Resumo
O artigo apresenta um mapeamento dos Grupos de Pesquisa que estudam a Educação Infantil do Campo e encontram-se cadastrados no CNPq. O interesse pela temática surgiu ao se constatar que a única pesquisa nacional sobre a Educação Infantil do Campo e a caracterização das práticas educativas com crianças de 0 a 6 anos de idade residentes em área rural no Brasil foi finalizada em 2012. Neste texto, emprega-se a metodologia de levantamento bibliográfico. Os resultados mostram que são poucos os grupos de pesquisa voltados para a Educação Infantil do Campo. Há a necessidade de estudos que priorizem as marcas, os espaços, as vivências de uma criança habitante do campo e a formação de professores para a Educação Infantil do/no Campo.
Palavras-chave Educação Infantil; Educação do Campo; Educação Infantil do/no Campo; Formação de Professores da Educação Infantil; Organização do Trabalho Pedagógico
Resumen
El artículo presenta un mapeo de Grupos de Investigación que estudian Educación Infantil del Campo y están registrados en la base de datos del CNPq. El interés por el tema surgió cuando se constató que la única investigación nacional sobre Educación Infantil del Campo y prácticas educativas con niños de 0 a 6 años residentes en zonas rurales de Brasil se completó en 2012. En este texto se utiliza la metodología de levantamiento bibliográfico. Los resultados muestran que existen pocos grupos de investigación centrados en la Educación Infantil del Campo. Se necesitan estudios que prioricen tanto las marcas, los espacios y las experiencias de un niño que vive en el medio rural como la formación de docentes para la Educación Infantil en/del Campo.
Palabras clave Educación Infantil; Educación Rural; Educación Infantil en campo; Formación de Docentes de Educación Infantil; Organización del Trabajo Pedagógico
Abstract
The text presents a mapping of the Research Groups that study Early Childhood Education in the Countryside and are registered in the database of the CNPq. The interest in the subject arose when it was found that the only national survey about Early Childhood Education in the Countryside and characterization of educational practices with children from 0 to 6 years of age living in rural areas in Brazil was completed in 2012. In this text, the methodology of bibliographic survey is used. The results show that there are few research groups focused on Early Childhood Education in the Countryside. There is a need for studies that prioritize brands, spaces, the experiences of a child who lives in rural areas and the training of teachers to Early Childhood Education of/in the Countryside.
Keywords Early Childhood Education; Countryside Education; Early Childhood Education in the Countryside; Training of Early Childhood Education Teachers; Organization of Pedagogical Work
Introdução
O objetivo deste artigo é apresentar um estudo4 sobre Grupos de Pesquisa cadastrados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que desenvolvem pesquisas relacionadas à Educação Infantil do/no Campo e formação de professores do/no campo, identificando líderes e vice-líderes e suas produções acerca dessas temáticas, no período de 2008 a 2019.
O interesse pelo estudo surgiu a partir da análise das experiências de um estudo intitulado “Pesquisa Nacional Caracterização das práticas educativas com crianças de 0 a 6 anos residentes em área rural” (Brasil, 2012), finalizado em 2012, que coletou informações sobre a Educação Infantil do/no Campo no Brasil, com o intuito de apresentar indicativos para a formulação de uma política nacional para esta etapa de educação, contemplando a especificidade das crianças do campo.
O processo de constituição da Educação Infantil do Campo (EIC) envolve a presença de pesquisadores das universidades públicas do país, os quais vêm participando tanto dos coletivos que se organizaram e se organizam em ações de alcance nacional quanto da experiência do GT e da pesquisa nacional e têm também contribuído para a introdução dessa área emergente em suas universidades, nas quais realizam experiências de Ensino, Pesquisa e Extensão (Leal & Oliveira, 2019, p. 794).
Entende-se que a concepção de crianças como ator social e a responsabilidade de oferta de educação pelo Estado exigem a presença de políticas que articulam o direito das crianças à políticas de educação de qualidade, nas quais se considera seu direito de viver com outras crianças, em espaços organizados para esse fim, bem como formação às professoras, especialmente para suas práticas pedagógicas cotidianas que ocupam o lugar importante no desenvolvimento das crianças.
Desde a década de 1980, quando se intensificou o processo de luta pela redemocratização da sociedade brasileira e a defesa pelos direitos à educação e à saúde para todos desde o nascimento, a Educação Infantil (EI) passa por mudanças significativas. Como resultado de lutas, a publicação da Constituição Federal (CF) de 1988 (Brasil, 1988) afirmou o direito da criança pequena à educação. Esse direito constitucional foi um marco histórico que positivou as necessidades da população infantil de ter uma educação e o dever do Estado em garanti-la.
Em decorrência de políticas públicas, especialmente as educacionais, provenientes da visibilidade que a positivação de um direito apresenta, em 1996, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, Lei de nº 9394 (Brasil, 1996), considerando a EI como a primeira etapa da educação básica e abrindo caminhos para consolidação de direitos das crianças. Segundo Kramer (2006), “o reconhecimento deste direito foi afirmado na Constituição de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na LDB de 1996 e está explícito nas Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil e no Plano Nacional de Educação” (Kramer, 2006, p. 798).
No entanto, somente a busca pela fundamentação legal não é suficiente; pois, como afirma Bobbio (2004, p. 16), “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los”. O autor atesta ainda:
Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados. (p. 17).
