Resumos
O objetivo deste estudo qualitativo e de caráter exploratório e descritivo é caracterizar o apoio emocional oferecido pelo companheiro à mulher em trabalho de parto. A coleta de dados foi realizada em duas etapas: 1) observação do pré-parto e parto; e 2) entrevistas semi-estruturadas, no pós-parto. As participantes da pesquisa são 10 primiparturientes, com idades entre 17 e 34 anos. Os resultados são descritos por meio de categorias que contemplam as entrevistas e o processo de observação, caracterizando as interações entre parturiente e acompanhante. A pesquisa evidencia que a parturiente considera a presença de seu companheiro uma importante referência emocional e aponta que o apoio emocional fornecido pelo companheiro, que, na maioria das vezes, é o pai do bebê, é influenciado por sua disponibilidade e seus conhecimentos acerca da parturição. Assim, o apoio da equipe de saúde é fundamental nesse processo, para ajudá-lo a vivenciar esse momento com a parturiente.
apoio emocional; pai acompanhante; psicologia; trabalho de parto; equipe de enfermagem
This study aims at characterizing emotional support during labor provided by parturient companion. In order to investigate this topic, an exploratory and descriptive/qualitative research was developed. Data collection was accomplished in two steps: (1) observation of labor and childbirth and (2) semi-structured interviews after birth. The subjects were 10 first-time mothers, aged 17 to 34 years old. The results were described through categories encompassing the interviews and the observation process, characterizing the interactions between the parturient and her companion. This study shows that the parturient considers the presence of her companion an important emotional and familiar reference. Another finding is that men support the parturient according to their possibilities and knowledge about the birth process. Therefore, the support of the medical staff, represented by the nursing staff in this study, is fundamental in order to help the father to undergo labor along with the parturient.
emotional support; father companion; psychology; birth labor; nursing staff
O pai no parto e apoio emocional: a perspectiva da parturiente
Father's participation during labor and emotional support: the parturient's perspective
Cibele Cunha Lima da MottaI; Maria Aparecida CrepaldiII
IUniversidade do Planalto Catarinense
IIUniversidade Federal de Santa Catarina
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Aparecida Crepaldi Departamento de Psicologia - CFH Campus Universitário Universidade Federal de Santa Catarina, Trindade Florianópolis, S.C., CEP 88040-970 E-mail: crepaldi@cfh.ufsc.br
RESUMO
O objetivo deste estudo qualitativo e de caráter exploratório e descritivo é caracterizar o apoio emocional oferecido pelo companheiro à mulher em trabalho de parto. A coleta de dados foi realizada em duas etapas: 1) observação do pré-parto e parto; e 2) entrevistas semi-estruturadas, no pós-parto. As participantes da pesquisa são 10 primiparturientes, com idades entre 17 e 34 anos. Os resultados são descritos por meio de categorias que contemplam as entrevistas e o processo de observação, caracterizando as interações entre parturiente e acompanhante. A pesquisa evidencia que a parturiente considera a presença de seu companheiro uma importante referência emocional e aponta que o apoio emocional fornecido pelo companheiro, que, na maioria das vezes, é o pai do bebê, é influenciado por sua disponibilidade e seus conhecimentos acerca da parturição. Assim, o apoio da equipe de saúde é fundamental nesse processo, para ajudá-lo a vivenciar esse momento com a parturiente.
Palavras-chave: apoio emocional; pai acompanhante; psicologia; trabalho de parto; equipe de enfermagem.
ABSTRACT
This study aims at characterizing emotional support during labor provided by parturient companion. In order to investigate this topic, an exploratory and descriptive/qualitative research was developed. Data collection was accomplished in two steps: (1) observation of labor and childbirth and (2) semi-structured interviews after birth. The subjects were 10 first-time mothers, aged 17 to 34 years old. The results were described through categories encompassing the interviews and the observation process, characterizing the interactions between the parturient and her companion. This study shows that the parturient considers the presence of her companion an important emotional and familiar reference. Another finding is that men support the parturient according to their possibilities and knowledge about the birth process. Therefore, the support of the medical staff, represented by the nursing staff in this study, is fundamental in order to help the father to undergo labor along with the parturient.
Key- words: emotional support; father companion; psychology; birth labor; nursing staff.
Introdução
Historicamente, o parto foi vivenciado como um evento feminino, acompanhado por membros do grupo social da parturiente, como a mãe, parentes, vizinhas e a parteira, que a auxiliavam durante o trabalho de parto. Entretanto, no século XVIII, na Europa, o parto sofreu um processo de medicalização significativa, que atingiu as massas populares nos centros urbanos, em meados do século XX, em vários países do mundo ocidental, inclusive no Brasil (Santos, 2002). Esse processo implicou mudança do paradigma da experiência do parto, que deixou de ser um evento feminino, doméstico e fisiológico, passando a ser dominado pelo médico e vivido em um hospital, sob um ponto de vista patológico (Santos, 2002). O reconhecido avanço técnico propiciado pelos médicos trouxe benefícios, mas, também, uma prática obstetrícia intervencionista e hegemônica, que ainda caracteriza a atual assistência ao parto.
Uma das perdas significativas ao longo dessa mudança do espaço doméstico para o espaço institucional foi o acompanhamento familiar. Na maternidade, a parturiente ficava, e até hoje fica, à mercê da interação com a equipe de saúde, sendo que o atual modelo de assistência é marcado pelos cuidados técnicos, por meio do uso da tecnologia, no momento dessa interação. Nesse contexto, vivenciar ansiedades próprias do trabalho de parto e, possíveis sensações de angústia, torna-se mais difícil, quando a mulher não está acompanhada de um parente ou de seu companheiro.
Sobre isso, como expõem Klaus, Kennell e Klaus (2000)
(...) ser deixada sozinha, durante o trabalho de parto, não é apenas assustador, mas representa uma severa ameaça ao auto-conceito da mulher. Ser protegida é ser valorizada, em um momento de intenso egocentrismo e temor. A espécie de atendimento que uma mulher recebe, neste período de vulnerabilidade, é crucial para a sua avaliação subseqüente da experiência, para seu comportamento maternal posterior e para seu auto-conceito (p.51).
