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Aplicação de técnicas de biotecnologia à cultura e melhoramento do maracujazeiro

Application of biotechnological processes to passion fruit culture

Resumos

A tecnologia da cultura de protoplastos, células e tecidos de plantas in vitro constitui-se em uma das áreas de maior êxito na biotecnologia. No gênero Passiflora, poucas espécies têm sido utilizadas com fins biotecnológicos nos estudos de cultura de tecido. Do pouco já realizado, obteve-se sucesso na regeneração de brotos, por via indireta, a partir de calos, ou por via direta, a partir dos explantes cotiledonares, hipocotiledonares ou foliares. A regeneração in vitro é facilmente induzida em entrenós e segmentos de gavinha, com a adição de citocinina ao meio de cultivo. Recentes avanços na regeneração de protoplastos de outras frutíferas permitiram a aplicação da hibridização somática no maracujá. O uso da engenharia genética, aproveitando-se a habilidade de regeneração das plantas de P. edulis f. flavicarpa, torna-se relevante na tentativa de reduzir a devastação imposta por certas doenças e pragas, e também na adição de outras características de importância agronômica.

Passiflora spp; Passiflora edulis f. flavicarpa; biotecnologia; micropropagação; organogênese; protoplastos; transformação


The technology of cells, protoplast and tissue culture of plants is one of the most successful biotechnological areas. In the genus Passiflora, a few species have been used with biotechnological ends on the studies concerning tissue cultures. Regeneration of shoots can be indirect, from callus, or direct, by cotiledonary, hipocotiledonary and leaf explants. It is easy to induce in vitro regeneration of internodes and axillary tendrils if cytokinin is added to the culture medium. Early advances in the regeneration of other fruit tree protoplasts have allowed the use of the somatic hybridization process in the passion fruit. Since P. edulis f. flavicarpa has a natural regeneration ability, the application of genetic engineering techniques becomes necessary in order to reduce the infestation by some diseases or insects, and to add relevant agricultural properties to this species.

Passiflora spp; Passiflora edulis f. flavicarpa; biotechnology; micropropagation; organogenesis; protoplasts; transformation


FITOTECNIA/ CROP PROTECTION

Aplicação de técnicas de biotecnologia à cultura e melhoramento do maracujazeiro

Application of biotechnological processes to passion fruit culture

Daniela Macedo de Lima1 1 Bióloga, Bolsista de Aperfeiçoamento CNPq, Universidade Estadual de Ponta Grossa. Evelise Rejane Golombieski2 1 Bióloga, Bolsista de Aperfeiçoamento CNPq, Universidade Estadual de Ponta Grossa. Ricardo Antonio Ayub3 1 Bióloga, Bolsista de Aperfeiçoamento CNPq, Universidade Estadual de Ponta Grossa.

- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA -

RESUMO

A tecnologia da cultura de protoplastos, células e tecidos de plantas in vitro constitui-se em uma das áreas de maior êxito na biotecnologia. No gênero Passiflora, poucas espécies têm sido utilizadas com fins biotecnológicos nos estudos de cultura de tecido. Do pouco já realizado, obteve-se sucesso na regeneração de brotos, por via indireta, a partir de calos, ou por via direta, a partir dos explantes cotiledonares, hipocotiledonares ou foliares. A regeneração in vitro é facilmente induzida em entrenós e segmentos de gavinha, com a adição de citocinina ao meio de cultivo. Recentes avanços na regeneração de protoplastos de outras frutíferas permitiram a aplicação da hibridização somática no maracujá. O uso da engenharia genética, aproveitando-se a habilidade de regeneração das plantas de P. edulis f. flavicarpa, torna-se relevante na tentativa de reduzir a devastação imposta por certas doenças e pragas, e também na adição de outras características de importância agronômica.

Palavras-chave: Passiflora spp, Passiflora edulis f. flavicarpa, biotecnologia, micropropagação, organogênese, protoplastos, transformação.

SUMMARY

The technology of cells, protoplast and tissue culture of plants is one of the most successful biotechnological areas. In the genus Passiflora, a few species have been used with biotechnological ends on the studies concerning tissue cultures. Regeneration of shoots can be indirect, from callus, or direct, by cotiledonary, hipocotiledonary and leaf explants. It is easy to induce in vitro regeneration of internodes and axillary tendrils if cytokinin is added to the culture medium. Early advances in the regeneration of other fruit tree protoplasts have allowed the use of the somatic hybridization process in the passion fruit. Since P. edulis f. flavicarpa has a natural regeneration ability, the application of genetic engineering techniques becomes necessary in order to reduce the infestation by some diseases or insects, and to add relevant agricultural properties to this species.

