: Existem preocupações dos professores de EF brasileiros que não estão presentes no modelo teórico de Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. ? Quais são essas preocupações? Na busca de analisar a realidade brasileira de professores de Educação Física, o objetivo do trabalho foi o de identificar quais as preocupações que os professores possuem durante o desenvolvimento da carreira que não estão presentes no constructo de preocupações de Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. .

Procedimentos metodológicos

A pesquisa caracterizou-se como descritiva, a partir de uma abordagem qualitativa. Por meio da entrevista, buscou-se valorizar experiências e vivências dos participantes, atendo-se à essência do problema, que é evidenciar as inquietações que afetam os docentes de EF em sua rotina de trabalho (Minayo, 2010Minayo, M. C. S. (Org.). (2010). Pesquisa social: teoria, método e criatividade (29ª ed.). Vozes. ).

Assim, quatro professores de EF caracterizados em cada ciclo de Desenvolvimento Profissional proposto por Farias et al. (2018)Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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(EC, CCP, ADC, RC, MC) participaram do estudo, o que resultou em 20 participantes entrevistados (15 do sexo feminino e 5 do sexo masculino). A predominância do sexo feminino na pesquisa reflete a realidade do ensino no Brasil, em que 79,4% dos professores brasileiros em 2020 eram do sexo feminino (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2021Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2021). Sinopse Estatística da Educação Básica 2020. Brasília: INEP.). Os professores entrevistados lecionavam em escolas vinculadas ao Estado do Paraná ou Município de Maringá (PR). Mediante o grande número de professores de Educação Física das duas redes de ensino, foi necessário estabelecer alguns critérios de inclusão dos participantes desse estudo, dentre eles os professores deveriam estar em pleno exercício letivo com os alunos da disciplina de Educação Física e ter vínculo efetivo com o estado e/ou município. Foi adotado como critério de exclusão dos participantes aqueles professores que estavam afastados da ação docente por qualquer motivo. Destaca-se que alguns dos participantes trabalhavam em regiões periféricas da cidade e em locais de risco social. A maioria dos participantes do estudo eram solteiros, possuíam curso de especialização, com carga horária maior de 20 horas semanais de trabalho, possuíam pluriemprego, ou seja, trabalhavam em duas escolas vinculadas à mesma rede de ensino (pluriemprego interno) ou em outro local de trabalho além da escola municipal ou estadual (pluriemprego externo).

Ao se considerar o município de Maringá-PR, algumas informações devem ser destacadas. Maringá é apontada como a terceira maior cidade do estado do Paraná e a sétima maior da região sul do país. É considerada uma cidade de porte médio-alto no Brasil. Ressalta-se que seu Índice de Desenvolvimento Humano é de 0.808, tido como muito alto e o segundo maior do estado (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2013Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. (2013). Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Brasileiro. PNUD, Ipea, FJP.). Essa informação é relevante para a análise do estudo, pois, apesar de estar localizada geograficamente em um país em desenvolvimento, Maringá possui características diferentes das regiões de maior pobreza e desigualdade do Brasil.

Para a coleta de dados, foi realizada uma entrevista semiestruturada. Esse instrumento contava com informações profissionais como tipo de vínculo empregatício, carga horária, tempo de trabalho na rede de ensino, entre outras questões. Na sequência, foram realizadas três perguntas relacionadas às preocupações de professores com o objetivo de identificar quais eram as reais preocupações docentes, sem relacioná-las com a classificação proposta pelo modelo teórico de Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. . Foram propostas questões vinculadas às preocupações com a rotina docente e às funções de trabalho do professor, que foram as seguintes: “O que são para você preocupações pedagógicas?”, “Quais são as maiores dificuldades3 3 O termo dificuldade foi utilizado no intuito de aprofundamento na realidade do cotidiano escolar e, consequentemente, do trabalho docente, buscando identificar, dentre as dificuldades que assolam o dia a dia do professor, as que mais preocupam os docentes. enfrentadas no dia a dia escolar?” e “Você possui outro tipo de preocupação não relatada anteriormente?”. Após a autorização das instâncias responsáveis (Secretaria Municipal de Educação e Núcleo Regional de Educação) e com a aprovação do Comitê de Ética de Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina (número do parecer: 1.664.969), iniciou-se a coleta de dados. As entrevistas ocorreram nas escolas onde os professores lecionavam, de acordo com a disponibilidade do docente, durante o horário destinado ao planejamento das aulas (denominado hora-atividade ou hora-planejamento). As entrevistas foram gravadas com um gravador de áudio do celular e transcritas na íntegra. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas, apresentando respectivamente duração média de uma hora e três horas de transcrição. As entrevistas foram transcritas verbatim e entregues aos entrevistados para leitura e confirmação dos depoimentos.

O exame dos dados foi realizado a partir da análise de conteúdo de Bardin (2011)Bardin, L. (2011). Análise de Conteúdo. Editora Edições 70.. Inicialmente, realizou-se uma pré-análise, com a leitura das entrevistas coletadas e transcritas; seguida da exploração do material, por meio da análise dos discursos dos professores, bem como da identificação da frequência e da intensidade com que as preocupações (indicadores) não presentes na teoria de Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. são evidenciadas nas falas; foi ainda realizada uma análise crítica para compreensão do aspecto macrogerador de determinada preocupação (indicador) apresentada pelos docentes (exemplo: menções sobre sucateamento da educação pública possuem como elemento gerador as Políticas Públicas Educacionais, e não a Sobrevivência do Professor no local de Trabalho ou as Tarefas que são designadas para ele); e, por fim, o tratamento dos dados, com a inferência e a interpretação entre a realidade apresentada nas falas dos sujeitos participantes e a literatura sobre a temática. Nesse sentido, as categorias de análise não estavam definidas a priori, elas emergiram da análise dos dados, e as dimensões foram propostas baseadas no agrupamento de indicadores que apresentavam elementos geradores similares.

Destaca-se, ainda, que a primeira autora codificou e categorizou os dados, enquanto os outros dois autores participaram como “amigos críticos” durante o processo de análise. Isto significa que, periodicamente, revisavam e criticavam a análise e alocação dos indicadores e dimensões, questionando o primeiro autor com vistas a desenvolver as categorias de análise (Merrem & Curtner-Smith, 2018Merrem, A., & Curtner-Smith, M. D. (2018). Occupational Socialization of Sport Pedagogy Faculty: Two German Case Studies. Journal of Teaching in Physical Education, 37, 154-163. doi: https://doi.org/10.1123/jtpe.2017-0071
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). Assim, o estudo se debruçou sobre as informações que descreviam e ilustravam, ao longo dos CDP, novas dimensões de preocupações docentes emergentes, não presentes nas dimensões propostas por Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. .

