Resumo
O objetivo deste trabalho é analisar a relação de determinação simultânea entre o aumento dos investimentos diretos estrangeiros (IDE) do tipo greenfield e brownfield e o crescimento do PIB per capita para um conjunto de 119 países ao longo do período de 2003 a 2018. Para isso, utilizamos um modelo de VAR em painel e calculamos as funções de resposta ao impulso, com o objetivo de comparar o efeito de um choque exógeno em ambos os tipos de investimento sobre a dinâmica do crescimento do PIB per capita ao longo do tempo. Além disso, realizamos também testes de causalidade de Granger e decomposição da variância do erro. Nossos resultados sugerem que um maior crescimento econômico tem um forte poder de atração de IDE do tipo greenfield em detrimento do tipo brownfield para todos os níveis de desenvolvimento econômico. Por outro lado, o retorno do IDE tanto do tipo greenfield quanto brownfield para o crescimento econômico parece ser negligenciável para todos os níveis de desenvolvimento.
Palavras-chave: Investimentos diretos estrangeiros; Greenfield ; Brownfield ; Crescimento econômico; VAR em painel
Abstract
The aim of this work is to analyze the simultaneous relationship between the growth of greenfield and brownfield foreign direct investments (FDI) and the GDP per capita growth rate for a sample of 119 countries over the 2003 – 2018 period. By employing a Panel VAR model, we calculate the impulse response functions in order to compare the effect of an exogenous shock in both types of investment on the dynamics of GDP per capita over time. In addition, we also conducted Granger causality tests and forecast error variance decomposition analyses. Our results suggest that faster economic growth successfully attracts greenfield FDI at the expense of the brownfield type across all levels of economic development. On the other hand, the return of both greenfield and brownfield FDI in terms of economic growth appears to be negligible for all levels of development.
Keywords: Investments; Greenfield; Brownfield; Economic growth; Panel VAR
Introdução
São várias as finalidades por meio das quais as empresas multinacionais decidem investir em outros países. Entre essas finalidades, podemos destacar algumas como: otimizar recursos, adquirir maior mercado consumidor, ampliar áreas de influência, diversificar o portifólio, entre outros. Ao longo dos últimos 30 anos, os fluxos de capitais entre países na forma de investimento direto estrangeiro (IDE) e investimentos em portfólio aumentaram de forma substantiva. Enquanto em 1985 os fluxos de entrada de IDE correspondiam a 0,36% do PIB mundial, em 2018 estes alcançaram a marca de 1,39% do PIB do mundo (Banco Mundial, 2020). Contudo, a partir de 2017, tem-se observado uma tendência de queda desses fluxos, especialmente devido à uma diminuição dos IDE em direção às economias desenvolvidas. Por outro lado, os fluxos de IDE para os países em desenvolvimento permaneceram estáveis nesse período. Como resultado, as nações em desenvolvimento corresponderam a uma parcela crescente dos ingressos globais de IDE em 2017, absorvendo 47% do total, em comparação com 36% em 2016 (UNCTAD, 2018).
Existe uma vasta literatura empírica avaliando o impacto da entrada de IDE sobre o crescimento econômico dos países. Os influxos de IDE podem ter relação positiva com o crescimento econômico, por meio de sua associação com a acumulação de capital, através da teoria do crescimento neoclássico, e como mecanismo de transbordamento tecnológico e de conhecimento, vinculado à teoria do crescimento endógeno (De Mello, 1999). Campos e Kinoshita (2002) afirmam que o IDE aumenta o crescimento, independentemente do capital humano. Nesta mesma tendência, Li e Liu (2005) relatam um efeito positivo e significativo tanto para os países desenvolvidos, quanto para os em desenvolvimento, sobre o crescimento econômico, além de encontrar um papel significativo do capital humano para aumentar o impacto do IDE. Segundo Denisia (2010), os investimentos também são frequentemente considerados geradores de emprego, alta produtividade e competitividade. Argumenta-se que, sobretudo para os países menos desenvolvidos, o IDE pode gerar maiores exportações, acesso a mercados internacionais e aumento das reservas em moedas estrangeiras, sendo uma importante fonte de financiamento complementar aos empréstimos bancários. Além disso, conforme Bayar (2017), o IDE pode promover o desenvolvimento financeiro e afetar indiretamente, através desse mecanismo, o crescimento econômico do país. Contudo, os estudos ainda não são conclusivos, dado que vários trabalhos argumentam que os efeitos do IDE sobre crescimento econômico são condicionais ao ambiente do país que recebe os investimentos. Hermes e Lensink (2003) relatam que o IDE é um determinante insignificante do crescimento e só pode exercer um efeito positivo nos casos em que o sistema financeiro doméstico é suficientemente desenvolvido, sugerindo que o IDE deve ser mais benéfico para as economias desenvolvidas. Outros estudos sugerem que o IDE é importante para o processo de transferência de tecnologia, contribuindo relativamente mais para o crescimento do que o investimento doméstico. No entanto, esses benefícios se mantêm somente para aqueles países anfitriões que possuem um estoque de capital humano suficientemente elevado, isto é, nações mais desenvolvidas (Borensztein; De Gregorio; Lee, 1998; Prasad; Rajan; Subramanian, 2007; Batten; Vo, 2009). Destacamos ainda que Iamsiraroj e Ulubasoglu (2015) levantaram os resultados de 108 estudos – com diferentes métodos e bases de dados – que relacionam os IDEs com crescimento econômico. Dentre eles, 43% das estimativas sugerem que o investimento tem uma relação positiva e significativa com o crescimento econômico. De forma oposta, 17% indicavam que os investimentos e o crescimento econômico possuem uma relação negativa e significativa. Além disso, 40% dos resultados não foram significativos. Percebe-se, portanto, que não há um consenso na literatura e as conclusões apresentam uma grande divergência.