Tanto a CF, de 1988, quanto a LDB, de 1996, são marcos históricos que afirmaram as necessidades da população infantil de ter direito à educação. Tais marcos evidenciam que os direitos das crianças “[devem] ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado” (Bobbio, 2004, p. 19). Desse modo, a partir dessas importantes legislações, diversas políticas públicas, demais legislações, diretrizes e programas foram implementados no Brasil de forma a garantir a educação às crianças de 0 a 6 anos de idade.
Contudo, ainda que apresente essa positivação, como explica Bobbio (2004, p. 25), o reconhecimento e a visibilidade adquiridos por meio de lutas esbarram em um Estado que não consegue cumprir o que está na lei, fato que viabiliza o surgimento de lacunas no que diz respeito ao direito à educação, as quais só podem ser preenchidas por meio do desenvolvimento da sociedade como um todo.
Na busca por esse desenvolvimento socioeconômico, no entanto, a partir do final dos anos de 1990, a economia brasileira mudou de forma exponencial e, logo, o contexto para a educação também. Durante o governo de Fernando Collor (1990-1992), o país, ainda em fase de redemocratização, adere à “nova ordem mundial” do neoliberalismo, novo modelo que regeu os governos subsequentes.
Como explicam Peroni e Adrião (2005), o neoliberalismo pode ser compreendido como política de saída para a crise do capital em que o papel do Estado em relação às políticas sociais é modificado, transferindo a responsabilidade pela execução dessas políticas para a sociedade, principalmente para o mercado, considerado respeitado e eficaz (Peroni & Adrião, 2005). Segundo Peroni (2015, p. 17), nesse contexto, o Estado é considerado pelos neoliberais como ineficiente, burocrático, corrupto e causador da crise fiscal.
Em meio a esse novo processo de reorganização do Estado brasileiro, subordinado ao projeto político e econômico neoliberal, as zonas urbanas aumentaram significativamente, provocando forte êxodo rural no país, concentrando as principais atividades nos centros urbanos, bem como o número de escolas. Nesse contexto contraditório, por meio das lutas da sociedade civil organizada, a Educação Infantil ganhou espaço e “[...] incorporou-se ao sistema educacional consolidando-se com identidade educacional, procurando superar seu caráter assistencialista” (Barbosa & Fernandes, 2013, p. 300).
Embora as cidades tenham crescido em seu perímetro urbano, os espaços rurais não deixaram de existir, tampouco mudou-se a realidade da população campesina, em que muitos tinham que se deslocar todos os dias para trabalhar no centro da cidade ou continuavam com o trabalho no campo, sem tempo suficiente para dedicarem-se à educação dos seus filhos.
Com o crescimento das cidades, o número de escolas no perímetro urbano aumentou, todavia o seu público ainda era restrito às classes mais favorecidas, pois era inviável a locomoção e a permanência das crianças campesinas nessas escolas. Por outro lado, “[...] mesmo quando se formulou políticas ou ações para a educação do meio rural, estas ações seguiram o modelo de educação pensado para a cidade” (Viero & Medeiros, 2018, p. 13).
Tratando-se da Educação Infantil do/no Campo (EIC), identificamos que é uma etapa cuja abordagem tem crescido consideravelmente nos debates, a partir do final dos anos 1990, quando foi aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) resoluções para a Educação do Campo e Educação Infantil do Campo, “[...] marcada pela articulação entre ações de governos, movimentos sociais e sindicais do campo e de pesquisadores e ativistas das áreas da Educação do Campo e da Educação Infantil” (Leal & Oliveira, 2019, p. 792). Contudo, embora tal discussão tenha ganhado força no cenário nacional, essa especificidade do âmbito educacional ainda carece de estudos e pesquisas científicas, pois “as políticas de Educação Infantil para essa população precisam ainda promover ações para melhor conhecimento dessa realidade” (Barbosa et al., 2012, p. 319).
Nesse sentido, consideramos que a EIC é um direito constitucional e uma área emergente que tem necessidade de avançar em termos de efetividade de políticas públicas educacionais na garantia de uma educação de qualidade às crianças do campo, de modo que o atendimento à criança do campo e às suas necessidades seja papel das políticas educacionais e priorize as marcas, os espaços, as vivências de uma criança habitante do campo, respeitando sua relação com a natureza, cultura, comunidade, povos e linguagens.
Diante do exposto, temos como hipótese que a invisibilidade dessas questões e, consequentemente, da identidade da Educação Infantil do/no Campo, no âmbito do sistema de educação formal, tem incidido na flexibilização de políticas para a educação no campo, com a redução do custo da sua manutenção e precarização da sua oferta.
Neste estudo, optamos em utilizar a Educação Infantil do/no Campo como os movimentos sociais do campo a compreendem. Tais movimentos consideram o homem e a mulher como sujeitos histórico-sociais que, por sua práxis, produzem a realidade, ao mesmo tempo em que são produzidos por ela, o que possibilita o conhecimento sobre a realidade.
Este texto está organizado, além desta introdução, em mais duas outras partes. Na primeira parte, apresentamos a opção metodológica do trabalho e os procedimentos da pesquisa junto à base de dados dos Grupos de Pesquisa CNPq, para identificar e analisar os grupos e suas áreas de atuação, as produções acadêmicas voltadas para a Educação Infantil do/no Campo e a formação de professores do/no campo. Na segunda parte, nos resultados e análise da produção acadêmica, apresentamos os estudos da Educação do Campo e como a Educação Infantil do/no Campo está presente nesses estudos. Após essas discussões, tecemos algumas considerações da pesquisa e, por fim, considerações ainda a dizer.