Para identificar os professores participantes do estudo, foram utilizados códigos conforme o ciclo de desenvolvimento profissional. Os professores que estavam no ciclo de EC foram representados por: E1, E2, E3 e E4 (três mulheres e um homem), com média de 29,5 anos e tempo médio de docência de 2,5 anos. No ciclo de CCP, os professores foram identificados como C1, C2, C3 e C4 (três mulheres e um homem), com média de 29,7 anos e tempo médio de carreira docente de 5,9 anos. No terceiro ciclo, os participantes foram representados por quatro mulheres (D1, D2, D3, D4), com média da idade de 38,2 anos e tempo médio de atuação docente de 12,5 anos. No quarto ciclo, os professores foram identificados como R1, R2, R3 e R4 (dois homens e duas mulheres), com média de 51,7 anos e tempo médio de 23,5 anos de atuação profissional docente. No último ciclo, os docentes foram representados por M1, M2, M3 e M4 (três mulheres e um homem), com média de idade de 52,2 anos e com tempo médio de atuação docente de 31,8 anos.

Resultados e discussões

Ao se analisarem as preocupações docentes emergentes e os CDP, foi possível identificar duas dimensões de preocupações: Políticas Públicas e Questões Sociais. Além disso, foram encontrados dois indicadores de preocupações docentes emergentes vinculados à dimensão consigo, os quais foram: Formação Docente e Saúde.

A categorização dos indicadores e dimensões foi realizada a partir da frequência de menções na fala dos docentes investigados e também pela intensidade, ordem e direção (Pasquali, 1996Pasquali, L. (Org.). (1996). Teoria e métodos de medida em ciências do comportamento. Laboratório de Pesquisa em Avaliação e Medida - Instituto de Psicologia - UnB: INEP. ) em que são evidenciados pelos professores no decorrer das entrevistas. Assim, as dimensões caracterizam-se por aspectos de maior magnitude no contexto da população, e os indicadores são elementos que reportam à determinada dimensão (Pasquali, 2010Pasquali L. (2010). Instrumentação psicológica: fundamentos e práticas. Artmed.). Essa justificativa não elimina o fato de que as dimensões podem estar relacionadas, ou seja, interfiram umas nas outras ou estimulem a preocupação com outras dimensões ou indicadores de outras dimensões. A seguir foram apresentadas cada uma das dimensões e indicadores emergentes conforme sua presença nos CDP.

Dimensões emergentes de preocupações de professores: Políticas Públicas e Questões Sociais

A primeira dimensão emergente de preocupações de professores de EF identificada foi a de Políticas Públicas, que se refere a ações e atividades que o governo realiza em benefício da população. Elas podem abranger preocupações de ordem macro-organizacionais(que envolvem todo o município ou estado)4 4 Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), o sistema educacional brasileiro organiza-se em um regime de corresponsabilidade entre todos os entes federativos (União, estados/Distrito Federal e municípios), seguindo a Constituição brasileira (artigo 205). Há uma divisão de responsabilidades entre municípios, estados e União. Os municípios têm a função principal de oferecer vagas no Ensino Infantil e Fundamental. Os estados devem priorizar o Ensino Médio, mas também atuar, em parceria com os municípios, na oferta de Ensino Fundamental. À União cabe organizar o sistema como um todo e regular o Ensino Superior. No entanto, essa definição não representa que os demais entes possam se eximir de qualquer responsabilidade em níveis que não aquele que lhe seja prioritário por lei, já que a LDB prevê o trabalho em regime de cooperação. ou micro-organizacionais (que envolvem apenas o ambiente de trabalho local).

Foram identificadas 13 menções entre os participantes referentes a essa preocupação. Dentre essas falas, verificou-se que sete estavam ligadas ao Sucateamento da Educação Pública (E2, C2, C3, D4, R2, M2, M3), expressando sentimentos de angústias e preocupações com o descaso e a falta de investimento do governo na educação, e seis falas referiam-se à Desvalorização do Professor (E2, D1, D4, R3, M3, M4). O relato dos professores reflete a baixa remuneração, alta carga horária de trabalho, falta de apoio para formação continuada, entre outros aspectos.

Se os alunos vêm uma escola precarizada, eles não cuidam muito porque já tá ruim mesmo. Todo esse sucateamento da estrutura, faz com que eles não se sintam tão animados, por que a gente gosta de ver as coisas bonitas, ver as coisas organizadas. Então na verdade é um projeto para que se desmonte a escola pública (E2).

Existe um novo projeto de lei de reformulação do Ensino Médio, e que propõe a diminuição de algumas disciplinas, e adivinha só qual que será a primeira a ser eliminada? Apesar de achar que o Ensino Médio tem muito conteúdo, muitas disciplinas, que deveria ser enxugada grande parte, eles aprendem tudo superficialmente só pra tentar passar no vestibular, isso não é específico da Educação Física (C2).

Destaca-se que um estudo realizado com professores canadenses evidenciou preocupações com algumas realidades relacionadas ao trabalho docente que, de certa forma, retratam a dimensão Políticas Públicas e dais quais podem-se citar: problemas sociais dos alunos; condições de trabalho dos professores; permanência de sua filosofia da educação em um contexto de mobilidade social e política (Riopel, 2006Riopel, M. C. (2006). Novas Regulações Escolares: Quais os impactos sobre as preocupações dos professores? Educação em Revista, 44, 165-184, dez. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-46982006000200009
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). Nesta realidade, as condições do trabalho docente se intensificam e ficam complexas, como na atuação em sala de aula, quando os problemas sociais que acometem os alunos refletem no desempenho escolar (Riopel, 2006Riopel, M. C. (2006). Novas Regulações Escolares: Quais os impactos sobre as preocupações dos professores? Educação em Revista, 44, 165-184, dez. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-46982006000200009
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). Além disso, estudos na realidade nacional demonstraram como a desvalorização profissional e as políticas públicas educacionais, elementos da dimensão Políticas Públicas, afetam negativamente a satisfação do professor e, consequentemente, acabam por interferir em sua prática pedagógica (Krug, 2008Krug, H. N. (2008). Vale a pena ser professor... de Educação Física Escolar? Revista Digital Lecturas: Educación Física y Deportes, Buenos Aires, 13(122), 1-7.; Flores et al., 2010Flores, P. P., Contreira, C. B., Ilha, F. R. S., Cristino, A. P. R., Kruger, L. G., & Krug, H. N. (2010. O percurso profissional de professores de Educação Física Escolar de Santa Maria, RS. Revista Digital Lecturas: Educación Física y Deportes, Buenos Aires, 15(147),1-28, ago.; Krug, Krug & Telles, 2018Krug. H. N., Krug, R. R., & Telles, C. (2018). Encantos e Desencantos na Profissão de Professores de Educação Física na Educação Básica. Revista Textura, 20(44), set/dez.).