A necessidade de acompanhamento e atenção, nesse momento, parte da compreensão de que o parto é um fenômeno de intensidade emocional e física, no qual os fatores fisiológicos, sociais, culturais e psicológicos interagem ao longo do trabalho de parto. Nesse momento, a parturiente pode experimentar diversos sentimentos e sensações, tais como medo, angústia, alegria, tristeza e alívio de diferentes formas, desde a contenção até a expressão de sensações físicas e emocionais.
Durante esse processo, a mulher tem de lidar consciente e inconscientemente com esses fatores, o que confere, em termos psíquicos, caráter individual e único a cada mulher e a cada parto. Isso não se restringe somente a como a mulher atribui significado a essa experiência, abrange também como de fato ela acontece. Assim, a mulher pode viver uma experiência positiva, que se reflete na sensação de força e poder, ou uma experiência carregada de sensações negativas, que pode ter reflexos em diferentes áreas da vida (Lef, 1997; Maldonado, 1997).
Na parturição, é preciso estar atento às suas necessidades, que iniciam pela atenção emocional de que ela precisa e vão além dos cuidados técnicos dispensados nas maternidades. Tal atenção ou acompanhamento ajuda a mulher a passar por essa experiência, propiciando-lhe benefícios físicos e emocionais (Klaus, Kennel & Klaus 1993, 2000).
Esses benefícios resultantes do apoio dado vêm sendo comprovados em pesquisas ao longo dos últimos 30 anos, as quais demonstram que parturientes que recebem apoio emocional de outras mulheres apresentam resultados perinatais mais positivos do que as que não são acompanhadas. Tais benefícios realizam-se como menor extensão de trabalho de parto, menor necessidade de usar analgesia, menor ocorrência de cesariana, menor índice de uso de fórcipe, menor taxa de problemas de asfixia e de presença de mecônio e menor ocorrência de infecção na mãe ou no bebê (Kennell & cols., 1991; Klaus & Kennell, 1992; Campero & cols, 1998; Langer, Campero, Garcia & Reynoso, 1998). Os fundamentos básicos das pesquisas realizadas por esses autores são apoio emocional, apoio físico e informações.
O apoio emocional, apresentado nas pesquisas citadas, configura-se mediante aproximar-se da parturiente de forma carinhosa, dizer palavras de encorajamento e fazer elogios. O apoio físico dá-se por meio de toques, massagens e do incentivo à deambulação e a mudanças de posição, buscando sempre oferecer conforto físico à mulher. Já a informação caracteriza-se pelo fornecimento de qualquer informação, no momento do desenvolvimento do trabalho de parto, quanto aos procedimentos médicos utilizados pela equipe. Para facilitar a nomeação desse apoio, utiliza-se aqui apenas o nome 'apoio emocional', considerando-se, entretanto, todas as suas características.
Considera-se ainda o conceito de apoio emocional desenvolvido por Sluzki (1997) que o define como:
... intercâmbios que conotam uma atitude emocional positiva, clima de compreensão, simpatia, empatia, estímulo e apoio; é o poder contar com a ressonância... e a boa vontade do outro; é o tipo de função característica das amizades íntimas e das relações familiares próximas... (p.49).
A participação do homem no trabalho de parto é também reconhecida como fonte de apoio à parturiente, propiciando, também, benefícios aos resultados perinatais (Klaus, Kennel & Klaus, 1993). Algumas pesquisas (Carvalho, 2001; Souza Pinto, 2001; Klaus, Kennell & Klaus, 2000) demonstram ainda que, para as mulheres a participação do pai do bebê durante o parto significa fonte de apoio importante e que as parturientes avaliam a companhia dele de forma positiva, pois traz sensação de segurança e conforto.
De maneira geral, a participação de um acompanhante escolhido pela parturiente é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (1996) e pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2001) como fator que promove saúde física e psíquica à parturiente. No entanto, a participação do pai ainda sofre limitações institu-cionais (Carvalho, 2001; Souza Pinto, 2001), não sendo fenômeno comum a todas as maternidades brasileiras.
Vale ressaltar, também, que o direito a acompanhante é garantido por leis estaduais e municipais e, atualmente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Federal PLS 195/2003 (Senado Federal, 2004), que garante à parturiente o direito a ter um acompanhante de sua escolha.
Embora a indicação da OMS e as leis federais, estaduais e municipais brasileiras preconizem e garantam a participação de um acompanhante de livre escolha da parturiente durante o parto, há tendência à participação, nesse momento, do companheiro ou do pai da criança, como sustenta Carvalho (2001). De acordo com essa autora, a presença do homem tem sido incentivada pelas instituições que permitem a presença dele na sala de parto. Todavia, a crescente participação do homem na situação de parto precisa ser compreendida como expressão de mudanças na constituição da família.
A emancipação feminina e o controle da mulher sobre seu processo reprodutivo trouxeram mudanças no papel dela na sociedade e nas relações conjugais e familiares. Nas relações familiares, o casal não tem mais papéis tão bem discriminados quanto antes. Hoje, a mãe trabalha fora (assumindo, a maioria delas, dupla jornada, ou seja, trabalho profissional e doméstico) e o pai assume responsabilidades domésticas para com os filhos, como os cuidados cotidianos. Essas mudanças ainda estão desenhando um novo pai. Como aponta Videla (1997)
Tampoco el padre es feliz ya con la idea heredada de sus abuelos sobre el ejercicio de la paternidad. Aparece la necessidad del cambio, del acercamiento mayor de los hijos. De a poco, empieza a passear y dialogar con ellos. Teme menos el contacto con el bebé. Ya no será sólo el ansioso padre esperando fuera de la sala de partos, sino el hombre afectivo que ayuda a pujar a su mujer dentro y recibirá a su hijo, conscientemente de su paternidad biológica y sociológica (p.142).