Key words: Passiflora spp, Passiflora edulis f. flavicarpa, biotechnology, micropropagation, organogenesis, protoplasts, transformation.

INTRODUÇÃO

O cultivo de células isoladas de plantas iniciou-se neste século com Haberlandt, apud TORRES & CALDAS (1990), o qual tentou pela primeira vez demonstrar o princípio da totipotencialidade das mesmas, através do cultivo de células e tecidos somáticos de várias espécies em solução nutritiva. Stewart et al., apud KERBAUY (1997), demonstraram pela primeira vez a possibilidade da obtenção de embriões de plantas a partir de células maduras (embriogênese somática).

A compreensão dos complexos mecanismos reguladores do desenvolvimento vegetal, como um todo, teve como conseqüência o desenvolvimento da biotecnologia de plantas, entendida como a utilização integrativa de processos tecnológicos e bioquímicos, empregando-se células, tecidos e órgãos de plantas, visando à geração de produtos e serviços. Paralelamente, os avanços da biotecnologia vegetal propiciaram novos conhecimentos na área de fisiologia, da genética e da biologia molecular vegetal. A família Passifloraceae é constituída de 12 gêneros e acha-se largamente distribuída nos trópicos, incluindo mais de 580 espécies, das quais a grande maioria pertence ao gênero Passiflora, sendo predominantemente nativa do Brasil (Oliveira & Ferreira apud OTONI et al., 1995b). O gênero Passiflora abriga espécies que são conhecidas com o nome de maracujá, sendo que destas, 50 a 60 espécies produzem frutos comestíveis (MARTIN & NAKASONE, 1970) e outras têm importante valor ornamental.

O Brasil tem o maracujá amarelo (P. edulis fv. flavicarpa) como um importante representante desse gênero, com uma área plantada de aproximadamente 24.000ha, destacando-se, desse modo, como principal produtor mundial. Passiflora edulis f. flavicarpa, denominado maracujá amarelo, é uma das espécies mais importantes do ponto de vista econômico. É uma planta lenhosa, trepadeira perene, que se fixa a suportes por meio de gavinhas. Seus frutos são valiosos por seu sabor e aroma, sendo ricos em vitamina C e ácido nicotínico. Lötschert & Beese, apud D'UTRA VAZ et al. (1993), observaram que as folhas dessa planta contêm alcalóides, os quais têm efeito redutor da pressão sangüínea.

Apesar do bom desenvolvimento da cultura do maracujazeiro de norte a sul do Brasil, atualmente se têm observado vários problemas como a bacteriose, viroses e adaptações climáticas. Segundo MARASCHIN et al. (1997), o problema de maior significância para o sucesso da cultura do maracujazeiro (P. edulis) no estado do Rio Grande do Sul parece ser a inexistência de material genético que interaja adequadamente com os ambientes do Sul do país, expondo a cultura à ocorrência de geadas. KOCH et al. (1998) salientam a necessidade da preservação de espécies frutíferas comestíveis e nativas da Família Passifloraceae, como Passiflora actinia (maracujá amarelo nativo), da região de Curitiba, situada no Primeiro Planalto Paranaense, visando à valoração econômica da biodiversidade. Desse modo, sabendo-se que a micropropagação de P. actinia é viável para a produção clonal de mudas, pretende-se produzi-las e domesticar a espécie, na tentativa de viabilizar a instalação de pomares, os quais oferecerão aos produtores condições de cultivar um material adaptado ao clima local.

Nesse contexto, existem pesquisas realizadas em espécies do gênero Passiflora (tabela 1), empregando-se diversas técnicas e meios na biotecnologia desses maracujazeiros, com a finalidade de regenerar plantas in vitro e de obter novas variedades de interesse agronômico.

A hibridização sexual interespecífica, usando germoplasma de espécies selvagens, para promover a introgressão de genes de resistência à doença e transferir características desejáveis a espécies cultivadas, foi testada no melhoramento de Passiflora (TORRES & MARTIN, 1974). Entretanto, Payan & Martin e Oliveira e Ferreira, apud DORNELAS & VIEIRA (1993), observaram que híbridos interespecíficos são difíceis de produzir e têm problemas de fertilidade.