Além disso, esses investimentos podem ser divididos em dois tipos: greenfield e brownfield. O investimento greenfield se caracteriza por uma situação em que a empresa realiza projetos incipientes no país estrangeiro, enquanto o tipo brownfield se refere ao investimento realizado por uma companhia que já possui uma estrutura pronta, isto é, relativo aos investimentos em fusões e aquisições de empresas (Feenstra; Taylor, 2014). Conforme a UNCTAD (2020), a maior soma de investimentos greenfield e brownfield entre 2003 e 2018 ocorreu no ano de 2008, possivelmente pelo grande crescimento da economia mundial que ocorria até esse período. Nesse ano, atingiu-se o valor de 2 trilhões de dólares em fluxos de entrada dos dois tipos de investimentos, em que 66% correspondia ao montante atribuído às novas plantas. Durante esse contexto, os investimentos tiveram muitas oscilações, apesar de grande parte do período apresentar maior valor para os IDE do tipo greenfield. Assim sendo, os diferentes tipos de investimentos podem se relacionar de maneira distinta com o crescimento econômico. Conforme a UNCTAD (2000), os investimentos em aquisições de novas plantas – greenfield – podem oferecer maiores benefícios do ponto de vista do desenvolvimento do país anfitrião, devido ao fato de contribuir para a acumulação e produtividade do capital com a formação de novas instalações. Em contrapartida, os investimentos brownfield podem apresentar menores benefícios, por não significar um aumento na capacidade produtiva. Nesse sentido, a transferência de dono realizada pelas fusões e aquisições é frequentemente acompanhada por demissões de funcionários ou pelo fechamento de algumas atividades de produção ou funcionais (por exemplo, capacidades de P&D). Por outro lado, Bayar (2017) afirma que os investimentos brownfield também podem influenciar positivamente o crescimento econômico através de novas transferências de conhecimento e tecnologia. Em um estudo para a China, Liu e Zou (2008) encontraram que, para as indústrias de alta tecnologia do país, o IDE greenfield gera transbordamentos intra e inter-setoriais, enquanto para os investimentos em fusões e aquisições encontrou-se somente transbordamentos inter-setoriais. Neste contexto, Wang e Wong (2009) encontraram que o IDE greenfield influencia de forma positiva o crescimento econômico, enquanto as fusões e aquisições podem ser benéficas apenas quando o país anfitrião possui um certo nível de capital humano. Assim, vários trabalhos sugerem uma maior influência dos investimentos em novas plantas no desenvolvimento econômico comparativamente aos realizados em fusões e aquisições (Bayar, 2017; Harms; Meón, 2014).
Contudo, é preciso destacar que o IDE deve ser visto não só como causa, mas também como consequência do desempenho econômico dos países. Existem algumas características das nações que geram uma maior atratividade de fluxos de capitais e, sobretudo, de investimento direto estrangeiro, dentre as quais podemos destacar fatores relacionados ao ambiente econômico, regulatório, burocrático, político e judicial. Assim, vários estudos verificaram a importância de variáveis institucionais e expansão de IDE nos países, bem como trabalhos que analisaram o impacto de instituições políticas e sua estabilidade nas entradas de investimento (Anghel, 2005; Jensen, 2008; Busse; Hefeker, 2007). Além disso, evidencia-se que as empresas multinacionais tendem a se localizar em países ou regiões mais produtivos e em rápido crescimento, de modo que os fluxos de IDE tendem a ser atraídos para as economias e mercados em crescimento. Portanto, a relação de causalidade entre IDE e crescimento econômico pode ocorrer bidirecionalmente e apresentar problemas de simultaneidade na análise de regressão com uma única equação (Hansen; Rand, 2006; Hsiao; Hsiao, 2004).
Assim sendo, este artigo procura investigar a determinação simultânea em um processo dinâmico entre variações nos diferentes tipos de IDE (greenfield e browfield) e o crescimento da renda per capita dos países, conduzida por meio da aplicação de um Vetor Autorregressivos com dados em painel (Panel VAR) para um conjunto de 119 países do mundo entre o período de 2003 a 2018. Neste artigo, utiliza-se também as funções de resposta a impulso ortogonalizadas a partir de uma decomposição de Choleski, que mostram a resposta de uma variável de interesse ao longo do tempo a um choque exógeno em outra variável de interesse. Com isso, conseguimos isolar o efeito de um choque exógeno nos investimentos greenfield e brownfield sobre o crescimento do PIB per capita e vice-versa. Além disso, foram feitos testes de causalidade de Granger e a decomposição de variância do erro de previsão.
O artigo se divide em quatro seções, além da introdução. A primeira parte aborda a teoria que envolve as questões de investimentos e crescimento econômico. Na segunda são apresentados os dados e as metodologias utilizadas para atingir o objetivo do trabalho. A seguir, analisa-se os resultados obtidos e, por fim, descreve-se as principais conclusões do artigo.
1 Crescimento econômico e IDE: uma breve revisão da literatura empírica
Muitos estudos empíricos e teóricos tentaram explicar as diferenças nas taxas de crescimento econômico entre os países. Nesses estudos, a difusão tecnológica e a formação de capital são os principais focos de interesse na análise do crescimento econômico. Dentre os vários canais de transmissão capazes de permitir a difusão da inovação entre os países, o investimento direto estrangeiro (IDE) foi considerado um dos principais mecanismos de acesso às tecnologias avançadas (CHOE, 2003).