No Brasil, a participação do pai na sala de parto é fenômeno relativamente novo. De acordo com Carvalho (2001), a participação do pai na sala de parto nas maternidades particulares iniciou-se em meados da década de 1980, com os pais da classe média intelectual, sendo essa decisão absolutamente particular, dependendo de como a família e, principalmente, o futuro pai percebia seus próprios desejos e suas necessidades. Vale salientar que tais partos eram realizados em maternidades particulares, em que os pais tinham, e têm, maior poder de escolha. Já nas maternidades públicas, a participação no trabalho de parto começou a ser permitida e encorajada, a partir da década de 1990, sobretudo, naquelas que buscam atender de acordo com a filosofia do parto humanizado.
Com a integração do homem ao trabalho de parto, acompanhar e confortar a mulher, constituem um novo papel para ele (Videla, 1997; Carvalho, 2001). A vivência desses cuidados depende das possibilidades de cada pai, da relação entre o casal e das expectativas do homem e da mulher, nesse momento. É necessário considerar que, assim como a gestante, o futuro pai passa por um processo de adaptação e reajuste emocionais, para vivenciar a paternidade. Os processos psicossociais vivenciados pela mulher durante a gravidez são também identificados no companheiro, porém, nele, são marcados pela dinâmica psíquica masculina e pelo papel social que ele cumprirá nesse momento (Videla, 1997; Lef, 1997). Para Maldonado (1997), a paternidade constitui um momento de transição e de possibilidade de crescimento emocional.
Quer-se evidenciar aqui que o homem está, de algum modo, tomado pela experiência da gravidez e a forma como ele vivenciou esse período influencia a forma como ele lidará com a situação, durante o trabalho de parto. Vale apontar que o trabalho de parto, de acordo com Soifer (1980), envolve todos os que o acompanham, num processo de intensidade emocional. Dessa forma, o homem, como genitor e parceiro da mulher, vive esse momento com toda a carga emocional.
Essa carga emocional comprova-se nas pesquisas de Vehviläinen-Julkunen e Liukkonen (1998), Johnson (2002), Smith (1999) e Chandler e Field (1997), que apontam as dificuldades pelas quais o homem passa na hora do parto. Essas pesquisas mostram que os homens relataram medo, desconforto, tensão e sensação de impotência e dificuldade, ao ver sua mulher experienciar dor durante o parto. Tais resultados coadunam-se com os apontamentos de Videla (1997) e Lef (1997). Para Lef (1997), o homem pode experimentar sensação de impotência e frustração diante da dor. Outro aspecto levantado nas pesquisas desses autores é que os homens se preocupam com o estado de saúde do bebê. Videla (1997) refere esta mesma característica quando afirma que o homem é espectador do processo fisiológico e isto abre a possibilidade de fantasias sobre o que está acontecendo com o bebê.
Nas pesquisas de Chandler e Field (1997) e de Smith (1999), os pais entrevistados relataram que o trabalho de parto foi mais difícil e cansativo do que haviam imaginado e avaliaram sua participação como não satisfatória, aquém do esperado. Eles levantaram, ainda, que ansiedade e raiva surgiram, devido ao tratamento dispensado pela equipe de saúde à sua mulher e a não poderem demonstrar seus sentimentos às suas companheiras. Os aspectos positivos da participação deles referem-se a maior intimidade com a mulher, admiração pela força da mulher e sensação de orgulho e satisfação com a chegada do bebê.
Em comum com Johnson (2002), as pesquisas de Chandler e Field (1997) apontam que o homem sente-se excluído do processo de nascimento, servindo apenas como provedor de apoio moral e de conforto. Os homens mencionaram, ainda, haver ausência de informação por parte da equipe de saúde sobre o desenvolvimento do trabalho de parto e, especificamente, sobre o que acontece com a parturiente, bem como de orientações a respeito de como eles deviam proceder. Em contrapartida, apontaram o excesso de informação técnica, como fonte de frustração.
Os resultados das pesquisas apresentadas corroboram o entendimento dos processos psicológicos pelo qual o homem passa durante o parto, isto é, ele tem de lidar com processos emocionais em conjunto com o conhecimento (ou a falta dele) sobre a situação de parto. Complementando isso, o artigo de Espírito Santo e Bonilha (2000) mostra que a equipe espera um comportamento adequado do homem durante o parto: "Assim, um homem que tenha um comportamento guiado por suas emoções pode ser considerado inadequado, supondo-se que coloque em risco o bom andamento do parto, que prejudique o desempenho da esposa e o trabalho dos profissionais"(p.106).
Em conjunto com os processos emocionais que o homem experimenta nesse momento, há a expectativa da equipe de saúde em relação a ele, de que assuma o apoio emocional da parturiente, dando-lhe o conforto e a segurança de que ela precisa nesse momento.
A compreensão dos fatores psicológicos que o homem vivencia no momento da parturição tem como objetivo conhecer as possibilidades de acompanhamento e de oferecimento de apoio à sua companheira parturiente, no momento da parturição. Nesse sentido, a questão que norteia esta pesquisa refere-se à interseção entre o tipo de apoio que o homem pode oferecer à parturiente nesse momento e a necessidade de apoio que ela demanda. Assim, o foco desta pesquisa é a parturiente, suas necessidades e percepções.
Método
A coleta de dados ancorou-se em duas técnicas básicas: a observação participante de campo e a entrevista semi-estruturada, instrumentos que se integraram ao desenvolvimento da pesquisa, que se caracteriza pela abordagem qualitativa.
Os resultados apresentados neste trabalho referem-se a um grupo de 10 parturientes em trabalho de parto, internadas no centro obstétrico de uma maternidade pública. As parturientes foram convidadas a participar da pesquisa, considerando-se os seguintes critérios: ser primiparturiente, ter tido gravidez saudável, ter idade gestacional entre 37 e 42 semanas incompletas, estar acompanhada de seu companheiro e ter entre 17 e 35 anos de idade. O Quadro 1 traz a classificação das participantes da pesquisa de acordo com a idade, educação e situação econômica.