Trajetória metodológica da pesquisa
Para realizar o mapeamento dos grupos de pesquisa cadastrados no CNPq, fundamentamos esta pesquisa em um referencial de abordagem crítica e dialética, situando o objeto no contexto social, político e socioeconômico mais amplo. Nessa direção, atentamo-nos para a dinâmica das relações e suas contradições na sociedade brasileira, levando em consideração, conforme analisa Cury (1987), a sua historicidade em um esforço em conhecer a realidade singular concreta em sua totalidade.
Implica uma complexidade em que cada fenômeno só pode vir a ser compreendido como um momento definido em relação a si e em relação aos outros fenômenos. Isso não quer dizer que se deva conhecer todos os fenômenos, igual e indistintamente. Significa que o fenômeno referido só se ilumina quando referido à essência, ou seja, àqueles elementos que definem sua própria natureza no seu processo de produção. A totalidade, então, só é apreensível através das partes e das relações entre elas.
(Cury, 1987, p. 36).
Nesta pesquisa, buscamos analisar a temática da EIC no contexto da realidade em sua forma singular de se manifestar, tendo em vista o movimento pertinente na mediação com a totalidade, por meio de um estudo dos resultados encontrados na base de dados do CNPq, ao realizarmos as buscas pelos Grupos de Pesquisa focados na apreciação da produção acadêmica que trata da Educação Infantil do/no Campo e da formação dos professores do/no campo para essa etapa da educação básica e que tenha sido realizada entre 2008 a 2019. Esse recorte temporal se justifica pela vigência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – criado em 2006 e regulamentado em 2007, pela Lei nº 11.494 (Brasil, 2007) –, o qual se tornou permanente a partir da Emenda Constitucional n° 108, de 27 de agosto de 2020, e encontra-se regulamentado pela Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020, e incluiu a Educação Infantil no fundo de financiamento da educação.
Como procedimento, utilizamos um levantamento bibliográfico que, segundo Vosgerau e Romanowski (2014, p. 6), abrange “[...] a elaboração de ensaios que favorecem a contextualização, problematização e uma primeira validação do quadro teórico a ser utilizado na investigação empreendida”.
Utilizamos as palavras-chave “Educação Infantil”, “Educação do Campo”, “Educação Infantil do Campo”, “Formação de Professores do Campo” e “Organização do Trabalho Pedagógico” para localizar grupos de pesquisa na área de educação. Para seleção dos grupos que discutem a EIC, fizemos leitura das ementas e das linhas de pesquisa.
Os Grupos de Pesquisa estão localizados em um diretório do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), uma base de dados formada por pesquisadores do Brasil. Optamos pelos Grupos de Pesquisa como fonte para levantamento de dados para que pudéssemos conhecer estudos desenvolvidos por pesquisadores e validados por agência de fomento oficial; identificar as discussões, pesquisas e estudos do grupo, bem como tendências das pesquisas; e verificar e selecionar as pesquisas que se aproximam do nosso objeto de estudo, a Educação Infantil do/no Campo e Formação de Professores do/no Campo para essa etapa.
No site do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil – CNPq5, a partir da barra de consultas (com a opção de buscar por “sensos anteriores” ou “base corrente”), utilizamos a opção “base corrente” e período de busca delimitado entre 2008 e 2019. O site fornece quatro opções de escolha: o termo de busca para uso das palavras-chaves; opções procurar por “todas as palavras”, “qualquer palavra” ou “busca exata”. Na pesquisa, utilizamos “todas as palavras”, objetivando encontrar o máximo de grupos possíveis. Também há a opção de consulta por grupo, linha de pesquisa, pesquisador, estudante, técnico e colaborador estrangeiro. Nesse caso, utilizamos a opção por grupo. Há outra opção oferecida: aplicar a busca nos campos, como nome do grupo, nome da linha de pesquisa, palavra-chave da linha de pesquisa, repercussões do grupo, nome do líder, nome do pesquisador, nome do estudante, nome do técnico, nome do colaborador estrangeiro e/ou nome da instituição parceira. Utilizamos as quatro primeiras opções citadas. Quanto à situação, certificado e não atualizado, verificamos os dois casos; porém, para este texto, utilizamos os grupos certificados. Os grupos “não-certificados” indicam que a sua situação é desconhecida, ou seja, se as pesquisas continuam, se ainda produzem, discutem, pois os dados não são atualizados. Com isso, optamos por não utilizá-los.
Também existe a opção “filtros”. Ao clicarmos nela, aparece “Filtro para localização e tempo de existência do grupo”. O filtro utilizado foi apenas a data de término, 2019, pois ao filtrarmos a data de início, a busca apresentou apenas grupos criados em 2008 e nossa opção foi mapear grupos de pesquisa criados entre 2008 e 2019. Quanto ao filtro para área do conhecimento e setor de aplicação, utilizamos Ciências Humanas – Educação e educação, respectivamente. Não utilizamos os filtros para formação acadêmica (todas) e bolsistas CNPq ou docentes.
Utilizamos o mesmo critério de seleção para cada palavra-chave. Ao inserirmos a palavra-chave, ocorreu o fato de alguns grupos serem selecionados por duas palavras-chave. Sendo assim, optamos por deixá-los como resultados encontrados com o uso da primeira palavra-chave, mas destacamos a ocorrência dessa situação na sistematização dos dados. As buscas no site ocorreram de setembro de 2019 a julho de 2020 e, no total, selecionamos, conforme mostra a Tabela 1, 22 grupos de pesquisa.