Existe uma vasta literatura avaliando empiricamente o impacto do IDE sobre o crescimento econômico. Em uma análise com estimações de painel de efeitos fixos, VI e causalidade de Granger aplicada aos 25 países em transição da Europa Central e Oriental e da antiga União Soviética no período de 1990 a 1995, Campos e Kinoshita (2002) encontraram que o IDE aumenta o crescimento econômico. Li e Liu (2005) também relatam um efeito positivo e significativo do IDE sobre o crescimento econômico – aumentando seu impacto nos países que possuem maior capital humano -, com técnicas de equações simultâneas em 84 países desenvolvidos e em desenvolvimento no período de 1970 a 1999. Dessa forma, vários autores afirmam que a relação entre IDE e crescimento econômico se intensifica para aqueles países anfitriões que possuem um estoque de capital humano suficientemente elevado. Borensztein, de Gregorio e Lee (1998), utilizando o modelo de regressões aparentemente não-relacionadas (SUR) para 69 países em desenvolvimento de 1970 a 1989, encontraram que o IDE influencia o crescimento econômico quando o país anfitrião possui um estoque mínimo de capital humano. Nessa perspectiva, Batten e Vo (2009), recorrendo ao modelo de GMM e painel de efeitos fixos para 79 países dentre os anos de 1980 a 2003, evidenciaram que o IDE tem um forte impacto positivo no crescimento econômico em países com maior nível de escolaridade.
Entretanto, os investimentos podem ser divididos em greenfield e brownfield podendo, portanto, afetar o crescimento econômico por meio de diferentes canais de transmissão. Nesse sentido, Liu e Zhou (2008), com painel de efeitos fixos e System-GMM para indústrias da China entre 1997 e 2004, encontraram que o IDE greenfield gera maiores transbordamentos que os investimentos em fusões e aquisições. Em outro estudo, Wang e Wong (2009) pesquisaram a influência dos IDE de greenfield e brownfield no crescimento econômico em 84 países durante o período 1987–2001, empregando regressão em painel. Assim, descobriram que os IDE greenfield afetavam positivamente o crescimento econômico, enquanto os investimentos brownfield influenciavam negativamente crescimento econômico. Harms e Meón (2014) investigaram uma amostra de 78 países em desenvolvimento e emergentes entre 1987 e 2005 utilizando o método de efeitos fixos, MQ2E e o método de Barzilai-Borwein (BB) e encontraram que os investimentos em novas plantas tiveram um impacto mais forte no crescimento do que as fusões e aquisições. No mesmo sentido, Neto, Brandão e Cerqueira (2010), com uma amostra de 53 países durante o período 1996–2006 e utilizando painel de efeitos fixos e efeitos aleatórios, encontraram que os fluxos de investimentos greenfield afetaram positivamente o crescimento econômico, enquanto os investimentos brownfield não contribuíram significativamente. Nessa perspectiva, Zvezdanović-Lobanova et al. (2016) investigaram o efeito econômico de fusões e aquisições de empresas no PIB per capita em 22 países em transição europeus de 2000 a 2014 com os métodos de GMM system e difference. A principal conclusão é que o impacto desse tipo de IDE no crescimento econômico é positivo apenas um ano após a fusão ou aquisição. De uma perspectiva de longo prazo, seu impacto no PIB per capita é negativo. Sob essa lógica, Luu (2016) investigou o efeito dos investimentos greenfield e brownfield de 20 países emergentes no período de 2003 a 2014 utilizando o método de GMM. O autor encontrou que os dois tipos de investimentos contribuem positivamente para acelerar o crescimento nesses países, porém não verificaram uma influência significativa do crescimento econômico sobre os níveis de investimentos greenfield, enquanto, por outro lado, verificou-se que um menor crescimento econômico pode levar a maiores fluxos de fusões e aquisições. Portanto, observa-se que ainda não há um consenso sobre a influência do investimento sobre o crescimento econômico, porém muitos trabalhos evidenciam o maior impacto de IDE greenfield comparativamente aos investimentos em fusões e aquisições.
Além disso, existem estudos que buscam investigar empiricamente a possível existência de uma bi-causalidade entre PIB e IDE ao estimar também o efeito que um maior crescimento dos países tende a exercer sobre a atração de IDE. Dentre eles, Choe (2003), utilizando um modelo de VAR em painel para 80 países no período de 1971 a 1995, encontrou que há uma bicausalidade entre IDE e crescimento econômico, apesar dos efeitos serem mais aparentes do crescimento influenciando o investimento. Por outro lado, Hansen e Rand (2006) investigaram uma amostra de 31 países em desenvolvimento no período de 1970-2000 utilizando também um VAR em painel e causalidade de Granger. Eles encontraram causalidade entre o IDE e o PIB tanto no curto prazo, quanto no longo prazo; enquanto verificaram que o PIB também Granger-causa o IDE, mas não foram encontrados impactos no nível de longo prazo da taxa de investimento. Em um estudo para oito países que apresentaram um rápido desenvolvimento no Oriente e sudeste asiático, Hsiao e Hsiao (2004) verificaram que somente Tailândia e Singapura apresentaram Granger-causalidade do investimento para o PIB; enquanto China e Tailândia evidenciaram uma causalidade de Granger do PIB para o IDE. Os resultados obtidos por Attanasio, Scorcu e Picci (2000) confirmam essas conclusões, utilizando-se dados de 123 países durante o período de 1961-94, com os métodos de GMM e causalidade de Granger. Apesar dos autores não terem desagregado os investimentos, eles encontraram que, de forma geral, maiores taxas de crescimento Granger-causam os IDE.
O único trabalho empírico do nosso conhecimento que avalia a bi-causalidade entre crescimento e IDE greenfield e browfield separadamente é o desenvolvido por Calderón, Loayza e Servén (2004). Os autores realizaram a análise para uma amostra de 72 países durante o período de 1978 a 2001, empregando um VAR em painel a partir do estimador de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) com o objetivo de avaliar a causalidade entre as variáveis de interesse por meio do teste de causalidade de Granger. Assim, encontraram que o crescimento econômico afetou os dois tipos de entradas de investimentos, apesar de ter tido maior impacto nos países desenvolvidos. Além disso, verificaram que os investimentos greenfield e brownfield não causam crescimento econômico.