Both (2011)Both, J. (2011). Bem Estar do Trabalhador Docente em Educação Física da Região Sul do Brasil [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC. indicou que as atuações governamentais no campo da educação, tanto em ordem micro como macro-organizacional, afetam o trabalho docente. Em complemento, nos últimos anos, identificam-se ataques à educação pública brasileira, como a reforma da previdência que foi oficializada em 2019 (Brasil, 2019Brasil. (2016). Constituição (1988). Emenda constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Lex: Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias, Brasília, nov. 2019. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm
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) e altera itens como idade e tempo de contribuição para aposentadoria, bem como a Emenda Constitucional nº 95 que prevê alterações no destino do dinheiro público para a educação, ferindo as disposições previstas na Constituição Federal (Brasil, 2016Brasil. (2016). Constituição (1988). Emenda constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Lex: Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências, Brasília, dez. 2016. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm
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). Esses embates, associados à falta de concursos públicos, promovem uma intensificação do trabalho docente decorrente da diminuição no número de contratação de professores efetivos. Assim, os docentes podem estar mais reflexivos, críticos e conscientes da responsabilidade que têm em mãos, além do desdobramento futuro de seu trabalho, que são elementos vinculados à dimensão de Políticas Públicas.

De acordo com a análise dos dados, percebeu-se que os docentes vinculados ao ciclo de EC e CCP apresentaram menores níveis de preocupações com a categoria Políticas Públicas quando comparados com os demais CDP. Esse dado pode ser explicado por evidências apresentadas na teoria de Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. , segundo a qual docentes que estão no início de carreira possuem mais preocupações vinculadas a si mesmos que aquelas envolvendo outros atores e fatores pelo fato de, nesse ciclo, estarem vivendo um momento de choque com a realidade de trabalho docente (Farias et al., 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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).

Por outro lado, ao se considerarem as características da dimensão de Políticas Públicas, evidenciam-se aspectos extrínsecos representados, em sua maioria, por ações governamentais que independem da vontade da comunidade escolar. Em complemento, o conhecimento e entendimento dessas situações indicam um maior envolvimento e vivência da realidade escolar, o que ainda é recente para professores nos ciclos de EC e CCP. Além disso, um estudo realizado com estudantes estagiários de EF, os quais estão próximos aos professores que se encontram na fase de EC, evidenciou que as preocupações dos estudantes eram referentes às ações imediatas do dia a dia (Capel, Hayes, Katene & Velija, 2011Capel, S., Hayes, S., Katene, W., & Velija, P. (2011). The Interaction of Factors which Influence Secondary Student Physical Education Teachers’ Knowledge and Development as Teachers. European Physical Education Review, 17(2), 183–201.).

No entanto, no Ciclo de ADC, os docentes apresentaram maiores índices de preocupações relacionadas a esta dimensão nos dois indicadores identificados: desvalorização do professor e sucateamento da educação pública. Essas preocupações começam a se destacar a partir desse ciclo, pois os professores que possuem um tempo considerável de prática docente se sentem desmotivados por não vislumbrarem melhoras no dia a dia de trabalho e na progressão de sua carreira, o que pode ser observado na fala da professora D4.

Eu me sinto pressionada, nesse momento, pelo governo, por essas leis, por essas mudanças que estão ocorrendo. Você chega do trabalho meio desmotivado, pelas coisas de fora, que estão diretamente ligadas ao nosso trabalho e a progressão dentro do estado (D4).

Com um tempo maior de envolvimento e conhecimento da realidade docente, as preocupações vinculadas à dimensão de Políticas Públicas começam a ser mais evidentes nesses professores. Nesse sentido, Armour, Makopoulou e Chambers (2012)Armour, K., Makopoulou, K., & Chambers, F. (2012). Progression in Physical Education Teachers' Career-Long Professional Learning: Conceptual and Practical Concerns. European Physical Education Review, 18(1), 62-77. doi: 10.1177/1356336X11430651
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, ao estudarem a progressão da aprendizagem de professores de EF, evidenciaram que docentes mais velhos se mostraram mais desmotivados com a formação continuada com o passar dos anos, o que também pode ser identificado na fala da docente D1.

Eu acho que há uma preocupação, eu percebo que a rede possui agora mais professores com maior formação, como especialização, mestrado. Entretanto, o apoio financeiro, o reconhecimento financeiro ainda não existe para os professores, mesmo com pessoas boas trabalhando, e as vezes esses professores saem da rede principalmente por causa do apoio financeiro ser menor (D1).

De fato, é no ciclo de ADC que surgem diversas expectativas, trocas de experiências e de cargos, mobilizações (Farias et al., 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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), as quais, mediadas pela realidade docente, podem provocar decepções e desmotivar o professor.

No ciclo de RC, dois docentes relataram preocupações: um sobre a desvalorização do professor (R3): “Carga horária muito grande para um professor, que gera um estresse constante. A gente tem que enfrentar para alcançar nossos objetivos”, e outro referente ao sucateamento dos materiais para a EF (R2), o que afeta a qualidade das aulas dos professores.

Nesse ponto é importante evidenciar que, ao fim da carreira docente, os professores apresentaram os maiores índices de preocupações referentes aos indicadores de desvalorização do professor (M2, M3) e de sucateamento da educação (M3, M4). As características do ciclo MC podem explicar essa realidade. A necessidade de reconhecimento e de uma valorização profissional não se efetiva ao final da carreira, o que pode provocar decepção e desânimo nos docentes (Farias et al., 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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).

Se o nosso salário fosse suficiente pra gente trabalhar 20 horas, ou que fosse só as 40 horas, nós poderíamos nos envolver muito melhor, poderíamos aproveitar o tempo para planejar, para pesquisar, porque as coisas estão evoluindo muito. A gente quer fazer uma coisa, a gente se interessa, entretanto acabamos nos sobrecarregando. Ao final, você acaba trabalhando 60 horas semanais para ter uma renda melhor. Então eu acho que está bem pesada essa carga de trabalho (M4).

Festa junina geralmente está vinculada a santos, mas na verdade a escola faz isso pra se manter em pé diante daquilo que vem de financiamento do governo. Quer dizer, a festa junina, fugiu completamente da intenção inicial, a questão é financeira, a escola precisa arrecadar dinheiro, mas também é utilizada pra desenvolvimento, ela usa secundariamente uma dança pra conseguir o financeiro. Se analisar pela questão burocrática das políticas educacionais, é uma forma de minimização do Estado dentro da escola, e isso também faz parte da Educação Física e os alunos também precisam saber desse problema (M2).