Agregamos também a essa pesquisa um levantamento de dados sobre os grupos de pesquisa que foram criados entre 1996 e 2007, a fim de identificar se havia grupos/estudos sobre a Educação Infantil do/no Campo e Formação de Professores dessa etapa da educação básica, considerando a implementação da LDB 9394/96 até à aprovação do Fundeb. Nessa nova busca, conforme mostra o Quadro 1, encontramos 9 grupos de pesquisa:
Dos 9 grupos de pesquisa encontrados, 4 foram selecionados com o uso da palavra-chave “Educação Infantil”; 1, com “Educação do Campo”; 3, com “Educação Infantil do Campo”; e 1, com “Formação de Professores do Campo”.
De acordo com o Quadro 1, os grupos selecionados foram criados a partir de 2000, o que demonstra que os estudos sobre a Educação Infantil são recentes e, em relação à Educação Infantil do Campo, ainda incipientes no cenário da produção brasileira. Segundo Silva, Pasuch e Silva:
A preocupação com a Educação Infantil do campo ganha relevância quando consideramos que apenas recentemente esse tema vem sendo incorporado nos movimentos da Educação Infantil e nos movimentos sociais do campo, nas ações de governo e nas pesquisas acadêmicas.
(Silva et al., 2012, p. 49)
De modo geral, potencializa-se a discussão sobre a EIC a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), quando “a creche/pré-escola é fortalecida como um direito das mães ou dos filhos de trabalhadores rurais e urbanos” (Silva; Pasuch; Silva, 2012, p. 47).
Após a seleção dos grupos de pesquisa, analisamos as produções acadêmicas dos líderes desses grupos (líder e vice líder), no site dos Grupos de Pesquisa do CNPq e também na Plataforma Currículo Lattes6, visando identificar as produções acadêmicas e as atividades desenvolvidas (pesquisa e extensão) acerca das temáticas.
No Diretório dos Grupos de Pesquisa, utilizamos os nomes dos líderes dos grupos e na filtragem marcamos apenas “nome do líder”, para conhecer as pesquisas e artigos elaborados por esses profissionais. Procuramos pelo nome dos líderes e, em seguida, selecionamos “visualizar espelho do pesquisador”. Neste espelho, há as seguintes informações sobre o líder: titulação, área de atuação, grupos e linhas de pesquisa em que atua, estudantes orientados e indicadores de produção (artigos, publicações, livros e trabalhos realizados).
Resultados e discussões dos dados apresentados
Os estudos acerca da Educação Infantil do/no Campo, conforme revela a Tabela 1, ainda são pouco evidenciados entre os grupos de pesquisa. Dos 962 grupos de pesquisa selecionados, 22 aproximam-se da temática. Assim, “esse tratamento diferenciado para o urbano e o rural, no nível da política pública, talvez permeie também a produção acadêmica” (Barbosa et al., 2012, p. 293).
Notamos que os Grupos de Pesquisa do CNPq referentes à “Educação Infantil” são crescentes e a vigência da LDB, de 1996, que reafirma o direito da criança à educação, marca esse crescimento, conforme mencionamos na introdução deste texto. O levantamento de dados feito no diretório apresenta 277 grupos de pesquisa. Vale destacar que, segundo Campos (2012), a compreensão da Educação Infantil é resultado de muitos fatores convergentes, como a compreensão das particularidades das infâncias também em nível neurobiológico, as condições socioeconômicas, a socialização, entre outros.
Esses grupos de pesquisa apresentam diversos estudos relacionados à Educação Infantil: alfabetização, matemática na Educação Infantil, artes, ensino das ciências, currículo, políticas públicas educacionais e desenvolvimento infantil. Sobre essa variedade de estudos, Barbosa et al. (2012) afirmam: “[...] se a produção é volumosa, não se sabe ainda ao certo qual o lugar nela ocupado dos conhecimentos advindos das instituições localizadas em área rural” (Barbosa, et al., 2012, p. 293).
O levantamento demonstra que, com a análise detalhada dos 277 grupos de pesquisa, muitos não direcionam seus estudos para Educação Infantil do/no Campo, pois são voltados para o meio urbano. Desse conjunto de grupos, identificamos apenas 3 com pesquisas direcionadas para a área EIC.
Quanto à palavra-chave “Educação do Campo”, de acordo com Caldart (2009, p. 36), “discutir sobre a Educação do Campo hoje, e buscando ser fiel aos seus objetivos de origem, nos exige um olhar de totalidade, em perspectiva, com uma preocupação metodológica, sobre como interpretá-la”. É uma modalidade que dispõe de complexidade; pois, apesar do país ter origem rural, sofre para que sua essência não seja perdida e para que haja qualidade de ensino e educação diante de um contexto que supervaloriza a educação urbana e negligencia a Educação do Campo.
Ao observarmos os resultados de 500 grupos de pesquisa, notamos que há uma diversidade de assuntos relacionados à Educação do Campo e também a outros temas mais abrangentes, como, por exemplo, as questões ambientais. Identificamos que os grupos estudam questões diversas relacionadas ao sistema agrícola, agronegócio, pecuária e agrotóxicos, bem como questões da Educação de Jovens e Adultos do Campo, alfabetização do campo, educação matemática, demonstrando consolidação da área. Em relação à Educação Infantil do/no Campo, apenas 5 grupos foram selecionados, o que confirma que ainda são poucos os grupos que focam nessa etapa da educação.