Dessa forma, o presente trabalho busca contribuir para a literatura analisando a relação entre crescimento e IDE greenfield e brownfield para o período de 2003 a 2018 que é posterior ao analisado por Calderón, Loayza e Servén (2004). Fatores como o forte crescimento dos países emergentes e o super ciclo das commodities até meados dos anos 2000, a crise financeira global de 2008, a crise da União Europeia e a estagnação secular que se seguiu nos anos subsequentes ajudam a caracterizar o período considerado no presente trabalho como sendo substancialmente distinto em relação às últimas décadas do século XX marcadas pelas reformas liberalizantes e estagnação dos países em desenvolvimento e, portanto, merece ser investigado separadamente. Uma outra contribuição do presente trabalho se dá do ponto de vista metodológico ao avançar em relação à abordagem desenvolvida por Calderón, Loayza e Servén (2004). Neste trabalho, estimamos os sistemas de equações por meio dos modelos VAR em painel a partir dos estimadores de GMM. O estimador de GMM aqui utilizado possui uma vantagem em relação ao estimador de MQO, como proposto por Calderón, Loayza e Servén (2004), uma vez que o GMM é menos restritivo pois não impõe nenhuma hipótese a priori sobre a distribuição de probabilidades do erro das equações a serem estimadas. Ainda no aspecto metodológico, estendemos a análise feita por Calderón, Loayza e Servén (2004) ao estimarmos as Funções de Resposta ao Impulso (FRIs) e a decomposição da variância do erro de previsão das variáveis de interesse, permitindo assim uma avaliação mais detalhada sobre a dinâmica das mesmas ao longo do tempo em resposta a choques de curto prazo.
2 Metodologia
2.1 Abordagem econométrica
A abordagem de dados em painel tradicional abrange trabalhos com modelos de equação única. No entanto, os investimentos e o crescimento econômico podem se influenciar bidirecionalmente e, portanto, apresentam problemas de simultaneidade na análise de regressão com uma única equação. Assim sendo, nesta subseção, descrevemos a técnica econométrica usada para estimar as equações de investimentos greenfield e brownfield com crescimento econômico.
Com o objetivo de relacionar os dois tipos de IDE (greenfield e brownfield) e o PIB per capita para países com diferentes tipos de renda, utilizou-se o método de VAR em painel (PVAR ou Panel VAR). Inicialmente foi construída a técnica de Vetores Autorregressivos (VAR) proposta por Sims (1980), utilizada em séries temporais, compondo um ambiente multivariado com um sistema de equações em que todas as variáveis são tratadas como endógenas. Posteriormente foi desenvolvido por Holtz-Eakin, Newey e Rosen (1988) o Vetor Autorregressivo para dados em painel (PVAR) que é uma extensão do modelo VAR utilizado em séries temporais para dados em painel e permitindo, portanto, controlar a heterogeneidade individual não observada. Considerando que X_it é um vetor (m × 1) composto por m variáveis aleatórias endógenas, com i unidades de corte transversal (países) e t unidades de tempo (ano) cada; e X_(i,t-1) é um vetor (m × 1) constituído por m variáveis endógenas defasadas. Assume-se que X_it pode ser representado por um processo autorregressivo de ordem 1 e sem a presença de variáveis exógenas a seguir:
onde α_i é um vetor (m × 1) constituído pelos os efeitos fixos não observados; Φ é uma matriz (m× m) formada por coeficientes constantes e ⅇ_it é um vetor (m × 1) de termos de erro independentes e identicamente distribuídos. No caso deste trabalho, temos duas variáveis endógenas m em cada estimação (sendo o crescimento dos dois tipos de investimentos e o crescimento do PIB per capita).
A presença de heterogeneidade entre as unidades de corte transversal e as unidades de tempo introduzem alguns desafios à estimação da equação (1). Ao aplicar o método de PVAR seria preciso admitir a restrição de que a estrutura subjacente seja a mesma para cada unidade transversal e de tempo. Se tratando de dados em painel, essa restrição provavelmente seria violada. Assim, uma maneira de superar a restrição é estimando os parâmetros acima em conjunto com os efeitos fixos ou, alternativamente, com os efeitos fixos removidos após alguma transformação nas variáveis. No entanto, conforme Pesaran (2015), esses modelos apresentam viés na presença de termos autorregressivos na equação principal. Com o intuito de lidar com esses problemas utilizamos o Método de Momentos Generalizados (GMM), proposto por Holtz-Eakin, Newey e Rosen (1988) e Arellano e Bond (1991). Assim, o modelo PVAR é a generalização do modelo GMM de painel dinâmico com uma equação m=1. O estimador de GMM-difference de Arellano e Bond (1991) elimina os efeitos específicos de cada país e também utiliza observações defasadas das variáveis explicativas como instrumentos e, portanto, oferece um grande avanço em relação aos estimadores de efeitos fixos e de primeira diferença padrões. Ressalta-se que são satisfeitas as propriedades de consistência do estimador de GMM para dados em painel com N grande e T curto, onde N é o número de unidades de seção transversal e T é o número de períodos de tempo. Para o caso de T → ∞, o número de condições de momento também tende ao infinito, produzindo estimativas inconsistentes. Neste trabalho, foram calculadas as médias das variáveis do modelo em períodos de 2 anos de 2003 a 2018. Este é um procedimento padrão na análise de dados do painel, pois ajusta a estrutura do painel com o intuito de satisfazer as propriedades de consistência dos estimadores GMM.