Dessa forma, a utilização e aplicação das técnicas da engenharia genética na biotecnologia do maracujazeiro é de suma importância para a agricultura, pois ela pode melhorar a qualidade e produtividade das espécies e/ou permitir a produção de compostos secundários de interesse econômico.

MICROPROPAGAÇÃO

Na micropropagação de plantas lenhosas é mais difícil obter a regeneração de plantas de material fisiologicamente maduro (BONGA & VON ADERKAS, 1992; KAWATA et al., 1995), enquanto que o tecido jovem é também conveniente para o isolamento de protoplasto e seu uso em protocolos de transformação de plantas. Essa característica foi igualmente observada no caso do maracujazeiro (D'UTRA VAZ et al., 1993; MANDERS et al., 1994; KAWATAet al., 1995). Entretanto, tecidos jovens são aproveitáveis somente por um período relativamente curto de tempo e/ou em quantidade limitada (Vaquero et al. apud KAWATAet al., 1995). MORAN ROBLES (1978) constatou que no caso do maracujá poucas espécies foram utilizadas nos estudos de cultura de tecido a partir de materiais jovens, os quais se iniciaram com a propagação vegetativa de brotos axilares de P. edulis. SCORZA & JANICK (1980) induziram o florescimentoin vitro em explantes foliares, caulinares e de gavinhas em P. suberosa. A formação de brotos de discos foliares foi obtida em P. alata por Desai & Mehta, apud D'UTRA VAZ et al. (1993), e mais recentemente, Kantharajah & Dodd, apud D'UTRA VAZ et al. (1993), descreveram a técnica de micropropagação pela cultura direta de explantes nodais de mudas de P. edulis.

A microenxertia de maracujá realizada in vitro parece ser um método viável para a regeneração de plantas a partir de meristemas, podendo ainda ser aperfeiçoada pela redução da formação de calos sobre o ponto de enxertia (BIRICOLTI & CHIARI, 1994).

ORGANOGÊNESE

A regeneração de brotos de Passiflora pode ser indireta, a partir de calos (NAKAYAMA, 1966; MORAN ROBLES, 1979; VESTRI et al., 1990), ou pode ocorrer diretamente dos explantes cotiledonares, hipocotiledonares ou foliares (DORNELAS & VIEIRA, 1994; KAWATA et al., 1995). BIASI (1997 – Informe verbal) afirma que a organogênese pode ocorrer dos dois modos.

A regeneração é facilmente induzida em entrenós e segmentos de gavinha P. edulis f. flavicarpa em meio MS (MURASHIGE & SKOOG, 1962), na presença de 6 - benzilaminopurina (BAP), e gemas assim obtidas podem ser utilizadas em seguida para multiplicação de plantas (Grattapagliaet al., apud TORRES & CALDAS, 1990). MORAN ROBLES (1979), demonstrou que a organogênese em segmentos internodais de Passiflora edulis foi precedida pela formação de calo, diferenciação de tecidos vasculares e de zonas de diferenciação, com um centro meristemático, caracterizado pelo acúmulo de amido.

Alguns experimentos têm sido realizados para promover um aumento na freqüência de organogênese. Nesse contexto, FARIA (1997 – Informe verbal) relata que a adição de tiosulfato de prata ao meio de cultivo incrementa a capacidade proliferativa dos explantes hipocotiledonares e foliares de P. edulis f. flavicarpa.

Conforme BIASI (1997 – Informe verbal) a organogênese pode ser induzida em explantes de porções apicais de mudas, obtidas entre o primeiro e o terceiro nós, com a adição de 1,0mg L-1 de BAP ao meio de cultura inicial (MS), assim como MORAN ROBLES (1979). Segundo esses autores, a diferenciação da parte aérea e radicular é controlada pelo balanço entre citocinina e auxina. Para NAKAYAMA (1966), o maior teor de citocinina é favorável à proliferação de gemas, enquanto o de auxina induz a formação de raízes. No maracujazeiro, a adição apenas de citocinina ao meio de cultura (MS) promove a resposta esperada de regeneração de gemas, provavelmente pela quantidade endógena de auxina já ser suficiente para estabelecer o equilíbrio necessário à diferenciação (MORAN ROBLES, 1979). O crescimento e enraizamento das brotações adventícias foram também obtidos pela transferência dos explantes para um novo meio de cultura sem reguladores de crescimento, cuja concentração de sais foi reduzida pela metade, proporcionando a formação de calos em 96,2% dos explantes. Isso comprova a existência do balanço endógeno de hormônios, suficiente para induzir calogênese (BIASI, 1997 – Informe verbal).