Características vinculadas à dimensão de políticas públicas, como a alta jornada de trabalho, intensificação de tarefas, baixos salários, entre outras, são destacadas em estudos com professores (Caetano & Neves, 2012Caetano, E., & Neves, C. E. P. (2012). Gender relations and precariousness of teaching work. Revista Histedbr On-line, Campinas, 9(33e), 251-263, oct.; Iório & Lélis, 2015Iório, A. C. F., & Lélis, I. (2015). Precariousness of teaching work in a private school in the suburbs of Rio de Janeiro. Research Notebooks, São Paulo, 45(155), 138-154.). Essa precarização que assola o trabalho docente é vivenciada por mais tempo pelos professores dos dois últimos ciclos profissionais, o que pode provocar um maior descontentamento e preocupações vinculadas a essa dimensão. O estudo de Porath et al. (2018) com professores de EF ao final da carreira docente evidenciou um desinvestimento amargo que é causado pelo desapreço à educação por parte do governo. Nesses últimos CDP, os professores possuem maior domínio das atividades rotineiras de sua profissão (Farias et al., 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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), atrelado às vivências negativas e acompanhamento dos ataques à educação, e podem experimentar um desinvestimento profissional amargo, com questionamentos e distanciamento afetivo da profissão (Gonçalves, 2007Gonçalves, J. A. (2007). A carreira das professoras do ensino primário. In A. Nóvoa. (Org.), A vida de professor (pp. 141-170). Porto Editora.; Huberman, 2007Huberman, M. (2007). O ciclo de vida profissional dos professores. In A. Nóvoa. (Org.), A vida de professor (pp. 31-62). Porto Editora.; Porath et al., 2018; Farias et al., 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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).

Na categoria de Políticas Públicas, todos os CDP demonstraram preocupações. Isso pode ser explicado pelo cenário vivenciado pelos docentes de ordem macro e micro- organizacionais que afeta a educação pública, como a política neoliberal que se instala no estado do Paraná, promovendo, por exemplo, a prática de desresponsabilização do estado para com serviços essenciais, entre eles, a Educação, conduzindo para a terceirização e, consequentemente, para a precarização e mercantilização da educação (Mendes, Horn & Rezende, 2020Mendes, A. A. P., Horn, G. B., & Rezende, E. T. (2020). Neoliberal policies and managerial pragmatism in public education in Paraná. Roteiro, Joaçaba, 45, 1-24, Jan./Dec.). A realidade brasileira e, em específico, a do estado do Paraná, apresenta atualmente medidas que influenciam de forma negativa as políticas públicas e trazem como consequência uma perda de direitos, o que gera preocupações nos professores. Para ilustrar, podem-se citar a recente reforma da previdência (Brasil, 2019Brasil. (1996). Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/Leis/l9394.htm
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) e o congelamento dos recursos da educação (Brasil, 2016Brasil. (2016). Constituição (1988). Emenda constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Lex: Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias, Brasília, nov. 2019. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm
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), medidas que foram implementadas para tentar sanar os altos gastos com a dívida pública brasileira. Essas ações governamentais afetam diretamente as condições de trabalho do professor e, por conseguinte, influenciam na aula do docente.

A segunda dimensão emergente de preocupações docentes de EF identificada foi a de Questões Sociais. De fato, a realidade social e os diversos problemas que permeiam os alunos e a escola afetam a prática pedagógica dos professores. Entre os indicadores de preocupação dessa dimensão, todos os CDP apresentaram angústias, identificaram-se cinco falas sobre agressividade dos alunos (E1, E4, C1, C2, C4), oito menções sobre relação familiar (E1, D2, D3, D4, R3, M2, M3, M4) e seis referências ao contexto social (D1, D2, D3, R4, M1, M4).

Nas escolas, muitas vezes a equipe pedagógica tenta camuflar a violência. As crianças não têm uma base de uma estrutura familiar. É difícil você chegar em uma sala no primeiro ano e saber que aluno com pai preso, que foi abusada sexualmente. Então muitas vezes a criança é violenta por quê é o que ela vive em casa, não adianta eu querer que a criança, me dê carinho, amor e atenção, se em casa ela não tem isso. Por isso ocorre muito o aluno agredir o professor (E1).

Me preocupa muito e interfere diretamente no aprendizado do aluno, é a relação do aluno e família. Os discursos vão sendo batidos, as famílias estão descompromissadas, mas é um descompromisso sintomático da nossa sociedade, mas ao mesmo tempo que ele é sintomático ele precisa ser discutido, não pode ser tratado como natural. Então a gente não consegue ter um contato com essa família, são alunos que chegam sem uma figura materna ou paterna. Então não tem a quem você recorrer. Você fala: ‘vou chamar seu pai, sua mãe pra conversar’, ele dá risada e diz: ‘pode chamar ninguém vai vim professora’. A criança é como se fosse algo solto, como se tivesse sido abduzido e jogado no planeta terra (risos) (D2).

Estudo realizado com professores canadenses também evidenciou preocupações semelhantes entre os docentes relacionadas aos problemas do contexto social dos alunos e ao seu desempenho escolar (Riopel, 2006Riopel, M. C. (2006). Novas Regulações Escolares: Quais os impactos sobre as preocupações dos professores? Educação em Revista, 44, 165-184, dez. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-46982006000200009
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). Professores brasileiros também demonstraram preocupações referentes aos problemas sociais da comunidade escolar, aspectos como a falta de um suporte familiar para o aluno, com condições básicas de sobrevivência e acompanhamento na vida escolar do discente, assim como a absorção por parte da escola dos problemas que ocorrem foram dela, como o tráfico de drogas (Trusz, 2016Trusz, R. D. (2016). Preocupações de Professores de Educação Física de Balneário Camboriú [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC.; Favatto & Both, 2019bFavatto, N. C., & Both, J. (2019b). Preocupações dos Professores de Educação Física no Início da Carreira Docente. Revista Motrivivência, 31(58), 01-17, abril/julho.). Em complemento, o estudo de Smith e Sanche (1993)Smith, D. L., & Sanche, R. P. (1993). Interns´ personally expressed concerns: A need to extend the Fuller model? Action in Teacher Education, 15, 36-41. doi: https://doi.org/10.1080/01626620.1993.10463151.
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, que investigou estagiários na área da Educação, identificou que existiam preocupações dos estudantes estagiários fora do modelo teórico proposto por Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. , nomeadas de out-of-school, ou seja, preocupações que iam além do ambiente da escola, como o relacionamento com a comunidade escolar.

