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O fenômeno El Niño Oscilação Sul e a variabilidade interanual da evaporação do tanque Classe A e da umidade relativa do ar em Santa Maria, RS

El Niño Southern Oscilation and the interannual variability of Pan evaporation and air relative humidity in Santa Maria, RS, Brazil

Resumos

O objetivo deste trabalho foi associar a variabilidade interanual da evaporação do tanque Classe A e da umidade relativa do ar com o fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS) em Santa Maria, RS. Foram utilizados os dados diários de evaporação do tanque Classe A (ECA, mm dia-1) e umidade relativa média diária do ar (UR, %) medidos em Santa Maria, RS. A ECA foi medida de 1973 a 2006 e a UR de 1969 a 2006. Os anos foram classificados em El Niño (EN), La Niña (LN) e Neutros (N), considerando o período de 01/07 de um ano até 30/06 do ano seguinte. Os resultados mostraram que a ECA é menor nos anos de EN e maior nos anos de LN. Já a UR foi maior em anos de EN e menor em anos de LN. O efeito do fenômeno ENOS sobre a ECA é maior nos meses de novembro, dezembro, janeiro e maio, enquanto que sobre a UR os meses de maior influência do ENOS são outubro, novembro, dezembro e maio.

La Niña; vapor d'água; variabilidade climática; risco climático; agricultura


The objective of this study was to associate the interannual variability of Pan evaporation and air relative humidity with the El Niño Southern Oscilation (ENSO) phenomenon in Santa Maria, RS, Brazil. Daily data records of Pan evaporation (PAN, mm day-1) and mean daily relative humidity (RH, %) measured in Santa Maria, RS, were used. PAN was measured from 1973 to 2006 and RH was measured from 1969 to 2006. Years were grouped into El Niño (EN) years, La Niña (LN) years, and Neutral (N) years, from July 1st of the year to June 30th of the following year. Results showed that PAN is lower in EN years and greater in LN years. On the other hand, RH was greater in EN years and lower in LN years. The effect of ENSO on PAN is greater in November, December, January, and May, whereas RH is affected by ENSO in October, November, December and May.

La Niña; water vapor; climate variability; climate risk; agriculture


NOTA

CIÊNCIA DO SOLO

O fenômeno El Niño Oscilação Sul e a variabilidade interanual da evaporação do tanque Classe A e da umidade relativa do ar em Santa Maria, RS

El Niño Southern Oscilation and the interannual variability of Pan evaporation and air relative humidity in Santa Maria, RS, Brazil

Nereu Augusto StreckI,1 1 Autor para correspondência. ; Hamilton Telles RosaII; Lidiane Cristine WalterII; Leosane Cristina BoscoIII; Isabel LagoIII; Arno Bernardo HeldweinI

IDepartamento de Fitotecnia, Centro de Ciências Rurais (CCR), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Avenida Roraima, 1000, 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: nstreck1@smail.ufsm.br

IICurso de Agronomia, CCR, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil

IIIPrograma de Pós-graduação em Engenharia Agrícola, CCR, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi associar a variabilidade interanual da evaporação do tanque Classe A e da umidade relativa do ar com o fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS) em Santa Maria, RS. Foram utilizados os dados diários de evaporação do tanque Classe A (ECA, mm dia-1) e umidade relativa média diária do ar (UR, %) medidos em Santa Maria, RS. A ECA foi medida de 1973 a 2006 e a UR de 1969 a 2006. Os anos foram classificados em El Niño (EN), La Niña (LN) e Neutros (N), considerando o período de 01/07 de um ano até 30/06 do ano seguinte. Os resultados mostraram que a ECA é menor nos anos de EN e maior nos anos de LN. Já a UR foi maior em anos de EN e menor em anos de LN. O efeito do fenômeno ENOS sobre a ECA é maior nos meses de novembro, dezembro, janeiro e maio, enquanto que sobre a UR os meses de maior influência do ENOS são outubro, novembro, dezembro e maio.