Antes de estimar o PVAR seria preciso fazer os testes de raiz unitária para avaliar se as variáveis do modelo são estacionárias. Caso a hipótese de não-estacionariedade fosse rejeitada, deve-se diferenciar as variáveis com a finalidade de torná-las estacionárias. Vários testes de raiz unitária para dados em painel foram propostos na literatura, mas a maioria desses testes exige N e T grandes. Um teste de raiz unitária de painel para N grande e T curto foi proposto por Harris e Tzavalis (1999). Contudo, esse teste exige que o painel seja balanceado. Dessa forma, não foi possível realizá-lo, uma vez que trabalhamos com um painel desbalanceado. A alternativa encontrada foi rodar o VAR em Painel com as variáveis em nível e realizar o teste de estabilidade do modelo. A seguir, observou-se que os autovalores se encontram fora do círculo unitário. Conclui-se, portanto, que as variáveis em nível não são estacionárias. Procedeu-se, então, para realizar a primeira diferença das variáveis, e verificou-se que esse modelo é estável e os autovalores se encontram dentro do círculo unitário. À vista disso, o modelo foi estimado com a primeira diferença do logaritmo das variáveis IDE greenfield, IDE brownfield e PIB per capita (a primeira diferença da transformação logarítmica das variáveis é uma aproximação da taxa de crescimento das mesmas). Portanto, nosso modelo satisfaz a condição de estabilidade, porque todos os autovalores estavam dentro do círculo unitário. Em outras palavras, o PVAR é estacionário quando todos os módulos dos valores próprios são menores que a unidade. Essa condição é necessária para garantir a possibilidade de estimar a função resposta ao impulso.
Também precisamos verificar a validade dos instrumentos utilizados na estimativa, a qual depende da exogeneidade dos instrumentos usados no modelo principal. A exogeneidade dos instrumentos é comumente testada pelas estatísticas J do teste de Hansen, em que a hipótese nula implica a validade conjunta dos instrumentos. Assim sendo, a rejeição da hipótese nula indica que os instrumentos não são exógenos e, portanto, o estimador GMM não é consistente. Em relação aos instrumentos, segundo Roodman (2009), à medida que o número de instrumentos aumenta rapidamente com o número de defasagens, vários problemas podem surgir em uma amostra finita, incluindo a possível singularidade da matriz, enfraquecendo o teste de Hansen e superestimando as variáveis endógenas. Nesse sentido, como não há uma orientação clara sobre quantos instrumentos são adequados, Roodman (2009) sugere que o número de instrumentos não deve exceder as unidades individuais no painel (ou países no caso deste estudo), como uma regra prática minimamente arbitrária.
Os modelos de VAR nos permitem estimar as Funções de Resposta ao Impulso (FRI), possibilitando a análise do impacto dinâmico entre as variáveis. O objetivo é o de conseguir respostas puramente exógenas aos choques e, assim, obter de forma mais precisa a relação das variáveis no tempo. Dessa forma, utilizam-se de técnicas que possuem o intuito de isolar os efeitos de retroalimentação entre as variáveis endógenas. Assim, a análise da FRI busca a resposta de uma variável a um impulso em outra variável. Em um contexto de dados em painel, as FRIs são obtidas da mesma maneira que nos modelos de VAR de séries temporais. Conforme proposto por Sims (1980), é preciso realizar uma decomposição de Cholesky através de uma matriz de um processo de ordem infinita a partir de um vetor de médias móveis (VMA), com a finalidade de tornar os erros não contemporaneiamente relacionados. Dado que essa decomposição depende da ordem em que são adicionadas as variáveis no sistema, é preciso decidir quais variáveis não afetam outra contemporaneamente a priori.
Realizamos também um teste de causalidade a partir do PVAR envolvendo todas as variáveis mencionadas anteriormente (crescimento do IDE greenfield e brownfield e crescimento do PIB per capita). O conceito de causalidade no sentido de Granger está associado à ideia de precedência temporal entre variáveis. Assim, se uma variável X contém alguma informação passada que ajuda na previsão de uma outra variável Y e se essa informação não está contida em outras séries utilizadas no modelo, então pode-se afirmar que X Granger-causa Y (Granger, 1969).
Por fim, calculamos a decomposição da variância do erro de previsão. Segundo Zivot e Wang (2005), a decomposição da variância pretende verificar qual é a proporção relativa de determinada variável na explicação da variância de outra variável do modelo, ao longo da previsão. Em outras palavras, identifica-se a relevância de cada choque (em cada uma das variáveis) na determinação das outras variáveis do sistema (Vartanian, 2010).
2.2 Dados
A variável de investimento greenfield é o valor do investimento em novas plantas, em dólar. Enquanto para a variável brownfield é o valor do investimento em fusões e aquisições. Ambos os dados foram adquiridos do UNCTAD (2019). A outra variável de interesse é o PIB per capita dos países corrigido pela paridade poder de compra aos preços de 2011 em dólar, extraído do Banco Mundial (2019). Foram utilizados dados de 132 países ao longo do período de 2003 a 2018, em que para as estimações foram divididas em dois grupos de acordo com a classificação por nível de desenvolvimento do Banco Mundial (2018). O primeiro grupo é o dos países mais desenvolvidos, os quais possuem renda nacional bruta per capita (RNB) maior ou igual a $12.056,00 em 2017. Para o segundo grupo, dos países em desenvolvimento, abarcou os países com renda per capita média-alta e média-baixa, que varia de $996 a $12.055. O período de tempo considerado vai de 2003 a 2018. Para satisfazer as propriedades de consistência do estimador de GMM para dados em painel que exige um número de unidades de cortes seccionais grande (N grande) e um número de pontos no tempo curto (T curto), colapsamos os pontos no tempo em 8 períodos, em que cada período é a média de dois anos.
3 Resultados e discussões
3.1 VAR em painel para variação nos investimentos greenfield e crescimento do PIB per capita
Esta seção busca avaliar a relação entre o crescimento dos investimentos greenfield e o crescimento do PIB per capita, tanto para a amostra completa, quanto dividindo-a entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Com base no critério de informação Bayesiano, foi definido um PVAR com um termo autorregressivo de primeira ordem para os três recortes amostrais.