Outro aspecto importante da pesquisa foi a diferenciação entre Educação do Campo e Educação Rural. Em nossos estudos, consideramos educação rural aquela relacionada aos princípios do paradigma capitalista-agrário, resultado de um sistema que visa ao lucro, e sua prioridade não é a população campesina e sim a monetização das ações que fazem em nome do campo. A Educação do Campo, como descreve Caldart (2009), não se reduz a um conjunto de palavras, é muito mais do que uma definição. É o resultado de lutas e movimentos sociais em prol dos trabalhadores camponeses, ela é “[...] um movimento real de combate ao atual ‘estado das coisas” (Caldart, 2009, p.40).
Ao incluirmos a palavra-chave “Educação Infantil do Campo”, fundamentamos nossas análises a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI (Brasil, 2010b), que ressaltam as particularidades das crianças residentes em áreas rurais precisam ser respeitadas. Além disso, ao utilizarmos Educação Infantil ‘do’ e ‘no’, buscamos fazer referência a Caldart (2009) que, a partir de suas reflexões sobre a Educação do Campo, prioriza a expressão “Educação do e no Campo”, com o objetivo de respeitá-la, para ser vista não mais como subserviente às necessidades das cidades, mas como uma educação de pessoas que são sujeitos da sua própria história.
Na sua origem, o ‘do’ da Educação do campo tem a ver com esse protagonismo: não é ‘para’ e nem mesmo ‘com’: é dos trabalhadores, educação do campo, dos camponeses, pedagogia do oprimido... Um ‘do’ que não é dado, mas que precisa ser construído pelo processo de formação dos sujeitos coletivos, sujeitos que lutam para tomar parte da dinâmica social, para se constituir como sujeitos políticos, capazes de influir na agenda política da sociedade.
(Caldart, 2009, p. 41).
Com essa compreensão, buscamos no diretório do CNPq os grupos de pesquisas e identificamos 21 grupos. Desse total, selecionamos 5 grupos que estudam a Educação Infantil do/no Campo e que convergem para os propósitos dos nossos objetivos. Os demais grupos tratavam da psicologia, artes, o que distancia do nosso objetivo de pesquisa. Segundo Silva, Pasuch e Silva (2012), “[...] questões relativas à especificidade das crianças do campo e dos povos tradicionais, de seus modos de vida, de suas rotinas e tempos, da relação com o ambiente natural, são desconsiderados nessa produção assim como na política pública” (Silva; Pasuch; Silva, 2012, p. 35).
Quanto à palavra-chave “Formação de Professores do Campo”, conforme mostra a Tabela 1, procuramos identificar grupos que estudam a respeito da formação inicial e continuada de professores para Educação Infantil do/no Campo. Identificamos 120 grupos de pesquisa. Desse total, ao analisarmos cada um, selecionamos 5 grupos; pois, apesar dos grupos apresentarem suas pesquisas sobre professores do campo, estas relacionavam-se com profissionais do campo atuantes no Ensino Médio, Ensino Fundamental, e o ensino do agronegócio.
A alusão que fazemos à seleção de apenas 5 grupos pode estar relacionada ao número de funções docentes7 com formação em nível superior atuando no campo. Segundo a pesquisa de Silva (2012, p. 68), em 2005, de um total de 327.176 funções docentes nas escolas do campo, 66,7% não tinham formação superior; em 2010, das 339.245 funções docentes nas escolas do campo, 56,2% não tinham formação superior. Houve uma melhora percentual entre 2005 e 2010 em relação à formação desses professores; mas mais da metade dos docentes atuantes no campo ainda não tinham formação superior.
Em relação à Educação Infantil, foram recenseadas em 2010, 699.361 funções docentes: 76,7% exercidas por professores e 23,2% por auxiliares. Desse total, 92,5% atuantes em área rural; 56,5% com formação em nível médio Magistério; 26,7% nível superior. Quando as autoras recorrem aos dados sobre funções docentes na Educação Infantil por níveis de escolaridade e por regiões, analisam que as regiões Centro-oeste, Sudeste e Sul dispõem de um número maior de escolaridade em nível superior: 52,2%, 48,8% e 58,6%, respectivamente; o Nordeste e o Norte apresentam 20,5% e 14,5% em nível superior (Rosemberg, Artes, 2012, p. 63-64). Esses dados demonstram que ainda persistem desigualdades e precariedade na oferta de formação de professores em nível superior para atuarem com crianças em áreas rurais.
A questão da formação de professores do/no campo não se resolve tão facilmente, visto que, como consequências de um sistema capitalista, as prioridades ainda se concentram nas zonas urbanas, em detrimento da população campesina. Além disso, tendo em vista os ocorridos, a partir do impechment da presidenta Dilma, a partir de 2016, instaura-se no país uma série de desmontes das políticas públicas educacionais, como a proposta de consolidar tanto uma padronização dos currículos da educação básica, por meio da Base Nacional Comum Curricular – BNCC (Brasil, 2018), quanto uma uniformização dos cursos de formação de professores pela Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica - BNC-Formação (Brasil, 2019), especialmente com a aprovação da Emenda Constitucional de número 95, que instituiu um novo regime fiscal para vigorar nos próximos 20 (vinte) anos, valendo, portanto, até 2036, o que incidirá também sobre a meta 15 do Plano Nacional de Educação (PNE).
Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.
(Brasil, 2015, p. 262).