Palavras-chave: La Niña, vapor d'água, variabilidade climática, risco climático, agricultura.

ABSTRACT

The objective of this study was to associate the interannual variability of Pan evaporation and air relative humidity with the El Niño Southern Oscilation (ENSO) phenomenon in Santa Maria, RS, Brazil. Daily data records of Pan evaporation (PAN, mm day-1) and mean daily relative humidity (RH, %) measured in Santa Maria, RS, were used. PAN was measured from 1973 to 2006 and RH was measured from 1969 to 2006. Years were grouped into El Niño (EN) years, La Niña (LN) years, and Neutral (N) years, from July 1st of the year to June 30th of the following year. Results showed that PAN is lower in EN years and greater in LN years. On the other hand, RH was greater in EN years and lower in LN years. The effect of ENSO on PAN is greater in November, December, January, and May, whereas RH is affected by ENSO in October, November, December and May.

Key words: La Niña, water vapor, climate variability, climate risk, agriculture.

O fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS) é um fenômeno de grande escala que acontece na região do Oceano Pacífico equatorial, constituído de dois componentes, um oceânico e outro atmosférico, e de duas fases, a fase quente (El Niño) e a fase fria (La Niña) (GLANTZ, 2001; BERLATO & FONTANA, 2003). No Brasil, o sinal do ENOS se dá, principalmente, por anomalias climáticas de precipitação pluviométrica das regiões Sul e Nordeste (GRIMM et al., 1996a,b; OLIVEIRA & SATYAMURTY, 1998; MARENGO & OLIVEIRA, 1998; DIAZ et al., 1998; BERLATO & FONTANA, 2003). Entre os elementos meteorológicos que ainda não foram associados com o fenômeno ENOS no Rio Grande do Sul, estão a evaporação do tanque Classe A (ECA) e a umidade relativa do ar (UR). A ECA representa a lâmina de água transferida de reservatórios de água livre para a atmosfera e por meio desta pode-se estimar a necessidade hídrica, a lâmina e o turno de rega na irrigação das lavouras (MATZENAUER et al., 1998; CAMPELO JÚNIOR & CURI, 2001; CARLESSO et al., 2001). A UR é um dos principais elementos meteorológicos que influenciam o estabelecimento e o desenvolvimento de epifitias em plantas (HELDWEIN, 1997; SENTELHAS et al., 2004), o ataque de insetos como ácaros (BOUDREAUX, 1958; ENGLISH-LOEB, 1990), a secagem ou desidratação da planta para fenação (VILELA, 1994) e o risco de incêndios florestais e de campos (SOARES, 1984). O objetivo deste trabalho foi associar a variabilidade interanual da evaporação do tanque Classe A e da umidade relativa do ar com o fenômeno ENOS em Santa Maria, RS.

Foram usados a evaporação média diária medida no tanque Classe A (ECA, mm dia-1) e a umidade relativa média diária do ar (UR,%) medidos na Estação Climatológica Principal do 8° Distrito de Meteorologia, localizada no Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria (latitude: 29°43'S, longitude: 53°48'W e altitude: 95m). Usaram-se os dados de ECA de 01/07/1973 a 30/06/2006, totalizando 33 anos, e UR do período de 01/07/1969 a 30/06/2006, totalizando 37 anos. A UR foi calculada a partir de três leituras diárias (9 horas, 15 horas e 21 horas): UR = (UR9h + UR15h + 2.UR21h)/4. Nos dias de chuva em que houve transbordamento de água do tanque Classe A, considerou-se os dados de ECA como dados perdidos.