A maternidade pública em que se realizou a pesquisa identifica-se com atendimento humanizado, baseado nos princípios preconizados pela Organização Mundial da Saúde (1996). Dentre as rotinas estabelecidas pela maternidade, vale ressaltar: o direito garantido de um acompanhante; o direito à escolha da posição (cócoras ou supina) no momento da parturição; e uma série de atividades desenvolvidas pela equipe para o melhor desenvolvimento do parto (deambulação, massagens, banhos, incentivo à participação do pai etc.).
Procedimentos de Coleta de Dados
A pesquisa concretizou-se a partir de duas etapas: primeiramente, foram realizadas as observações do trabalho de parto e do parto propriamente dito e, num segundo momento, realizaram-se entrevistas no alojamento conjunto.
As observações foram feitas por meio da técnica de observação participante de campo, emprestada da etnografia, e cuja linguagem científica inclui a descrição dos eventos e das interpretações a posteriori (Romanelli, 1998). As observações tiveram como objeto a interação entre parturiente e acompanhante e, num segundo plano, a forma com a equipe de saúde interagia com o casal. A pesquisadora interagiu com os participantes, dentro de limites estabelecidos, ou seja, apresentação da pesquisadora e da pesquisa, eventuais interações verbais durante os momentos de observação e eventuais instruções.
Após a apresentação, a dinâmica da pesquisa caracterizou-se por observações intermitentes, em períodos de um minuto junto ao leito da parturiente, com intervalo aproximado de 30 minutos entre cada observação. Nesse intervalo, a pesquisadora permanecia em outra sala do centro obstétrico, aguardando o próximo período de observação e, ao mesmo tempo, acompanhando qualquer movimentação relativa a este parto, como atendimento à parturiente, saída do pai da sala de pré-parto e a forma como o pai se dirigia à equipe.
Houve duas exceções a essa dinâmica. A primeira ocorria quando havia interação equipe-parturiente e interação do casal, então, o período de observação durava até 15 minutos. A segunda exceção refere-se ao intervalo das observações, que era de 60 minutos, quando o trabalho de parto estava muito prolongado. Desse modo, o número de observações intermitentes por período total de trabalho de parto observado variou de acordo com as condições desse trabalho de parto. O Quadro 2, a seguir, apresenta uma síntese das observações.
A técnica de registro utilizada para essa dinâmica de observação denomina-se 'registros de incidentes críticos' (Dessen & Borges 1998), e tais registros foram realizados logo após cada período de observação do pré-parto. O principal objetivo dos registros de incidentes críticos foi descrever mais detalhadamente aspectos da interação parturiente-acompanhante, condições emocionais da mulher, postura física, reação diante do desenvolvimento do trabalho de parto.
Ainda, realizaram-se diários de campo (Romanelli, 1998), caracterizados por descrições da situação de parto após o período total de observação. O objetivo principal foi relatar a interação acompanhante-parturiente no pré-parto, bem como a situação geral do trabalho de parto.
A segunda parte da pesquisa constituiu-se pela entrevista realizada por meio de roteiro semi-estruturado, que permitiu fazer outras perguntas, a partir da resposta da participante. Isso possibilitou aprofundar o tema abordado e fazer perguntas sobre temas diferentes, de acordo com os assuntos que foram mencionados pela participante. As entrevistas foram gravadas e integralmente transcritas. O encontro entre pesquisadora e participante aconteceu na sala de reuniões do alojamento conjunto, no período denominado pré-alta, que compreendia, no mínimo, 44 horas após o parto.
Cuidados Éticos
Cabe destacar que esta pesquisa cumpriu todos os requisitos éticos estabelecidos para pesquisas com seres humanos, de forma que os nomes que aparecem no texto são fictícios. Vale enfatizar que o bem-estar da parturiente e, do acompanhante, foram constantemente avaliados e considerados antes de iniciarem as observações, bem como ao longo do processo de observação, uma vez que ele é um momento de intimidade e tensão (intensidade emocional) e a inserção da pesquisadora nesse contexto tem de ser realizada com cuidado e discrição. A partir desse esclarecimento, o primeiro contato com a parturiente, já em trabalho de parto, era realizado no momento em que ela se sentia bem e podia interagir com a pesquisadora. Nesse momento, a pesquisadora era apresentada à parturiente e ao acompanhante e, a partir do consentimento de ambos, os períodos de observações iniciavam-se.
Procedimento de Análise de Dados
Para realizar a análise de dados, utilizou-se o sistema de codificação desenvolvido por Corbin e Strauss (1990), na teoria chamada Grounded Theory ou Teoria Fundamentada nos Dados, que consiste principalmente em "representar as operações nas quais os dados são fracionados, conceituados e reagrupados de novas maneiras" (p.57).
Para Corbin e Strauss, há quatro pressupostos básicos que norteiam o processo de codificação: a) a realização da análise de dados é, de fato, o desenvolvimento do processo de interpretação dos dados; b) os procedimentos e as técnicas não devem ser aplicados de forma mecânica, mas seu uso deve ser flexível, de acordo com a realidade do contexto; c) para lidar com a aplicação flexível da técnica, é necessário formular perguntas analíticas sobre o curso do processo de investigação; e d) os procedimentos de codificação são realmente úteis quando aprendidos na prática, além da aprendizagem teórica.
A unidade de análise utilizada é o conceito que se caracteriza por nomear o fato, evento ou outras instâncias do fenômeno, como descrevem Corbin e Strauss: "(...) conceitualizar os dados torna-se o primeiro passo da análise. Por fragmentar e conceitualizar, nós queremos dizer separar uma observação, uma frase, um parágrafo e dar a cada, idéia, evento, um nome, algo que represente o fenômeno" (1990, p.63).