CULTURA DE PROTOPLASTOS

Para D'UTRA VAZ et al. (1993), os recentes avanços na regeneração de protoplastos de várias espécies de árvores frutíferas permitirão a aplicação da hibridização somática e a transferência direta de genes para protoplastos das mesmas, como OTONI et al. (1995a) demonstraram para P. edulis f. flavicarpa.

OTONI et al. (1995b) observaram baixa freqüência de organogênese em calos derivados de protoplastos, originados de folhas novas recém-expandidas de P. coccinea Aubl., obtidas a partir da germinação de sementes, o que implicou a necessidade de mais estudos visando à otimização da fase de regeneração de plantas para essa espécie.

Para DORNELAS & VIEIRA (1993), a tecnologia de cultura de protoplastos permite a hibridização somática entre espécies selvagens e cultivadas como um método adicional para obtenção de fluxo gênico entre as espécies de Passiflora. Esses autores demonstraram que é possível regenerar plantas a partir de culturas de protoplastos destas espécies de Passiflora, já que obtiveram alta freqüência de organogênese em protoplastos isolados de cotilédones de P. edulis f. flavicarpa, P. amethystina e P. cincinnata, o que pode ser valioso nos programas de melhoramento de novas variedades e/ou porta-enxerto do maracujá amarelo.

TRANSFORMAÇÃO GENÉTICA

A transformação genética de células somáticas é uma via de acesso para a introdução de genes agronomicamente importantes. D'UTRA VAZ et al. (1993) sugeriram que essa recente estratégia de manipulação genética pode ser realizada seguindo a regeneração a partir de protoplastos de plantas de P. edulis, pois a transformação de uma ou ambas espécies parentais, anteriormente ao isolamento e fusão de protoplastos, pode facilitar o desenvolvimento de sistemas de seleção para recuperar tecidos híbridos.

Em revisão bibliográfica, MANDERS et al. (1994) citam muitos exemplos do uso de Agrobacterium na transformação genética de dicotiledôneas herbáceas, porém, para plantas lenhosas são poucos os exemplos. Como principais exemplos esses autores deram ênfase para choupo (Fillatti et al.; Pythoud et al.), noz persa (McGranahan et al.), maçã (James et al.; Lambert & Tepfer), uva (Mullins et al.), Citrus sp (Hidaka et al.), pêssego (Smigocki & Hammerschlag), ameixa (Mante et al.), mamão (Fitsch et al.) e Kiwi (Uematsu et al.; Rugini et al.). Eles ainda relataram pela primeira vez a transformação e regeneração do maracujazeiro amarelo via Agrobacterium tumefaciens. Os resultados demonstraram a habilidade de transformar essa frutífera comercialmente importante. Isso foi atribuído à viabilidade de um sistema de regeneração de explantes de Passiflora edulis fv. Flavicarpa e ao fato de que os explantes foram suscetíveis à infecção por uma cepa desarmada de Agrobacterium tumefaciens.

CONCLUSÃO

As condições hoje estabelecidas para o cultivo in vitro e a transformação genética do maracujazeiro podem ser utilizadas no desenvolvimento de novos cultivares com genes de interesse agronômico, beneficiando a expansão da cultura no País.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, pelo fornecimento das bolsas de Aperfeiçoamento a D. M. de LIMA e de Iniciação Científica a E. R. GOLOMBIESKI.

COMUNICAÇÃO PESSOAL

BIASI, L.A. 1997. Departamento de Fitotecnia e Fitossanitarismo, Setor de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Paraná, caixa postal 672, 80001-970, Curitiba, PR.

FARIA, J.L.C. 1997. Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Campus Universitário, caixa postal 354, 96010-900, jfaria@ufpel.tche.br , Pelotas, RS.

2Bióloga, Bolsista de Iniciação Científica CNPq, Universidade Estadual de Ponta Grossa.

3Engenheiro Agrônomo, Doutor, Professor Adjunto, Bolsista do CNPq, Departamento de Fitotecnia, Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Praça Santos Andrade, s/n, 84010-330, Ponta Grossa, PR. E-mail: rayub@uepg.br. Autor para correspondência.

Recebido para publicação em 10.03.98. Aprovado em 14.04.99

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  • 1
    Bióloga, Bolsista de Aperfeiçoamento CNPq, Universidade Estadual de Ponta Grossa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Dez 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2000

    Histórico

    • Aceito
      14 Abr 1999
    • Recebido
      10 Mar 1998
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