Com base na Tabela 1 observa-se, inicialmente, que os instrumentos utilizados passaram no teste de Hansen e, portanto, os resultados podem ser interpretados. A primeira equação analisada descreve a dinâmica do crescimento do IDE greenfield com base nas observações defasadas do próprio crescimento do IDE greenfield e do crescimento do PIB per capita. Infere-se que um aumento no crescimento do IDE greenfield no período anterior influencia negativamente o crescimento do IDE greenfield no período corrente. Esse resultado sugere que há um tempo de “acomodação” dos investimentos em novas plantas, isto é, quando realizado em um momento anterior, há um período de adaptação e ajustamento, fazendo com que, no período corrente, aconteça uma diminuição desse tipo de investimento. Observou-se os mesmos resultados quando foram divididas as amostras em países desenvolvidos e em desenvolvimento, apesar da queda no primeiro grupo de nações ser menor comparativamente ao outro grupo. Isso indica que, dada uma expansão dos investimentos no período anterior, a diminuição que ocorre no período presente é mais acentuada nos países em desenvolvimento em relação aos países desenvolvidos. Esse resultado pode ser explicado pela dificuldade de manutenção dos investimentos em países em desenvolvimento nos anos analisados, dado que cada período é composto por dois anos. Nesse sentido, essas nações apresentam maiores instabilidades e desequilíbrios macroeconômicos ao longo do tempo, que podem comprometer e influenciar os investimentos de longo prazo, fazendo com que a queda de investimentos greenfield seja mais acentuada nos países em desenvolvimento comparativamente aos países desenvolvidos1.
VAR em Painel com as variáveis crescimento de IDE greenfield e crescimento do PIB per capita divididos em grupos de países com diferentes níveis de renda
Constatou-se, também, que o crescimento do PIB per capita no período anterior exerce um forte poder de atração sobre a variação do IDE greenfield no período corrente. Esse resultado pode ser explicado na medida em que países com maior renda possuem uma melhor estrutura física - portos, rodovias -, instituições, mão de obra mais qualificada, mercado consumidor mais solidificado, entre outros fatores, tendem a atrair investimentos desse tipo. Além disso, o crescimento do PIB per capita de um país tende a aumentar o retorno esperado dos investimentos no local, estimulando assim os investidores externos a alocarem uma parcela maior de seus recursos na forma de empreendimentos greenfield com o objetivo de explorarem potenciais diferenciais de ganhos nesse mercado.
A segunda equação analisada descreve a trajetória do crescimento do PIB per capita a ser explicada pelas observações defasadas do crescimento do PIB per capita e do crescimento do IDE greenfield. Nesse caso, notamos que um aumento no crescimento do IDE greenfield corrente afeta negativamente o crescimento do PIB per capita no período seguinte apenas dos países desenvolvidos e não apresenta efeito estatisticamente significante sobre o crescimento do PIB per capita dos países em desenvolvimento. Por fim, este modelo sugere que o crescimento do PIB per capita só é explicado pelas suas observações passadas.
Ademais, como mencionado acima e evidenciado na Tabela 2, o teste de estabilidade indicou que os três modelos são estáveis para as variáveis em primeira diferença, uma vez que os autovalores se encontram dentro do círculo unitário.
A Tabela 3 mostra os resultados para o teste de causalidade de Granger. Assim, indica-se que o crescimento do PIB per capita Granger causa o crescimento dos IDE greenfield. Por outro lado, o crescimento dos IDE greenfield não Granger causam o crescimento do PIB per capita. Isso indica que valores passados do crescimento do PIB per capita contribuem para determinar os valores presentes dos investimentos em novas plantas. Esse resultado pode ser explicado mediante a capacidade de atração desses tipos de investimentos em países com maior renda. Ao subdividir a amostra em dois grupos de países, percebe-se uma dupla causalidade de Granger entre o crescimento de investimentos greenfield e o crescimento do PIB per capita para as nações desenvolvidas. Portanto, diferentemente dos outros grupos, para as nações ricas encontrou-se um importante resultado de causalidade de Granger entre o crescimento dos IDE greenfield e o crescimento do PIB per capita, enquanto isso não foi verificado para as nações menos desenvolvidas. Esse resultado corrobora os estudos de Borensztein et al. (1998), Prasad, Rajan e Subramanian (2007) e Batten e Vo (2009), que sugerem que a variação do IDE greenfield geraria um aumento no crescimento do PIB per capita nos países anfitriões que possuem um estoque mínimo de capital humano, isto é, países desenvolvidos.
A Figura 1 mostra a Função de Resposta ao Impulso (FRI) ortogonal para o modelo de VAR em painel do crescimento do IDE greenfield e crescimento do PIB per capita para a amostra total e subdividindo-se em nações desenvolvidas e em desenvolvimento. Para isso, usamos o seguinte ordenamento para a decomposição de Choleski: crescimento do PIB per capita; crescimento do IDE greenfield. Infere-se que, para amostra geral e para os países em desenvolvimento há uma influência positiva de choques exógenos do crescimento do PIB per capita na variação dos investimentos greenfield a partir do segundo período bianual. Contudo, após esse período, esse efeito se dissipa levando à variável investimento greenfield para o seu equilíbrio. Enquanto para os países em desenvolvimento, não foi observada uma influência significativa do crescimento do PIB per capita sobre o crescimento do investimento greenfield.
Função de Resposta ao Impulso para o crescimento do IDE greenfield e crescimento do PIB per capita
Por outro lado, choques exógenos na variação nos investimentos greenfield influenciam positivamente esses investimentos em novas plantas no primeiro período, isto é, nos primeiros dois anos. Posteriormente, somente considerando a amostra total e as nações em desenvolvimento, há uma influência negativa da variável com ela mesma no segundo período, possivelmente devido à uma “acomodação” desses investimentos, isto é, há um período de adaptação aos novos investimentos para haver um novo aumento no terceiro período. Portanto, após o terceiro período, os investimentos em novas plantas tenderam para o seu equilíbrio.