Após o processo de conceitualização, os dados são classificados de acordo com as propriedades similares que apresentam, descrevendo, então, um fenômeno maior. Esse processo de agrupamento dos conceitos sob um 'tópico' é denominado categorização, e as categorias formadas são nomeadas. Um dos objetivos da categorização é diminuir as unidades de análise, pois, em vez de analisar-se uma série de conceitos, analisam-se categorias. Para Corbin e Strauss (1990), as categorias têm poder conceitual e poder de reunir outros grupos de conceitos ou subcategorias sob si mesmas.
Vale enfatizar que esse processo de codificação permite que tanto as descrições das observações, quanto as entrevistas sejam examinadas a partir da mesma unidade de análise. Portanto, considerando-se os pressupostos básicos da Grounded Theory e o conceito como unidade de análise, os dados das observações e os dados das entrevistas foram codificados, analisados e categorizados.
Resultados
Os resultados concernentes à observação das interações do casal em trabalho de parto foram divididos em três grandes categorias: a) presença passiva; b) referência familiar; e c) acompanhante ativo. Essas categorias foram desenvolvidas a partir do conteúdo das observações e descrevem as formas de interação do acompanhante com a parturiente e suas principais reações no trabalho de parto. Para ilustrar a análise das observações, foram utilizados falas das participantes, além de exemplos diretos. A partir das entrevistas, destacaram-se duas categorias: c) avaliação do acompanhante e d) ações do acompanhante, que compreendem a avaliação do envolvimento dos companheiros durante o trabalho de parto.
Presença passiva
Esta categoria descreve um acompanhante que não se envolve ativamente no trabalho de parto, sendo apenas fisicamente presente nesse momento. Os acompanhantes observados nessa categoria apresentam dificuldade para se relacionar com a parturiente, marcada por diferentes comportamentos de ansiedade. Por exemplo, mesmo quando a parturiente demonstra sentir dor, o acompanhante permanece em silêncio, sem estabelecer interações verbais ou físicas com ela. Outro fato observado é a dificuldade de permanecer ao lado da parturiente, necessitando sair da sala de trabalho de parto periodicamente.
Para Soifer (1980), a ansiedade e a experiência da dor provocam, no companheiro, vivências ansiogênicas que levam à sensação de angústia. Para Lef (1997), o homem, ao acompanhar o trabalho de parto, pode experimentar sensação de impotência diante da dor. Esse apontamento da autora coaduna-se com os resultados das pesquisas de Vehviläinen-Julkunen e Liukkonen (1998); Johnson (2002); Chandler e Field (1997) e Smith (1999), nas quais os homens relatam que a sensação de impotência diante da dor de sua mulher foi um dos momentos mais difíceis do acompanhamento.
Videla (1997) refere que, culturalmente, ao homem não é permitida a expressão de sentimentos, restando-lhe somente a possibilidade do silêncio. Dessa forma, não há espaço para as manifestações do homem, nesse momento, seja por negação cultural da expressão dos sentimentos, seja porque toda a atenção está voltada para a mulher.
Outra característica observada é a forma como a falta de informação sobre o desenvolvimento da dinâmica do trabalho de parto pode contribuir para a dificuldade do homem de se relacionar com a parturiente e com o momento de parturição. A pergunta "Não dá para nascer com 8cm de dilatação? Precisa chegar até 10cm de dilatação?" era freqüente entre os acompanhantes dessa categoria e das outras categorias também. Os resultados apontam que, no caso dessa maternidade, que atende os usuários do serviço público, há desconhecimento, por parte dos acompanhantes, da dinâmica do trabalho de parto e de como a mulher pode sentir e expressar todo o processo.
As pesquisas de Chandler e Field (1997), Vehviläinen-Julkunen e Liukkonen (1998) e Johnson (2002) demonstram que os pais entrevistados relataram a necessidade de mais informações sobre como cuidar de sua mulher e sobre como o trabalho de parto estava progredindo. A falta de informação e orientação contribui para que o pai não participe mais ativamente do trabalho de parto.
A ansiedade e a dificuldade do homem de acompanhar ativamente sua companheira na parturição relaciona-se às transformações emocionais que ele experimenta nesse momento (Videla, 1997; Maldonado, 1997; Klaus, Kennell & Klaus, 2000). A iminência da mudança de papel de filho para pai e a ansiedade de que tudo termine bem, ou seja, de que a mãe e o bebê fiquem bem, são aspectos que compõem a vivência emocional desse momento, sendo que a forma como cada homem enfrenta a ansiedade é pessoal e depende de sua habilidade de lidar com os aspectos emocionais.
A partir desse contexto, compreende-se que a presença passiva do acompanhante pode estar relacionada a tais aspectos emocionais provocados pela situação de parto, pela dificuldade de lidar com essas sensações, pela impossibilidade de se expressar, nesse momento, pelo desconhecimento do trabalho de parto e pela falta de informações.
Nesse contexto, a orientação da equipe é fundamental no desenvolvimento de uma interação mais ativa por parte do homem. Um dos acompanhantes observados ilustra a importância da equipe nesse processo, uma vez que ele só começou a interagir com a parturiente após a orientação e o incentivo dos profissionais.
É importante enfatizar que se observou que a orientação e o estímulo da equipe de enfermagem são fundamentais para ajudar o acompanhante a interagir, pois proporcionam à parturiente, apoio emocional e físico e podem propiciar ao acompanhante sentir-se mais ativo e útil no trabalho de parto. Entretanto, Chapman (1992) enfatiza que é necessário respeitar as possibilidades do homem durante a participação no parto.