É garantia legal a criação de políticas públicas educacionais que incentivem a formação de professores, especialmente para atuação no campo, a fim de se atingir a meta do PNE; mas, como ressaltou Rosemberg e Artes (2012, p. 64), ainda enfrentamos “a notável distância entre o Brasil legal, normativo, ideal e o Brasil real, vivido pelas crianças de 0 a 6 anos”. A defesa da formação docente para a Educação Infantil do/no Campo relaciona-se também com a compreensão da necessidade de especificidade na organização do trabalho pedagógico para as crianças pequenas moradoras do campo e com a obrigação do poder público em garantir meios para essa formação.
Para Rosemberg e Artes (2012, p. 64), é preciso que concentremos esforços em metas de justiça distributiva no plano material. De acordo com Silva (2012):
É preciso que esse instrumental ofereça recursos orçamentários para o atendimento quantitativo e qualitativo das populações que frequentam as escolas do campo. Por outro lado, deve haver acompanhamento junto aos gestores locais e estaduais para garantir o cumprimento de normas e princípios estabelecidos de acordo com o que preconizam as normas para essa educação. (p. 88).
Com base nessa perspectiva, inserimos a palavra-chave “Organização do Trabalho Pedagógico” na aba do diretório de grupos de pesquisa do CNPq para identificarmos grupos que estudam as especificidades de práticas pedagógicas para a Educação Infantil do/no Campo. O resultado foi de 44 registros de grupos de pesquisas e, desse total, há grupos que tratam da alfabetização, práticas pedagógicas para outras etapas da educação, agroecologia, entre outros temas. Todos os grupos foram analisados, porém selecionamos somente 4 grupos de pesquisa.
Do conjunto de 962 grupos de pesquisa analisados, apresentamos, como segue no Quadro 2, os 22 grupos selecionados, agrupados por nome do grupo, universidade, ano de criação e palavra-chave.
Ao analisar os grupos de pesquisa, a partir das 5 palavras-chave mencionadas, podemos afirmar que, desde 1996, conforme mostram os Quadros 1 e 2, os grupos de pesquisa com estudos voltados para a Educação do Campo e Educação Infantil crescem gradativamente e realçam a necessidade de estudos sobre a garantia dos direitos das populações do campo e das crianças. Entretanto, pouco se conhece sobre as crianças moradoras do campo e as especificidades dessas infâncias e ainda é invisível a identidade da Educação Infantil do/no Campo, no âmbito do sistema de educação formal, o que tem incidido na flexibilização de políticas para a educação no campo, com a redução do custo da sua manutenção e precarização da sua oferta.
O levantamento na plataforma nos possibilitou identificar poucos estudos sobre a Educação Infantil do/no Campo e a formação de professores do/no campo, embora, como já destacamos aqui, o Fundeb tenha impulsionado a criação de novos grupos de pesquisa e estudos direcionados, especialmente, para essas temáticas.
No Gráfico 1, apresentamos os 31 grupos de pesquisas selecionados entre 1996 e 2019 e agrupados por região:
Esses dados, agrupados por regiões, demonstram a distribuição dos grupos de pesquisa no país. De acordo com o Gráfico 1, o maior quantitativo de grupos está localizado na região Nordeste, com 55% ou 17 grupos de pesquisa; em seguida, temos a região Centro-Oeste, com 16% ou 5 grupos de pesquisa; Sul e Sudeste, com 12,5% ou 4 grupos de pesquisa cada uma; e Norte, com 3% ou 1 grupo de pesquisa.
De acordo com Barbosa et al. (2012), as regiões Nordeste e Norte são as regiões com maior número de escolas multisseriadas8 no Brasil. Assim, apesar de o Norte ser a 2ª região com mais escolas multisseriadas no país, ela possui apenas 1 grupo de pesquisa com estudos relacionados à Educação Infantil do/no Campo. Vale ressaltar também que a não localização de mais grupos se deva talvez pelo uso dos descritores desta pesquisa, os quais podem não ter captado a potencialidade das pesquisas desenvolvidas pelos estudiosos da região Norte, por utilizarem outras nomenclaturas para desenvolver pesquisas com e sobre as crianças moradoras do campo. Lembremos que utilizamos nesta pesquisa as palavras chave “Educação Infantil do/no Campo” e “Educação Infantil”, considerando a legislação brasileira que trata das nomenclaturas atribuídas às etapas da educação básica.
Em relação ao Nordeste, identificamos mais grupos de pesquisa, 55% deles. Vale notar que, em 2006, conforme expõe Barbosa et al. (2012) e destacamos na Tabela 2, 41.444 escolas multisseriadas encontravam-se no Nordeste, o maior número de salas no Brasil. Em 2009, esse número reduziu para 26.460 escolas. No Norte, em 2006, eram 15.214 escolas multisseriadas; em 2009, esse número mudou para 11.560. Também vale destacar que Norte e Nordeste concentram os menores índices percentuais de nível de escolaridade em nível superior das Funções Docentes em Educação Infantil: 14,5% e 20,5%, respectivamente.
Como podemos ver, em 2008, o número de escolas multisseriadas aumentou em todas as regiões do país. Na região Nordeste houve o maior aumento do número dessas escolas. Contudo, em 2009, todas as regiões tiveram diminuição desses números, inclusive o Nordeste, com diminuição drástica, apesar de ainda liderar o ranking na quantidade dessas escolas. As demais regiões também acompanharam o crescimento e decréscimo de número de escolas, mas a região Centro-Oeste, com 5 grupos de pesquisa identificados, foi a única que oscilou pouco o quantitativo de escolas. Conforme explicam Barbosa et al. (2012), a queda do número de escolas multisseriadas, em 2009,
[...] representa uma tendência em franca expansão no país e em todas as regiões brasileiras; e mais, que a extinção dessas escolas tem ocorrido sem muita reflexividade, sem um planejamento referenciado, sem estudos mais substanciais sobre a questão e muito menos sem uma discussão com as comunidades e populações rurais, que se constituem nos principais atores implicados nesse processo, conforme estabelece a legislação educacional vigente. (p. 239).