Classificaram-se os anos em anos de El Nino (EN), La Niña (LN) e Neutros (N), segundo BERLATO et al. (2005) e NOAA (2007), considerando-se o período de 01/07 do ano até 30/06 do ano seguinte, já que o fenômeno ENOS geralmente inicia no segundo semestre de um ano e acaba no primeiro semestre do ano seguinte (BERLATO & FONTANA, 2003; BERLATO et al., 2005). Os anos de El Niño foram 1969-1970, 1972-1973, 1976-1977, 1982-1983, 1986-1987, 1987-1988, 1991-1992, 1992-1993, 1993-1994, 1994-1995, 1997-1998, 2002-2003 e 2004-2005; os anos de La Niña foram 1970-1971, 1971-1972, 1973-1974, 1974-1975, 1975-1976, 1984-1985, 1988-1989, 1995-1996, 1998-1999 e 1999-2000; os anos Neutros foram 1977-1978, 1978-1979, 1979-1980, 1980-1981, 1981-1982, 1983-1984, 1985-1986, 1989-1990, 1990-1991, 1996-1997, 2000-2001, 2001-2002, 2003-2004 e 2005-2006. Os resultados foram analisados por análise de probabilidade empírica (diagrama de caixa) em nível mensal e anual (BERLATO & FONTANA, 2003).

Os diagramas de caixa anual para ECA e UR são apresentados na figura 1, onde lê-se, por exemplo, que para a probabilidade de 90%, em 90% dos casos a ECA e a UR estão abaixo dos valores correspondentes aos valores indicados pela extremidade superior da barra. O valor de ECA na probabilidade de 90% foi menor em anos de EN, maior em anos de LN e intermediário em anos N (Figura 1A) e o valor da UR nesta probabilidade foi maior em anos de EN, menor em anos de LN e intermediário em anos N (Figura 1B). Os menores valores de ECA e maiores valores de UR em anos de EN estão associados a condições meteorológicas de maior nebulosidade e maior número de dias com chuva nestes anos (CARMONA & BERLATO, 2002; FONTANA & ALMEIDA, 2002). Já os maiores valores de ECA e menores valores de UR em anos de LN estão associados a uma maior insolação relativa e menor precipitação pluvial nestes anos (FONTANA & BERLATO, 1997; CARMONA & BERLATO, 2002). Os diagramas de caixa mensais da ECA e da UR (dados não mostrados) indicaram que os meses de maior influência do fenômeno ENOS sobre a ECA e UR foram novembro, dezembro, janeiro e maio para a ECA e outubro, novembro, dezembro e maio para a UR. Estes meses coincidem com o primeiro e o segundo trimestre de maior influência do fenômeno ENOS sobre a precipitação pluvial do Rio Grande Sul, que são outubro a dezembro e abril a junho, respectivamente (FONTANA & BERLATO, 1997).


Os resultados deste estudo podem auxiliar no planejamento das atividades agrícolas visando reduzir os riscos do agronegócio. Por exemplo, na previsão de um evento de El Niño, são esperados menores valores de evaporação do tanque classe A e maiores valores de umidade relativa do ar, o que deve levar a um menor uso de água pelas culturas de verão (MATZNAUER et al., 1998; CAMPELO JUNIOR & CURI, 2001; CARLESSO et al., 2001), condições mais favoráveis ao aparecimento de doenças nas lavouras (HELDWEIN, 1997; SENTELHAS et al., 2004) e dificuldade na secagem de material vegetal para fenação (VILELA, 1994). Ao contrário, se a previsão é de La Niña, esperam-se maiores valores de evaporação do tanque classe A e menores valores de umidade relativa do ar e, neste caso o agricultor pode se preparar para um aumento na necessidade de água pelas culturas (MATZNAUER et al., 1998; CAMPELO JUNIOR & CURI, 2001; CARLESSO et al., 2001), o que implica em um ajuste da área plantada ao tamanho dos reservatórios de água na propriedade, bem como condições mais favoráveis ao aparecimento de insetos-praga como ácaros, os quais são favorecidos por períodos secos e baixa umidade relativa do ar (50-65%) (BOUDREAUX, 1958; ENGLISH-LOEB, 1990), e maior risco de incêndios florestais e em campos (SOARES, 1984).

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelas bolsas concedidas.

Recebido para publicação 13.02.07

Aprovado em 05.12.07

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  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      05 Dez 2007
    • Recebido
      13 Fev 2007
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