Referência familiar
Essa categoria descreve acompanhantes com maior disponibilidade para apoiar a parturiente, porém, eles precisam de orientação sobre o que pode ser feito para ajudá-la, durante o trabalho de parto. Carinho, atenção e palavras de encorajamento são parte do repertório de atitudes espontâneas. Como exemplo disso, tem-se o companheiro de Rosângela, que era carinhoso e atencioso, mas não tinha conhecimento de o que poderia fazer para ajudá-la e mostrava-se ansioso diante do trabalho de parto. Nesse contexto, a orientação da equipe é fundamental para capacitar o acompanhante a oferecer apoio físico e emocional.
Vale enfatizar que o acompanhamento da equipe de enfermagem precisa ser constante e ela deve oferecer atenção à parturiente e incentivo e orientação ao acompanhante, pois a oscilação no papel de cuidador pôde ser observada, sendo que os acompanhantes estavam, em alguns momentos, mais ativos e, em outros momentos, mais passivos. Ilustra isso o marido de Sofia, pois se observou que, mesmo orientado, ele demonstrava dificuldade de realizar essas tarefas. Por exemplo, ele fazia um pouco de massagem, mas logo parava.
Outro aspecto a ser considerado é a dificuldade dos acompanhantes de lidar com os momentos intensos, próximo ao período de expulsão. O marido de Clara e de Sofia apresentaram-se impactados diante das dores de suas companheiras, assumindo, assim, atitude mais passiva.
Pretende-se evidenciar, sobre isso, que os acompanhantes que se encaixam nessas características sentem, também, medo e ansiedade, o que dificulta sua interação com a parturiente, nesse momento. A caracterização desse tipo de acompanhamento coaduna-se com os resultados das pesquisas de Vehviläinem-Julkunen e Liukkonen (1998) e de Johnson (2002), no que concerne à ansiedade e dificuldade de estar presente nesse momento, embora haja desejo de participar. Essa caracterização também vai ao encontro dos apontamentos de Lef (1997) e Videla (1997), no que se refere ao fato de que o homem sente-se incapaz e impotente diante da dor da mulher.
O aspecto mais importante a ser ressaltado, entretanto, é que, embora os acompanhantes (companheiros) apresentem dificuldade de estar junto com a parturiente e ajudá-la nesse momento, há intenção ou desejo de fazê-lo.
Acompanhante ativo
Os acompanhantes que fazem parte desta categoria caracterizam-se pela habilidade de acompanhar a parturiente, continuamente, oferecendo-lhe segurança e conforto, de forma autônoma e espontânea. No que concerne ao apoio emocional, esses acompanhantes são carinhosos e estabelecem interação verbal com a parturiente, baseada em palavras de encorajamento, elogios, e se referem à chegada do bebê como uma forma de incentivar a mãe. O depoimento de Valéria demonstra como seu marido conseguiu acalmá-la, quando a companheira de quarto gritava muito por causa das dores:
Aquilo me desesperava, sabe? Aquilo ali. Eu dizia para ele: "Pelo amor de Deus, não deixa eles fazerem isso comigo". Ele dizia: "Calma, não é assim. Quando vê, ela tá sentindo a mesma dor que tu, só que ela tá fazendo aquilo ali...". Então, às vezes, quando eu queria me exaltar, ele dizia: "Calma, fica calma, pensa que já tá chegando, daqui a pouco tu vai ganhar ela, vai passar tudo, tu não vai nem te lembrar". Daí ele me acalmava, falava muita coisa que me acalmava.
Oferecer conforto e apoio físico constitui elemento fundamental nessa categoria e caracteriza a interação ativa por parte dos acompanhantes, em relação à parturiente. Foi possível observar que os acompanhantes desenvolviam as atividades físicas de forma espontânea e autônoma, como, por exemplo: acompanhar a parturiente na deambulação, ajudá-la a mudar de posição, segurar a sua mão, lhe oferecer carinho, massagear-lhe as costas espontaneamente e acompanhar a respiração dela (as duas últimas atividades não foram observadas em todos os acompanhantes dessa categoria).
Quando a equipe orientava sobre as diferentes técnicas e atividades possíveis, as ações do acompanhante eram potencializadas, possibilitando melhor desempenho dele no processo, como aponta Renata, cujo companheiro, ativo e amoroso, após ter sido orientado sobre as atividades que poderia desenvolver, teve mais elementos para oferecer-lhe apoio efetivo, como auxiliá-la na respiração e fazer massagem nela.
Ele incentivava, ele ajudava na questão da respiração, fazia massagem e, até durante o parto mesmo, foi ele que me segurou (...).
Então, os acompanhantes que formam essa categoria conseguem interagir com a parturiente, proporcionando-lhe conforto físico e emocional. A orientação da equipe quanto a métodos e técnicas para promover conforto à parturiente instrumentaliza e possibilita que o acompanhante realize atividades diferentes, que contribuam para o andamento do trabalho de parto.
Pretende-se demonstrar, com essa caracterização das formas de apoio emocional por parte do acompanhante, que cada acompanhante apresenta limitações e possibilidades particulares quanto ao oferecimento de apoio. Essas características devem ser observadas pela equipe, a fim de ajudá-lo a ampliar sua capacidade de apoiar a parturiente, nesse momento.
Outra importante característica a ser apontada é que, embora as categorias referência familiar e acompanhante ativo compartilhem de semelhanças, há uma diferença fundamental entre as duas, baseada na intensidade e na forma de oferecer o apoio. Nesta pesquisa, os acompanhantes que se encaixam na categoria acompanhante ativo conseguiram lidar bem com a situação, assumindo papel de protetores e guias da parturiente, de forma espontânea e autônoma, enquanto os acompanhantes da categoria referência familiar estavam abertos e desejosos de ajudar a parturiente, mas tinham dificuldades de fazê-lo.
A caracterização dessas três formas de interação é comparável com a pesquisa de Chapman (1992), desenvolvida por meio de entrevistas com os acompanhantes, após o trabalho de parto. Nessa pesquisa, três formas de interação entre acompanhante e parturiente foram levantadas: witnesses (observadores), comparável à categoria presença passiva; teammates (parceiros), comparável à categoria referência familiar; e coaches (orientadores), com características paralelas à categoria acompanhante ativo.