Essas reflexões das autoras refletem também a atualidade em relação à diminuição do número de escolas multietapas no campo. Associando o número de escolas aos grupos de pesquisa do CNPq que desenvolvem estudos sobre a Educação Infantil do/no Campo, percebemos que é incipiente o número de grupos, especialmente no Norte e Nordeste, para as questões das crianças moradoras do campo.
A extinção das escolas do campo e a identificação de poucos grupos de pesquisa que estudam a Educação Infantil do/no Campo refletem a invisibilidade tanto das crianças moradoras do campo quanto das especificidades das infâncias do campo nas pesquisas acadêmicas e a ausência ou negligência das políticas públicas em relação ao atendimento ao direito à educação das crianças do campo.
Dados sobre os líderes dos grupos de pesquisa
Ao realizarmos o mesmo percurso, na plataforma CNPq, para todos os líderes e vice-líderes dos 31 grupos de pesquisas selecionados entre 1996 e 2019, identificamos um total de 66 líderes e vice-líderes. O intuito desse percurso foi de identificar quais e quantas são as produções acadêmicas acerca da temática desta pesquisa.
Buscamos, na plataforma Lattes, as produções acadêmicas (artigos, resumos de trabalhos em eventos, projetos de pesquisa, extensão, entre outros) relacionadas à Educação Infantil do/no Campo e à Formação de Professores do/no Campo. Quando analisamos as produções, identificamos que alguns líderes não possuíam artigos, capítulo de livro ou livro, ou apresentação em eventos e congressos sobre a Educação Infantil do/no Campo, Educação do Campo e formação de professores do/no Campo.
Sendo assim, selecionamos 25 líderes e vice-líderes, 37,9%, cujas produções abordam a Educação do Campo e Educação Infantil do/no Campo. Todos os seus grupos de pesquisas estavam certificados até 2019. Os 25 líderes estão inseridos em 17 grupos de pesquisa do CNPq, conforme mostra o Quadro 1, sendo 12 grupos de pesquisa do Nordeste, 2 do Centro-Oeste e 3 do Sudeste.
Os 25 líderes e vice-líderes apresentam produções distribuídas pelas temáticas da Educação do Campo, Educação Infantil e alguns sobre a Educação Infantil do/no Campo, conforme declarado na plataforma Lattes. Encontramos 303 produções desses líderes e vice-líderes no total, sendo 55 artigos, 50 projetos de pesquisa, 14 projetos de extensão, 1 projeto de ensino, 82 trabalhos publicados em eventos nacionais, 26 livros completos publicados e 75 capítulos de livros publicados. A quantidade de produções identificadas, 303 no total, ainda precisam ser analisada detidamente.
Vale ressaltar, no entanto, que, do quantitativo de 303 produções, 96 são somente de uma autora, o que nos leva a inferir que são poucas as produções dos demais, diante do número de integrantes contidos nos grupos de pesquisa trabalhando para expor os estudos acadêmicos.
Os resultados do estudo denotam que “precisamos discutir e construir coletivamente, a partir das experiências acumuladas, a educação infantil do campo que queremos para as nossas crianças ribeirinhas, quilombolas, assentadas e acampadas da reforma agrária” (Silva; Pasuch, 2010); pois, por meio das discussões da produção acadêmica, damos visibilidade às questões do campo e das crianças e infâncias moradoras do campo, ressaltando nos estudos a importância de denunciar e anunciar o cumprimento do direito à educação e o dever do Estado em garanti-la.
Situar o debate da Educação Infantil do/no Campo é adentrá-lo nas políticas educacionais vigentes no país, ressaltando que “as bases legais da Educação Infantil do Campo vêm sendo construída muito recentemente na história da Educação Brasileira” (Silva; Pasuch; Silva, 2012, p. 57), por meio de resoluções do Conselho Nacional de Educação, que estabelecem as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Brasil, 2002), Diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo (Brasil, 2008) e Política de Educação do Campo e Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Brasil, 2010a). Para Leal (2016, p. 169), “o aspecto legal indica avanços importantes no reconhecimento da oferta da educação infantil do campo e do modo como esta deve ocorrer no que diz respeito às crianças com idade para frequentar a educação infantil”.
Embora essas políticas educacionais implementadas para essa etapa da educação representem um indiscutível avanço, no cotidiano das instituições ainda enfrentamos questões relacionadas aos desafios de ordem estrutural, organizacional e pedagógico, que dependem exclusivamente de políticas educacionais que visem à melhoria desses aspectos funcionais. Aliado a esses desafios, junta-se a crise gerada a partir do ano de 2014, como mencionamos anteriormente, que vem ocasionando os desmontes das políticas públicas educacionais, conforme destaca Souza (2017, p. 23): “[...] em função da disputa e dos resultados das eleições presidenciais ocorridas naquele ano, cuja consequência mais imediatamente visível foi o aprofundamento da crise econômica pela via da crise política e institucional”. A crise econômica gerada nesse período fez surgirem
[...] medidas políticas de ajustes fiscais, com diminuição do Estado e ampliação do mercado; a flexibilização trabalhista, com retrocesso nos direitos democráticos dos trabalhadores, os quais passam pela questão previdenciária até as políticas sociais mais gerais, necessária ao efetivo exercício da cidadania”.