De fato, Wittizorecki (2001)Wittizorecki, E. S. (2001). Trabalho Docente dos Professores de Educação Física na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre: Um estudo nas escolas do Morro da Cruz. 153 f. [Dissertação de mestrado]. Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano, UFRGS, Porto Alegre, 2001. e Conceição e Molina Neto (2016) apontaram que, ao atuar em localidades desfavorecidas economicamente, onde os problemas sociais ficam mais evidentes, o professor agrega elementos imprescindíveis da responsabilidade social, em que realizar tarefas vai muito além das necessidades dos alunos. A atuação docente em zonas socioeconômicas desfavorecidas não tem apenas as questões educacionais como função, mas também a responsabilidade social mediante o local em que atuam (Wittizorecki, 2001Wittizorecki, E. S. (2001). Trabalho Docente dos Professores de Educação Física na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre: Um estudo nas escolas do Morro da Cruz. 153 f. [Dissertação de mestrado]. Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano, UFRGS, Porto Alegre, 2001.; Conceição & Neto, 2016Conceição, V. J., & Molina Neto, V. (2016). Formação e Prática Educativa do Professor de Educação Física: O início da docência sob o olhar da pedagogia crítica. In Conceição, V. J. S. da & Frasson, J. S. (Orgs.), Textos e contextos sobre o trabalho do professor de Educação Física no início da docência (pp. 181-204).).

As questões sociais que afetam a comunidade escolar e, consequentemente, a prática docente perpassam todos os CDP. No entanto, nos ciclos iniciais de EC e CCP, os professores demonstraram menos preocupações com essa dimensão, vinculadas à agressividade dos alunos e à relação familiar, aspectos que influenciam suas aulas e a aprendizagem dos alunos.

A escola tá sendo responsável não só por ensinar, mas educar também. O pai deixa o filho às 7:30 na escola, e buscar às 17:00. Eles passam 5 horas do dia com o filho, botou pra dormir no outro dia a mesma coisa. (E1).

A gente percebe que os alunos, às vezes tem o caso de pai que bate na mãe, a gente vê que o comportamento deles é prejudicado por causa disso. Eles mesmos reproduzem, a violência que eles sofrem em casa. Eles reproduzem tudo aqui na escola. E muitas vezes com os professores. Já levei tapa, já levei chute, arranhão (C4).

Essa menor menção de preocupações vinculadas à dimensão de Problemas Sociais por professores com menos tempo de atuação no magistério pode ser explicada pelo menor período de envolvimento e conhecimento que esses docentes possuem sobre a dinâmica de trabalho escolar, e por isso podem se mostrar mais entusiasmados a trabalhar, característica presente entre docentes de início de carreira (Farias et al., 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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). Destaca-se ainda que os professores nesse momento da carreira estão envolvidos em sobreviver no espaço de trabalho e, assim, ocupam-se em realizar ações que pautam sua sobrevivência (Shoval, Erlich & Fejgin, 2010Shoval, E., Erlich, I., & Fejgin, N. (2010). Mapping and interpreting novice physical education teachers’ self-perceptions of strengths and difficulties. Physical Education & Sport Pedagogy, 15(1), 85–101. doi:10.1080/1740898090273135
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), deixando em segundo plano outras demandas como as preocupações vinculadas aos problemas sociais.

Em estudo realizado com estudantes estagiários de EF uruguaios, identificaram-se preocupações relacionadas ao contexto social similares às relatadas pelos professores da fase de EC deste estudo, como a coerência entre contexto do aluno e o que é ensinado, situação social das famílias dos alunos, entre outros (Piovani, Both & Nascimento, 2012Piovani, V. G. S., Both, J., & Nascimento, J. V. do. (2012). Preocupaciones Pedagógicas de los Estudiantes-Practicantes de Educación Física de diferentes domicilios sociales de Uruguay. Revista Movimento, 18(4), 77-98.).

Os professores que estão no ciclo de CCP demonstraram preocupações apenas com a agressividade dos alunos. Esse resultado pode refletir o ambiente de trabalho e as novas experiências que esse professor está vivenciando, revelando que o docente se preocupa com fatores que interferem diretamente na sua prática, como, por exemplo, a agressividade dos alunos, que é responsável por um alto consumo da energia física e mental dos professores no ambiente de trabalho (Martins, 2016Martins, R. G. L. (2016). Bem-estar do Trabalhador Docente em Educação Física da Região de Jataí – Goiás [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR.; Sant'Ana, 2012Sant’Ana, A. S. S. (2012). A indisciplina na educação física escolar [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC.).

É importante destacar que o ciclo de ADC evidenciou maiores níveis de preocupação nos indicadores contexto social e relação familiar, conforme relatado pela professora D2.

Às vezes, cheguei na sala e percebo que tem alguma coisa de errado, então tem o hábito deles virem: ‘professora eu preciso te contar uma coisa’. São coisas que muitas vezes a gente precisa dar um tempo com aquele conteúdo específico. Então a gente conversa, as vezes não tem nada em específico com o conteúdo da Educação Física, mas tem a ver com o conteúdo de aprendizagem humana, então a gente para discute e conversa (D2).

Essa evidência pode ser explicada pelas características desse ciclo, em que os professores demonstram estar mais estabilizados em suas competências profissionais e apresentam domínio das rotinas básicas da escola, o que lhes permite uma maior segurança no envolvimento em discussões e assuntos que envolvem o contexto escolar (Farias et. al., 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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).

O ciclo de RC também apresentou baixas preocupações com a dimensão Questões Sociais: um professor demonstrou preocupação com a relação familiar e o outro com o contexto social. Além da baixa evidência de preocupação, os docentes expressaram que essas situações não dependem deles e não possuem seu cerne na escola, como observado na fala do professor R4.

Existe alguns outros enfrentamentos, por exemplo, a questão das drogas dentro da escola. Esse ano tá muito complicado, já aconteceu fatos de alunos do período da tarde que é o Ensino Fundamental, passar LSD dentro da escola, fora maconha que a maconha que é igual beber água né?! E a promotoria não toma nenhuma providência porque tem que ter um número X de acusações, o Conselho Tutelar é a mesma coisa, a Polícia Civil o mesmo. Então são N pontos, que estão fora do nosso alcance, não é uma coisa que a escola pode resolver (R4).

Essa menor preocupação pode ser explicada pela presença de homens no grupo investigado. Como identificado em outros estudos, os homens demonstraram menores preocupações quando comparados às mulheres (Farias et al., 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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; Trusz, 2016Trusz, R. D. (2016). Preocupações de Professores de Educação Física de Balneário Camboriú [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC.; Zounhia & Harziharistos, 2005). Além disso, os professores desse ciclo de desenvolvimento profissional possuem as competências profissionais aprimoradas e o controle sobre as atividades e a rotina escolar, o que possibilita menor preocupação vinculada ao sentimento de normalidade com a situação vivenciada (Farias et al., 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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).