A Tabela 4 mostra a decomposição da variância do erro de previsão do modelo de VAR em painel. Nota-se que, decorridos 5 períodos, isto é, 10 anos, a trajetória do crescimento do PIB per capita é afetada pelo seu próprio comportamento em 99% para todos os grupos de países. Assim, variações no investimento greenfield explicariam uma parte negligenciável da variabilidade do crescimento do PIB per capita. Por outro lado, decorridos os 5 períodos, cerca de 96% da variabilidade do crescimento dos investimentos greenfield é explicada por ela mesma, ao passo que o restante (4%) de sua variabilidade seria explicado pelo comportamento do crescimento do PIB per capita. Portanto, os resultados indicam maior dependência do crescimento do investimento greenfield em relação ao crescimento econômico, do que o contrário.
3.2 VAR em painel para variação nos investimentos brownfield e crescimento do PIB per capita
Esta seção tem por objetivo investigar a relação entre variações nos investimentos brownfield e o crescimento do PIB per capita, tanto para a amostra completa, quanto dividindo-a entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Com base no critério de informação Bayesiano, foi definido um PVAR com um termo auto-regressivo de primeira ordem para os três recortes amostrais. Contudo, ao estimar o modelo para uma lag, os instrumentos não passaram no teste de Hansen2. Portanto, optou-se pelo modelo que possuía o segundo melhor critério, que seria o de duas lags. Por outro lado, para os países desenvolvidos e em desenvolvimento o modelo com 1 lag foi melhor e, além disso, passou no teste de Hansen.
A Tabela 5 mostra os resultados do VAR em painel para a variável crescimento do investimento brownfield e crescimento do PIB per capita. Observa-se, inicialmente, que os instrumentos utilizados passaram no teste de Hansen e, portanto, eles são válidos. A primeira equação analisada descreve a dinâmica do crescimento do IDE brownfield com base nas observações defasadas do próprio crescimento do IDE brownfield e do crescimento do PIB per capita. Os resultados sugerem uma influência negativa do crescimento do IDE brownfield defasado em um e dois períodos sobre a mesma variável no período presente. Isso quer dizer que, quanto maiores são os valores das fusões e aquisições dos países, menores seriam seus valores futuros. Somente para os países desenvolvidos esse coeficiente não foi significativo.
VAR em Painel com as variáveis crescimento de IDE brownfield e crescimento do PIB per capita divididos em grupos de países com diferentes níveis de renda
O crescimento do investimento brownfield defasado apresentou uma relação negativa com o crescimento do PIB per capita. Isso significa que o crescimento do IDE brownfield em um período anterior influencia em uma diminuição do crescimento do PIB per capita no período atual. Contudo, dividindo os países em dois grupos, esse coeficiente não foi significativo.
Além disso, foi encontrado que a variável crescimento do PIB per capita defasada em dois períodos influencia negativamente o crescimento do próprio PIB per capita atual, provavelmente devido aos ciclos de renda que os países eventualmente sofrem.
A Tabela 6 apresenta os autovalores dos três modelos estimados acima. Dessa forma, o teste de estabilidade indicou que os três modelos são estáveis, uma vez que os autovalores se encontram dentro do círculo unitário.
A Tabela 7 mostra os resultados para o teste de causalidade de Granger para as variáveis crescimento do PIB per capita e crescimento do IDE brownfield. Para a amostra total e os países em desenvolvimento, os resultados indicam que o crescimento do PIB per capita não Granger-causa o crescimento dos investimentos brownfield. Por outro lado, para os países desenvolvidos, observa-se que o crescimento do PIB per capita causa, no sentido de Granger, um aumento nos investimentos brownfield. Esse resultado pode ser explicado devido aos vários fatores, além da renda, que influenciam a realização de investimentos em países em desenvolvimento. Os investimentos em fusões e aquisições nesses países envolvem mais tempo e planejamento em consequência da fragilidade institucional dessas nações, especialmente com relação às instituições financeiras, conforme Hur et al. (2011).
Evidencia-se também que o crescimento dos investimentos brownfield não Granger-causam o crescimento do PIB per capita. Esse resultado é diferente do captado pelos investimentos greenfield que indicaram uma relação de causalidade das variações desse investimento com o crescimento do PIB per capita para nações mais desenvolvidas. Portanto, percebe-se uma congruência com as conclusões de Bayar (2017) e Harms e Meón (2014), que encontraram uma maior influência no crescimento dos investimentos greenfield sobre o crescimento econômico em relação às variações nos investimentos brownfield.
A Figura 2 mostra a Função Impulso Resposta para o modelo de VAR em painel do crescimento do IDE brownfield e o crescimento do PIB per capita. Pelos resultados da amostra total e dos países em desenvolvimento observa-se que choques aleatórios no crescimento dos investimentos brownfield geram, no primeiro momento, um aumento das fusões e aquisições. E, em um segundo momento, há uma diminuição desses investimentos. Por fim, o crescimento dos IDE brownfield tendem ao equilíbrio após o terceiro período (seis anos depois). No mesmo sentido, para as nações desenvolvidas há um aumento significativo no primeiro momento e uma diminuição no segundo momento e, após esse período, os movimentos de investimento não são mais significativos, tendendo ao equilíbrio.