(Souza, 2017, p. 20).
O resultado dessas medidas tem sido o retrocesso das políticas educacionais voltadas para a Educação Infantil, como também para a Educação do Campo. Como bem ressalta Bobbio (2004, p. 25), o reconhecimento conquistado por meio de lutas depara-se com um Estado que não consegue cumprir o que está assegurado pela lei, fato que acarreta o desmontes das políticas públicas educacionais e, consequentemente, a violação do direito à educação.
Este estudo tem como objetivo evidenciar a importância da EIC e chamar a atenção dos pesquisadores da educação, especialmente dos estudiosos da Educação Infantil e Educação do Campo, para o movimento de lutas da população do campo em defesa da Educação do/no Campo para as crianças. Segundo Barbosa et al. (2012):
[...] os estudos apontam fragilidades que precisam ser enfrentadas pelo conjunto dos pesquisadores de diferentes áreas. Se o seu volume é maior do que imaginávamos antes de iniciar nossa pesquisa, a produção específica que transita tanto nas temáticas próprias da educação infantil quanto da educação do campo é muito pequena. (p. 293).
Muito mais que números, as pesquisas científicas precisam evidenciar as especificidades de determinados grupos sociais, como as crianças ribeirinhas, quilombolas, assentadas e acampadas da reforma agrária. As pesquisas devem enfatizar que, além das lutas e garantia dos direitos à Educação Infantil do/no Campo, as crianças necessitam ser consideradas em seus contextos e lugares que moram. Insistimos, como fez Rosemberg e Artes (2012, p. 64), na necessidade de se olhar para as crianças moradoras do campo, particularmente para os bebês.
Considerações ainda a dizer...
As duas últimas décadas foram de lutas, reivindicações e, de certa forma, conquistas, a partir do momento em que os documentos oficiais destacaram certa visibilidade e um “olhar” mais aguçado para as especificidades das crianças do campo.
Contudo, precisamos analisar o contexto atual para evitar o que ocorreu nos anos de 1970 e 1980 sobre, principalmente, as políticas da UNESCO e UNICEF para os países em desenvolvimento, fato denunciado por Rosemberg (2003, p. 1): “[...] preconizavam uma educação pré-escolar compensatória de “carências” de populações pobres e apoiada em recursos da comunidade, visando despender poucas verbas do Estado para sua expansão”.
Como destaca Gonçalves (2013), o caminho entre o “dizer” e o “fazer” é longo e requer mudanças mais profundas no que concerne às próprias políticas de atendimento à infância e políticas de formação do professor.
Com os estudos e análises realizadas pudemos constatar que ainda são poucos os grupos de pesquisa voltados para a Educação Infantil do/no Campo. Ainda há pouco debate sobre a Educação Infantil e a sua relação com o campo, o que reforça a necessidade de estudos que priorizem as marcas, os espaços, as vivências de uma criança habitante do campo, considerando sua relação com a natureza, cultura, comunidade, povos e linguagens. Essa lacuna é confirmada também pelos poucos estudos sobre a formação de professores para o exercício nessa etapa da educação básica.
É imperativo destacar que a história da criação de grupos para realização de pesquisas referentes às áreas da Educação Infantil e da Educação Infantil do/no Campo antecede a criação do Diretório de Grupos de Pesquisa (DGP) e, ainda hoje, ultrapassa os seus limites de cadastramento. Sendo assim, registramos aqui o reconhecimento dos pioneiros, bem como dos grupos não institucionalizados, que também contribuem para a produção científica brasileira na área da Educação Infantil.
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Normalização, preparação e revisão textual: Larissa Quachio Costa lalaquachio@yahoo.com.br
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Apoio: Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
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Este artigo integra a pesquisa intitulada “A Educação Infantil do/no Campo: da gestão à organização do trabalho pedagógico nas redes municipais de educação situadas na região Sul da Bahia”, e tem o objetivo de analisar como os municípios situados na região Sul da Bahia, no total de 26, constituem a organização e a gestão de suas redes de ensino e das escolas, bem como o acompanhamento e a realização do trabalho pedagógico no atendimento à Educação Infantil do/no Campo.
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Disponível em: http://lattes.cnpq.br/web/dgp.
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As plataformas do DGP e do currículo Lattes são dinâmicas e podem ser constantemente atualizadas pelos pesquisadores. Assim, os dados utilizados nesta pesquisa, assim como seus resultados, restringem-se ao corte temporal e ao período de buscas aqui estabelecidos.
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A escolha por “funções docentes”, fator relacionado ao exercício da atividade docente, independe da pessoa individual que a exerça, pois um único professor pode exercer várias funções docentes. Para Rosemberg e Artes (2012, p. 61), essa escolha se dá porque o foco é a criança e não o professor e, para isso, na pesquisa, justifica-se que o importante é saber se nas turmas de Educação Infantil há docentes qualificados.
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Importante mencionar que no caso de uma mesma sala possuir crianças da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, o mais correto/adequado é falar em salas multietapas. Além disso, essas salas correspondem a uma violação legal, conforme está disposto no Art. 3º da Resolução nº 2, de 28 de abril de 2008: “em nenhuma hipótese serão agrupadas em uma mesma turma crianças de Educação Infantil com crianças do Ensino Fundamental” (Brasil, 2008, n.p.).
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Editor responsável: Chantal Victória Medaets https://orcid.org/0000-0002-7834-3834
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
31 Maio 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
19 Abr 2022 -
Revisado
15 Set 2022 -
Aceito
20 Jun 2023