Percepção da parturiente sobre o acompanhante
As categorias acerca desse tema, ou seja, as percepções da parturiente quanto ao apoio do acompanhante e o relato de como ele a ajudou derivam dos dados das entrevistas.
Avaliação do acompanhante
A presença do acompanhante foi considerada positiva por todas as participantes. Para elas, é importante ter alguém conhecido que lhes ofereça cuidado e atenção. Essa categoria baseia-se nas respostas à pergunta: Como foi ter o acompanhante ao seu lado?
Eu não conseguia imaginar o meu parto sem ele. Desde o começo, eu contei com a presença dele. Ele foi em tudo, ele estava bem presente em tudo (...) Então, eu não imaginava o parto sem ele. (Clara)
O comentário de Clara aborda, especificamente, a presença do marido e sua importância no acompanhamento, para o término da gestação.
Os comentários a seguir ilustram a forma como as parturientes percebem a presença do companheiro, ou seja, como algo que traz conforto e segurança.
Foi ótimo. Ele foi muito carinhoso, me deu muita atenção. Não tenho nada para reclamar dele. Foi ótimo. (Rosângela)
Ah! (suspiro) maravilhoso. Foi supercalmo, supercompreensivo. Xinguei ele um monte e ele sempre esteve do meu lado. É bom, porque você já vai confiante, tem alguém ali em quem eu possa confiar, né? (Mariana)
Foi ótimo! Meu marido é um amor. Foi muito bom! (Marcela)
Eu acho que a pessoa se sente bem mais segura do que quando vem sozinha! (Sofia)
Klaus, Kennell e Klaus (2000) reconhecem a importância da presença do pai para a mulher, como uma figura que oferece conforto e carinho, compartilhando com ela a experiência íntima do nascimento do filho. A pesquisa de Carvalho (2001) demonstra, a partir de entrevistas com 11 mulheres, que a presença do pai traz satisfação e segurança à vivência do trabalho de parto. Essa autora aponta, ainda, a crença da parturiente de que o pai do bebê vai apoiá-la para que ela possa ultrapassar esse momento.
Ações do acompanhante
Esta categoria descreve a percepção das parturientes sobre como os acompanhantes ajudaram-nas durante o trabalho de parto. Os depoimentos evidenciam que o apoio do acompanhante está relacionado, principalmente, à presença dele e ao fato de ele compartilhar esse momento. Esse compartilhar é marcado por palavras de incentivo, trocas de carinho entre parturiente e acompanhante.
Só o fato de ele estar ali, dentro da sala, vendo, acompanhando, tendo a mesma emoção... Ele estando do meu lado, falando: "Calma".... Foi o primeiro a pegar o nenê, né? (...). Ele tá superpai. (Mariana)
O apoio do marido de Mariana foi considerado da categoria acompanhante ativo. Ele permaneceu o tempo todo ao seu lado, atento às suas necessidades, protetor e a auxiliava durante as caminhadas e o banho. Entretanto, o depoimento de Mariana evidencia, principalmente, a presença e o compartilhar da emoção da chegada do bebê.
A referência à chegada do bebê é uma forma de apoio considerada pelas parturientes. Quando o acompanhante refere-se ao bebê, ele está direcionando a atenção ao processo de parto, isto é, às sensações físicas e emocionais atualizadas com a chegada do filho, aliviando a vivência da dor como um processo interno, carregado de medos e fantasias (Soifer, 1980). A resposta de Cecília demonstra como o marido, acompanhante atencioso e carinhoso, ajudava-a, lembrando a chegada do bebê.
Ele me ajudou muito, o tempo todo dizendo: "Força pela nossa filha, a gente sonhou, a gente ama tanto ela, e a gente conversou bastante com ela, força" e rezava e, nossa!, demais, assim: "A gente se ama, a gente vai conseguir, tu vai conseguir por ela, pela gente". Ah! maravilhoso. (Cecília)
As falas das parturientes mostram, também, os limites dos acompanhantes. Helena, por exemplo, reconhece o apoio do marido, mas aponta seus limites:
(...) (dava) conselho, né? E, assim, dizia para mim ficar calma, foi mais, assim, mais conselho, né? Ele queria ajudar mas também não sabia como... e me levava num lugar, no outro, assim sempre me dava apoio.
O companheiro de Helena era carinhoso, atencioso e acompanhava-a na deambulação. Ele mostrou-se seguro, sendo cuidadoso com ela ao longo das 12 horas de observação, além de nas horas de trabalho de parto não-observadas, que, de acordo com as informações da parturiente, somaram 23 horas. O comentário de Helena referenda os resultados das pesquisas de Johnson (2002), Chandler e Field (1997) e Vehviläinen-Julkunen e Liukkonen (1998), que, a partir da fala dos pais dos bebês, apontam a falta de informação e orientação por parte da equipe sobre como ajudar a parturiente.
Somente três parturientes referiram-se ao apoio de atividades físicas: massagem, acompanhamento e incentivo, para realizar a respiração profunda; acompanhamento nas atividades, principalmente, na deambulação e na respiração, como mostra a fala de Marcela:
Pesquisadora: Antes da analgesia ele te ajudou? Marcela: Sim, me ajudou.
Pesquisadora: Como ele ajudou?
Marcela: (...) disse para eu respirar fundo (...) Ah! Falava um monte de coisa, para mim ter calma (...) me relaxando sempre, me deixando calma.
Foi possível observar, portanto, que o apoio oferecido pelos acompanhantes circunscreve-se, principalmente, ao apoio emocional, como demonstram as pesquisas de Carvalho (2001), Souza Pinto (2001) e Smith (1999). A presença do acompanhante tem impacto positivo na parturiente o que fica evidenciado, por exemplo, quando Cláudia afirma que seu companheiro ajudou-a muito durante o trabalho de parto, contudo, foi observado que o acompanhante de Cláudia tinha dificuldade de oferecer-lhe apoio. Demonstra-se que, em conjunto com o apoio emocional, por meio de palavras de incentivo e encorajamento, as atividades podem ser desenvolvidas, contribuindo para o desenvolvimento do parto.