Função de Resposta ao Impulso para o crescimento do IDE brownfield e crescimento do PIB per capita
Sob outra perspectiva, para os países desenvolvidos, infere-se que há uma influência negativa de choques exógenos do crescimento do PIB per capita na variação nos investimentos brownfield a partir do segundo período, isto é, do terceiro ano. Contudo, após esse período, esse efeito se dissipa levando à variável crescimento do investimento brownfield para o seu equilíbrio. Esse resultado pode ser devido à aparente maior influência de investimentos greenfield sobre esse grupo de países. Assim, quanto maior a renda do país que já é desenvolvido, mais ele gerará de investimentos em novas plantas do que em fusões e aquisições, verificando um decréscimo de investimentos brownfield em um segundo momento. Ademais, para os países em desenvolvimento e a amostra total, não foi observada uma influência significativa do crescimento do PIB per capita sobre o crescimento do investimento brownfield. Como explicado na Tabela 7, para os países em desenvolvimento existem vários fatores - além da renda - que determinam os investimentos em fusões e aquisições, o que explica os resultados não significativos na influência do crescimento do PIB per capita sobre o crescimento dos investimentos brownfield.
A Tabela 8 evidencia a decomposição da variação do erro do modelo de VAR. Observa-se após os períodos em análise que o comportamento do crescimento do PIB per capita sofre efeitos de seu próprio comportamento em 97%, 97% e 99%, respectivamente, para a amostra total, os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Sob outra perspectiva, as variações nos investimentos em fusões e aquisições explicariam somente uma pequena parte das modificações do crescimento do PIB per capita.
De outro modo, decorridos os 5 períodos, para a amostra total e os países desenvolvidos, cerca de 98% da variabilidade no crescimento dos investimentos brownfield é explicada por ela mesma, ao passo que o restante (2%) de sua variabilidade seria explicado pelo comportamento do crescimento do PIB per capita. No entanto, os resultados para os países em desenvolvimento sugerem uma maior participação do crescimento do PIB per capita sobre as variações nas fusões e aquisições (cerca de 11%). Portanto, a variação na renda das nações menos desenvolvidas é mais importante para explicar as modificações no crescimento dos IDE brownfield, comparativamente aos greenfield. Ademais, os resultados continuam indicando maior dependência do investimento em relação ao crescimento do produto interno bruto, do que o contrário.
4 Principais conclusões
Este trabalho teve como objetivo analisar a relação entre variações nos dois tipos de investimentos e crescimento do PIB per capita dos países como proxy para crescimento econômico. Foram utilizados 132 países, os quais foram divididos em dois grupos, os de nações desenvolvidas e em desenvolvimento. A análise compreende o período de 2003 a 2018, divididos em 8 pontos no tempo. Foi utilizado o modelo de VAR em painel, bem como funções impulso resposta, causalidade de Granger e decomposição da variância do erro de previsão.
Observou-se que um maior crescimento do PIB per capita influencia positivamente na atração de investimentos greenfield no momento posterior em todos os níveis de renda dos países. No entanto, com relação aos investimentos brownfield, apenas nos países desenvolvidos o coeficiente foi significativo e apresentou sinal negativo, sugerindo que, nesse grupo, quanto maior o crescimento da renda per capita do país, menor será a atração de IDE brownfield no período subsequente. O resultado não significativo para países em desenvolvimento pode ser explicado a partir dos vários elementos que, para além da renda, determinam os investimentos em fusões e aquisições nesses países.
Em relação à influência dos investimentos no crescimento do PIB per capita, ambas as estimações sugerem que aumentos no IDE dos tipos greenfield e brownfield ou afetam negativamente o crescimento do PIB per capita no período seguinte ou apresentam coeficientes não significativos, sugerindo que o IDE não foi capaz de estimular o crescimento nos países da amostra ao longo do período considerado.
Para a causalidade de Granger, percebe-se uma dupla causalidade para o crescimento dos investimentos greenfield e o crescimento do PIB per capita, enquanto para os IDE brownfield apenas o crescimento da renda estaria causando no sentido de Granger um aumento deste investimento. Identificou-se, portanto, que os investimentos em novas plantas conseguem causar variações na renda dos países desenvolvidos (como vimos na estimativa do VAR em painel, o crescimento do IDE greenfield reduz o crescimento do PIB per capita nos países desenvolvidos). Entretanto, o mesmo resultado não foi identificado para os países em desenvolvimento, ou seja, o crescimento do PIB per capita não é afetado pelo crescimento do IDE greenfield.
Para a análise das FRI, constata-se que, para os países desenvolvidos, há uma influência negativa de choques exógenos do crescimento do PIB per capita na variação nos investimentos brownfield a partir do segundo período, isto é, do terceiro ano. Contudo, após esse período, esse efeito se dissipa levando a variável crescimento do investimento brownfield para o seu equilíbrio. Por outro lado, foi encontrado resultado oposto para os investimentos em novas plantas. Conclui-se, portanto, que há uma maior influência do crescimento da renda para aumentar os investimentos greenfield, comparativamente ao brownfield, nos momentos posteriores. Na decomposição da variância do erro de previsão nota-se uma maior dependência dos investimentos em relação ao crescimento do produto interno bruto, do que o contrário.
Por fim, os diferentes níveis de investimentos greenfield e brownfield entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento sugerem que ainda é preciso explorar com mais profundidade as forças econômicas e institucionais que determinam a composição do IDE. Além disso, acreditamos que ainda há um grande escopo de análises a serem realizadas com a finalidade de compreender em quais situações os investimentos podem ser capazes de influenciar no crescimento econômico dos países, para além da divisão de IDE greenfield e brownfield. Também seriam interessantes estudos de grupos de países mais similares, com a finalidade de entender as heterogeneidades que podem influenciar na relação entre IDE e crescimento econômico. Assim sendo, deixamos essas questões para serem discutidas em trabalhos futuros.
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JEL F21, O16, O23, R11.
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1
Carminati e Fernandes (2013) explicam sobre como as vantagens locacionais influenciam na atração de IDE, dentre as quais é citada a estabilidade econômica e política.
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2
Foram testados para vários tipos de matriz de instrumentos e, mesmo assim, o valor p dos testes de Hansen permaneciam ou significativos ou acima de 0,80.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Abr 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2022
Histórico
-
Recebido
03 Jun 2020 -
Aceito
28 Jan 2021