Por fim, o ciclo de MC apresentou intensas preocupações com as relações familiares e o contexto social. Em sua fala, a professora M4 demonstra a maturidade de compreender que os alunos, para além das necessidades de aprendizagem, trazem para a escola necessidades afetivas e sociais.

Esse ciclo de desenvolvimento profissional caracteriza-se por vastas vivências e experiências com as situações de ensino durante a trajetória docente, as quais possibilitam que esses professores tenham uma visão mais ampla da educação, orientem sua prática profissional e busquem, por meio das vivências, entender as novas demandas da sociedade e do contexto social em que atuam (Farias et al., 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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).

É, a escola é um para-raios, tudo acontece na escola e, isso é uma preocupação porque o mundo hoje, os valores estão muito diferentes, né? A gente tá na escola, tudo vai cair ali. Então é uma preocupação constante, a questão de você atender aquele aluno, as necessidades, que às vezes aquele aluno precisa muito mais de uma conversa do que uma aula ali de aprender a fazer (M4).

Segundo Oliveira, Cândido e Dornelles (2010)Oliveira, A. F., Cândido, S., & Dornelles, R. F. M. (2010). Preocupações pedagógicas da carreira docente em Educação Física no Ensino Fundamental do município de Gaspar (SC). In Anais do XIII Semana Acadêmica do Curso de Educação Física "Transversalidades e diálogos (des)necessários? II Encontro Científico do curso de Educação Física, Blumenau, SC, Brasil., é possível que as preocupações referentes ao contexto da comunidade escolar provoquem preocupações nos professores por gerarem uma maior responsabilidade com o objetivo de modificar ou então auxiliar na melhora da realidade do aluno. Essa lógica corrobora com a realidade dos participantes deste estudo, que atuam como professores em escola pública, muitas vezes em local de periferia, ou estabelecem contato com alunos que fazem parte de um contexto de risco social.

Indicadores de preocupação docente emergentes na dimensão Consigo: Formação Docente e Saúde

Ao se avaliarem as entrevistas dos professores, observou-se que indicadores relacionados à dimensão consigo foram citados, mas não se encontravam nas características descritas na proposta original da dimensão de Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. . Na fala dos docentes, foi possível identificar cinco menções de preocupações, sendo duas vinculadas à formação docente (E1, E3) e três à Saúde do Docente (E1, R2, R4).

Escola não é fácil, a gente até brinca, acho que só os professores da educação física não tomam remédios tarja preta. Acho que é porque a gente pratica atividade física com os alunos ou faz fora ou vê o sol (risos), os demais, 90% dos professores aqui nessa escola tomam um remédio pra dormir, para ansiedade, para depressão (R4).

Os indicadores Formação Docente e Saúde Docente estão vinculados à dimensão consigo do modelo de Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. porque fazem referência a situações e circunstâncias que os docentes enfrentam para se adequarem e sobreviverem no ambiente de ensino e manterem o controle das classes (McBride, 1993McBride, R. (1993). The TCQ-PE: An adaptation of the teacher concerns questionnaire instrument to a physical education setting. Journal of Teaching in Physical Education, 12(2), 188-196. doi: https://doi.org/10.1123/jtpe.12.2.188
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; Meek & Behets, 1999Meek, G., & Behets, D. (1999). Physical education teachers' concerns towards teaching. Teaching and Teacher Education, 15, 497-505. doi: https://doi.org/10.1016/S0742-051X(98)00061-4
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).

Assim, o primeiro indicador, Formação Docente, reflete a preocupação dos professores com a ausência de coerência entre a teoria e a prática e a falta de conhecimento do professor para trabalhar com alunos de inclusão, o que é preconizado nas leis 7.853/89 e 9.394/96 (Brasil, 1996Brasil. (1996). Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/Leis/l9394.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/Le...
; Brasil, 1999Brasil. (1999). Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
)5 5 No Brasil, existe a seguridade por lei da inserção de pessoas com deficiência nos diferentes níveis de ensino (Decreto nº 3.298/99; Art. 88 4.024/61; Art. 59 9394/96 – LDB).

Você vai preparar aula e muitas vezes não funciona, é um dos grandes choques que encontramos quando vamos lecionar. Muitas vezes na graduação os professores falam tudo como se fosse perfeito, é uma teoria maravilhosa, só que quando você vai pra realidade não funciona. Tem muitos professores da graduação que fazem mestrado, doutorado e nunca vão para uma escola. Esses professores fazem inúmeras propostas que não vão funcionar, porque eles não sabem como é a realidade da escola (E1).

No entanto, ressalta-se que somente os professores do ciclo de EC demonstraram preocupações com esse indicador, o que pode ser explicado pelo fato de serem recém-formados ou possuírem poucos anos de docência. Nesse sentido, a proximidade que eles mantêm ainda com a graduação provoca nos professores alguns questionamentos sobre a teoria estudada e a prática pedagógica (Farias et al., 2018Farias, G. O., Batista, P. M. F., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2018). Ciclos da Trajetória Profissional na Carreira Docente em Educação Física. Revista Movimento, 24(2), 441-454, abr./jun. doi: https://doi.org/10.22456/1982-8918.75045
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). Um estudo com estudantes de EF identificou que o período de contato com a realidade escolar durante o curso de graduação pode não ser suficiente para compreender toda a realidade presente no ambiente de trabalho, isso porque consideram que os conhecimentos adquiridos na experiência prática são mais influentes do que a parte teórica dos cursos (Capel et al., 2011Capel, S., Hayes, S., Katene, W., & Velija, P. (2011). The Interaction of Factors which Influence Secondary Student Physical Education Teachers’ Knowledge and Development as Teachers. European Physical Education Review, 17(2), 183–201.). Além disso, Armour et al. (2012)Armour, K., Makopoulou, K., & Chambers, F. (2012). Progression in Physical Education Teachers' Career-Long Professional Learning: Conceptual and Practical Concerns. European Physical Education Review, 18(1), 62-77. doi: 10.1177/1356336X11430651
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, ao investigarem professores de EF, relataram que, por diversas vezes, a aprendizagem dos cursos de graduação é desconectada da realidade prática. E, em muitos casos, os docentes não possuem uma progressão de aprendizagem adequada ao longo da carreira profissional que dê suporte à prática docente e esteja sustentada por uma formação continuada planejada.

Ainda, o embate com a realidade de trabalho e as novas situações vivenciadas pelos professores provocam preocupações, como por exemplo, trabalhar com alunos de inclusão. Essa insegurança pode remeter ao fato de que a formação inicial não consegue abranger todas as necessidades e especificidades que a prática docente exige. Um estudo com estudantes estagiários de EF em situação de Estágio em Educação Especial evidenciou que os discentes se percebem menos preparados para trabalhar com as variadas deficiências presentes na escola (Schiarolli, Gomes & Both, 2018Schiarolli, G., Gomes, N. M., & Both, J. (2018). Autopercepção de Competência Profissional de Estudantes Estagiários de Licenciatura em Educação Física sobre a Educação Especial. Caderno de Educação Física e Esporte, 16(1), 207-216, jan./jun.a).