Considerações Finais
A situação de parto é carregada de expectativas, ansiedade e medo, marcada principalmente por um estado de regressão emocional. Considerando-se esse contexto, esta pesquisa partiu da premissa de que o acompanhamento familiar e o apoio emocional trazem benefícios à parturiente e ao desenvolvimento do parto, no que concerne a seus aspectos emocionais e físicos.
Nesse sentido, saber como o companheiro da parturiente a apóia, efetivamente, durante o trabalho de parto, é fundamental para se conhecer quais as possibilidades de apoio do acompanhante diante da demanda da parturiente.
Quanto ao apoio oferecido pelo acompanhante, organizaram-se três categorias que descrevem a observação da participação do acompanhante: presença passiva, referência familiar e acompanhante ativo. A observação demonstra que o oferecimento de apoio emocional está relacionado à possibilidade e à disponibilidade que o acompanhante tem para acompanhar a parturiente. O envolvimento emocional do acompanhante, especialmente do companheiro da parturiente, constitui fator que merece atenção. Cabe à equipe, portanto, perceber o tipo de apoio que a parturiente está recebendo de seu acompanhante, orientá-lo e incentivá-lo a maior participação, respeitando seus limites.
Nesse contexto, a orientação da equipe firma-se como importante fonte de apoio ao acompanhante, para que ele amplie e desenvolva possibilidades de atuação junto à parturiente. Os resultados desta pesquisa demonstram que, quanto mais integrado for o trabalho entre acompanhante e equipe, maior será a possibilidade de participação do acompanhante. Dessa forma, ao estar atenta a como o acompanhante desenvolve os cuidados com a parturiente e ao oferecer-lhes orientações, a equipe promove apoio emocional mais efetivo para o par, uma vez que lhe oferece possibilidade de envolver-se mais com o trabalho de parto, participando, ativamente, desse momento.
Outro fator a ser comentado é a necessidade de esclarecer dúvidas que a parturiente e o acompanhante tenham quanto à dinâmica de parto, pois a pesquisa demonstra que há desconhecimento, por parte do acompanhante, da dinâmica do trabalho de parto. Essas dúvidas podem dar margem a fantasias, aumentando a sensação de ansiedade, tanto para a parturiente quanto para o acompanhante. Nesse sentido, informação sobre o trabalho de parto e orientação sobre as atividades que podem ajudar a parturiente são fundamentais para proporcionar ao pai participação mais ativa e sensação de participar do processo de nascimento.
Vale destacar que, de acordo com os relatos das parturientes, a presença do acompanhante traz conforto, segurança e confiança. Quando os depoimentos das parturientes são comparados com os dados obtidos pela observação, verifica-se que há diferenças entre a percepção da parturiente e o tipo de apoio observado. Houve casos em que o acompanhante era, de fato, ativo, oferecia apoio emocional e físico, e outros casos em que o acompanhante era uma referência passiva, sendo que, em ambos, o depoimento da parturiente exaltava a necessidade de participação do acompanhante.
Evidencia-se aqui, também, que a satisfação da parturiente com a participação do acompanhante não está diretamente relacionada à qualidade do cuidado observável, mas ao que essa presença representa para ela. Esse resultado corrobora as conclusões de Carvalho (2001) e os apontamentos de Klaus, Kennell e Klaus (2000). Entretanto, esse é um tema que merece ser mais pesquisado. Por exemplo, é importante saber quem é o acompanhante e o que ele conhece sobre o trabalho de parto. Vale, também, investigar se existe algum tipo de preparação para acompanhar o parto e como ela é feita, além disso, conhecer a percepção do acompanhante quanto à sua participação pode contribuir para se compreender como ele ajuda a parturiente.
É importante, ainda, realizar mais pesquisas que observem as interações dos acompanhantes, durante o trabalho de parto. Desenvolver esses conhecimentos propiciará melhor compreensão do trabalho de parto, da participação do acompanhante, especialmente do marido, e de como a construção da família inicia-se, nesse momento.
É importante compreender que, embora o acompanhante ocupe lugar de referência familiar e emocional para a parturiente (a despeito da natureza de sua companhia e do seu possível papel de cuidador da parturiente), ele também está emocionalmente envolvido no processo. O lugar do cuidado emocional não deve ser delegado ao acompanhante apenas, ele pode ser um agente ativo nesse processo, porém, não necessariamente responsável pelo cuidado dispensado à parturiente.
Vale ressaltar, portanto, que a participação do homem no nascimento do seu filho é um direito, um direito de cidadão, que ele exerce se assim o desejar. Assim não deve ser compulsória, portanto, pois não cabe a ele oferecer o apoio emocional como uma tarefa obrigatória. Isso é incumbência da equipe de saúde. O acompanhante pode ser incluído no processo e orientado a participar de forma ativa do trabalho de parto.
A partir da realidade observada e descrita, considera-se o apoio emocional uma atividade a ser realizada entre equipe de enfermagem e acompanhante, sendo que o acompanhante pode ser uma figura de apoio, considerando-se, entretanto, suas possibilidades e seus conhecimentos. Nesse sentido, cabe à equipe de enfermagem oferecer orientação à parturiente e ao acompanhante, informá-los sobre o desenvolvimento do parto e os procedimentos médicos hospitalares, sanar dúvidas e estar atenta às necessidades do par, enfim, estar disponível física e emocionalmente para ambos. Assim, ela poderá propiciar um ambiente em que a parturiente desfrute de apoio emocional e físico, durante o trabalho de parto.
Artigo recebido para publicação em 24/08/2004; aceito em 28/01/2005
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Fev 2009 -
Data do Fascículo
Abr 2005
Histórico
-
Recebido
24 Ago 2004 -
Aceito
28 Jan 2005