Assim, a falta de vínculo com a realidade de trabalho e a formação inicial podem ter incitado preocupações nos professores que estão mais próximos da graduação. A vivência de uma formação inicial que esteja distante do que de fato ocorre nos espaços docentes pode provocar um maior choque com a realidade profissional e, quando se apresenta mais próxima das situações reais de ensino, oferece maior suporte ao início de carreira (Leone & Leite, 2011Leone, N. M., & Leite, Y. U. F. (2011). The beginning of the teaching career: implications for initial teacher education. Revista Eletrônica Pesquisaduca, Santos, 3(6), 236-259, Jul./Dec.; Figuerêdo & Moura, 2018Figuerêdo, E. G., & Moura, M. G. C. (2018). Contributions and Limitations of Initial Training in Physical Education: An integrative review. Revista Eletrônica Pesquisaeduca, 10(22), 544-555.). Algumas pesquisas sobre a formação inicial em EF apresentam desajustes em sua relação com a realidade de trabalho docente, apontando práticas de ensino descontextualizadas nos cursos de ensino superior (Azevedo, Pereira & Sá, 2011Azevedo, E. S., Pereira, B. O., & Sá, C. A. (2011). Teachers' perceptions about initial training in pedagogical practice: a case study of physical education teachers. Revista Iberoamericana de Educación, (56), 201-226.), impotência dos cursos de graduação para responder sobre o que o futuro docente encontrará na realidade de trabalho (Colombo & Cardoso, 2008Colombo, B. D., & Cardoso, A. L. (2008). Initial training in physical education and acting at school: the moment of truth. Motrivivência, Florianópolis, (30), 111-127.) e o afastamento entre a formação inicial e os problemas da prática profissional (Gariglio, 2010Gariglio, J. A. (2010). The role of initial training in the process of constituting the professional identity of physical education teachers. Brazilian Journal of Sport Sciences, Florianópolis, 32(2-4), 11-28, Dec.).

Neste ponto, Neira (2016)Neira, M. G. (2016). Os currículos que formam os professores de Educação Física: A paixão pelo inimigo. In M. G. Neira & M. L. F. Nunes (Orgs.), Monstros ou Heróis? Os currículos que formam professores de Educação Física (pp. 153-170). Editora Phorte. analisou os currículos brasileiros de formação de professores de EF e identificou que eles não abrangem todos os conhecimentos necessários para os futuros docentes e que algumas disciplinas não se relacionam com a realidade. Assim, percebe-se uma distância entre a formação inicial em EF e a realidade de trabalho dos professores, o que provoca um choque nos professores iniciantes.

Quando considerado o tema Saúde do Docente, observou-se que as preocupações se voltaram para as consequências que o trabalho vinculado ao magistério acarreta em sua vida, sendo que apenas os ciclos de EC e RC demonstraram preocupações. Os professores mencionaram as doenças mentais acarretadas pelo trabalho docente que acabam por culminar no pedido de exoneração do concurso público, conforme menciona o professor E1.

Sim, tá acontecendo porque que tem tanta professora entrando em depressão, tem tanto professor doente, porque cada vez mais os professores estão desistindo, pedindo exoneração (E1).

Destaca-se que os problemas de saúde podem favorecer a desistência da profissão. Alguns estudos evidenciam que elevados níveis de esgotamento físico e emocional decorrente da atuação profissional provocam dispêndio de energia desnecessária, o que pode ocasionar situações de estresse, bem como o desejo de abandonar a docência (Sant' Ana, 2012; Wagner & Carlesso, 2019Wagner, L., & Carlesso, P. P. J. (2019). Teaching profession: A study of career abandonment in contemporary times. Research, Society and Development, 8(6).).

No ciclo de EC, dois estudos sobre o bem-estar do trabalhador docente identificaram que os professores menos experientes apresentaram maiores desgastes e problemas com a saúde (Martins, 2016Martins, R. G. L. (2016). Bem-estar do Trabalhador Docente em Educação Física da Região de Jataí – Goiás [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR.; Favatto & Both, 2019aFavatto, N. C., & Both, J. (2019a). Motivos para Abandono e Permanência na Carreira Docente em Educação Física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 41(2), 127-134.), o que pode estar associado ao choque com a realidade de trabalho que os docentes em início de carreira enfrentam. A pouca experiência de prática docente também pode ser um fator associado a esta situação, tornando-se mais evidente em professores de EF devido às características dos locais de aula, geralmente abertos, exigindo alteração na voz (Farias et. al., 2018; Favatto & Both, 2019aFavatto, N. C., & Both, J. (2019a). Motivos para Abandono e Permanência na Carreira Docente em Educação Física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 41(2), 127-134.; Gonçalves, 2007Gonçalves, J. A. (2007). A carreira das professoras do ensino primário. In A. Nóvoa. (Org.), A vida de professor (pp. 141-170). Porto Editora.; Huberman, 2007Huberman, M. (2007). O ciclo de vida profissional dos professores. In A. Nóvoa. (Org.), A vida de professor (pp. 31-62). Porto Editora.; Martins, 2016Martins, R. G. L. (2016). Bem-estar do Trabalhador Docente em Educação Física da Região de Jataí – Goiás [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR.).

No que se refere ao ciclo de RC, também se evidenciaram preocupações com a Saúde Docente. Martins (2016)Martins, R. G. L. (2016). Bem-estar do Trabalhador Docente em Educação Física da Região de Jataí – Goiás [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR. constatou que os docentes apresentaram variadas reclamações e desgastes em relação à saúde. A autora esclarece que a idade dos professores (40 anos ou mais) e o fato de estarem próximos do fim da carreira podem provocar percepções negativas sobre a carreira e aposentadoria. Germano (2018)Germano, A. G. (2018) Welfare of Teachers in Physical Education in Basic Education at the end of their careers [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade de Maringá. Maringá, PR. investigou professores com proximidade da fase de aposentadoria e identificou relatos de desgastes físicos, problemas na voz, obesidade e depressão no decorrer da carreira.

Destaca-se ainda que pessoas mais velhas apresentam, normalmente, aumento considerável na preocupação com a saúde, motivada pela necessidade do tratamento de patologias (Brandão & Duarte, 2003Brandão, J. S., & Duarte, M. F. S. (2003). Perfil do estilo de vida dos professores de educação física aposentados no Vale do Itajaí/SC. In J. V. do Nascimento & A. S. Lopes (Orgs.), Investigação em educação física: primeiros passos, novos horizontes (pp. 91-106). Midiograf.). Para além disso, os aspectos pessoais (satisfação no trabalho dos professores e aumento dos percentuais de comportamentos positivos no que se refere ao estilo de vida) e administrativos (melhoria das condições de trabalho, melhores salários, oferta de programas de promoção à saúde dos docentes) podem influenciar na saúde do professor (Both, 2011Both, J. (2011). Bem Estar do Trabalhador Docente em Educação Física da Região Sul do Brasil [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC. ), o que apresenta relação com as dimensões de Políticas Públicas e Questões Sociais evidenciadas neste estudo.

Conclusão

O presente trabalho buscou identificar as preocupações que professores de EF brasileiros possuem durante o desenvolvimento de sua carreira profissional que não estão presentes na teoria de preocupações de Fuller e Bown (1975)Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. . Os resultados do estudo permitiram identificar duas dimensões de preocupações emergentes: Questões Sociais e Políticas Públicas; e dois indicadores emergentes na Dimensão Consigo (Fuller & Bown, 1975Fuller, F., & Bown, O. (1975). Becoming a teacher. In K. Ryan. (Ed.). Teacher Education. Yearbook of the National Society for the Study of Education (pp. 25-52). University of Chicago Press. ): Formação Docente e Saúde Docente.

A dimensão Políticas Públicas refere-se a ações e atitudes do governo em prol da população. Destaca-se que, tanto em ordem micro como macro-organizacional (sucateamento da educação, baixa remuneração, desvalorização da profissão), as ações do governo preocupam os professores e influenciam sua prática docente em todos os CDP. A realidade vivenciada pelos professores e alunos, a diminuição de políticas públicas e a perda de direitos explicam essas preocupações.

Evidencia-se que as ações e políticas que o governo estabelece, nas diferentes instâncias de poder, influenciam e provocam preocupações nessa categoria e nas outras dimensões encontradas. Nessa lógica, faz-se necessária a organização da classe profissional e acadêmica para realizar novos estudos que revelem o impacto de políticas governamentais na tarefa docente e na qualidade do ensino a fim de fundamentar e reivindicar ante o poder público a revisão de medidas tomadas pelo governo federal e estadual que colocam em risco os direitos dos docentes e a qualidade da educação básica.

Na categoria de Questões Sociais, a falta da família/responsáveis na escola ou a rede precária de atendimento e cuidado com as crianças provocam nos alunos comportamentos que refletem na escola, como a agressividade. Nesse sentido, a escola é caracterizada como um “para-raios”, pois ela espelha a comunidade que ela atende, com os problemas vivenciados fora da escola dentro do ambiente escolar. Todos os ciclos demonstraram preocupações, entretanto, destaca-se uma intensificação das preocupações nos últimos ciclos.

Neste caso, seria importante oferecer apoio psicológico e pedagógico aos professores dentro das escolas ou estruturas administrativas para orientá-los e ajudá-los a lidar com aspectos sociais que vão além dos muros da escola, uma vez que estes problemas, muitas vezes, afetam o ensino e o clima de trabalho na equipe escolar como também desgastam a própria saúde dos docentes, principalmente daqueles que se encontram nos últimos ciclos da carreira.

Constatou-se que a falta de relação entre teoria e prática e o despreparo da formação inicial compõem o indicador Formação Docente. O fato de apenas o ciclo de EC ter apresentado preocupações com esse indicador sugere que o choque com a realidade, que constitui uma característica evidente nesse ciclo, assim como a proximidade dos professores com a formação inicial provocam alguns questionamentos nos docentes. Nesse sentido, deveria existir algum tipo de suporte didático-pedagógico direcionado aos professores que ingressam no magistério público para oferecer-lhes possibilidades de progressão de aprendizagem na carreira docente. Este suporte poderia estar ancorado na aprendizagem colaborativa com professores mais antigos na rede de ensino, assim como poderia receber ajuda de instituições de ensino superior para elaboração de um plano de formação continuada que atendesse às diferenças entre os CDP.

No indicador Saúde, os professores demonstraram preocupações com os desgastes que o trabalho docente pode gerar. No entanto, apenas os ciclos de EC e RC evidenciaram preocupações. As características de cada fase, como o choque com a realidade no ciclo de EC e a idade mais avançada e a proximidade da aposentadoria no ciclo de RC, podem explicar essas evidências. Assim, percebe-se que ações de apoio tanto pedagógico como psicológico para enfrentar as situações do dia a dia do ensino são necessárias, pois acabam repercutindo não somente nas tarefas do exercício da profissão como também nas condições de vida do professor que, por sua vez, incidem na sua função docente.

Assim, as preocupações dos professores de EF refletem a intensa relação existente entre o ambiente escolar e a sociedade, que pode ser observada nas dimensões identificadas referentes a fatores externos à escola, mas que acabam por interferir no cotidiano escolar. Por este motivo, são necessários estudos que abordem a complexidade dessa relação, a tarefa de ensinar e o ambiente social, para melhor entender e propor medidas que aprimorem a educação em geral e a EF em particular.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Maria Thereza Sampaio Lucinio thesampaio@uol.com.br
  • 3
    O termo dificuldade foi utilizado no intuito de aprofundamento na realidade do cotidiano escolar e, consequentemente, do trabalho docente, buscando identificar, dentre as dificuldades que assolam o dia a dia do professor, as que mais preocupam os docentes.
  • 4
    Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996Brasil. (1996). Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/Leis/l9394.htm
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/Le...
    ), o sistema educacional brasileiro organiza-se em um regime de corresponsabilidade entre todos os entes federativos (União, estados/Distrito Federal e municípios), seguindo a Constituição brasileira (artigo 205). Há uma divisão de responsabilidades entre municípios, estados e União. Os municípios têm a função principal de oferecer vagas no Ensino Infantil e Fundamental. Os estados devem priorizar o Ensino Médio, mas também atuar, em parceria com os municípios, na oferta de Ensino Fundamental. À União cabe organizar o sistema como um todo e regular o Ensino Superior. No entanto, essa definição não representa que os demais entes possam se eximir de qualquer responsabilidade em níveis que não aquele que lhe seja prioritário por lei, já que a LDB prevê o trabalho em regime de cooperação.
  • 5
    No Brasil, existe a seguridade por lei da inserção de pessoas com deficiência nos diferentes níveis de ensino (Decreto nº 3.298/99; Art. 88 4.024/61; Art. 59 9394/96 – LDB).

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Editor responsável: Silvio Donizetti de Oliveira Gallo. https://orcid.org/0000-0003-2221-5160

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2021
  • Revisado
    12 Jun 2023
  • Aceito
    29 Jun 2023
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